ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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15.5.03
MONTANHA MÁGICA 1
Obrigado à Montanha Mágica por ter aceite o meu pedido de publicar as páginas finais do livro de Thomas Mann . Sem desprimor para muita coisa magnifica que está transcrita nos blogs , devem ser das páginas mais perturbantes que se podem ler em quaisquer dos nossos sítios . Não resisto em retomar os parágrafos finais : E assim, no tumulto, na chuva, no crepúsculo, perdemo-lo de vista. Adeus, Hans Castorp, bravo menino mimado da vida! A tua história terminou. Acabámos de conta-la. Não foi nem breve nem longa, é uma história hermética. Contámo-la por amor a ela mesma, não por amor a ti, porque tu eras simples. (...) Adeus! Agora vais viver ou morrer! Tens poucas probabilidades. Este baile macabro a que foste arrastado durará ainda alguns anos criminosos e não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar esta questão sem resposta. Certas aventuras da carne e do espírito, que educaram a tua simplicidade permitiram-te vencer no domínio do espírito aquilo a que não escaparás certamente no domínio da carne. Momentos houve em que nos sonhos que tu «governavas», viste brotar da morte e da luxúria do corpo um sonho de amor. Será que dessa festa da morte, dessa perniciosa febre que incendeia à nossa volta o Céu desta noite chuvosa, também o amor surgirá um dia." MANN, Thomas, “A Montanha Mágica”, Lisboa, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 2000 Mesmo a acabar a longa saga interior de Castorp , a sua "educação" pela doença dos outros , Mann não deixa de subtilmente se distanciar da narrativa romanesca para empurrar a sua própria história ficcional para o domínio da "história hermética" , contada "por amor a ela mesma, não por amor a ti, porque tu eras simples. " . A "simplicidade" de Castorp , prefigura assim o destino do homem comum europeu no início de um século de barbaridades , onde Castorp , nem nenhum desses homens comuns , seria senhor do seu destino . Estavam condenados , sem o saberem . Valeu para alguma coisa o que Castorp aprendeu na Montanha ? Mann sugere que não , embora tenha a esperança que sim . Estaremos nós no limiar do século XXI no mesmo sítio de Castorp , descendo da paz da Montanha para um "baile macabro" ? Castorp também não sabia o que lhe iria acontecer . MONTANHA MÁGICA 2 Sempre que volto a livros como este assalta-me uma dúvida : será que este aspecto da criação , o romance , acabou de vez ? Eu bem sei que esta pergunta e várias respostas já foram feitas muitas vezes , mas mesmo assim continua a dúvida . Nos últimos trinta anos o que é que se escreveu semelhante aos livros de Mann , ou de Musil , ou de Hesse , só para ficar no alemão ? O Dying Animal de Roth , a melhor obra de ficção contemporânea que eu li nos últimos anos , não é resposta porque não é um romance . Mesmo assim ainda é na literatura americana que há alguma esperança . (url)
© José Pacheco Pereira
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