ABRUPTO

26.5.03


CINCO HAIKAIS DE ISSA

Lento caracol
Devagar, devagar caminha
E o Fuji escala!

Com o rouxinol
E tu, ausentes, vigia
A casa, caracol!

Pato, pato selvagem
Com que idade fizeste
A tua primeira viagem?

Quando voltares
Não esqueças a minha casa.
Borboleta que partes!

Desaparece o carvalho,
Não tendo com este mundo impuro
Nada que ver.


Estas traduções que fiz , no remoto ano de 1966, foram incluídas numa selecção de haikais para ilustrar um pequeno ensaio que foi publicado no Diário de Lisboa Juvenil em 17 de Maio do mesmo ano. O ensaio ganhou um primeiro prémio ex-aequo com um “José Mariano” que era o José Mariano Gago. O prémio era dado por uma variante química do “dinamite cerebral” de que falavam os anarquistas, o Fósforo Ferrero. Foi uma honra e na altura deu algum dinheiro.
Republico a curiosidade para ilustração do processo de formação da geração da segunda metade dos anos sessenta, que inclui uma atracção um pouco hippie pelas coisas orientais, pelo budismo Zen e pelo que se fazia em S. Francisco. Isto hoje parece tudo banalizado, e está decididamente fora de moda, mas na época era uma actividade ultra-elitista, de meia dúzia de cognoscenti. Outro aspecto ignorado neste processo geracional é que a intensa politização é posterior às atracções estéticas e não o contrário. É a radicalização estética que leva à radicalização política , como acontecera com os surrealistas . Os surrealistas foram trotsquistas , eu e muitos outros maoistas .
Sobre as tradução são o que são, não pude sequer confronta-las com outras entretanto saídas em português . Só sei que à data, salvo raríssimas excepções , a maioria das quais brasileiras , o mundo dos haikais era muito pouco conhecido em Portugal . A familiaridade que hoje se tem com a forma não existia .
Eu fiz a “tradução” usando várias versões que existiam em francês e espanhol na Biblioteca Municipal do Porto , uma das quais tinha a transliteração do japonês . Eu lia alto o japonês para tentar perceber o ritmo da frase , que depois adaptava ao português . Daí os pontos de exclamação para marcar o fim rápido e contido , típico dos haikai .
Sobre Issa há uma página japonesa bilingue que contem uma fotografia da casa onde vivia .

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© José Pacheco Pereira
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