ABRUPTO

17.5.03


CONTINUANDO A TERTÚLIA COM A MONTANHA MÁGICA

No meu texto havia duas questões e na resposta da Montanha ambas são tratadas . Deixo aqui a segunda ( pode haver hoje “romance” no sentido e na forma da Montanha Mágica ? ) para outra altura . É uma questão complexa que exige que se vá mais longe .

Quanto à primeira questão penso pode ser resumida desta forma : tem sentido a “educação” de Hans Castorp , ou , de outra maneira , tem sentido aprendermos alguma coisa , com a história , a filosofia , os sentimentos , a “vida” , se depois um destino “cego” – aqui a guerra – torna inútil essa aprendizagem ?

"Perguntar-se-á: valeu a pena Hans Castorp ter estado na Montanha, quando no final, tudo o que aprendeu, não pôde colocar em prática?
Quando Thomas Mann escreve, “ Este baile macabro a que foste arrastado durará ainda alguns anos criminosos e não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar esta resposta sem pergunta.”, mais não descreve a falta de aprendizagem de gerações sucessivas sobre a complexidade da vida humana.
Dostoiévski, descreve muito bem este processo, na obra, Os Irmãos Karamazov, quando nos diz que “somos todos culpados de tudo e eu mais do que todos os outros”.
(…)
Pois é, o pessimismo de Thomas Mann, que como diz JPP, ele quis contrariar, também Teixeira de Pascoaes, o colocou no seu brilhante Regresso ao Paraíso, onde o descreve assim:
“E a árvore da nova Fé
Levanta para o sol os ramos verdes;
E na amorável sombra que projecta
Rebrilham, como estrelas, os dois olhos
Da cobra tentadora.”


Comecemos pela natureza da aprendizagem de Castorp . Penso que há muito de idêntico na mecânica dessa aprendizagem contraditória – Naphta , o frio “comunista” cristão , apaixonado pela obra colectiva e anónima das catedrais medievais e Settembrini , o republicano racionalista do Risorgimento , individualista e mação – com um dilema semelhante colocado no início dos Buddenbrook quando a famíla com três gerações à mesa (ou duas ? escrevo tudo isto sem poder consultar os livros de Mann ) discute os méritos dos jardins ingleses ou franceses , ou seja o confronto entre uma sensibilidade romântica e a clássica .
Castorp recusa o dilema . Ele não se satisfaz com as respostas , no fundo ideológicas , que vão dominar o seu século de forma trágica . E fá-lo por uma tentação nietzschiana pela morte ( o meu companheiro de tertúlia cita bem neste contexto Unamuno e Pascoaes ) , que é de certa maneira premonitória do seu provável destino no “baile macabro” que por cá em baixo se prepara e cujos ecos quase não chegam à Montanha . O impacto do livro de Mann e a sua modernidade está nesta ambivalência – idêntica à dos Buddenbrook que é uma história de ascensão e queda – que identifica os nossos tempos como feitos mais por Freud e Nietzsche do que pelos heróis individuais de Settembrini e colectivos de Naphta .
Na tertúlia da A Montanha Mágica pergunta-se :

“Haverá esperança numa redenção do Homem? Para quem tem fé, a convicção é forte, sabendo desde logo que, a estrada para Damasco é dura de percorrer, debaixo de um sol lancinante. “

mas esta não é nem a pergunta nem a resposta de Mann . O que é interessante na Montanha Mágica é que um dos poucos genuínos humanistas do século da barbárie , o XX , não acredita na sua eficácia final porque nada se aprende , e tudo se repete , como Nietzsche defendia . O dilema de Mann é também o nosso (o meu ) – ter pouca “fé” na eficácia da atitude humanista mas não poder deixar de ter outra que não seja essa . È a única atitude decente .



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© José Pacheco Pereira
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