ABRUPTO

31.5.03


GLOBOS DE OURO


Não sei se é a coisa mais natural do mundo que Herman José apresentasse os Globos de Ouro. Natural para a SIC., natural para o Herman, natural para todos os que o aplaudiram, natural para todos os que acham natural porque, que eu saiba, ninguém se estranhou. Eu explico, embora tenha a sensação que esta não é uma questão clear cut, nem que eu tenha a certeza de ter razão.

O Herman é sem sombra para dúvidas o melhor no âmbito da sua profissão e um homem que ficará na história do espectáculo português que ele revolucionou como poucos. Haverá antes e depois de Herman . Confrontado com a intimação para ir depor, fez declarações não só sensatas como rigorosas de como se deve proceder naquelas circunstâncias. Fê-lo racionalmente e sem perder a comoção individual, a preocupação, o medo interior, o sentido de perturbação da vida, que aquela grave adversidade lhe traria. As suas declarações deveriam ser matéria de estudo no PS, que na semana anterior perdeu todo o senso de como, sem perder a emoção, as obrigações de amizade e solidariedade, tudo o que for, se devem comportar os cidadãos face à justiça. Mesmo que suspeitem da sua iniquidade. As declarações de Herman podem e devem ser comparadas às do PS porque se fazem no terreno do “espaço público”, com figuras “públicas”.

Agora Herman foi constuído arguido num processo-crime. Nós sabemos que continua inocente até prova em contrário, mas se consideramos que o que se está a passar com os processos da Casa Pia é grave (e eu suspeito de há muito que a condição de espectacularidade de tudo isto tem como efeito banalizar a gravidade por muita retórica condenatória que se faça à mistura), não existe uma obrigação de decoro por parte da SIC, em primeiro lugar, e de Herman em seguida, nas suas aparições públicas? Eu não vi os Globos de Ouro porque estava em trânsito, senão veria, mas sei que Herman foi ovacionado de pé por parte da assistência. O que é que foi ovacionado? O artista? Não há inocência naquela ovação: foi o Herman arguido num processo-crime que recebeu as palmas e por aqui se percebe a enorme ambiguidade que vai perseguir os contactos de Herman com o público. Ele sabe disso e compreendo que subjectivamente queira o conforto dessas palmas. Mas a SIC, que tem tido um papel junto com o Expresso na fronda moralista, sai mal. Não porque o moralismo, hipócrita desde o primeiro minuto, fique sempre mal, mas porque desrespeitou os seus telespectadores colocando-os perante um dilema inaceitável.

Falei de decoro. Sei que é uma atitude que não se usa muito nos dias de hoje. Mas decoro, reserva, uma certa retracção interior na sua exposição pública por parte de Herman seria mais consequente com o que ele disse antes de depor. A razão porque acho que o que digo não é preto no branco, tem a ver com outros considerandos que não se podem ignorar. Herman é um artista de espectáculo, logo trabalhar para ele é aparecer em público. Sei também que à volta dele existe um vasto conjunto de pessoas cujo emprego depende dele e com quem ele sente naturais obrigações. E, tendo em conta a morosidade dos processos em Portugal, o futuro de todas essas pessoas ficaria em risco. Tudo isso teria que ser ponderado.

Mas o caso dos Globos de Ouro é diferente. Trata-se de um espectáculo excepcional, o mais importante da SIC cada ano. A hipótese de substituir Herman foi concerteza ponderada e este, se tivesse pensado bem, teria dito à SIC, desde que foi chamado a depor, que não estava em condições de fazer o espectáculo, mesmo que continuasse com os outros programas. Mas insisto, a atitude da SIC é que é ambígua. É um pouco o equivalente de, no dia em que um Secretário de Estado fosse constituído arguido num processo-crime, fosse nomeado para Ministro.

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INTERESSE GERAL

Chamarei neste blog a atenção para algumas coisas que aparecem nos Estudos sobre o Comunismo , que penso terem um interesse geral para além dos especialistas . Podem aí encontrar um "poema" ultra-estalinista escrito por um "jovem" em 1953 quando da morte de Staline e um célebre (nos anos trinta) poema de Jaime Cortesão sobre um pescador anarquista que cortou a língua para não falar na PIDE , uma história verdadeira .

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30.5.03


O ESPECTÃCULO DA PEDOFILIA

Durante grande parte da manhã a SIC Notícias está a fazer directos do DIAP onde o “a chegada do humorista a qualquer momento” é esperada . Os comentários são do género , a “grande questão é saber se vem a pé calmamente ou chega de carro a grande velocidade” – o que aliás sugere já comportamentos de culpa ou de inocência - para além da patetice da “grande questão” . Todo o espectáculo à porta do DIAP é construído para gerar expectativa sobre os Globos de Ouro e ajudar às audiências . Depois venham lá falar-nos , em tom moralista , sobre a cruzada justiceira dos media para redimir os crimes cometidos na Casa Pia . Ao mais pequeno pretexto lá fogem as justificações e fica o show . Haverá alguém que ouça o modo como a SIC Noticias (e provavelmente as outras televisões ) está a transmitir a “chegada do humorista” que se lembre que se está a tratar de uma investigação criminal , de um crime que todos dizem , rebolando a boca , “hediondo” ? Entretanto , atraídos pela televisão , um bando de papalvos vai chegando para fazer de coro da tragédia .

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OBJECTOS EM EXTINÇÃO 6

Continuam as contribuições para o catálogo dos objectos em extinção . António lembra-se dos teclados das máquinas de escrever , que , aliás . migraram para os computadores :

De facto acabaram as máquinas de escrever, mas, mais grave ainda, desapareceu o teclado lusitano "HCESAROPZ" que, por força das circunstâncias informáticas, foi substituído pelo anglo-saxónico "QWERT". Não sei se isto é uma perda irremediável para a cultura lusíada e ignoro o que se passou no Brasil. Sei apenas que, aqui na França, continuamos a utilizar, sem problemas, o teclado "AZERTY".

Ivone Mendes recorda-se de outros objectos , alguns já aqui referidos , mas a lista vale pela sua globalidade , na lembrança sentimental de um mundo a desaparecer debaixo dos nossos olhos :


“-televisão a preto e branco
-telefonias a válvulas
-as válvulas das telefonias e, mais tarde das televisões (fundiam-se e substituíam-se, lembra-se?)
-discos de 78 rotações (não sou desse tempo mas é a minha mãe ainda viva!)
-grafonolas.
-pick-ups (tive um destes gira discos portáteis cor de rosa clarinho que era um sucesso nas festas todas!)
-canetas de tinta permanente que se enchiam nos frascos (no exame da quarta classe recebi uma linda, nacarada!)
-o exame da quarta classe
-as quartas de manteiga
-sabão azul e branco a peso
-o açúcar a peso tirado de dentro de sacos de estopa
-enfim... quase tudo o que era de mercearia podia ser comprado a peso
-os marçanos que nos entregavam as compras em casa
-o pão à porta dentro do saco de pano que dizia bordado em letra inglesa: Pão
-a menina dos olhos (nunca experimentei mas vi quem tivesse experimentado!) [Nota de JPP : penso que será a palmatória ]
-lâminas gilette e respectivo aparelho que tinha um parafuso em cima que se desapertava para colocar a lâmina que cumpria a sua função dos dois lados. “



Nelson Alexandre comenta o que escrevi sobre a durabilidade e as suas causas de alguns objectos mais antigos :

“À primeira leitura, pareceu-me evidente essa relação dos objectos ("... cadeiras , mesas , camas , pratos , copos , alguns talheres , a colher em particular. ") com a forma física do nosso corpo e com a nossa cultura alimentar. Mas só numa primeira análise. Porque, se deixarmos de lado a nossa cultura ocidental e olharmos a Oriente, todos esses referências culturais mudam e com elas, a forma dos objectos usados e mesmo a maneira como usamos o corpo em relação a eles; não muda, é claro, a forma física do nosso corpo. Pelo que, se calhar não serão tanto "objectos muito dependentes da forma física do nosso corpo , do modo como ele pousa , ou se alimenta" mas ligados a resistências culturais intrinsecas em relação a aquilo que será a nossa alimentação. A grande revolução dos objectos sempre teve como força impulsionadora a tecnologia. Só os avanços técnologicos permitiram que os objectos fossem evoluindo, resolvendo necessidades e, ao mesmo tempo, criando "janelas de possibilidades" para outras necessidades. Obviamente só uma profunda mudança nos nossos hábitos alimentares poderá criar a necessidade para o aparecimento de novos utensilios, por outro lado, a evolução tecnológica poderá trazer a faca de cortar a laser, certamente mais higiénica. E aí, passaremos a discutir uma outra questão pertinente, será um objecto definido pela sua forma, ou pela sua função? “

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29.5.03


.NOTAS SOBRE AS ESCOLAS DO JORNALISMO POLÍTICO 2

A Escola do Expresso
1. O Expresso encontrou-se depois do 25 de Abril na invejável situação de ser o único órgão de comunicação social moderno que vinha de antes da revolução e que passou relativamente incólume o PREC. Tinha por isso a vantagem de poder influir poderosamente no modo como se formava o jornalismo da democracia O seu pequeno envolvimento no PREC favoreceu a ultrapassagem da influência daquela a que chamarei a escola do jornal O Jornal, cujos herdeiros actuais são a Visão e, no plano cultural, o Jornal de Letras. Este grupo de pessoas mais velhas representava o núcleo de jornalistas-literatos que vinha da oposição e que trabalhara na Vida Mundial, no Século, no Diário de Lisboa, onde havia núcleos de jornalistas mais à esquerda, próximos do PCP e do MÊS.

2. A escola do Expresso é dominada por Marcelo Rebelo de Sousa que é o patrono de quase todo o jornalismo político português até à aparição do Independente. Marcelo deixou a sua marca em gerações de jornalistas e ainda hoje a sua "escola" é largamente dominante no comentário , e na formulação do noticiário político. Não existindo precedente para um jornalismo político democrático, porque a censura tornava-o impossível antes do 25 de Abril, Marcelo foi o primeiro a ocupar esse espaço e a criar um cânone para esse tipo de jornalismo.

3. A escola do jornalismo político de Marcelo, – que ele ilustrou na prática durante o tempo que dirigiu o Expresso, que influiu parcialmente no Semanário (onde Cunha Rego na última década da sua vida resistiu de algum modo a favor de um jornalismo mais substantivo), e ganhou uma dimensão audiovisual na TSF e mais tarde na TVI, sempre com suporte escrito na transcrição dos jornais –, consistia num tratamento ficcional da actividade política a partir de um autor-interpretador-classificador que é senhor da realidade e a molda. Os "cenários" e o seu corolário – o "facto político" como invenção ficcional – estão na base deste tipo de jornalismo político.

4. Os agentes políticos são apresentados como centrados na sua ambição e na sua carreira e julgados pela performance que mostram na gestão dessa carreira. Essa gestão é essencialmente entendida como gestão mediática, e gestão dos calendários, numa permanente procura da oportunidade ideal, e dá pouca atenção à substância política e ideológica da acção. Este tipo de julgamento da acção política pelo seu efeito mediático valoriza o papel do classificador-julgador, ele próprio. Daí que Marcelo tenha introduzido em Portugal vários mecanismos classificatórios – o "sobe e desce", as notas, etc. – de grande efeito comunicacional porque muito simples de entender e correspondendo a uma percepção judicativa por parte das audiências ou dos leitores de uma hierarquia da performance política. Esse tipo de obsessão classificativa foi transposta para determinado tipo de consultas de opinião como as que faz o Diário de Notícias .

5. O poder de classificar é um meio eficaz de deter influência política, bastante mais eficaz do que a qualidade das análises que suportam a classificação. As “maldades” que Marcelo é suposto fazer nos seus comentários derivam da impossibilidade de separar, neste tipo de jornalismo, o classificador do classificado, porque ambos se defrontam numa hierarquia ideal, com armas totalmente desiguais.

6. A análise por “cenários” é tão precária e frágil que raras vezes suporta uma verificação retrospectiva. Como este tipo de verificações não existem numa comunicação social com memória de quinze dias, o carácter ficcional, os processos de intenção, os inuendos passam despercebidos, ficando apenas o brilho verbal e imaginativo do discurso, o seu efeito espectacular. Este tipo de “cenarização” é particularmente frágil para defrontar fenómenos de conteúdo carismático – o efeito Cavaco ou Soares – que ultrapassam a dimensão gestionária e de oportunidade mediática das carreiras políticas que está na base da análise de Marcelo.

7. Quase todos os jornalistas de segunda linha que cobrem a actividade política são epígonos desta escola. Ela fornece-lhes um quadro interpretativo simples e um vocabulário judicativo que lhes transmite igualmente uma sensação de poder.Ela também é muito influente nos políticos de segunda linha que não sabem falar de política de outro modo . Não tem é a habilidade do mestre , nem a aparente distanciação do jornalista .

(Continua, a seguir vem a escola do Independente )

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28.5.03


O TEMPO

Há um ponto comum em vários "fios da meada" ( há em português alguma designação para "threads" ?) que daqui tem origem e depois são puxados noutros sítios . Os "objectos em extinção" e o "ler duas vezes" tem um ponto em comum - são sobre o tempo . No primeiro caso , o tempo é mais material , hard , de algum modo inevitável como todo o tempo é . No segundo , é o tempo psicológico , a nossa fábrica interior que se revela quando lemos diferente o mesmo livro .

OBJECTOS EM EXTINÇÃO 5

Um exercício que fiz para tentar encontrar mais objectos em extinção foi proceder ao contrário : tentar identificar aqueles que me parece impossível que desapareçam . sei lá , em cem ou duzentos anos , senão mais . E olhando à minha volta vários objectos parecem-me tão indispensáveis que é pouco provável que desapareçam : cadeiras , mesas , camas , pratos , copos , alguns talheres , a colher em particular . São objectos muito dependentes da forma física do nosso corpo , do modo como ele pousa , ou se alimenta .
O que é interessante é que todos eles são os mais antigos dos objectos - o interior de uma casa de Pompeia não é assim tão diferente nestes objectos do quotidiano de uma casa actual . A resistência destes objectos à extinção parece assim muito mais adquirida do que todos aqueles que são mais recentes . Tudo o que é recente à minha volta ou está a desaparecer ou a ser substituído rapidamente . Se for assim há um núcleo de objectos tão próximos do humano que nos acompanham há milénios .

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27.5.03


LER DUAS VEZES

Também neste caso somam-se as contribuições . Registo duas : a do Mwana com o The Catcher in the Rye de Sallinger e , imaginem , o O Sexo dos Anjos do Júlio Machado Vaz. Podia citar mas vale a pena ir ao blog porque são duas histórias simples e interessantes . No Quinto dos Impérios há também uma referência à Ilustre Casa de Ramires , com a vantagem duma citação devastadora para o Eça de Agostinho da Silva . A discussão imensa e certeira que se podia começar a partir dessa citação ! Talvez lá volte . Mas faço desde já a sugestão que imaginemos que Portugal queria Agostinho da Silva que estivesse na Ilustre Casa , onde ele anota que

"Não há uma palavra de povo, não há uma palavra de concelhos, não há uma palavra de burgueses, não há uma palavra de economia, não há uma palavra de verdadeira política."

e se este Portugal , que se entende a partir desta frase e do significado que estas coisas tinham no tempo em que foram ditas , não é tão artificialmente “construído” como o que critica em Eça .

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OBJECTOS EM EXTINÇÃO 4

1. Frederico Hartley recorda-se assim dos objectos em perdição :

Ao ler o post Objectos senti-me invadir por uma estranha melancolia e rapidamente passaram por mim uma miriade de utensilios que (à semelhança do lince ibérico) estão de tal forma em risco de extinção que chegamos a duvidar que eles alguma vez tivessem existido. E isto com a agravante de eu ter apenas 26 anos... mas vamos ao que interessa (aos objectos portanto) Os LPS, os singles de vinil; o meu ZX Spectrum 48 K de memória; as declarações de amor rabiscadas em papelinhos e passadas debaixo da mesa na aula de matemática (substituidas por sms com muitos K à mistura num código que eu acho absolutamente indecifrável); as cartas, os postais e os telefonemas em cabines telefónicas em horários previa e meticulosamente combinados quando as férias grandes nos apartavam da luz dos nossos olhos e nos remetiam para um silêncio e uma distância dificil de contornar; a máquina cor-de-laranja de fazer iogurtes consumidos ao pequeno almoço antes de ir para a praia; as cópias passadas literalmente a papel quimico; e poderia continuar mas já tive a minha dose de nostalgia, acho que vou fazer uma corrida de caricas com o meu primo ou ver os desenhos animados apresentados pelo Vasco Granja, intercalados pelos anuncios da pasta medicinal Couto, o Restaurador Olex, a bic laranja escrita fina ou a bic cristal escrita normal.”

2. A questão dos objectos em extinção , que tanto interesse tem suscitado em muitos dos que para este blog escrevem e nos outros blogs ( um dos últimos foi a Linha dos Nodos ) , não é apenas uma mera lista . O objectivo é perceber se somos capazes de entender essa fluidez do tempo a passar à nossa volta . Não é em primeiro lugar um exercício de nostalgia , embora também possa ser , nem um catálogo da evolução tecnológica .
Se olharmos em volta para as coisas que nos são familiares, a pouco a pouco a desaparecer das partes visíveis da casa , da roupa , do corpo , e a imperceptivelmente mudarem para as dispensas ou os sótãos , perdida a sua função útil , percebemos melhor que a força invisível do tempo atravessa tudo à nossa volta . Se pudéssemos fazer um filme da nossa vida , dos seus lugares , da sua ecologia , que em minutos resumisse 100 anos – e a prazo isso será possível com o projecto do MyLifeBits a caminho do Windows (voltarei a falar disso ) - teríamos então algo de parecido com os efeitos especiais de alguns filmes de ficção cientifica . Recordo , por exemplo , uma velha versão cinematográfica da máquina do tempo de H.G.Wells , em que isso acontecia – a partir de uma casa vitoriana para os campos verdes da distopia futura . Aliás a própria máquina também desaparece como os nossos objectos

"I seemed to see a ghostly, indistinct figure sitting in a whirling mass of black and brass for a moment—a figure so transparent that the bench behind with its sheets of drawings was absolutely distinct; but this phantasm vanished as I rubbed my eyes. The Time Machine had gone."


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26.5.03


HISTÓRIA DA EUROPA

A melhor história da Europa publicada recentemente é a do professor Norman Davies , um especialista da Polónia e da história da Europa Central ( Europe : A History ) . É um livro muito bem escrito , na melhor tradição da história narrativa inglesa , que pode ser lido aos bocados , para trás e para a frente , com grande prazer . O professor Davies usa uma técnica de organização do livro que inclui , no meio do texto , quadros sobre sub temas considerados significativos e que podem ser contados em separado numa ou duas páginas , com um desenvolvimento que desequilibraria o texto geral se nele fossem integrados . Uma espécie de hipertexto.
Existem outros dois livros recentes de Davies , The Isles : A History e Microcosm e foi reeditada a sua clássica história da Polónia . Para além da história da Europa eu só li os primeiros capítulos de The Isles , a história das ilhas “britânicas” , mas o mesmo prazer de “ver” a história a fazer-se , neste caso a pré-história , a colonização celta e nórdica , é enorme . Se puderem ler vale mesmo a pena porque é tudo para não especialistas. Só a grossura dos livros os torna dificilmente transportáveis .

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CINCO HAIKAIS DE ISSA

Lento caracol
Devagar, devagar caminha
E o Fuji escala!

Com o rouxinol
E tu, ausentes, vigia
A casa, caracol!

Pato, pato selvagem
Com que idade fizeste
A tua primeira viagem?

Quando voltares
Não esqueças a minha casa.
Borboleta que partes!

Desaparece o carvalho,
Não tendo com este mundo impuro
Nada que ver.


Estas traduções que fiz , no remoto ano de 1966, foram incluídas numa selecção de haikais para ilustrar um pequeno ensaio que foi publicado no Diário de Lisboa Juvenil em 17 de Maio do mesmo ano. O ensaio ganhou um primeiro prémio ex-aequo com um “José Mariano” que era o José Mariano Gago. O prémio era dado por uma variante química do “dinamite cerebral” de que falavam os anarquistas, o Fósforo Ferrero. Foi uma honra e na altura deu algum dinheiro.
Republico a curiosidade para ilustração do processo de formação da geração da segunda metade dos anos sessenta, que inclui uma atracção um pouco hippie pelas coisas orientais, pelo budismo Zen e pelo que se fazia em S. Francisco. Isto hoje parece tudo banalizado, e está decididamente fora de moda, mas na época era uma actividade ultra-elitista, de meia dúzia de cognoscenti. Outro aspecto ignorado neste processo geracional é que a intensa politização é posterior às atracções estéticas e não o contrário. É a radicalização estética que leva à radicalização política , como acontecera com os surrealistas . Os surrealistas foram trotsquistas , eu e muitos outros maoistas .
Sobre as tradução são o que são, não pude sequer confronta-las com outras entretanto saídas em português . Só sei que à data, salvo raríssimas excepções , a maioria das quais brasileiras , o mundo dos haikais era muito pouco conhecido em Portugal . A familiaridade que hoje se tem com a forma não existia .
Eu fiz a “tradução” usando várias versões que existiam em francês e espanhol na Biblioteca Municipal do Porto , uma das quais tinha a transliteração do japonês . Eu lia alto o japonês para tentar perceber o ritmo da frase , que depois adaptava ao português . Daí os pontos de exclamação para marcar o fim rápido e contido , típico dos haikai .
Sobre Issa há uma página japonesa bilingue que contem uma fotografia da casa onde vivia .

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UM POEMA PARA OS NOSSOS DIAS EM QUE "MUDO E SECO É JÁ TUDO"

O sol é grande, caem coa calma as aves,
Do tempo em tal sazão que sói ser fria:
Esta água, que d'alto cai, acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó coisas todas vãs, todas mudaves,
Qual é o coração que em vós confia?
Passando um dia vai, passa outro dia,
Incertos todos mais que ao vento as naves!

Eu vi já por aqui sombras e flores,
Vi águas, e vi fontes, vi verdura;
As aves vi cantar todas d'amores.

Mudo e seco é já tudo; e de mistura,
Também fazendo-me eu fui doutras cores;
E tudo o mais renova, isto é sem cura.

(Sá de Miranda)

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25.5.03


AGENDA

1. Ainda tenho muito correio atrasado e o que se atrasa mais é o que tem que ser respondido com mais vagar .

2. Saudações a Heterodoxias , à Linha dos Nodos e a Intelligo . Neste último está o poema de Tirteu , um dos que foi referido numa discussão passada sobre a "estetização da guerra " antes da intervenção no Iraque .

3. Temas a que regressarei : astrologia e ciência , cinema francês , objectos em extinção, tentando daqui a um mês fazer um primeiro catálogo geral de todas as sugestões (veja-se também a contribuição de O País Relativo ) ; ler duas vezes o mesmo livro (veja-se um testemunho interessante em A Espada Relativa de um livro de que nunca me lembraria o Bonjour Tristesse de Françoise Sagan ) , jornalismo político em Portugal , conversa com a Montanha Mágica sobre a poiesis e o destino do mundo … Em matéria de ambição estamos conversados .

4. Embora eu não misture os dois blogs há uma troca de correspondência sobre os advogados comunistas e da oposição antes do 25 de Abril nos Estudos sobre o Comunismo , que penso ter interesse para além dos especialistas na matéria .


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EM MEMÓRIA

Gostava de colocar na página dos Estudos sobre o Comunismo duas pequenas biografias de José Alexandre Magro ("Ramiro da Costa" ) e Manuel Sertório , os dois lembrados amigos da equipa inicial de 1983 da revista com o mesmo nome , que já morreram . Agradecia a todos os que tiverem elementos para essas biografias que mos fornecessem . Devida nota dessas contribuições será feita .

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24.5.03


CASO CASA PIA

A bomba inteligente e a Piolheira pedem-me uma opinião sobre o caso das investigações da pedofilia . Há várias razões porque penso que neste caso nada de útil poderia dizer no blog , nem este me parece a forma apropriada para uma opinião que teria que ter mais solidez do que as “impressões” , para acrescentar alguma coisa . Porque “impressões” é o que há por todo o lado .

Depois há outras razões . Primeiro porque falei sobre essa matéria em devido tempo – quando do lançamento do meu livro Vai Pensamento coincidindo com a primeira semana do escândalo - e , com toda a franqueza , não penso que valha a pena acrescentar algo mais . Quando disse o que disse ainda praticamente ninguém se tinha pronunciado a não ser para repetir os apelos ao sangue e já se percebia muito bem onde isto iria dar . Nada do que aconteceu a seguir me surpreendeu , nem quanto ao caso em si mesmo , nem quanto ao comportamento dos media e dos políticos . Uma nota breve : nessa mesma noite a Felícia Cabrita respondeu-me da solidão da sua cadeira na SIC , com as imprecações do costume . Nem ouvi .

Segundo , sobre a pedofilia propriamente dita e sobre o caso belga já escrevera antes do caso Casa Pia , sobre a selvajaria do modo como mediaticamente se transforma tudo isto num espectáculo , também .

Terceiro , salvo raríssimas excepções , quando há situações destas , combinando negligência criminosa , crimes de poderosos , vozearia justiceira nos media , moralismo a rodos , cabalas , perseguições e conspirações , a avalanche de palavras é tal , que me apetece é estar calado .

Quarto , se pensam que isto é um grande abalo nas instituições do país , enganam-se . No que elas se podem abalar , já estão abaladas . Isto passará porque o excesso de comoção é artificial , no fundo ninguém quer verdadeiramente saber do que é relevante , mas apenas da poeira . Há mais voyeurismo do que genuína preocupação .

Por último , se houver alguém interessado em ouvir uma actualização da discussão sobre o caso Pedroso e escutas ao PS , amanhã no Flashback da TSF a questão é discutida e penso que o programa ficou bom .

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OBJECTOS EM EXTINÇÃO 3

Maria Poppe pede-me para dar os parabéns “à transmontana Alexandra pelo seu trabalho de casa” [ ver nota sobre objectos no Abrupto de 22 de Maio ] e moderar algumas extinções sugeridas , com uma forte componente de experiência maternal :


“1º - penicos, lá em minha casa, ainda tiveram bastante uso até há bem pouco tempo, com 3 pequeninas pilinhas incontinentes que por lá andam;

2º - ganchos, estou com ela, aliás com este calor temos mais é que agarrar o carrapito!;

3º - Joelheiras para remendos ainda me farto de aplicar para evitar de duas em duas semanas uma visita às lojas de roupa para crianças (mas acredito que só quem tenha 3 jogadores de foot em casa ainda saiba das joelheiras); não me lembraria dos protectores de sapatos não fora a dica, que agradeço, talvez o calçado (esta pode ir já para o tal catálogo das palavras em desuso) passe a resistir um bocadinho mais;

4º - fraldas de pano, impossível não ter uma ao pé qd se tem bebés, o seu destino é que mudou, ao em vez de lhes forrar a "bundinha" (como dizem os brasileiros) passou a ser um instrumento multi-usos: amparador de cabeça e de chucha, a própria chucha, lençol, guardanapo, protector solar ...”.



Quanto aos véus para a missa “acho que só as noivas ainda o usam, mas como tanto as missas como os casamentos também eles parecem estar a cair em desuso, por este caminho não sei qual desaparecerá primeiro.”

Acrescenta à lista locais ainda não extintos mas em vias de extinção,


- "drogarias e todas as suas iguarias;

- lojas de café e chá(só de pensar q um dia possamos deixar de ser surpreendidos pelo aroma do café a meio de uma caminhada já começo a esmorecer);

- todas as retrosarias da rua dos retroseiros;

- o hospital das bonecas;

- serviços de vão de escada, género: florista, sapateiro, quiosque;

- lojas de especialidade como a das luvas na Rua do Carmo e a dos Chapéus na baixa


Num outro e-mail , Maria acrescenta as novelas radiofónicas :

Não fora o livro do Vargas Llosa "Tia Julia e o escrevedor", (…) e uma cassete (…) com uma gravação clandestina dos shows do inominável "Joe Frank"(….), um californiano que durante anos teve um programa de rádio semanal com histórias por ele imaginadas e encenadas, nada mais me restaria dessa deliciosa arte de contar. “

No Folhetim Iluminados , na Liberdade de Expressão e no Mar Salgado também se discutem as extinções .

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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

Poucos livros me deram maior prazer em reler nos últimos tempos do que a A Ilustre Casa de Ramires . Hesitei em escrever “reler” , porque em Portugal toda a gente “relê” mesmo que não tenha lido , mas no meu caso é a humilde verdade . Mas também é verdade que já me lembrava pouco do que tinha lido e , acima de tudo , tinha lido diferente , como muitas vezes se lê noutra idade . Aliás toda a minha experiência é a de que certos livros devem ser lidos duas vezes . A Alice no País das Maravilhas , as Viagens de Gulliver , Robinson Crusoé , os Contos de Andersen , tem uma dimensão na imaginação da infância e adolescência e outra nos sentimentos e no intelecto depois , e nenhuma substitui a outra .
Voltando à Casa . esse retrato póstumo que Eça deixou de Portugal , do seu amor por Portugal , da sua pertença a Portugal , devia ser leitura obrigatória . Tudo é bom , o retrato do Gonçalo Ramires , a cobardia de Ramires , a província e a cidade da pequena política comunicante entre ambas , a novela “histórica” que alguns pensam ser um pastiche irónico de Herculano , mas que é uma notável história de per si , o sonho de Ramires , o segundo sonho colonial de Ramires , e o fabuloso diálogo final identificando Gonçalo , nas suas qualidades e defeitos com Portugal , numa apreciação certeira de uma personagem secundária de quem não se esperava tal intuição .


LER DUAS VEZES – UMA SUGESTÃO

Seria interessante conhecer a experiência de quem leu duas vezes o mesmo livro e sentiu a leitura como algo de muito diferente . Voltarei a escrever sobre isto .

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ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO

Tenho estado a trabalhar noutro blog intitulado Estudos sobre o Comunismo . É um blog de outra natureza , destinado a ser um instrumento de trabalho para os meus estudos de carácter académico sobre o comunismo e o PCP e , a prazo , ser partilhado com a pequenísima comunidade de pessoas interessadas nesse assunto . Quem tiver curiosidade de lá ir espreitar tem aqui o endereço .

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23.5.03


PAÍS BASCO , A DOIS DIAS DE ELEIÇÕES

Recebi de Edmundo Moreira Tavares um e-mail muito interessante sobre a situação no país basco , que aqui publico , numa grande parte , com autorização do autor. Insere-se na tentativa que tenho feito , – sem grandes resultados , a dois dias de eleições , onde mais uma vez uma parte dos bascos vão votar sem liberdade plena - , para suscitar uma maior atenção a esse problema tão nosso vizinho .


A situação que descreve, [ em notas afixadas no Abrupto em 14 e 16 de Maio ] de condicionamento da opinião "espanholista" é uma realidade que, inclusivamente, vai mais além dos exemplos políticos que apresenta. Há bastiões "abertzales" onde o "espanholismo" vive, pode-se dizer, em estado de acantonamento por intimidação, senão mesmo em autêntica clandestinidade cívica. É assim em aldeias do Norte de Navarra, da maior parte de Guipúzcoa ou do extremo leste de Vizcaya. Consultando os resultados eleitorais verifica-se que, não obstante uma séria erosão de votantes, as"capas legais" da ETA ainda têm resultados espantosos.

Diga-se que esse é um universo onde sempre se falou basco e onde o "espanholismo" sociológico teve sempre expressão limitada. Contudo, o elemento essencial do radicalismo independentista nem está tanto aí. Como observa, está no PNV-EAJ (Partido Nacionalista Vasco) e no EA (Eusko Alkartasuna) - partidos burgueses teoricamente "moderados" que dominam, em conjunto, para aí 2/3 da geografia eleitoral, de uma forma transversal. Esta é a base social de apoio do independentismo histórico, havendo uma incontornável cumplicidade entre ela e os jovens radicais, de onde emerge a ETA. Forçando a nota, é um pouco como o que se passa entre Arafat e o Hamas...

As aspas que coloquei em"moderados" advém de que, quanto ao objectivo (explícito), não há divergência com os radicais "abertzales". Com efeito, o objectivo é a independência e há também a mesma lógica de exclusão em relação ao"espanholismo". A burguesia indígena, desde a mais atávica à mais progressista, partilha desta ideia "soberanista" e exclusivista. O bom clero, o diligente professorado, até o pequeno empresariado empreendedor, partilham esta sensibilidade e acorrem a votar diligentemente de eleição em eleição no PNV-EAJ ou no EA, suceda o que suceder.

Esta é uma sólida base social. Logo, estes partidos "moderados" não podem ir mais além do que formais homilias condenatórias e paternais ralhetes sobre os jovens"abertzales"... Toda a "sua gente", lá bem no fundo, simpatiza com essa juventude...O mais curioso é que, sem ignorar a opressão franquista, o nacionalismo basco assenta as suas bases em alguns equívocos.

1 - Ao longo dos tempos pré-industriais não houve significativa tensão entre os bascos e o estado espanhol - de um modo geral, houve até muito menos do que noutras regiões. As primeiras tensões (e fortes) deram-se com a chegada da industrialização, mas, na sua expressão política, estiveram muito longe de assumir uma forma "anti-espanhola", foram antes manifestações de feroz tradicionalismo, perfeitamente integráveis numa ideia nacionalista espanhola radical (Carlismo).

2 - Uma parte dos símbolos e iconografia nacionalista (bandeira, designações territoriais) não é originária de uma genuína cultura basca, supostamente rural e hermética, mas de um trabalho artificioso dos jovens nacionalistas urbanos de primeira geração - finais do século XIX, inícios do século XX.

3 - A ideologia fundadora do nacionalismo basco (Sabino Arana Goiri, finais do século XIX) constitui uma teoria racista de cariz positivista. Pertence ao mesmo ramo das que estiveram na base da ideologia nazi. Sustenta uma individualidade rácica, cultural basca, apartada das componentes estruturantes da Espanha moderna. Deve-se notar, contudo, que muitas as linhas de investigação, sobretudo através da língua, convergem no sentido deque alguns elementos da matriz linguística castelhana, no que esta divergedas suas parceiras românicas, são originárias do basco ! É bem sabido que as origens do castelhano são, sob o ponto de vista geográfico, íntimas daquilo a que os independentistas desinam como "Euskal Herria" (Terra dos Bascos): Extremo Norte da actual Província de Burgos e La Rioja."

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FUTEBOL NOS ÚLTIMOS DIAS

Achei que valia a pena citar o que escrevi sobre esta matéria , há pouco mais de um ano (Março 2002) , na ultima campanha eleitoral :

"A redução da campanha eleitoral ao futebol é típica de quem entende Portugal como um país do Terceiro Mundo .Infelizmente muita gente que vive hoje num estado de grande excitação com os eventos recentes é mesmo do Terceiro mundo . Cabeça leviana e de “pensamento débil” , não lê e não se interessa vivamente por nada , nem por coleccionar selos , nem jardinagem , nem pintar modelos de aviões , nem por fazer jogging aos domingos . Ou vivem numa pasmaceira ensonada , vitimas de tudo e de todos ; ou zangados com o mundo todo , a começar no colega de trabalho e acabar nos “políticos” .
O futebol eles percebem . É simples , uns ganham outros perdem , basta contar os golos . Que três é maior que dois ainda faz parte da matemática que se ensina nas escolas . Depois percebem aqueles ânimos exaltados de uns contra os outros , as zangas e as reconciliações , toda aquela barulheira que enche a primeira meia hora dos noticiários televisivos , as mentiras , as peripécias , os cheques que deviam ter entrado e não entram , os negócios imobiliários de milhões , as “chicotadas psicológicas” , soberba designação .Pelos vistos também percebem aqueles exércitos ululantes , vestidos na mesma cor , que agarrados às grades e ao arame farpado em que estão enjaulados , chamam coisas amáveis à mãe dos árbitros e cuja virtude o Estado homenageia pondo lhes um pelotão de policia de choque à frente .
Os órgãos de comunicação social de massas , em particular as televisões , com destaque para a “pública” , acham que este mundo é o mais importante que há e os rios de palavras e imagens que lhe dedicam em horário nobre iriam da Terra a Plutão , numa estimativa conservadora . Mentores e espelho deste terceiro mundismo , os órgãos de comunicação social criam um poderoso centro de gravidade de que dificilmente se escapa instituindo como importante o que é irrelevante , e impedindo qualquer voo para além desta simplicidade asinina mas espectacular , sanguínea , e grandiloquente . Muita gente pensa que Portugal pode ser reduzido a esta imagem e semelhança , mas não é este o pais porque me bato ."






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22.5.03


OBJECTOS EM EXTINÇÃO 2

Num e-mail que recebi de Alexandra Soares Rodrigues fazem-se vários comentários de método pertinentes e uma lista de sugestões de objectos em extinção .

"Eu tinha interpretado a sua sugestão como um exercício de constatação e não de futurologia (sem ironia). Como tal, quando comecei a fazer a lista, colocaram-se-me imensos problemas relativos a algumas fronteirizações. Do tipo: alguns objectos podem ser sentidos por mim como em desuso, mas ainda serem vulgares em estratos da população latos ou estreito. Ou, ao contrário, outros objectos podem ainda ser usados por mim e serem considerados "arcaicos" pela maioria das pessoas. Não seria, pois, aconselhável operar com fronteiras do tipo regionais, sócio-culturais, etc.? Outra coisa: what do you mean by "nossa geração"? "

A lista de objectos inclui :

"- o mais óbvio de todos: escudos;
- ganchos de cabelo para fazer um penteado que na minha terra se chama "crucho" e que é amplamente tratado numa série de pinturas da Graça Morais;
- véu para ir à missa (embora não seja já do tempo em que eu ia à missa, mas do infância dos meus pais);
- joelheiras para remendos;
- faca para cortar papel;
- candeia;
- protector de sapatos;
- ceroulas;
- penico;
- fraldas de pano;
- polainas;
- combinação (underware).

Quanto a futurologia, varas manuais de esvarejar oliveiras estão a ser (só agora na minha terra - sou transmontana) substituídas por varas mecânicas.
Parece-me que objectos como os ditos ganchos, juntamente com o penteado para que servem, soam arcaiquíssimos. Eu, que nasci logo a seguir ao 25 de Abril, ainda uso de vez em quando, mas é um objecto desconhecido por muita gente da minha idade.


E , por último , algumas sugestões interessantes de alargamento da lista :

"Isto leva-me a pensar que seria também interessante fazer outro catálogo: o das atitudes/comportamentos em vias de extinção. E mais um catálogo: de palavras ou expressões em desuso. E, já agora, confrontar objectos em extinção com as palavras que os designam. Do tipo: grafonola. O objectivo era ver se a palavra prevalece numa expressão "falar como uma grafonola" .



Veja-se também sobre o mesmo tema um muito interessante comentário ( e outra lista de sugestões ) em A Janela Indiscreta .



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POUCA HISTÓRIA

1. Porque razão entre os temas dos blogs e das mensagens neles afixadas há tão pouca presença da história ? Política , literatura , artes , futebol , sexo , sátira , diários íntimos , tudo lá está , mas não há quase nada sobre história . Há respostas possíveis , como por exemplo , a que nas gerações mais jovens , educadas numa escola pós-estruturalista , há pouco lugar para a história ; ou que a imediaticidade dos blogs é contrária à presença de tempos mais longos . Vale a pena discutir .

2. Não tenho dúvidas nenhumas que o conteúdo dos blogs vai ser no futuro tratado como fonte da história , substituindo um pouco o papel da correspondência tradicional . No entanto , dado seu carácter público , mesmo que contenham muitas inconfidências , boatos , opiniões vulgares , comuns , não tem a liberdade interior de algumas correspondências privadas que são fontes privilegiadas da história porque nos dão o “outro lado” : os ódios disfarçados , os ressentimentos , a schadenfreunde .

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TERTÚLIA COM A MONTANHA MÁGICA 2

Pergunta-se na Montanha

Chegados aqui, podemos voltar ao princípio: que novo século queremos?”

Quando Castorp desceu da Montanha encontrou na planície forças mais poderosas em acção do que as que moviam o ímpeto de Settembrini ou Naphta nas suas discussões . Essas forças eram “filhas” da “educação” que lá em cima Castorp teve no mundo “mágico” da Montanha ( interessante me parece agora a palavra “mágica” , bem pouco de Mann … ) : o nacionalismo , o comunismo , o nazismo já estavam dentro quer do jesuíta quer do mação .
Se nós hoje descêssemos da Montanha , onde a “educação” provavelmente seria mais pobre , encontramos também forças terríveis em acção , talvez com menos “ismos” , a não ser o “fundamentalismo” que é mais uma atitude do que um sistema . Se olharmos para o século XXI encontramos uma confluência de movimentos . desejos , vontades , actos num sentido que talvez nunca tenha sido tão perigoso.

Penso , de há muito , que o século XXI vai ter um problema muito sério com a proliferação de armamento nuclear , químico e biológico . São cada vez armas mais acessíveis e no caso do armamento biológico , potencialmente destrutivas do tecido social , muito antes de deixarem o seu cortejo de mortos . O que se está a passar com o SARS é apenas um pequeno exemplo , exagerado pela cobertura mediática , mas mesmo assim devastador . Se alguém atacar com a varíola , então ver-se-á como é .

Havendo os meios , há também os executantes . este novo surto de terrorismo apocalíptico , que , auto-destruindo-se , quer levar consigo o maior número de pessoas , encontra nestas armas um instrumento perfeito . A conjugação destes dois factores , armas e vontade implacável de as usar , gera riscos infinitos . Já não lidamos com guerras macro , mas sim com guerras micro . O small is beautifull chegou á mais antiga e persistente actividade humana . Se Castorp descesse hoje e não em 1913 ou 1914 , era esse o “baile trágico” que teria de dançar .

Diz a Montanha Mágica

É possível, hoje, século XXI, a ressurreição de Cristo? É aqui, caro JPP, que parece divergirmos, pois achamos que já existe esse mundo novo, e ao contrário dos primeiros cristãos que se escondiam nas catacumbas, pois não tinham outra solução, hoje esse Amor existe, e manifesta-se livremente tanto na sociedade em geral (será uma minoria? Não sabemos.), como em vários domínios específicos, como por exemplo, o das artes. “

Não sei . Nem nas artes . Pode muita coisa já ter acabado e nós não termos dado por ela e estarmos num oceano de esterilidade convencidos que a força da poiesis continua .


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Compreende-se a alegria da vitória. Compreende-se a paixão futebolística. Compreende-se mesmo o papel que tem o futebol como lenitivo para um país muito deprimido.
O que não se compreende é o terceiro-mundismo de ver tudo quanto é autoridade nacional, PR, PM, políticos, deputados, presidentes de câmaras, sentados na bancada de honra, como se o destino da pátria se jogasse em Sevilha. Como se tivessem medo de , não indo , serem criticados ou perderem o átomo de popularidade perversa que estar na bancada com Pinto da Costa dá. Do outro lado, nem um subsecretário do Governo de S. Majestade, num país onde o futebol desperta as paixões conhecidas, certamente não inferiores às nossas.
O que não se compreende é que a televisão pública durante horas e horas se transforme numa emissora desportiva exclusiva, contribuindo para o excessivo papel que tem o futebol na narcose nacional.
O que não se compreende é como não se compreende que este é o retrato do nosso atraso .

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SAUDAÇÕES

à Santa Liberdade do José Adelino Maltez e a minha pena de ver parado o melhor instrumento de trabalho cronológico online sobre o pensamento político contemporâneo existente em Portugal .

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OBJECTOS EM EXTINÇÃO

Tenho recebido várias respostas quer em correio electrónico , quer nos blogs à sugestão que fiz de um catálogo dos objectos em extinção.
Há coisas interessantes neste catálogo : uma é sermos capazes de identificar o “vento” da história à nossa volta , outra distinguirmos onde ele sopra mais e onde ele quase não sopra . Por exemplo , é mais fácil de perceber nos objectos associados a determinadas tecnologias, do que noutros mais próximos do nosso quotidiano .

O Contrafactos faz uma referência pertinente ao sitio dos Media Mortos que cobre essencialmente instrumentos e tecnologias associados à comunicação e à informação . Talvez nessa matéria não valha a pena ir mais longe , dado que as listas aí arquivadas são bastante completas . Revelam aliás a enorme aceleração tecnológica dos últimos cento e cinquenta anos , mostrando até que ponto essa velocidade deixou atrás de si um imenso rastro de objectos que hoje ninguém saberia para que serviriam e como funcionavam .

A maioria das propostas que me foram enviadas são naturalmente desta categoria :

Há várias referências ao telefone, aos telefones antigos, de disco (Sopa de Pedra e Folhetim Iluminados ) e aos sistemas de numeração telefónica que podiam indicar zonas dentro da cidade e que entretanto desapareceram . (Folhetim Iluminados )

A disquetes , e outros media de registo electrónico

Chaves do carro , proposto pelo Complot , a serem substituídas por outro tipo de “chaves” electrónicas .

Pager ou Bip

O saco de plástico publicitário , rolo de fotografia , livro em papel , com mais ou menos certezas ou dúvidas , propostas em A Piolheira .

A Piolheira sugere os únicos exemplos que saem deste domínio exclusivo dos Media Mortos ou a morrer , para outro tipo de objectos : o maço de tabaco , e a caixa de fósforos .

(Continua)


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20.5.03


AS ESCOLAS DO JORNALISMO POLÍTICO EM PORTUGAL 1

Esta nota precede outra que estou a preparar sobre as escolas do jornalismo político português . Mas para quem vê e ouve Marcelo Rebelo de Sousa na TVI é fácil perceber que a sua conversa é estruturada como se fosse um jornal semanário , como se fosse o Expresso quando ele o dirigia . Trata da semana anterior , tem editorial , mais neutro , mais distanciado , proclamativo ; tem artigos de opinião , do próprio e do próprio com pseudónimo , contendo cenários e calendários cenarizados ( o elemento essencial da "análise" política de Marcelo ) ; tem notícias tratadas ao modo jornalístico , superficial , e com títulos e entradas opinativas - aqui nas matérias que não lhe interessam , não domina mas que tem que falar dado que se trata de um "semanário" , como tudo o que disse respeito à guerra do Iraque - ; tem a secção "Gente" , crucial neste tipo de jornalismo para incluir informações pessoais importantes e perfídia , que não podem ter corpo na parte séria ; tem roteiro , com os espectáculos inevitáveis , e com listas de livros ; tem cartas dos leitores . Um pouco por todo o lado há "encomendas" dos amigos do director , como é igualmente habitual nos semanários . De facto não é preciso uma multidão de jornalistas para fazer um jornal - Marcelo faz um todas as semanas sozinho e , quando se percebe a lógica , mais transparente porque é na primeira pessoa .

Etiquetas:


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CINEMA FRANCÊS


No De Esquerda , no umblogsobrekleist , na Espada Relativa , há vários comentários ao que escrevi sobre o cinema francês , onde são citados alguns filmes que não vi . A minha resposta fica pois adiada à condição de ver esses filmes , o que , dado que a maioria do cinema francês está em DVD , não me parece muito complicado . Por respeito com os meus interlocutores não queria responder-lhes ( dar-lhes razão ou não ) sem ver esses filmes . Fica anotado e adiado com dia .

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19.5.03



Fez os Monólogos de tasco uma descrição muito certeira das componentes culturais e sociais da cena de Felgueiras , que cito :

"Só mesmo os betinhos das grandes cidades é que podem ficar espantados com as cenas de Felgueiras (...). Quem como eu vive na “província”, sobretudo rodeado pelo novo-riquismo industrial do vale do Ave (e frequenta tascos) sabe que se rasparmos aquela crosta superficial de boas roupas e BMW’s vamos encontrar um “grunho” cujo nível sócio-cultural se manteve estático desde pelo menos a época obscura do Portugal salazarista e rural. O problema é que quem tentar retirar aquela mesma casca, habilita-se a enfrentar esse mesmo “grunho(s)”, disposto a linchar o primeiro que desafie o cacique local, que eventualmente tanto lhes deu a ganhar. E aqui é que está a questão: é enorme o séquito de empreiteiros, empresários, e interesses diversos que orbitam em torno do poder local. Por vezes é o próprio autarca, através de testas de ferro, que controla empresas imobiliárias, de construção, ou outras. Toda a gente conhece isso, toda a gente sabe de isso, e o problema é que toda a gente pactua ou tem também interesses nisso. É quase sempre muito significativa a fatia da economia local que depende, directa ou indirectamente das câmaras. Por isso, os autarcas se eternizam à frente de câmaras, mesmo sendo públicas todas as desonestidades e falcatruas.(...) . Não compreender isto, é não compreender o que se passa em Felgueiras."

Só gostaria de acrescentar duas coisas..
Uma é que esta descrição é muito certeira para zonas como as cidades e vilas dos distritos do Centro e Norte - grosso modo do Oeste para cima - e essencialmente do litoral . Aí há todas as componentes e , desse ponto de vista , o Vale do Ave é típico . No sul , no Alentejo , as autarquias funcionam muito mais como absorvedoras do desemprego e o PCP actua doutra maneira .
A outra é que quando existe um clube de futebol local , encostado à autarquia , ou melhor , encostado ao presidente ou ao partido do presidente da autarquia , a situação ainda se agrava mais e o tom de violência comunica-se das claques para a vida pública .

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OBJECTOS

Penso que seria interessante fazer um catálogo dos objectos que estão a desaparecer à nossa volta , que a nossa geração usou pela última vez . Seremos capazes de os identificar ? Seria interessante saber até que ponto "sentimos" a história quando ela passa por nós .

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RESPOSTAS AO APELO E OUTRAS

Muito obrigado pelas várias respostas ao apelo sobre blogs actualizados e inclusive a proposta de se tentar fazer um pequeno programa que identifique os blogs portugueses quando são alterados .

A enorme quantidade de correio impede-me de responder de imediato a todos . Mas logo que possa haverá respostas .

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FILATELIA 3

Escreveu a Janela Indiscreta

"Só ontem é que dei conta que José Pacheco Pereira escrevera (...) sobre filatelia, referindo-a como um anacronismo. Ou seja: É uma cousa passada. Pois, é mais fácil imaginar um coleccionador de selos no tempo do Balzac, do que agora, no tempo da teletecnologia. É mais fácil ainda imaginar selos num museu. Mas a verdade é que os coleccionadores com os seus álbuns e simultaneamente o interesse, a paciência, o método deles mesmos garantem a sobrevivência do mundo dos selos, isto é , pequenos (ou grandes, mais no caso do selos norte-americanos) papéis, de forma, a maior parte das vezes rectângular, com valores e imagens. "

O anacronismo dos selos vem de não serem hoje necessários para a sua função inicial de pagar os custos do correio . Daí a minha comparação com as máquinas de escrever , igualmente um dos objectos do século XX que irá desaparecer no XXI . A prazo muito curto bastará haver e-stamps ou qualquer outra forma semelhante de pagamento electrónico (que já há) ou qualquer outro meio - etiquetas , autocolantes , feitos no momento , etc. Esse material em papel ainda é filatélico pela sua natureza , mas já pouco tem a ver com o selo e a sua relação cultural e histórica com o meio que o produziu . Aliás só se fazem selos hoje para ganhar dinheiro com os coleccionadores . Tenho por isso a tentação de enfileirar na escola dos que acham que selos própriamente ditos só são coleccionáveis até à segunda guerra mundial e depois disso só há papel de parede .

Foi interessante ler o texto de Benjamin que não conhecia e que retrata as sensações do coleccionador . Como coleccionador anacrónico não posso estar mais de acordo : "os selos não são meros papéis. " Só quem nunca lhes mexeu , para os separar e classificar ( por tradição usei sempre o Yvert ) as imensas variedades dos selos clássicos , o papel , a filigrana , o denteado , as sobrecargas , a goma , as variações da cor , tantas vezes distinguindo imperceptivelmente um selo vulgar de uma raridade , não sabe nada sobre uma forma obsessiva de estar no mundo .
Admito que é uma variante mais estéril do que a taxinomia , mas para quem tem essa obsessão , não há maneira de escapar .

Para além disso aprendi imenso sobre história com os selos . Antes de ler o Corto Maltese eu tinha na memória a imagem do iate Hohenzolern nos selos coloniais alemães e sabia de quem eram as Marianas , ou os Camarões . A inflação alemã dos anos vinte estava nas sobrecargas dos selos da República de Weimar . E , agora na Bélgica , também quando cá cheguei já sabia que havia uma Bélgica "alemã" por causa dos selos de Eupen e Malmedy . A lista é quase infinita .

Breve correcção : o Penny Black , o primeiro selo , data de 1840 e Balzac morreu em 1850 . Não devia haver então muitos coleccionadores . Os selos são uma grande actividade vitoriana , adaptada aos coronéis ingleses reformados que vinham da India .



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18.5.03


AGENDA

Não posso agora por falta de tempo – de novo a fazer de judeu errante – comentar algumas coisas que li noutros blogs . Mas , logo que possa , comentarei :

1-A descrição certeira de Monólogos de tasco sobre a vida política local por quem a conhece da província . Eu vivi e vivo na “província” quando não ando de “navio fantasma” . É aquilo mesmo , ou ainda pior .

2- Os protestos de Modus Vivendi sobre “a síntese de vários inputs” e porque razão há que manter uma diferença entre a cultura e a criação como fruição estética , entre o que se gosta e o que se sabe .

3- Sobre a filatelia e o anacronismo , falando com a Janela Indiscreta , que tem um interessante post sobre selos , uma matéria hoje absolutamente erudita . logo , como disse Borges , “fantástica” . A questão é que nunca ninguém disse que é mau uma coisa ser “anacrónica” , bem pelo contrário .

4- Agradecer e aceitar o convite de Mukankala , em data a aprazar .

5- Continuar a tertúlia com a Montanha Mágica

6- E , por último , mas não o último , ir à questão que motivou o abaixo assinado dos quatro Coluna Infame , Blog de Esquerda , Blogue dos Marretas e O País Relativo sobre o artigo do Expresso .

O problema é que há uma clara tensão , que admito ao vir para aqui tenha agravado , entre um mundo fechado –a blogosfera – e a viragem dos blogs para fora , para o público da Net e para o público em geral . É natural que uma parte da peculiaridade dos blogs seja falarem entre si , mas com 400 blogs e a subir de número todos os dias , isso deixa de ter sentido . Acresce que se o novo meio se pretende influente e competitivo, mesmo na sua especificidade , é para fora que tem que falar , sendo natural que passe a ser citado na imprensa e as opiniões aqui dadas a terem o curso normal das opiniões - as que tem pernas para andar , andam .
Eu não tenho queixas da hospitalidade , nunca fui paternalista e comporto-me por natureza como igual , não tenho dúvidas da qualidade de alguns blogs ( já os lia muito antes de ter um ) , mas o que entre nós é fundamental é o espírito crítico . E aplicando um pouco desse espírito talvez o abaixo-assinado tenha de facto um tom de reacção corporativa . Teria sido melhor esperar que a maior exposição dos blogs acabasse por naturalmente fazer uma selecção entre eles . Este é que é um bom espírito liberal e by the way very british . Com amizade .


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FELGUEIRAS 3

A sorte de Francisco Assis foi tudo ser filmado. Se não existissem as imagens televisivas, mesmo que tudo se tivesse passado exactamente na mesma, o caso teria sempre pequena importância. Os jornalistas que estão em Felgueiras, salvo honrosas excepções, usam uma linguagem legitimadora do que aconteceu (a “multidão”, a “população”, os populares”, sem qualquer esforço para dar números, e identificar responsáveis que o deveriam ser dado que estiveram como tal identificados na “vigília” anterior) e , quando confrontados com os agressores , fazem sempre perguntas meigas e ao lado. É o mesmo tipo de reverência que tem com Pinto da Costa.

As explicações da GNR são inaceitáveis. Havendo uma situação de instabilidade na cidade, existindo concentrações na via pública, nenhuma força de segurança que se preze não pode deixar de estar presente e de acompanhar o que se passa. Ou foi negligência ou conivência. Escolham.

Nalguns blogs há um estilo “engraçadinho” de tratar estas coisas, como se, no fundo, o Francisco Assis é que fosse responsável pelos murros que levou. Eu já estive mais do que uma vez nestas situações, bem menos graves, e se há coisa que me encanita é este tipo de “engraçadinhos” que se colocam no lado dos agressores.

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APELO

Alguém conhece algum blog , ou algum outro sítio que identifique em cada dia os blogs que são actualizados ? Este era um "serviço público" necessário .

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Lendo os blogs aqui vai um pequeno índice de grandes poemas e textos neles transcritos que vale a pena visitar

Poema de Pessoa sobre a Lua no Mar Portuguêz , (é assim mesmo ) em honra do eclipse , tão de pura imaginação e mestria com as palavras , que se volta a lê-lo uma , outra e outra vez e a Lua continua lá . Junto está uma bela foto do eclipse .

Um Soneto de Shakespeare no Modus Vivendi , que só é pena estar misturado no texto com umas coisas sobre a “liberdade no sentido jurídico-político " . Shakespeare e Gomes Canotilho ! não é possível .

Grandes , mas grandes poemas eróticos e obscenos de Bocage e alguns anónimos contemporâneos no Bloco-Notas . Do ponto de vista literário há um ou dois excelentes sonetos da nossa literatura nesta série mais obscena que erótica – aliás numa pura tradição clássica - de Bocage .

Vário Joyce nas Crónicas Matinais

Depois há mais .

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17.5.03


TELEVISÃO PÚBLICA E AS PALAVRAS


Estou a ver o telejornal das 13 horas sobre a agressão a Assis . O texto é inacreditável: "Francisco Assis ainda tentou entrar na sede do PS em Felgueiras , a população em fúria impediu-o ." . A "população" ? É insuportável esta falta de cuidado que legitima a violência .



A agressão a um membro de um órgão de soberania é um crime público , penso eu , não é necessária queixa para que a polícia actue . Já não falo no flagrante delito O que é que já foi feito ? Quem é que foi preso ?

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CONTINUANDO A TERTÚLIA COM A MONTANHA MÁGICA

No meu texto havia duas questões e na resposta da Montanha ambas são tratadas . Deixo aqui a segunda ( pode haver hoje “romance” no sentido e na forma da Montanha Mágica ? ) para outra altura . É uma questão complexa que exige que se vá mais longe .

Quanto à primeira questão penso pode ser resumida desta forma : tem sentido a “educação” de Hans Castorp , ou , de outra maneira , tem sentido aprendermos alguma coisa , com a história , a filosofia , os sentimentos , a “vida” , se depois um destino “cego” – aqui a guerra – torna inútil essa aprendizagem ?

"Perguntar-se-á: valeu a pena Hans Castorp ter estado na Montanha, quando no final, tudo o que aprendeu, não pôde colocar em prática?
Quando Thomas Mann escreve, “ Este baile macabro a que foste arrastado durará ainda alguns anos criminosos e não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar esta resposta sem pergunta.”, mais não descreve a falta de aprendizagem de gerações sucessivas sobre a complexidade da vida humana.
Dostoiévski, descreve muito bem este processo, na obra, Os Irmãos Karamazov, quando nos diz que “somos todos culpados de tudo e eu mais do que todos os outros”.
(…)
Pois é, o pessimismo de Thomas Mann, que como diz JPP, ele quis contrariar, também Teixeira de Pascoaes, o colocou no seu brilhante Regresso ao Paraíso, onde o descreve assim:
“E a árvore da nova Fé
Levanta para o sol os ramos verdes;
E na amorável sombra que projecta
Rebrilham, como estrelas, os dois olhos
Da cobra tentadora.”


Comecemos pela natureza da aprendizagem de Castorp . Penso que há muito de idêntico na mecânica dessa aprendizagem contraditória – Naphta , o frio “comunista” cristão , apaixonado pela obra colectiva e anónima das catedrais medievais e Settembrini , o republicano racionalista do Risorgimento , individualista e mação – com um dilema semelhante colocado no início dos Buddenbrook quando a famíla com três gerações à mesa (ou duas ? escrevo tudo isto sem poder consultar os livros de Mann ) discute os méritos dos jardins ingleses ou franceses , ou seja o confronto entre uma sensibilidade romântica e a clássica .
Castorp recusa o dilema . Ele não se satisfaz com as respostas , no fundo ideológicas , que vão dominar o seu século de forma trágica . E fá-lo por uma tentação nietzschiana pela morte ( o meu companheiro de tertúlia cita bem neste contexto Unamuno e Pascoaes ) , que é de certa maneira premonitória do seu provável destino no “baile macabro” que por cá em baixo se prepara e cujos ecos quase não chegam à Montanha . O impacto do livro de Mann e a sua modernidade está nesta ambivalência – idêntica à dos Buddenbrook que é uma história de ascensão e queda – que identifica os nossos tempos como feitos mais por Freud e Nietzsche do que pelos heróis individuais de Settembrini e colectivos de Naphta .
Na tertúlia da A Montanha Mágica pergunta-se :

“Haverá esperança numa redenção do Homem? Para quem tem fé, a convicção é forte, sabendo desde logo que, a estrada para Damasco é dura de percorrer, debaixo de um sol lancinante. “

mas esta não é nem a pergunta nem a resposta de Mann . O que é interessante na Montanha Mágica é que um dos poucos genuínos humanistas do século da barbárie , o XX , não acredita na sua eficácia final porque nada se aprende , e tudo se repete , como Nietzsche defendia . O dilema de Mann é também o nosso (o meu ) – ter pouca “fé” na eficácia da atitude humanista mas não poder deixar de ter outra que não seja essa . È a única atitude decente .



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MATRIX

Como muito boa gente por estas bandas também estou com muita curiosidade em ver a sequela do Matrix . Gostei do Matrix original e como tenho pouco tempo para ir ao cinema vou vendo os filmes à medida que saem em DVD . Vi há pouco tempo o Minority Report . Uma das coisas que me faz ainda gostar mais do cinema americano e abominar a “excepção cultural” dos franceses é a capacidade que tem de manter o cinema como espectáculo e de tratar histórias complexas sem perder a complexidade. Porque imaginem o que a basófia filosófica dos franceses faria a histórias, como a do Blade Runner , do Matrix , ou do Minority Report , ou do Crash , ou as dos filmes de David Lynch transformando-as em filmes de tese , impossíveis de ver com prazer e perplexidade

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FELGUEIRAS

Vi agora as imagens da agressão a Francisco Assis em Felgueiras . Assis portou-se como devia e com dignidade .Mas em Felgueiras não há polícia ? É possível fazer um tumulto no meio da rua que dura vários minutos , agredir um deputado , sem aparecer um polícia ?


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16.5.03


Para um comentário que contem respostas aos exemplos de questões cientificas que coloquei em Astrologia "Pública" 2 veja-se este texto no Nónio .

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FILATELIA 2

Comentando o que escrevi sobre filatelia (em discreto agradecimento a Piolheira que sabe do que falo ) , a Memória Inventada diz o seguinte :


"Fiel ao seu nome, o Abrupto por vezes revela-se algo inopinado. Há cinquenta anos, quantos filatelistas haveria no mundo? É uma pergunta de difícil resposta, a pedir muitos avós, mas não lhes parece que a afirmação é algo absurda? Nos anos cinquenta do século passado a Bossa Nova explodia no Brasil e no mundo, o Rock incendiava os EUA e o mundo, Stockhausen ainda não precisava de helicópteros para reinventar a música, Piaf cantava, Sinatra encantava e a Amália ia ao programa do Eddie Fisher, na "América". No início dos anos cinquenta do século passado um senhor chamado Charlie Parker entrava em decadência não sem antes ter escrito parte da história do Jazz com as suas cascatas sonoras. Morreria nessa década, admirado por todos. De resto, todos estes e muitos outros músicos eram, já naquela época, estrelas consagradíssimas que arrastavam multidões."


É pena que neste caso a “memória” seja mesmo “inventada” , porque há uma enorme diferença entre esses anos e a actualidade que não permite “pensar para trás” sem algum honesto conhecimento . Nos anos cinquenta , em Portugal , ter discos , logo gira-discos , ou ainda mais difícil , gravador , era um privilégio de um pequeníssimo número de pessoas , a esmagadora maioria muito pouco jovem . Jazz , era um território de meia dúzia de amadores . Stockhausen só se tornou conhecido muito depois e por um punhado de melómanos que , em meados da década de sessenta , se começou a interessar pela “música de vanguarda” . A maioria da música que chegava aos portugueses tinha como canal a Emissora Nacional e certamente incluía a Amália , a Piaf e o Sinatra , só que num contexto muito diferente daquele em que hoje os vemos .
A Memória Inventada esquece-se de como era fechada, provinciana e mesquinha a vida portuguesa em geral, já para não falar da vida cultural . Não só não existia nada de equivalente a uma cultura juvenil, uma invenção dos anos sessenta , quando os jovens começaram a ter dinheiro para consumir, como o papel de uma longa censura , ininterrupta desde o fim dos anos vinte , impedia os portugueses que não viajavam e que não dominavam línguas estrangeiras de saber o que se passava no mundo . Acompanhar o que se fazia lá fora em tempo próximo do real era pura e simplesmente impossível e também muito caro . E , fundamental para o que eu disse , os instrumentos de disseminação de uma cultura de massas , discos , CDs , vídeos , DVDs , ou os downloads da Internet não existiam e os seus grosseiros equivalentes eram caríssimos .
Noutra altura retorno à razão porque tomei como pretexto a filatelia , então o passatempo não desportivo mais popular do mundo e que ajudava a saber que tinha existido a Estónia (o que muito pouca gente sabia ) ou onde era a Caríntia .

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PAÍS BASCO

Queria voltar à questão do País Basco. Nós estamos sempre prontos a apoiar as mais longínquas das causas, particularmente as que são politicamente mais fortes e conhecidas e esquecemo-nos de que aqui perto há uma parte de Espanha onde existe terror puro, violação das liberdades, opressão violenta sobre algumas opiniões, uma sociedade que alguns partidos estão a criar como opressiva. O problema não é apenas o terrorismo da ETA é o comportamento dos nacionalistas bascos que são maioritários, controlam o sistema escolar, a administração, a televisão e os órgãos de comunicação e usam-nos para manter um clima de intimidação sobre os que consideram “espanholistas”.

Há mil e uma formas como essa intimidação funciona: afastando de cargos os que não sabem basco – uma língua que em muitos sítios do país basco tinha praticamente desaparecido - , obrigando ilegalmente os eleitores a apresentarem um “cartão de identidade basco”, identificando-os assim politicamente e intimidando quem vota, ameaçando comerciantes a pagar um “imposto”, usando as escolas para ensinar uma variante extremista e não rigorosa da “história basca” , etc., etc..

Eu participei por solidariedade nas ultimas eleições bascas , onde pude testemunhar qual era a realidade da vida infernal dos meus colegas do Parlamento Europeu a terem que andar sempre com guarda-costas atrás , sorte que partilhavam com muitos outros militantes e eleitos do PP e do PSOE , apenas por delito de opinião política . E pude imaginar o que é lá viver quando as paredes estão cheias de inscrições como esta que fotografei então em Gernika : " ..... el seguiente vas a ser tu " .

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ASTROLOGIA "PUBLICA" 2

A propósito da questão da astrologia “pública” (ver post anterior ) fica aqui um excerto de uma “oração de sapiência” que fiz e que permanece inédita e em que me refiro às “duas culturas” :


Outro dos grandes obstáculos para se adquirir uma cultura geral capaz é a absurda tradição, também filha do nosso atraso, de considerar que é "cultura" apenas o que pertence ao domínio das humanidades clássicas. Em Portugal um político pode ser considerado "inculto" por não saber o número de cantos dos Lusíadas - que é suposto saber-se mas não é tão importante como tê-los lido, ou parte deles, - ao mesmo tempo que muitos que sabem o número de cantos dos Lusíadas acham que são cultos mesmo que não percebam o que é a inércia ou a Segunda Lei da Termodinâmica. O desprezo pela ciência, leva a que alguém possa ser considerado culto, sem ter a mais pequena noção como funciona um rádio. E que não se pergunte como é possível entendermo-nos com o mundo sem saber olhar para o céu e saber o que lá está, ou não ter a mínima ideia porque razão é que as formigas não se afundam (ou os barcos) ou de como é que um avião voa ou um gato vê no escuro, ou porque é mais fácil tirar a pasta de dentro de uma pasta de dentes a torna-la a por lá, ou porque é que o tempo anda sempre para a frente. Tudo coisas completamente triviais e acima de tudo bem pouco complicadas para se saber.”

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15.5.03


FILATELIA

Os selos são hoje um anacronismo e só continuam a existir por inércia e porque há o negócio dos coleccionadores . Os coleccionadores de selos ainda são um maior anacronismo . É um mundo que está a acabar , como as máquinas de escrever . Se os blogs existissem há cinquenta anos , haveria certamente alguns de filatelistas e não haveria nenhum de música .
Tempus edax rerum .

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MONTANHA MÁGICA 1

Obrigado à Montanha Mágica por ter aceite o meu pedido de publicar as páginas finais do livro de Thomas Mann . Sem desprimor para muita coisa magnifica que está transcrita nos blogs , devem ser das páginas mais perturbantes que se podem ler em quaisquer dos nossos sítios . Não resisto em retomar os parágrafos finais :

E assim, no tumulto, na chuva, no crepúsculo, perdemo-lo de vista.
Adeus, Hans Castorp, bravo menino mimado da vida! A tua história terminou. Acabámos de conta-la. Não foi nem breve nem longa, é uma história hermética. Contámo-la por amor a ela mesma, não por amor a ti, porque tu eras simples. (...)
Adeus! Agora vais viver ou morrer! Tens poucas probabilidades. Este baile macabro a que foste arrastado durará ainda alguns anos criminosos e não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar esta questão sem resposta. Certas aventuras da carne e do espírito, que educaram a tua simplicidade permitiram-te vencer no domínio do espírito aquilo a que não escaparás certamente no domínio da carne. Momentos houve em que nos sonhos que tu «governavas», viste brotar da morte e da luxúria do corpo um sonho de amor. Será que dessa festa da morte, dessa perniciosa febre que incendeia à nossa volta o Céu desta noite chuvosa, também o amor surgirá um dia."

MANN, Thomas, “A Montanha Mágica”, Lisboa, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 2000

Mesmo a acabar a longa saga interior de Castorp , a sua "educação" pela doença dos outros , Mann não deixa de subtilmente se distanciar da narrativa romanesca para empurrar a sua própria história ficcional para o domínio da "história hermética" , contada "por amor a ela mesma, não por amor a ti, porque tu eras simples. " . A "simplicidade" de Castorp , prefigura assim o destino do homem comum europeu no início de um século de barbaridades , onde Castorp , nem nenhum desses homens comuns , seria senhor do seu destino . Estavam condenados , sem o saberem . Valeu para alguma coisa o que Castorp aprendeu na Montanha ? Mann sugere que não , embora tenha a esperança que sim . Estaremos nós no limiar do século XXI no mesmo sítio de Castorp , descendo da paz da Montanha para um "baile macabro" ? Castorp também não sabia o que lhe iria acontecer .


MONTANHA MÁGICA 2

Sempre que volto a livros como este assalta-me uma dúvida : será que este aspecto da criação , o romance , acabou de vez ? Eu bem sei que esta pergunta e várias respostas já foram feitas muitas vezes , mas mesmo assim continua a dúvida . Nos últimos trinta anos o que é que se escreveu semelhante aos livros de Mann , ou de Musil , ou de Hesse , só para ficar no alemão ?

O Dying Animal de Roth , a melhor obra de ficção contemporânea que eu li nos últimos anos , não é resposta porque não é um romance . Mesmo assim ainda é na literatura americana que há alguma esperança .




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Notas europeias - Diplomacia

Para se perceber como hoje a diplomacia feita em nome da UE não contribui para a paz mundial , é uma espécie de irritante permanente para os americanos (parece aliás ser essa a sua motivação ) e não produz quaisquer resultados , veja-se a visita de Solana ( chamado o "sr. PESC" e detentor do número de telefone da Europa que Kissinger dizia que não havia ) a Israel e aos territórios palestinianos . Numa altura em que se abre uma esperança efectiva de paz (produto da intervenção americana no Iraque , por muito que isso custe aos que a atacaram ) , em que essa possibilidade passa claramente pelo isolamento de Arafat e pelo reforço da posição de Abu Mazem , o moderado primeiro ministro palestiniano , Solana insiste em visitar Arafat dando-lhe o estatuto de interlocutor privilegiado . Qual é o resultado objectivo desta atitude , qual a vantagem diplomática , política , para a paz ? Nenhuma , corta as pontes com Israel , sem favorecer qualquer espaço de manobra com os palestinianos . Um desastre , feito em nosso nome .

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14.5.03


ASTROLOGIA "PÚBLICA"

Uma notícia da Lusa , retomada no Blog de Esquerda , levanta um problema sério , penso que de uma forma errada .

«Cerca de 30 cientistas portugueses protestaram hoje contra a contratação de astrólogos pelos meios de comunicação do Estado, situação que consideram "incompatível com o rigor orçamental" e "imoral do ponto de vista pedagógico".
"Só a Sra. Cristina Candeias [astróloga convidada do programa "Praça da Alegria", da RTP-1] tem mais tempo de antena, por semana, na televisão estatal do que todos os cientistas e todas as instituições de ensino e investigação do país", denunciam os cientistas.
Num abaixo-assinado que foi enviado ao Presidente da República, Jorge Sampaio, ao ministro da Presidência, Morais Sarmento, e à Direcção de Programas da RTP, é denunciado o uso de fundos públicos para o pagamento de "actividades pseudo-científicas".
O documento lamenta que no âmbito das recentes medidas para controlar as contas públicas tenham sido efectuados cortes ao orçamento dedicado ao ensino e à investigação, o que se reflectiu "numa diminuição do número de bolsas de investigação atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)", enquanto são subsidiadas "actividades pseudo-científicas".»


Sou muito avesso a este tipo de protestos do género tirem o dinheiro daí para o colocarem aqui , porque acho que neste caso iguala quem pede com quem recebe . Sou para além disso avesso à sistemática exigência de dinheiro ao estado e , como se sabe , entendo que não devia haver televisão "pública" .

O problema está exactamente na imensa ambiguidade desse carácter "público" da televisão generalista que faz com que os seus defensores entendam que os programas de variedades fazem parte do serviço público . E sendo assim , lá tem a astróloga , que é igual na sua actividade ao ilusionista , ao domador de leões , à cantora , ao bailarino - são "variedades" e não "actividades pseudo-científicas". Quem defende a televisão pública generalista não pode dizer não ao Alexandrino , nem ao Prof. Karamba , nem ao futebol , nem à Maya , nem às bruxas , nem a qualquer outro artista de variedades . Está inscrito no modelo - é para entreter .

Agora saber porque razão é que as pessoas entendem que a astrologia é uma "ciência" , isso tem mais a ver com a escola e com o papel ausente da ciência num país dominado pelas humanidades como condição de cultura . Mas isso é toda uma outra discussão .



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Agradecimentos
a Palavrar , Mukankala , e Piolheira .

A este último que faz uma observação pertinente , respondo que nada mudou , continuo a ser feroz com a minha privacidade , um direito que todos temos . Desse ponto de vista nada do que está e estará aqui é relevante .
Acrescento apenas um fragmento inicial de um texto ainda inédito - deve sair na Tabacaria - de uma intervenção que fiz na Casa Fernando Pessoa , intitulada "Felicidade , liberdade , posse e abdicação (Fernando Pessoa lido por um adolescente) " e que começa assim :

"Foi-me pedida uma leitura "pessoal" de Pessoa. Aqui vai pois uma leitura mais que pessoal, pessoalíssima, tão verdadeira como falsa na melhor tradição do homem que dizia: "quando falo com sinceridade, não sei com que sinceridade falo". A minha, e não a minha certamente, porque este texto é uma pura obra de ficção, intertextual como agora se diz, e imitando aquilo que nos dias de hoje fazem os senhores professores de literatura, Frederico Lourenço e Abel Barros Baptista, para escrever sobre Camões, ou sobre o barroco. Ao bom modelo de Pessoa, uso também a contradição irónica, útil instrumento retórico que não me permite que me leve demasiado a sério. Por isso, sempre que uso a primeira pessoa, não é bem a minha pessoa, que é a primeira."


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Notas europeias

1) Ainda não há Constituição europeia , ainda não há o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros europeus , mas já há um candidato Oskar Fischer , o actual MNE da Alemanha . Isto dá para ver como todas estas coisas apontam para políticas de facto consumado .

2) Demissão de Clare Short do Governo inglês . A esquerda trabalhista , a loonie left mais loonie que há , está bem representada no Labour e apadrinha as mais absurdas das causas . Clare Short já devia ter saído , ou ter sido demitida do governo mais cedo . Mas , independentemente disso , é um espectáculo de democracia no melhor sentido ver a política inglesa a funcionar . Ver a ex-ministra , como já fizera Robin Cook , vir ao Parlamento dizer com clareza porque saiu , tudo num ambiente confrontacional , mas de grande liberdade interior sem os rodriguinhos que tão caracterizam a nossa vida política , feita de salamaleques no exterior e facadas anónimas nos jornais .

3) Qualquer breve comparação entre os noticiários da RTP e os de outras televisões europeias , mesmo "públicas" , revela o peso excessivo , quase obsessivo , que tem o futebol nos orgãos de comunicação social em Portugal . Meia dúzia de notícias dadas à pressa , "casos humanos" (doenças e desgraças) , para logo vir um extenso noticiário futebolístico , haja jogos ou não haja . Até parece que tudo é feito à pressa para se ir ao que interessa , caiam bombas , suba o desemprego , haja crise ou tempestade . Quando faço zapping passam-se notícias na BBC , na TV5 , na TVE , e já há dezenas de minutos que a RTP só dá futebol.



Notas do Brasil de Porto Alegre

1) Fátima Felgueiras transformada em resistente anti-salazarista , exilada no Brasil na esteira do General Humberto Delgado

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Aqui está uma iniciativa que vale a pena apoiar :

Aunque


Aunque los europeos ejercen el derecho constitucional de votar con saludable rutina democrática pocos imaginan que en un rincón de Europa el miedo y la vergüenza oprimen a los ciudadanos.

Aunque la memoria del Holocausto sea honrada en Europa por el deseo de rehabilitar a las víctimas de la barbarie e impedir que el horror vuelva a cometerse, pocos europeos saben que hoy mismo en el País Vasco ciudadanos libres son injuriados y asesinados.

Aunque parezca mentira: hoy los candidatos de los ciudadanos libres del País Vasco están condenados a muerte por los mercenarios de ETA y condenados a la humillación por sus cómplices nacionalistas.

Aunque ciudadanos del País Vasco sean asesinados por sus ideas, y miles hayan sido mutilados o trastornados, los atentados se realizan y celebran en una penosa atmósfera de impunidad moral propiciada por las instituciones nacionalistas y por la jerarquía católica vasca.

Aunque los partidos nacionalistas aprovechan las garantías constitucionales de la democracia española, ciudadanos libres del País Vasco deben esconderse, disimular sus costumbres, omitir la dirección de su domicilio, pedir la protección de escoltas y temer constantemente por su vida y la de sus familiares.

Aunque sea frecuente la tentación de ignorar lo que sucede, pedimos a los ciudadanos europeos que el próximo 25 de mayo (día de las elecciones municipales en España) declaren el estado de indignación general: en memoria de las víctimas que en el País Vasco mueren por la libertad, en honor de los que hoy mismo la defienden con el coraje que en un día no muy lejano conmoverá a Europa.


(los abajo firmantes)

FIRMAS: Fernando Arrabal, Alfredo Bryce Echenique, Michael Burleigh, Paolo Flores d´Arcais, Jorge Edwards, Carlos Fuentes, Nadine Gordimer, Günter Grass, Juan Goytisolo, Carlos Monsivais, Bernard- Henri Lévy, Paul Preston, Mario Vargas Llosa, Gianni Vattimo

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13.5.03


Agradecimentos
às amáveis palavras de Replicar , Diapasão e Modus Vivendi .

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Stephen King

Há escritores considerados de segunda que mereciam outra atenção intelectual . Escrevi , já há algum tempo , uns artigos intitulados "Pulp Fiction" no Diário de Notícias sobre isso . Mas , de vez em quando , encontro-me com as mesmas razões para me surpreender e os ler .
É o caso do mais bem pago e mais lido autor universal , Stephen King , tido como autor de livros de terror produzidos em série . Ele de facto escreve muito e muitas coisas não são boas . King também nunca teve grande sorte com os filmes dos seus livros com a excepção do The Shining de Kubrick . Mas há nas suas páginas descrições quase únicas de fenómenos como o medo , a comunidade de terrores que da infância à adolescência nos formam , a dor , a estranheza inexplicável e por isso , sem limites , assustadora . E sabe como poucos construir a tensão dentro de uma história quase de forma minimalista , mas eficaz.

Estou a ler , ou melhor ando com o livro de um sítio para o outro nos aeroportos e aviões , uma antologia que saiu recentemente intitulada Everything's Eventual , com catorze histórias de King . Uma delas publicada no New Yorker é um bom exemplo dos méritos de King e chama-se "All That You Love Will Be Carried Away" . As primeiras quatro ou cinco páginas são uma descrição da vida de um vendedor nas estradas americanas , chegando tarde no meio de uma tempestade a um motel nos arredores de Lincoln , Nebraska . É um puro slice of americana , incluindo pequenas recomendações de quem é muito batido em estradas e motéis , e uma descrição dos campos de cultivo , a perder de vista , da América do interior . E de repente

There was a overhang, so he was able to get out of the snow. There was a Coke machine with a sign saying, USE CORRECT CHANGE. There was an ice machine and a Snax machine with candy bars and various kinds of potato chips behind curls of metal like bedsprings . There was NO USE CORRECT CHANGE sign on the Snax machine. From the room to the left of the one where he intented to kill himself, Alfie could hear the early news, but it would sound better in the farmhouse over yonder, he was sure of that. The wind boomed. Snow swirled around his city shoes, an then Alfie let hinself into his room. The light switch was to the left. He turned it on and shut the door.

E depois continua tudo com a mesma normalidade . Será que li bem ? " From the room to the left of the one where he intented to kill himself ..." . Li . Depois nada é na mesma .

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Hoje de manhã na Livraria Kleber , a melhor livraria de Estrasburgo , mais um sinal da patetice que assola os franceses . Na secção dos livros de economia estava um cartaz que dizia "La Richesse oui ... Mais Humaine ! " (ipsis verbis) . Isto numa das terras mais sólidas , provincianas , protestantes e burguesas da Europa , onde tudo respira de uma "riqueza" antiga , e onde Le Pen teve excelentes votações .

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Uma sugestão à Montanha Mágica - a publicação das últimas páginas do romance , quando Hans Castorp desce da Montanha para seguir o seu "destino" provável na guerra , Numa altura em que se fala da guerra e da paz , a enorme força e tristeza desse final vale a pena ser lido .

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12.5.03


Visita a um vulcão ( Il Vulcano Solfatara ) em Pozzuoli

A Solfatara é um vulcão adormecido cuja cratera é acessível , embora seja um sítio pouco confortável para se estar . . A cratera é uma superfície branca e amarelada , devido ao enxofre , e sem qualquer vegetação . Não cresce lá nada . Num dia de sol é muito quente . Quente do vulcão , quente do reflexo do sol na superfície branca , quente do dia . Não se pode caminhar mesmo no centro da cratera , embora a superfície pareça igual àquela em que se pode caminhar . O chão é poroso devido à quantidade de gases e , junto a uma das paredes , há uma fenda onde a lama negra e cinzenta escura , borbulha . O solo tem movimentos de subida e descida , não só no vulcão , como em toda a região de Pozzuoli .

Quase a toda a volta , as paredes da cratera e o solo junto das paredes fumegam . Há várias fumarolas , a mais conhecida é a Bocca Grande e delas saem vários gases , com prevalência para compostos de enxofre . O resultado é um cheiro (mau ) muito intenso que se sente em toda a cratera , mas que se mistura com outros cheiros numa combinação estranha . Percebe-se que o elemento dominante é o enxofre , mas é diferente e único o resultado . Cola-se ao corpo com o calor . Os jactos de gas a temperaturas muito altas sobem de fendas cobertas por algas de várias cores . Se há vida ali, também pode haver em muitos planetas .

É uma visita a aconselhar aos amadores de vulcões e da antiguidade clássica . A Solfatara era para os romanos uma das entradas do Inferno e o templo de Sibila em Cuma tem a ver com os silvos que saiam do chão . O oráculo de Sibila interpretava os ruídos , traduzia da natureza para a cultura , para a história .



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Uma saudação especial à Montanha Mágica , com quem partilho o mesmo fascínio pela obra de Mann . Se tivesse que escolher um livro , fora dos clássicos que nos fazem inevitávelmente , um único livro que me atravessou a vida , esse livro era a Montanha Mágica . O exemplar que li pela primeira vez era do Eugénio de Andrade que mo emprestou . O Eugénio tinha o hábito de usar uns sublinhados e uns sinais a lápis à margem do texto , que me faziam ler de outra maneira . Acabava por ler por mim a partir da leitura dele , e imaginem o que isso era na idade certa .

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Agradecimentos em falta ao
Contra a Corrente
Tudo menos a política
O país relativo
A Coluna Infame , o primeiro blog que eu li sistemáticamente
bomba inteligente
Janela Indiscreta
Blog de esquerda que , há que reconhecer , é mais interessante do que o Bloco de Esquerda
Tradução Simultânea
Ponto media

e eu sei que ainda há mais . Todos serão agradecidos porque aqui se acredita na virtude da gentileza e da retribuição da gentileza .

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Constituição Europeia

Quantos portugueses (quantos europeus ) sabem que um grupo de deputados , escolhidos mais ou menos confidencialmente pelas direcções partidárias , e um conjunto de representantes dos governos , estão a escrever aquilo que , em princípio , deveria ser o documento jurídico mais importante para todos os países da UE - uma Constituição . A primeira e fundamental questão devia ser : quem a pediu , quem a exigiu , que movimento de opinião consistente e generalizado , mostrou a sua necessidade ? Ninguém , apenas uma elite política europeista e federalista a defendeu , debaixo de uma razoável indiferença da esmagadora maioria dos europeus.

Começou como quem não quer a coisa , por ser uma reflexão de "sábios" sobre a "unificação e simplificação" dos tratados , depois era suposto ser um "tratado constitucional" , hoje é uma Constituição e está a entrar na fase final dos trabalhos . A Convenção que a está a preparar , funciona sem votações e "por consenso" ( um absurdo revelador da sua composição ideológica e o que mostra até que ponto não representa a heterogeneidade das opiniões europeias ) . Esta Constituição pode muito bem vir a ser aprovada sem ninguém dar por ela , por governos que de há muito fazem tudo para retirar a discussão europeia da agenda política nacional , que tem medo de consultas e referendos . No caso português , parece que tudo se lhe rendeu , pelo efeito perverso de PSD , PS e PP terem hoje a mesma comunidade de silêncios europeus . O Presidente até já mostrou reticências públicas a que a Constituição da Convenção venha a ser referendada em Portugal e ninguém disse nada . Um dia adormecemos com a Constituição portuguesa e no outro acordamos com uma Constituição europeia , que é suposto ser "binding" da nossa .

Lembro aliás que um dos objectivos da Convenção não era tanto tomar o freio nos dentes e ir colocar os governos entre a Constituição e parede , mas proceder a um "grande debate europeu" sobre os Tratados - cujo não existe por desinteresse , e por sentimento de pouca necessidade . O que os "convencionais" chamam debates tem sido colóquios mais ou menos académicos , mais ou menos institucionais , onde todos os participantes são escolhidos pelos mesmos métodos de "consenso" com que funciona a Convenção . As opiniões críticas de todo o processo são cuidadosamente excluídas para produzir um efeito de inevitabilidade .
Daí , a segunda questão essencial : o cada vez maior défice democrático do processo europeu , retirado do debate político nacional e entregue cada vez mais apenas aos "europeistas" , que tem medo que o debate das suas propostas se transforme num debate "à inglesa" , exactamente o único país , goste-se ou não , onde se discutem estas questões


Política externa - Só para dar um exemplo imagine-se que já estava em vigor este artigo da "Constituição" sobre política externa quando da crise do Iraque ( quem quiser ver toda a parte de política externa pode consultar o documento da Convenção ).
"
1. Artigo 29.º
2. Política Externa e de Segurança Comum da União
1. A União Europeia compromete-se a conduzir uma política externa e de segurança comum, baseada num desenvolvimento gradual da solidariedade política mútua entre os Estados--Membros, na identificação gradual das questões que se revistam de interesse geral e na realização de um crescente grau de convergência das acções dos Estados-Membros.


2. O Conselho Europeu identificará os interesses estratégicos da União e fixará os objectivos da sua Política Externa e de Segurança Comum. O Conselho de Ministros elaborará essa política de acordo com as modalidades estabelecidas na Parte II da Constituição.


3. O Conselho Europeu e o Conselho de Ministros aprovarão as decisões necessárias.


4. A Política Externa e de Segurança Comum será posta em prática pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da União e pelos Estados-Membros, utilizando os meios nacionais e os da União.


5. Os Estados-Membros concertar-se-ão no âmbito do Conselho e do Conselho Europeu sobre todas as questões de política externa e de segurança que se revistam de interesse geral, a fim de definir uma abordagem comum. Antes de empreenderem qualquer acção no plano internacional ou de assumirem qualquer compromisso que possa afectar os interesses da União, os Estados-Membros consultarão cada um dos outros no âmbito do Conselho ou do Conselho Europeu. Os Estados-Membros assegurarão, através da convergência das suas acções, que a União possa fazer valer os seus interesses e valores no plano internacional. Os Estados-Membros serão solidários entre si."


Das duas uma , ou havia uma ruptura institucional da UE , que poria em causa todo o processo europeu , ou então a UE bloquearia como a ONU , o que prejudicaria posições como a de Portugal , Polónia , Espanha , Reino Unido , etc. , etc.

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