ABRUPTO

19.5.03



Fez os Monólogos de tasco uma descrição muito certeira das componentes culturais e sociais da cena de Felgueiras , que cito :

"Só mesmo os betinhos das grandes cidades é que podem ficar espantados com as cenas de Felgueiras (...). Quem como eu vive na “província”, sobretudo rodeado pelo novo-riquismo industrial do vale do Ave (e frequenta tascos) sabe que se rasparmos aquela crosta superficial de boas roupas e BMW’s vamos encontrar um “grunho” cujo nível sócio-cultural se manteve estático desde pelo menos a época obscura do Portugal salazarista e rural. O problema é que quem tentar retirar aquela mesma casca, habilita-se a enfrentar esse mesmo “grunho(s)”, disposto a linchar o primeiro que desafie o cacique local, que eventualmente tanto lhes deu a ganhar. E aqui é que está a questão: é enorme o séquito de empreiteiros, empresários, e interesses diversos que orbitam em torno do poder local. Por vezes é o próprio autarca, através de testas de ferro, que controla empresas imobiliárias, de construção, ou outras. Toda a gente conhece isso, toda a gente sabe de isso, e o problema é que toda a gente pactua ou tem também interesses nisso. É quase sempre muito significativa a fatia da economia local que depende, directa ou indirectamente das câmaras. Por isso, os autarcas se eternizam à frente de câmaras, mesmo sendo públicas todas as desonestidades e falcatruas.(...) . Não compreender isto, é não compreender o que se passa em Felgueiras."

Só gostaria de acrescentar duas coisas..
Uma é que esta descrição é muito certeira para zonas como as cidades e vilas dos distritos do Centro e Norte - grosso modo do Oeste para cima - e essencialmente do litoral . Aí há todas as componentes e , desse ponto de vista , o Vale do Ave é típico . No sul , no Alentejo , as autarquias funcionam muito mais como absorvedoras do desemprego e o PCP actua doutra maneira .
A outra é que quando existe um clube de futebol local , encostado à autarquia , ou melhor , encostado ao presidente ou ao partido do presidente da autarquia , a situação ainda se agrava mais e o tom de violência comunica-se das claques para a vida pública .

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© José Pacheco Pereira
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