ABRUPTO

31.5.03


GLOBOS DE OURO


Não sei se é a coisa mais natural do mundo que Herman José apresentasse os Globos de Ouro. Natural para a SIC., natural para o Herman, natural para todos os que o aplaudiram, natural para todos os que acham natural porque, que eu saiba, ninguém se estranhou. Eu explico, embora tenha a sensação que esta não é uma questão clear cut, nem que eu tenha a certeza de ter razão.

O Herman é sem sombra para dúvidas o melhor no âmbito da sua profissão e um homem que ficará na história do espectáculo português que ele revolucionou como poucos. Haverá antes e depois de Herman . Confrontado com a intimação para ir depor, fez declarações não só sensatas como rigorosas de como se deve proceder naquelas circunstâncias. Fê-lo racionalmente e sem perder a comoção individual, a preocupação, o medo interior, o sentido de perturbação da vida, que aquela grave adversidade lhe traria. As suas declarações deveriam ser matéria de estudo no PS, que na semana anterior perdeu todo o senso de como, sem perder a emoção, as obrigações de amizade e solidariedade, tudo o que for, se devem comportar os cidadãos face à justiça. Mesmo que suspeitem da sua iniquidade. As declarações de Herman podem e devem ser comparadas às do PS porque se fazem no terreno do “espaço público”, com figuras “públicas”.

Agora Herman foi constuído arguido num processo-crime. Nós sabemos que continua inocente até prova em contrário, mas se consideramos que o que se está a passar com os processos da Casa Pia é grave (e eu suspeito de há muito que a condição de espectacularidade de tudo isto tem como efeito banalizar a gravidade por muita retórica condenatória que se faça à mistura), não existe uma obrigação de decoro por parte da SIC, em primeiro lugar, e de Herman em seguida, nas suas aparições públicas? Eu não vi os Globos de Ouro porque estava em trânsito, senão veria, mas sei que Herman foi ovacionado de pé por parte da assistência. O que é que foi ovacionado? O artista? Não há inocência naquela ovação: foi o Herman arguido num processo-crime que recebeu as palmas e por aqui se percebe a enorme ambiguidade que vai perseguir os contactos de Herman com o público. Ele sabe disso e compreendo que subjectivamente queira o conforto dessas palmas. Mas a SIC, que tem tido um papel junto com o Expresso na fronda moralista, sai mal. Não porque o moralismo, hipócrita desde o primeiro minuto, fique sempre mal, mas porque desrespeitou os seus telespectadores colocando-os perante um dilema inaceitável.

Falei de decoro. Sei que é uma atitude que não se usa muito nos dias de hoje. Mas decoro, reserva, uma certa retracção interior na sua exposição pública por parte de Herman seria mais consequente com o que ele disse antes de depor. A razão porque acho que o que digo não é preto no branco, tem a ver com outros considerandos que não se podem ignorar. Herman é um artista de espectáculo, logo trabalhar para ele é aparecer em público. Sei também que à volta dele existe um vasto conjunto de pessoas cujo emprego depende dele e com quem ele sente naturais obrigações. E, tendo em conta a morosidade dos processos em Portugal, o futuro de todas essas pessoas ficaria em risco. Tudo isso teria que ser ponderado.

Mas o caso dos Globos de Ouro é diferente. Trata-se de um espectáculo excepcional, o mais importante da SIC cada ano. A hipótese de substituir Herman foi concerteza ponderada e este, se tivesse pensado bem, teria dito à SIC, desde que foi chamado a depor, que não estava em condições de fazer o espectáculo, mesmo que continuasse com os outros programas. Mas insisto, a atitude da SIC é que é ambígua. É um pouco o equivalente de, no dia em que um Secretário de Estado fosse constituído arguido num processo-crime, fosse nomeado para Ministro.

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© José Pacheco Pereira
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