ABRUPTO

19.5.03




FILATELIA 3

Escreveu a Janela Indiscreta

"Só ontem é que dei conta que José Pacheco Pereira escrevera (...) sobre filatelia, referindo-a como um anacronismo. Ou seja: É uma cousa passada. Pois, é mais fácil imaginar um coleccionador de selos no tempo do Balzac, do que agora, no tempo da teletecnologia. É mais fácil ainda imaginar selos num museu. Mas a verdade é que os coleccionadores com os seus álbuns e simultaneamente o interesse, a paciência, o método deles mesmos garantem a sobrevivência do mundo dos selos, isto é , pequenos (ou grandes, mais no caso do selos norte-americanos) papéis, de forma, a maior parte das vezes rectângular, com valores e imagens. "

O anacronismo dos selos vem de não serem hoje necessários para a sua função inicial de pagar os custos do correio . Daí a minha comparação com as máquinas de escrever , igualmente um dos objectos do século XX que irá desaparecer no XXI . A prazo muito curto bastará haver e-stamps ou qualquer outra forma semelhante de pagamento electrónico (que já há) ou qualquer outro meio - etiquetas , autocolantes , feitos no momento , etc. Esse material em papel ainda é filatélico pela sua natureza , mas já pouco tem a ver com o selo e a sua relação cultural e histórica com o meio que o produziu . Aliás só se fazem selos hoje para ganhar dinheiro com os coleccionadores . Tenho por isso a tentação de enfileirar na escola dos que acham que selos própriamente ditos só são coleccionáveis até à segunda guerra mundial e depois disso só há papel de parede .

Foi interessante ler o texto de Benjamin que não conhecia e que retrata as sensações do coleccionador . Como coleccionador anacrónico não posso estar mais de acordo : "os selos não são meros papéis. " Só quem nunca lhes mexeu , para os separar e classificar ( por tradição usei sempre o Yvert ) as imensas variedades dos selos clássicos , o papel , a filigrana , o denteado , as sobrecargas , a goma , as variações da cor , tantas vezes distinguindo imperceptivelmente um selo vulgar de uma raridade , não sabe nada sobre uma forma obsessiva de estar no mundo .
Admito que é uma variante mais estéril do que a taxinomia , mas para quem tem essa obsessão , não há maneira de escapar .

Para além disso aprendi imenso sobre história com os selos . Antes de ler o Corto Maltese eu tinha na memória a imagem do iate Hohenzolern nos selos coloniais alemães e sabia de quem eram as Marianas , ou os Camarões . A inflação alemã dos anos vinte estava nas sobrecargas dos selos da República de Weimar . E , agora na Bélgica , também quando cá cheguei já sabia que havia uma Bélgica "alemã" por causa dos selos de Eupen e Malmedy . A lista é quase infinita .

Breve correcção : o Penny Black , o primeiro selo , data de 1840 e Balzac morreu em 1850 . Não devia haver então muitos coleccionadores . Os selos são uma grande actividade vitoriana , adaptada aos coronéis ingleses reformados que vinham da India .



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© José Pacheco Pereira
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