ABRUPTO

29.2.04


NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: NOSTALGIA E HEIMATLOS

Hoje, a Carla Hilário Quevedo fala da etimologia da palavra “nostalgia”:

Nostalgía não é uma palavra antiga, mas "nóstos" e "álgos" são. "Nóstos" significa o regresso a casa ou a viagem e trata-se de um vocábulo que apareceu na Odisseia de Homero, pois onde havia de ser? "Álgos", significa dor de alma, desgosto e terá sido Sófocles quem primeiro escreveu a palavra (o que também me parece credível). "Algía" é o plural do neutro "álgos". A nostalgia será a dor pelo regresso a casa. Há quem lhe chame a saudade de casa. É isso, mas mais forte, mais profundo e não só.

Há uma outra palavra alemã, de alguma maneira intraduzível, que exprime um sentimento próximo: heimatlos. Nostalgia e heimatlos não são a mesma coisa , mas são dois sentimentos antigos a merecerem ser analisados nas notas sobre as sensibilidades.

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Nicolas de Staël, Paysage de Provence

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POEIRA

Hoje, neste dia para acertar o calendário com a máquina do Universo, há oitenta e quatro anos, Katherine Mansfield, escrevia no seu diário uma premonição da morte:

Oh, I failed today; I turned back, looked over my shoulder, and immediately it happened, I felt as though I too were struck down. The day turned cold and dark on the instant. It seemed to belong to summer twilight in London, to the clang of the gates as they close the garden, to the deep light painting the high houses, to the smell of leaves and dust, to the lamp-light, to that stirring of the senses, to the langour of twilight, the breath of it on one's cheek, to all those things which (I feel to-day) are gone from me for ever . . . I feel today that I shall die soon and suddenly: but not of my lungs.”

Morreu três anos depois, com 35 anos, mesmo de tuberculose.

Hoje, também num ano destes com um dia a mais, há trinta e dois anos, Paul Morand colecciona as “petites naivetés”, as incongruências de Proust. Numa altura no Swann, disse que o corpo de Odette era perfeito, mais à frente fala da sua “imperfeição”, etc., etc. Se Morand fizesse o mesmo exercício com a nossa Agustina ocupava metade do diário.

Depois anota que os ingleses pontuam a sua conversação com “See what I mean? Get me? Do you understand?” “como se se dirigissem a imbecis". See what I mean?

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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: A “VANESSA”

da Ana Sá Lopes, no Público, é um muito interessante e conseguido exemplo do tumulto superficial que passa hoje por ser o protótipo das relações afectivas modernas. Milhares de “Vanessas” animam-se com o debate para pensarem que estão vivas. Só dão por ela do seu estado quando envelhecem, porque as "Vanessas" envelhecem mal. Já se nota.

Para o mesmo retrato de comportamentos, a "Sofia" e o "Sebastião" do sex in lisbon são também protótipos interessantes.

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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: ALDOUS HUXLEY

Para o debate sobre as formas de sensibilidade, MCP envia uma citação de Aldous Huxley, de Sobre a Democracia e Outros Estudos. A citação é interessante para se perceber como os que vencem acham sempre que perdem. Exactamente quando o sentimentalismo se torna o padrão dominante, empurrado pela sensibilidade romântica, Huxley fala do “exílio dos sentimentos”… pelo capital, pelo negócio.

"Já mencionei os nossos êxitos modernos em coordenar as tendências naturais no sentido da violência. A organização dos desportos como substituto de encontros mais sangrentos, a consagração social do êxito desportivo e a sujeição dos jogos à moralidade são feitos notáveis. Em comparação o nosso fracasso em tratar adequadamente do sexo ou das emoções, parece-nos ainda mais extraordinário. Nem o sexo nem as emoções conduzem ao êxito profissional. Na verdade, elas militam muitas vezes contra ele. O nosso método de tratar o sexo é ainda o método tradicional católico. Mas houve razões transcendentes para a instituição católica do matrimónio e do celibato. Nós não temos tais razões. O melhor que podemos dizer é que a moderação em assuntos sexuais é desejável porque qualquer intemperança no sentido do amor ou da luxúria interfere com a nossa capacidade para o negócio, qualquer infracção ao código comummente aceite é um estorvo na corrida para o êxito. É o mesmo com as emoções. Há muito pouca utilidade profissional para o sentimento. Daí a revivescência dessa estranha ideia dos estóicos, de que o sentimento é de algum modo intrinsecamente efeminado, que é uma função inferior da mente, que deve ser, em todas as circunstâncias suprimido. Do séc. XVIII em diante, apenas com uns breves intervalos, o puramente razoável tem sido o homem ideal. Os sentimentos foram exilados para uma escuridão exterior"


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São Cabrita

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“FORÇA GUTERRES!”

Ao colocar Sousa Franco como cabeça de lista nas europeias, o PS inicia uma operação de reabilitação política do governo Guterres (com implicações ou não para as presidenciais). Sousa Franco é um dos principais responsáveis pelo descalabro das finanças públicas, talvez o factor singular mais importante na derrota do PS nas eleições legislativas. Esta reabilitação causará problemas ao PS, porque trará ainda mais confusão para a (já confusa) posição do PS sobre o défice, que nunca ninguém assumiu como virtuoso. Sousa Franco fará isso contra os “mineiros” e “cavadores”, que sabem muito bem porque razão o PS perdeu as eleições e quererão esquecer esse governo o mais depressa possível.

O resto é também previsível: escolhendo Sousa Franco, o PS só vai discutir política interna, usando como pretexto europeu a “Cimeira de Lisboa”. Também, a seu modo, fará o seu “Força Portugal!”. O que ninguém quer mesmo discutir é a situação da UE e o papel de Portugal na Europa, a Constituição Europeia e as suas opções, o directório a fazer-se e o sistema de alianças nacional. O consenso europeu torna tabu estas discussões.

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“FORÇA PORTUGAL!”

É uma frase mais que desapropriada para uma campanha europeia. Vejam só como ela soa se viesse de outro país: gostam de “Força Alemanha!” , ou “Força França!”, ou “Força Espanha!”? Parece grito de claque de futebol, ainda por cima nacionalista, e pouco europeu. É aqui que se vê a mão do PP.

Tomada a sério, não significa nada. Tomada à letra, significa várias coisas perigosas e enganadoras. O programa europeu unificador de PSD, PS e PP (pelas razões de oportunidade conhecidas) é o da Constituição Europeia: maior integração política, cedências de soberania, mais Europa, menos Estados-nações. Onde é que está o “Força Portugal!”? O que é que significa? O contrário do que parece.


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TRADUÇÕES

Alguns leitores do Abrupto queixam-se dos poemas em inglês e pedem traduções. À medida do possível, haverá traduções em português. Segue esta, cortesia de Vasco Graça Moura, do poema de Larkin Talking in Bed dos “Early Morning Blogs 139”:

Falar Na Cama

Falar na cama devia ser de resto,
o mais fácil, deitados remonta tão atrás,
como emblema de um par a ser honesto.

Mas passa mudo o tempo em seus vagares.
Lá fora, o vento, não de todo lesto,
Faz e dispersa nuvens pelos ares.

Ao longe, em seu negrume há as cidades. Não,
nada cuida de nós. Nada a mostrar
porque é que a tal distância do isolamento são

ainda mais difíceis de encontrar
palavras doces e verdadeiras prestes,
ou não inverdadeiras nem agrestes.


(Philip Larkin)

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CHOISIRAI-JE LE NORD / OU LE PAYS DES VIGNES?


Max Slevogt

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EARLY MORNING BLOGS 149

Há poemas que seduzem o viajante, mesmo que não sejam sobre viagens. “Et si je redeviens / Le voyageur ancien”, para onde irei? Partirei de novo, isso é certo. Parto sempre por fidelidade à viagem. Talvez um dia nalguma “vieille Ville”, chegue.

Le Pauvre Songe

Peut-être un Soir m'attend
Où je boirai tranquille
En quelque vieille Ville,
Et mourrai plus content :
Puisque je suis patient !

Si mon mal se résigne,
Si j'ai jamais quelque or,
Choisirai-je le Nord
Ou le pays des Vignes ?...
- Ah, songer est indigne

Puisque c'est pure perte !
Et si je redeviens
Le voyageur ancien,
Jamais l'auberge verte
Ne peut bien m'être ouverte.


(Rimbaud)

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28.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: NASCER SOB OS AUSPÍCIOS DE MARTE

Em Shakespeare, All's Well That Ends Well :

HELENA: Monsieur Parolles, you were born under a charitable star.

PAROLLES: Under Mars, I.

HELENA: I especially think, under Mars.

PAROLLES: Why under Mars?

HELENA: The wars have so kept you under that you must needs be born under Mars.

PAROLLES: When he was predominant.

HELENA: When he was retrograde, I think, rather.

PAROLLES: Why think you so?

HELENA: You go so much backward when you fight.

PAROLLES: That's for advantage.

HELENA: So is running away, when fear proposes the safety; but the composition that your valour and fear makes in you is a virtue of a good wing, and I like the wear well.

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CADERNOS DE CAMUS

Serão actualizados em breve.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: UM LIMERICK v. 2.0

There was a young lady from Mars
Who walks in the middle of the stars
She bites the rock
Obeying her clock:
"Tastes as good as the food of the Czars!"


Como não é em itálico, é meu, com sugestões de Paulo Tavares.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MORDIDELAS

Hoje a “Oportunidade” tem uma oportunidade. Acordou com Fats Domino e tem um programa simples: morder um bocado de Marte. Toda a gente sabe que os homens vêm de Marte, e as mulheres de Vénus. Bom, a sonda é feminina, mas vem da Terra. Vamos ver a convicção da mordidela, ó filha de Vénus!

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Georges Seurat

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POEIRA

Hoje, talvez por ser este dia estranho, 28, que umas vezes é o do fim, outras o de antes do fim, a história das palavras está cheia desta poeira. Hoje, há cento e noventa e nove anos, Stendhal começa a sua paixão por Mélanie Guibert, uma actriz secundária. Ela ainda não sabe de nada. Ele vai para a cama sentindo “che mi distruggo pensando a ella”. Assim mesmo, em italiano.

Pavese também não estava muito bem. Hoje, há sessenta e nove anos, perguntava: “Como é que ela me feriu? Talvez no dia em que levantou o braço para saudar alguém do outro lado da rua.” Depois insistia: “isto não tem nada a ver com estética, isto é dor”. Filosófico, teorizava: “A minha história de amor com ela não é feita de cenas dramáticas, mas de momentos preenchidos com as mais subtis das percepções”. Desculpas. Momentos.

Momentos. Se andarmos um pouco para trás da Grande Divisória das Sensibilidades, o século XIX, ontem, há trezentos e quarenta e três anos, o nosso Samuel Pepys pensava noutros momentos. Ontem, comeu peixe, mas o peixe era teológico: “Then I called for a dish of fish, which we had for dinner, this being the first day of Lent; and I do intend to try whether I can keep it or no.” Vamos ver como é que está a vontade do sr. Pepys.

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EARLY MORNING BLOGS 148

Um poema duro, “pétreo”, de Carlos Drummond de Andrade, pela manhã. Nem tudo é amável.

Acordar, viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.


Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?


Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?


Ninguém responde, a vida é pétrea.


(Carlos Drummond de Andrade)

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VER A NOITE

Não está uma noite magnificente, mas está uma bela Lua. Metade de Lua, para ser exacto, brilhando com grande intensidade, mas sem tornar a noite branca. Os grandes planetas, dispersos pela eclíptica, preparam-se para se juntarem em Março. Não está uma noite límpida, mas parece límpida. O que brilha, brilha com força tanto maior quanto está só no céu.

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27.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: UM PÔR DO SOL


em Marte.

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POEIRA

Há dois dias, há cento e noventa e seis anos, Stendhal matou os primeiros quadrúpedes da sua vida: três lebres.

No mesmo dia, há quarenta sete anos, Sylvia Plath, para variar, estava bem disposta: o marido, Ted Hughes, tinha ganho um prémio literário. Escreveu no seu diário: “Entre nós dois, publicaremos uma estante inteira de livros, antes de desaparecermos.” E “faremos um monte de filhos saudáveis e brilhantes!” Dois filhos depois, quatro anos depois, meteu a cabeça num fogão a gás e matou-se.

Byron, hoje, há cento e noventa anos, escreve sobre as mulheres. Ele acha que há qualquer coisa de “very softening in the presence of a woman”, mesmo que não se esteja apaixonado. Byron estranha os seus próprios sentimentos, até porque não tem “very high opinion of the sex”.

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may i feel said he...


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26.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: SORRIAM

Hoje, em Marte, através do "Espírito", nós olhamos para nós. A sonda vai olhar para a Terra e tirar uma fotografia. Sorriam.

Uma nova palavra: "yestersol", ontem, em Marte, porque os dias em Marte se chamam "sol".

A "Oportunidade" teve ontem, "yestersol", um grande despertar: "Rock Around the Clock", por Bill Haley and his Comets. O barulho em Marte deve ter sido tanto que até a geologia mudou.

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EARLY MORNING BLOGS 147

Cinzento e branco. Céu cinzento e neve branca. As primeiras pessoas na rua passam como se planassem, como se estivessem num quadro e fossem uma mancha movente. Ainda estou para perceber se andam depressa ou devagar, porque não andam, deslizam. A neve tem efeitos muito estranhos.

Para dar cor, violenta cor, amável cor, um cummings em que as palavras dançam num outro ar. Sem neve. Ou com neve lá fora.

may i feel said he...

may i feel said he
(i'll squeal said she
just once said he)
it's fun said she

(may i touch said he
how much said she
a lot said he)
why not said she

(let's go said he
not too far said she
what's too far said he
where you are said she)

may i stay said he
(which way said she
like this said he
if you kiss said she

may i move said he
is it love said she)
if you're willing said he
(but you're killing said she

but it's life said he
but your wife said she
now said he)
ow said she

(tiptop said he
don't stop said she
oh no said he)
go slow said she

(cccome?said he
ummm said she)
you're divine!said he
(you are mine said she)


(e.e. cummings)

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25.2.04


NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: O CONFLITO ENTRE O AMOR E O DESEJO

No comentário ao Ájax de Sófocles, continuarei a falar das formas antigas de sensibilidade associadas à honra, à igualdade nas armas, aos juramentos, aos deveres da amizade. Enquanto não avanço mais nesse comentário, fica aqui como intermezzo e para a antologia destas coisas arqueológicas, um poema de D. H. Lawrence sobre o conflito entre o desejo e o amor romântico. O desejo é mais antigo, mas “It has always been a failure” nos tempos de hoje.

Ah, in the past, toward rare individuals
I have felt the pull of desire;
Oh come, come nearer, come into touch:
Come physically nearer, be flesh to my flesh -

But say little, oh say little,
and afterwards, leave me alone.
Keep your aloneness, leave me my aloneness -
I used to say this, in the past - but now no more
It has always been a failure.
They have always insisted on love
and on talking about it
and on the me and thee and what we meant to each other.

So now I have no desire any more
Except to be left, in the last resort, alone, quite alone.

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POEIRA

Ontem, há oitenta e nove anos, o embaixador francês em S. Petersburgo, Maurice Paléologue, teve um encontro inesperado. O embaixador estava a visitar uma senhora muito activa na Cruz Vermelha, Madame O. , quando irrompe na sala um homem alto, vestido com um caftan negro,"do género que os mujiks mais abastados usam" , e beijou a senhora com estrondo na mão. Rasputin.

Começou uma conversa de surdos. Rasputin queixa-se da condição do povo russo, da miséria sofrida. Paléologue suspeita que ele quer tirar a Rússia da guerra e que é um homem do kaiser. Rasputin indigna-se:

" O imperador Guilherme... porquê, não sabe que ele é inspirado pelo Diabo?"

E voltou a queixar-se do "sofrimento das massas". A conversa azedou outra vez, até que Rasputin perguntou:

"Será que a Rússia vai ter Constantinopla?"

"Sim se ganharmos", disse o embaixador. Maurice Paléologue era , como o seu nome indica, descendente dos imperadores de Bizâncio.

"Então o povo russo não lamentará ter sofrido tanto, e estará disposto a sofrer ainda mais."

Beijou Madame O. , abraçou o embaixador e saiu batendo com a porta. Antes tinha dito que não era Ministro das Finanças do czar, mas sim "Ministro da sua alma". Foi morto um ano e meio depois.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: TINHA QUE SER,

era apenas uma questão de tempo até que as máquinas marcianas começassem a ser tratadas como humanos: de hoje, do sítio da NASA, "a careful and patient Spirit waits to drive into "Middle Ground.". Muito bem. É assim que elas funcionam a 100%. Não há quem fale às plantas?



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EARLY MORNING BLOGS 146

Morning Song

Love set you going like a fat gold watch.
The midwife slapped your footsoles, and your bald cry
Took its place among the elements.

Our voices echo, magnifying your arrival. New statue.
In a drafty museum, your nakedness
Shadows our safety. We stand round blankly as walls.

I'm no more your mother
Than the cloud that distills a mirror to reflect its own slow
Effacement at the wind's hand.

All night your moth-breath
Flickers among the flat pink roses. I wake to listen:
A far sea moves in my ear.

One cry, and I stumble from bed, cow-heavy and floral
In my Victorian nightgown.
Your mouth opens clean as a cat's. The window square

Whitens and swallows its dull stars. And now you try
Your handful of notes;
The clear vowels rise like balloons.


(Sylvia Plath)


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CARNAVAIS

De longe, de outro carnaval, olho com estranheza o carnaval português. Num país machista, em que a cultura masculina dominante é machista, em que os valentões de café, de escritório, de praia, de carro, proliferam, subitamente chega o carnaval e todos eles descem à rua vestidos de mulher, aos magotes, aos milhares, exibindo as mamas falsas e os collants. Há qualquer coisa de estranho em tudo isto.


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24.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CARNAVAL MARCIANO

Uma das razões porque estes homens estão à frente de tudo, já uma vez o escrevi, é porque têm a alegria de descobrir. Uma imensa curiosidade, muito estudo, e uma imensa alegria. Hoje está isto escrito no balanço do “Espírito”:

The wake-up song this morning (Sunday evening Pacific time) was "Samba De Marte" by Beth Carvalho from her "Perolas Do Pagode" album. The lyrics include a verse about waking up the rover on Carnival Day. This song was written by Beth Carvalho after she heard that one of her songs was used to wake up Mars Pathfinder's Sojourner rover during the 1997 mission. This is quite appropriate, as this spirited sol 50 also began on Carnival day in Brazil!

Espero que, com tanta festa, a máquina não se ponha a fazer asneiras.


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POEIRA

Hoje, há setenta anos, Elizabeth Smart escreveu no seu diário:

À noite, empurrei a mobília para a parede e dancei no meu quarto vestida com o fato de banho. Jazz. Ravel. Mozart. Jazz. Os ritmos de que não se escapa.

Elizabeth tinha uma paixão absoluta pelo poeta George Baker, mesmo antes de o conhecer, e afirmou sempre que acreditava no “amor verdadeiro”, indiferente às circunstâncias da vida. Escreveu-lhe várias cartas, até que um dia se encontraram numa paragem de autocarro, para depois se separarem e reencontrarem de novo. Teve dele quatro filhos, e escreveu em 1945, a partir dessa história de amor, um romance de culto: By Grand Central Station I Sat Down and Wept. O livro, escreveu um crítico, era “emotionally pompous, yet entirely endearing”, e nele se escreviam coisas como esta:

'Often a star was waiting for you to notice it. A wave rolled toward you out of the distant past, or as you walked under an open window, a violin yielded itself to your hearing. All this was mission. But could you accomplish it? Weren't you always distracted by expectation, as if every event announced a beloved. “

Outra coisa que Elizabeth teve de Baker foi um bocado de lábio, que lhe arrancou numa fúria. No seu diário, a seguir a contar a sua solitária dança, acrescentou: “You must dance. Abandon all else.” Sensibilidades modernas.

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PUT ON THE PERFECT LID



Giovanni Segantini, La Morte

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EARLY MORNING BLOGS 145

Noite das coisas simples, antiquíssimas, lustrais, sem a distância de qualquer explicação. Pela manhã, a mesma pequena fala nocturna:

When Memory is full
Put on the perfect Lid --
This Morning's finest syllable
Presumptuous Evening said –


(Emily Dickinson)

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23.2.04


A CAMINHO

de outro caminho, três pequenos poemas de Auden:


"The underground roads
Are, as the dead prefer them,
Always tortuous."

"When he looked the cave in the eye,
Hercules
Had a moment of doubt."

"Leaning out over
The dreadful precipice,
One contemptuous tree."


para a viagem.

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POEIRA

Há trinta e cinco anos, hoje, Paul Morand levou o seu chow-chow "Bébé" ao veterinário. Estava irritado com De Gaulle, que parecia acreditar que, fazendo ofertas de um condomínio europeu franco-britânico aos ingleses, os separava dos EUA. Morand achava uma enorme asneira e comentava: “deixar a política externa nas mãos de um militar que a pratica aos 77 anos” era a mesma coisa que “colocar uma navalha nas mãos dum macaco”. Depois cita Xenofonte sobre como se distingue a qualidade de um cavalo pelo toque dos cascos. Não está mal.

Ontem como hoje.

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JE NE PRÉTENDS POINT ÊTRE LÀ



Otto Scholderer, Natureza morta com vaso e cogumelos

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SOBRE SENSIBILIDADES ANTIGAS: ÁJAX 2

A peça de Sófocles tem duas partes distintas: uma, mais valorizada, o conflito de Ájax com a sua honra perdida e o seu suicídio; outra, a discussão muito violenta sobre se o seu corpo deve ou não ser enterrado. É uma discussão semelhante à de Antígona, mas que, nalguns aspectos, me parece mais interessante porque envolve não apenas a autoridade do Estado, mas também a autoridade militar, a autoridade de homens de armas sobre homens de armas. A autoridade não entre diferentes, mas a autoridade entre iguais.

Aparentemente, todos os sentimentos presentes em Ájax são-nos contemporâneos: a honra, a amizade, a devoção amorosa e filial, o respeito pela autoridade, a fidelidade aos costumes, etc. Aparentemente, porque, como muitas vezes acontece na leitura dos antigos, tudo parece semelhante, mas há um átomo de diferença crucial. Esse átomo de diferença é quase sempre minimalista, um nó de estranheza, uma incompreensão, que nós, modernos, tomamos como sinal de anacronismo. É mais do que isso: é sentir diferente.

Por exemplo: o papel da violência, traduzida no espectáculo da crueldade. Toda a peça está cheia de descrições da morte que traduzem uma familiaridade intensa com a morte violenta. Em Ájax, são animais que parecem degolados, esquartejados, rasgados nos quadris, com a espinha quebrada. São animais, mas Ájax pensava que estava a matar homens, e a cada ferida mortal num animal, a cada tortura que ele lhes queria infligir, é para um humano que a sua espada se dirige.

É este espectáculo repulsivo para os companheiros de Ájax? É somente na medida em que é o sinal da loucura do guerreiro, nada mais. Fora disso, é trivial, normal, mesmo educativo, fossem animais ou homens. Ájax considera que o seu filho tem que naturalmente ver a cena da carnificina dos animais, porque o quer educado para seguir o pai, ser guerreiro:

Ergue-o, ergue-o até aqui. Ele não se atemorizará ao ver esta carnificina de há pouco, se na verdade sair ao pai. É preciso treiná-lo como um poldro nas duras regras do pai e igualar à dele a sua natureza. Ó filho, que sejas mais feliz que o teu pai, mas igual em tudo o mais. E que nunca sejas vil.”

(Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Sófocles , Tragédias, Coimbra , Minerva, 2003. Esta será a tradução utilizada.)

O nó “antigo” traduz-se aqui pelas “duras regras do pai”.

(Continua)

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A SOMBRA









O Sol, o mesmo, o nosso Sol, bate-lhe por trás, e a sombra alonga-se. Ou está a nascer, ou a pôr-se, e a sua luz ilumina o trabalhador infatigável, o “Espírito”. A máquina está a fazer covas na areia, imaginando a praia longínqua que todos temos na memória. Talvez amanhã, quando o Sol se levantar de novo, haja um castelo na areia.

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O CANTO E A SUA INTÉRPRETE

Morreu Maria Helena de Freitas, uma voz da rádio ao serviço da paixão pelo canto e pela ópera. Inimitável no seu “O Canto e os seus Intérpretes”, era uma mulher que vinha de um outro Portugal, já arqueológico: o anterior à cultura de massas. Quem quiser saber como era esse estrato geológico enterrado bem fundo, tente ouvir a entrevista que deu a João Pereira Bastos, um retrato da nossa vida intelectual e musical, cheio de apreciações de pessoas (como Sérgio) e anedotas da elite que frequentava o S. Carlos e sabia de dós de peito. Que os intérpretes celestes correspondam ao seu apurado ouvido e gosto. Não lhe faltam escolhas.

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EARLY MORNING BLOGS 144

Frank O’Hara, cujos poemas têm aparecido aqui nas últimas manhãs, teve uma morte estúpida: atropelado por um buggy na praia. Aconteceu na “early morning” de 24 de Julho de 1966. Voltará aqui mais vezes, mas o Abrupto nocturno hoje fala francês, e por isso pela manhã encontrarão o bretão sinófilo Victor Segalen. Ele escreveu, em nome de uma outra forma de estar, este

Éloge et pouvoir de l'absence

Je ne prétends point être là, ni survenir à l'improviste, ni paraître en habits et chair, ni gouverner par le poids visible de ma personne,

Ni répondre aux censeurs, de ma voix ; aux rebelles, d'un oeil implacable ; aux ministres fautifs, d'un geste qui suspendrait les têtes à mes ongles.

Je règne par l'étonnant pouvoir de l'absence. Mes deux cent soixante-dix palais tramés entre eux de galeries opaques s'emplissent seulement de mes traces alternées.

Et des musiques jouent en l'honneur de mon ombre ; des officiers saluent mon siège vide ; mes femmes apprécient mieux l'honneur des nuits où je ne daigne pas.

Égal aux Génies qu'on ne peut récuser puisqu'invisibles, - nulle arme ni poison ne saura venir où m'atteindre.


(Victor Segalen)

*

Vindo do lado de l'absence, este bom dia!

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22.2.04


PRIDE IS HIS OWN TRUMPET


Georges Seurat, Le Bec du Hoc

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SOBRE SENSIBILIDADES ANTIGAS: ÁJAX – VARIAÇÃO / “PRIDE IS HIS OWN GLASS

De passagem, o Ájax shakespereano é diferente do da tragédia de Sófocles, até porque a história de Troilus e Cressida se passa antes do incidente das armas. Há uma parte interessante sobre o orgulho, a soberba, aplicada neste caso a Ulisses (vejam-se os textos aqui publicados sobre Bernardo de Clairvaux).


AJAX
What is he more than another?

AGAMEMNON
No more than what he thinks he is.

AJAX
Is he so much? Do you not think he thinks himself a better man than I am?

AGAMEMNON
No question.

AJAX
Will you subscribe his thought, and say he is?

AGAMEMNON
No, noble Ajax; you are as strong, as valiant, as wise, no less noble, much more gentle, and altogether more tractable.

AJAX
Why should a man be proud? How doth pride grow? I know not what pride is.

AGAMEMNON
Your mind is the clearer, Ajax, and your virtues the fairer. He that is proud eats up himself: pride is his own glass, his own trumpet, his own chronicle; and whatever praises itself but in the deed, devours the deed in the praise.

AJAX
I do hate a proud man, as I hate the engendering of toads.

NESTOR
Yet he loves himself: is't not strange?”


(Shakespeare, Troilus and Cressida )

(Continua)

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SOBRE SENSIBILIDADES ANTIGAS: ÁJAX

Por exemplo, Ájax, o senhor de Salamina, na tragedia de Sófocles. Na tragédia, Ájax, cheio de raiva por ter sido preterido na distribuição das armas de Aquiles, tem um acesso de loucura e mata os animais do exército, convencido de que estava a matar os seus rivais. Acordado da sua loucura, mostra-se predisposto ao suicídio para reparar a sua honra, e todos o tentam dissuadir. Num primeiro momento, Ájax parece desistir, o que enche de felicidade os seus companheiros, mas depois mata-se atirando-se para cima da sua espada, numa cena de suicídio diante dos espectadores, rara na tragédia clássica.

Que faz Ájax de diferente, de “antigo”? Suicida-se para reparar a sua honra perdida, suicida-se por dever. Ele não é um guerreiro derrotado, ele não conduziu os seus homens à morte, ele não tem, como o samurai que comete harakiri, qualquer fidelidade para com o seu senhor que o deva levar à morte ritual. Ele é um guerreiro livre, rei de si próprio, reconhecido como o mais corajoso depois de Aquiles. A sua independência, associada às suas virtudes marciais, tornavam-no universalmente temido e odiado pelos seus pares. Como o seu amigo Teucro afirmou, não viera para Tróia por razões em que

all the argument is a cuckold and a
whore


(Shakespeare, Troilus and Cressida)

mas pelo seu juramento. Era fiel ao seu juramento, estava lá. Detestava Ulisses, Menelau, Agamémnon.

Como acontece em todas as tragédias, ele não era o verdadeiro culpado, o culpado subjectivo, visto que os deuses (Atena, neste caso) o levaram a cometer tal acto num momento de loucura. Mas tinha uma culpabilidade objectiva, que levou à punição divina: perdera a “sensatez” no seu conflito de invejas e rivalidades com os seus pares. É esta combinação entre a sensatez, a honra e a reparação última da honra pela morte nobre que não é moderna.

(Continua)

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POEIRA

Hoje, há cento e quarenta e nove anos, a rainha Vitória foi visitar os soldados feridos que tinham vindo dos campos de batalha da Crimeia. Estes soldados eram dos Coldstreams, um regimento escocês criado no século XVII, célebre pela dureza dos seus soldados, tropas de fronteira, tropas de chão. É provável que os feridos que a Rainha foi ver tivessem vindo da batalha de Inkermann, travada em Novembro de 1854, numa manhã de nevoeiro. Foi uma “batalha de soldados”, batalha de infantaria, a mais cruel das batalhas, opondo ingleses e russos. O resultado foi indeciso, ninguém ganhou, as batalhas decisivas da guerra só se deram depois.

No seu diário, a rainha anotou a impressão dramática que teve ao ver os jovens amputados, atravessados por tiros na face, “tristemente” feridos. A emoção da rainha é genuína e a sua preocupação com a situação desses soldados também: “os que serão desmobilizados receberão pensões mínimas que não serão suficientes para viver”. Promete fazer tudo o que possa, e alguma coisa sabe-se que fez.

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PELA MANHÃ,

recordando a “noite transfigurada”, ouço a de Schönberg, Verklärte Nacht, pelo Schönberg Ensemble, uma gravação já antiga da Philips, mas que é a que me habituei a ouvir. Para além disso tem um poderoso Egon Schiele, Umarmung, na capa. Em música tenho sempre muita dificuldade em abandonar as versões, nalguns casos as primeiras, com que me “fixei” numa obra. É assim com uma Canção da Terra, com uma Dido e Eneias, com a voz de Deller, a de Elizabeth Schwartzkof, com um Quarteto Razumovsky, com um Gilels a tocar Grieg. Semper fidelis, dizia o mote (que também é o dos Marines).

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EARLY MORNING BLOGS 143

São quase três da manhã, como no poema de Frank O’Hara. ( “It is almost three”, será de tarde ou de noite? Como não há ruído, deve ser de noite). Eu sei que a manhã ainda está longe, mas para mim já é “pequena manhã” e fica dito o que é preciso. Se fosse antigamente diria que encheria a minha lâmpada. Agora não é preciso encher nada e mesmo a de O’Hara, dava pouca luz: “I don’t glow at all”..

At Joan's

It is almost three
I sit at the marble top
sorting poems, miserable
the little lamp glows feebly
I don't glow at all

I have another cognac
and stare at two little paintings
of Jean-Paul's, so great
I must do so much
or did they just happen

the breeze is cool
barely a sound filters up
through my confused eyes
I am lonely for myself
I can't find a real poem

if it won't happen to me
what shall I do


(Frank O'Hara)

*

Bom dia!

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DILEMA

Há uma paz especial enquanto a dama em baixo domina a página. Escrevendo, faço-a desaparecer pouco a pouco, ou de repente. Ela leva o livro, um livro de orações, consigo. Regressa invisível à sua Sé, esquecida de todos, na noite escura e fria que lá deve estar. De um lado o rio, do outro a rua que ia para a cadeia, por onde passa o barulho dos eléctricos. Que pensará Maria desse som alheio? Continuará a ler na escuridão? Pode ser. Ela lê sem olhos, ela lê sem corpo, ela lê sem saber quem é. Adeus, velha avó, empurrada pelas letras, muito, muito tempo depois. Serei gentil.

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21.2.04


LENDO, NA MORTE



Uma antiga parente minha, Maria de Vilalobos (casada com Lopo Fernandes Pacheco), lê assim na morte. Ele, no seu túmulo, ao lado, por cima do corpo tem uma enorme espada e um cão de caça, acompanhando quatro séries obsessivas das serpentes do brasão. Ela descansa com um livro, lendo para a eternidade.

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POEIRA

Hoje, há cento e dois anos, como o tempo passa depressa!, Robert Musil foi ao teatro de variedades, à revista, com uns amigos. Uma das “chanteuses”, uma das coristas, não era feia e tinha roupa interior cinzenta. O grupo dele estava um pouco enfastiado e resolveu não convidar nenhuma das meninas para a mesa. Mas Musil meteu conversa com a menina da roupa interior cinzenta, que estava acompanhada pela mãe. Pensou: se ela viesse para a nossa mesa, eu comportar-me-ia “decentemente” com ela. Bons pensamentos, pobre Musil! Enquanto ele estava com esses pensamentos delicados, um dos amigos levou a rapariga para o jardim com abundantes maus pensamentos e práticas. “Génio”, exclamou Musil, fantasma do Parque Mayer, homem sem qualidades.

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EARLY MORNING BLOGS 142



Ainda falta muito para a manhã. Mas a minha noite está trocada pelo dia, as horas tortas, a noite longuíssima. Fica por isso já um matinal poema de Frank O’Hara, para quem amanhã começar o dia. Bom dia!

Morning

I've got to tell you
how I love you always
I think of it on grey
mornings with death

in my mouth the tea
is never hot enough
then and the cigarette
dry the maroon robe

chills me I need you
and look out the window
at the noiseless snow

At night on the dock
the buses glow like
clouds and I am lonely
thinking of flutes

I miss you always
when I go to the beach
the sand is wet with
tears that seem mine

although I never weep
and hold you in my
heart with a very real
humor you'd be proud of

the parking lot is
crowded and I stand
rattling my keys the car
is empty as a bicycle

what are you doing now
where did you eat your
lunch and were there
lots of anchovies it

is difficult to think
of you without me in
the sentence you depress
me when you are alone

Last night the stars
were numerous and today
snow is their calling
card I'll not be cordial

there is nothing that
distracts me music is
only a crossword puzzle
do you know how it is

when you are the only
passenger if there is a
place further from me
I beg you do not go


(Frank O'Hara )


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20.2.04


GELO



Frits Thaulow, Inverno

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19.2.04


CURIOSIDADE ANTROPOLÓGICA

Numa rara estadia lisboeta mais prolongada do que é costume, vou ver se faço o trajecto do autor de blogues perfeito: se vou à FNAC do Chiado, se marco encontros para o Magnólia, se passo pela Ler Devagar, enfim, a ver se me civilizo. Não se zanguem com o título, porque a curiosidade antropológica sou eu.


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POEIRA

Se estivéssemos no dia de ontem, há trezentos e quarenta e três anos, talvez pudéssemos ter um dia como o de Pepys: trabalhou no escritório de manhã, almoçou em casa "only my wife and I, which is not yet very usual.". À tarde foi a febre consumista, comprou luvas e seda com a mulher e uma amiga. À noite juntou toda a gente e mais uns amigos em casa, serviu vinho (do Reno?) e açúcar. O açúcar ainda era uma raridade. Falaram de quê? Dos políticos, claro, para dizer mal. O Rei (Carlos II, Stuart) , dizia-se, parecia já ter casado (em segredo presume-se) e ter dois filhos. Era boato. Mas a Pepys não lhe desagradava a situação, tanto mais que colocava o Duque de York longe do trono. Qual era o problema com o Duque? Tinha uns amigos católicos, más companhias.
Foi há trezentos e quarenta e três anos? Não parece.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O NOSSO OLHAR EM MARTE



avança pouco a pouco. Este é o mapa do que já viu o "Espírito" e do caminho que o vai levar até à cratera Bonneville. Do outro lado do planeta, a "Oportunidade" vai ser "acordada" com Trench Town Rock de Bob Marley. Deus não dorme na NASA e há músicas para tudo.

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EARLY MORNING BLOGS 141

Este era o poema marcado no volume de Auden. Não é sobre a manhã, mas tem dentro muitas mannhãs. É sobre como se olha o céu com um só olho e se vê tudo.

Roman Wall Blues

Over the heather the wet wind blows,
I've lice in my tunic and a cold in my nose.

The rain comes pattering out of the sky,
I'm a Wall soldier, I don't know why.

The mist creeps over the hard grey stone,
My girl's in Tungria; I sleep alone.

Aulus goes hanging around her place,
I don't like his manners, I don't like his face.

Piso's a Christian, he worships a fish;
There'd be no kissing if he had his wish.

She gave me a ring but I diced it away;
I want my girl and I want my pay.

When I'm a veteran with only one eye
I shall do nothing but look at the sky.


(W. H. Auden)

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HÁ NOITES ASSIM

ecléticas até ao limite. Tudo misturado. No bolso ainda está o belo pequeno volume de Auden, hardbound da Everymen’s Library Pocket Poets. O poema para amanhã está marcado pelo bilhete do vaporetto, outro, para altura nenhuma, pela fita de nastro amarela. E ouço sem ter coragem para desligar … as mulheres da country a cantar com uma força sem paralelo. A grande Patsy Cline a cantar I Fall To Pieces

I fall to pieces each time I see you again
I fall to pieces, how can I be just your friend?

You want me to act like we've never kissed
You want me to forget, pretend we've never met
And I've tried and I've tried but I haven't yet
You walk by and I fall to pieces


e Tammy Winette, quase num grito,

Sometimes its hard to be a woman
Giving all your love to just one man
You'll have bad times
And he'll have good times
Doing things that you don't understand

But if you love him you'll forgive him
Even though he's hard to understand
And if you love him
Oh be proud of him
'Cause after all he's just a man

Stand by your man…


Devia ser proibido.

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18.2.04


GELO

The ice was here, the ice was there,
The ice was all around :
It cracked and growled, and roared and howled,
Like noises in a swound !


(Coleridge)

Para quem como eu gosta do frio, do frio muito forte, de gelo , da neve, daquele bloco de ar frígido que nos molda por fora e nos ameaça cristalizar por dentro, estou a ler o livro certo: Stephen J. Pine, The Ice, uma obra sobre a Antártida.

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HOJE

passo-me entre as terras da Europa. Não houve "early morning", mas fica, até chegar, um grande e mais que apropriado poema de Frank O'Hara. Fica em inglês, mas vou traduzi-lo mais tarde, para a série das Sensiblidades:


Lines For The Fortune Cookies


I think you're wonderful and so does everyone else.

Just as Jackie Kennedy has a baby boy, so will you--even bigger.

You will meet a tall beautiful blonde stranger, and you will not say hello.

You will take a long trip and you will be very happy, though alone.

You will marry the first person who tells you your eyes are like scrambled eggs.

In the beginning there was YOU--there will always be YOU, I guess.

You will write a great play and it will run for three performances.

Please phone The Village Voice immediately: they want to interview you.

Roger L. Stevens and Kermit Bloomgarden have their eyes on you.

Relax a little; one of your most celebrated nervous tics will be your undoing.

Your first volume of poetry will be published as soon as you finish it.

You may be a hit uptown, but downtown you're legendary!

Your walk has a musical quality which will bring you fame and fortune.

You will eat cake.

Who do you think you are, anyway? Jo Van Fleet?

You think your life is like Pirandello, but it's really like O'Neill.

A few dance lessons with James Waring and who knows? Maybe something will happen.

That's not a run in your stocking, it's a hand on your leg.

I realize you've lived in France, but that doesn't mean you know EVERYTHING!

You should wear white more often--it becomes you.

The next person to speak to you will have a very intriquing proposal to make.

A lot of people in this room wish they were you.

Have you been to Mike Goldberg's show? Al Leslie's? Lee Krasner's?

At times, your disinterestedness may seem insincere, to strangers.

Now that the election's over, what are you going to do with yourself?

You are a prisoner in a croissant factory and you love it.

You eat meat. Why do you eat meat?

Beyond the horizon there is a vale of gloom.

You too could be Premier of France, if only ... if only...


(Frank O'Hara)

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17.2.04


SOBRE A BLOGOSFERA

Se na blogosfera se olhar só para dentro, não será difícil deixar de encontrar algum desânimo, em particular de quem já cá está há algum tempo.

O meio é ácido, mais do que polémico, e atrai os ácidos. Já há algum tempo o Pedro Mexia sublinhava e com razão que a afluência de jornalistas transportava para a blogosfera um estilo de discussões que, no fundo, projectam a agenda política dos jornais para os blogues. Nalgum dos blogues então criados, os jornalistas políticos davam o curso livre ás suas opiniões sobre a política e os políticos, que não podiam explicitar nos seus jornais (embora não fosse difícil encontrar a comunidade de opiniões entre o que escreviam nos seus jornais e nos blogues, dada a politização do meio.) Em si não há mal nenhum em que isto aconteça, há até um efeito de transparência. O que sucede é que a massa crítica da blogosfera portuguesa é pequena e os efeitos perversos, que já cá estavam, acentuaram-se.

Os temas estreitaram-se e as classificações tornaram-se comuns. Passou a haver uma espécie de patrulhamento da actualidade, quase uma exigência de pronunciamento. “Ou falas sobre isto ou então…” E o “então” eram sempre julgamentos de carácter, cobardia, oportunismo, conveniência. O julgamento de carácter tornou-se obsessivo, mais do que o debate político, que esse nunca fez mal a ninguém.

Depois a composição política da blogosfera pareceu alterar-se. Digo pareceu, porque não acho que a alteração tenha sido essa. Não havia antes hegemonia da “direita” e agora há da “esquerda”, o que aconteceu foi a sobreposição de um fenómeno de “des-familiaridade”, com o refluxo do conflito iraquiano. Os amigos e conhecidos foram sucessivamente sendo substituídos por estranhos, os círculos de influência, que eram também de troca de reconhecimento, foram-se desagregando, e isso torna os blogues um meio mais duro, menos satisfatório em termos psicológicos. Mais do que a política mudou o estilo e a dimensão, e uma sensação que a blogosfera é agora mais hostil do que cozy.

Depois também, como em todas as coisas, as modas mudaram e os blogues já não são novidade. Isto é um factor de selecção poderoso porque acentua os critérios de qualidade do conteúdo do blogue, em detrimento do facto do facto de se usar a forma blogue. Os que têm alguma coisa a dizer, e ainda são alguns, continuarão a ter leitores.

O Abrupto nunca foi pensado como tendo como primeiro interlocutor os outros blogues, mas o mundo exterior, as pessoas que não vivem dentro da blogosfera, mas na atmosfera. Como todos os blogues não é imune ao meio, mas não é escrito em primeiro lugar para a comunidade, mas para quem vem de fora, como acontece com a maioria dos seus leitores.

O Abrupto continuará, limitado pelo meu tempo e circunstâncias. Fora disso, e como o seu autor não é muito de arroubos ou surtos, não vejo que haja qualquer razão previsível no horizonte para que acabe.

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HISTÓRIA COMO ABSOLUTA SURPRESA

Vários aspectos da vida portuguesa servem de exemplo para se perceber o carácter absolutamente novo da história, a sua capacidade de ser imprevisível e criadora. Coisas triviais, que aceitamos como normais, mas que há vinte anos, não mais do que isso, seriam consideradas tão impossíveis que ninguém as poderia antever sequer. Por exemplo: que tropas portuguesas estariam na Bósnia e no Iraque, que nas ruas de Lisboa e um pouco por todo o país se falasse russo, ucraniano e moldavo, que nas bancas de jornais existisse imprensa nessas línguas, ao lado do Diário de Notícias.

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POEIRA

Pepys teve um dia feliz, ontem, há trezentos e quarenta e três anos: o seu “Lord”, Sir Edward Mountagu, conde de Sandwich, verificou-lhe as contas e pagou-lhe uma considerável quantia. Depois jantaram e foram ao teatro, mas a peça não o entusiasmou: "I saw “The Virgin Martyr,” a good but too sober a play for the company.”






A pouco mais de um mês de morrerem, Scott e os seus companheiros estão enterrados na tempestade. Evans dá sinais de perturbação mental. Ontem , há noventa e dois anos, Scott anotou no seu diário: “it’s no use meeting troubles halfway, and our sleep is all too short to write more.”



(Pintura de Dora Carrington) Vinte anos depois, no mesmo dia, em 1932, Dora Carrington defronta-se com a morte do seu companheiro Lytton Strachey e escreve no seu diário:

At last I am alone. At last there is nothing between us. I have been reading my letters to you in the library this evening.You are so engraved on my brain that I think of nothing else. Everything I look `at is part of you. And there seems no point in life now you are gone. I used to say: `I must eat my meal properly as Lytton wouldn't like me to behave badly when he was away.' But now there is no coming back. No point in `improvements'. Nobody to write letters to. Only the interminable long days which never seem to end and the nights which end all too soon and turn to dawns. All gaiety has gone out of my life and I feel old and melancholy. All I can do is to plant snow drops and daffodils in my graveyard!”

Depois queimou alguns objectos pessoais de Lytton, deu a roupa, “the bodily companions”, aos caseiros. Escreveu: “In a few years what will be left of him? A few books on some shelves, but the intimate things that I loved, all gone”

Daqui a dias, Dora Carrington mata-se com um tiro. Já tinha tentado antes, sem conseguir.

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MUSIC MEETS NOT ALWAYS NOW THE EAR



William Merritt Chase, At the Seaside

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EARLY MORNING BLOGS 140

Pela manhã, ainda sereníssima, a voz do grande sedutor, George Gordon (Lord Byron), ele próprio habitante destas pedras.


I stood in Venice, on the Bridge of Sighs,
A palace and a prison on each hand:
I saw from out the wave her structures rise
As from the stroke of the enchanter's wand:
A thousand years their cloudy wings expand
Around me, and a dying Glory smiles
O'er the far times, when many a subject land
Looked to the wingéd Lion's marble piles,
Where Venice sate in state, throned on her hundred isles!

She looks a sea Cybele, fresh from ocean,
Rising with her tiara of proud towers
At airy distance, with majestic motion,
A ruler of the waters and their powers:
And such she was--her daughters had their dowers
From spoils of nations, and the exhaustless East
Poured in her lap all gems in sparkling showers:
In purple was she robed, and of her feast
Monarchs partook, and deemed their dignity increased.

In Venice Tasso's echoes are no more,
And silent rows the songless gondolier;
Her palaces are crumbling to the shore,
And music meets not always now the ear:
Those days are gone--but Beauty still is here;
States fall, arts fade--but Nature doth not die,
Nor yet forget how Venice once was dear,
The pleasant place of all festivity,
The revel of the earth, the masque of Italy!


(Byron)

*

Bom dia!


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16.2.04


SCRITTI VENETI 7



Vindos dos leitores do Abrupto:

Da Maria Teresa Goulão:

Em " Cidades Invisíveis" de Calvino, Kublai Kan, o imperador, interpela Marco Polo acerca de um cidade de que ele nunca fala - Veneza- e este responde: "Para distingir as qualidades das outras, tenho de partir de uma primeira cidade que está implícita. Para mim é Veneza. As imagens da memória, depois de fixadas com as palavras apagam-se. Talvez eu tenha medo de perder Veneza toda de uma vez, se falar dela. Ou talvez, ao falar de outras cidades, já venha a perdê-la. A cidade existe e tem um segredo: só conhece partidas e nunca regressos.”

Calvino, Cidades Invisíveis


De RPR da Hipatia:


"Ci sono a Venezia tre luoghi magici e nascosti. Uno in CALLE DELL'AMOR DEGLI AMICI : un secondo vicino al PONTE DELLE MERAVEGIE : il terzo in CALLE DEI MARRANI nei pressi di San Geremia in ghetto vecchio. Quando i veneziani sono stanchi delle autorit` costituite vanno in questi tre luoghi segreti e aprendo le porte che stanno nel fondo di quelle corti se ne vanno per sempre in posti bellissimi e in altre storie.....".


Hugo Pratt, Sirat Al-Bunduqiyyah

"Há muitas e muitas luas, um dólar eram 870 liras e eu era um homem de trinta e dois anos. Também o mundo era mais leve, dois biliões de almas mais leve, e o bar da stazione a que eu chegara nessa fria noite de Dezembro estava vazio. Fiquei ali parado, ` espera da única pessoa que conhecia na cidade. Ela chegou bastante atrasada."

Joseph Brodsky, Marca de Agua

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14.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: VIVER EM DOIS PLANETAS E EM TRÊS HORAS DIFERENTES

Muito interessante texto sobre a vida dos cientistas que acompanham as duas sondas marcianas e a sua adaptação a estarem simultaneamente em três tempos diferentes. Por exemplo, agora está-se em SOL (o dia marciano) 41 , 23.41 na cratera Gusev, ou seja, está de noite e máquina parada, e SOL 21, 11.41, em Meridiani e o Sol brilha e tempo de trabalhar para a Opportunity. Se o Abrupto fosse a TSF ou a RTP nos dias “patrióticos” de Timor, com o sinal horário de Dili, devia por no blogue as horas marcianas.

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SCRITTI VENETI 6


Amanhã, quando chegar e olhar para a água da laguna sereníssima, lembrar-me-ei. Já será tarde para escrever, já não será “early morning”, mas se fosse seria assim

In winter you wake up in this city, especially on Sundays, to the chiming of its innumerable bells, as though behind your gauze curtains a gigantic china teaset were vibrating on a silver tray in the pearl-gray sky. You fling the window open and the room is instantly flooded with this outer, pearl-laden haze, which is part damp oxygen, part coffee and prayers. No matter what sort of pills, and how many, you've got to swallow this morning, you feel it's not over for you yet. No matter, by the same token, how autonomous you are, how much you've been betrayed, how thorough and dispiriting is your self-knowledge, you assume there is still hope for you, or at least a future.

(Brodsky, Watermark)

(Marcas de água, watermark, filigranas, coisas que os filatelistas conhecem. Impressas quase no limite da invisibilidade e no entanto verdadeiras marcas de posse, garantias de genuinidade, riscos subtis de pertença. Já quase não se usam.)

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POEMAS COM PRETEXTO DO DIA 1

Allégeance

Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima?

Il cherche son pareil dans le voeu des regards. L'espace qu'il parcourt est ma fidélité. Il dessine l'espoir et léger l'éconduit. Il est prépondérant sans qu'il y prenne part.

Je vis au fond de lui comme une épave heureuse. A son insu, ma solitude est son trésor. Dans le grand méridien où s'inscrit son essor, ma liberté le creuse.

Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima et l'éclaire de loin pour qu'il ne tombe pas?


René Char, Eloge d'une soupçonnée

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YET MORE AND MORE TIME PASSES SILENTLY


Jean-Baptiste Corot, Le Pont de Mantes

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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: O HOMEM ANTIGO TUDO SABE

O homem antigo tudo sabe, tem a maldição de não ter surpresas. Ele centra-se num cânone, não numa variação. Surpresas só da natureza, não dos homens.

Os antigos sabiam que nada há de mais previsível que os sentimentos vulgares, essa espécie de relógio programado para a satisfação comum, para os prazeres pobres. Por isso é tudo tão previsível.

A ideia que as pessoas são imprevisíveis, que os arroubos sentimentais, que as mudanças, que os surtos são a essência da vida está ligada à sensibilidade moderna, de génese romântica. Emily Dickinson, que só tinha vida sentimental na cabeça, elogiou essa “surpresa”:

Surprise is like a thrilling—pungent—
Upon a tasteless meat
Alone—too acrid—but combined
An edible Delight.


Nada seria mais alheio aos antigos. Eles sabem o que atrai na “surpresa” de Dickinson: ela é profundamente desresponsabilizante, porque efémera. As palavras perdem o valor, os gestos são repetições, a usura é vaidosa, mas é usura. É o mundo das trinta moedas que Cristo, que, não sendo romano era universal, tomou como símbolo da sua traição. Também ele sabia antes o que se ia passar.

As pessoas modernas fazem exactamente, exactamente, o que se espera que elas façam. É por isso que são modernas.



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EARLY MORNING BLOGS 139

Hoje é o dia do amor liofilizado. Não demorou duzentos anos até que a paixão romântica, com o seu pathos curto, egocêntrico e intensamente artificial, desse lugar na sensibilidade moderna a uma ficção comercial do amor. A primeira (a paixão satisfeita) faz mais mal que o segundo (o marketing) , mas as coisas são como são. Para ir para outro lado, pela manhã, a conversa da noite:

Talking In Bed

Talking in bed ought to be easiest
Lying together there goes back so far
An emblem of two people being honest.

Yet more and more time passes silently.
Outside the wind's incomplete unrest
builds and disperses clouds about the sky.

And dark towns heap up on the horizon.
None of this cares for us. Nothing shows why
At this unique distance from isolation

It becomes still more difficult to find
Words at once true and kind
Or not untrue and not unkind.

(Philip Larkin)

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VER A NOITE

Augúrios. Hoje há um pássaro que canta ou que grita, minuto a minuto, no meio da noite. O que fará um pássaro cantar assim, quando ninguém o ouve?

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13.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS:: O “ESPÍRITO” E MIMI

O “Espírito” caminha para Mimi, uma rocha.
Não se admirem se a rocha responder:

Sì, Mi chiamano Mimì,
ma il mio nome è Lucia.
La storia mia è breve:
a tela o a seta
ricamo in casa e fuori...
Son tranquilla e lieta
ed è mio svago
far gigli e rose.
Mi piaccion quelle cose
che han sì dolce malìa,
che parlano d'amor, di primavere,
di sogni e di chimere,
quelle cose che han nome poesia...
Lei m'intende?


Já se viram coisas mais estranhas e a confraternidade das rochas está cheia de surpresas.

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500 HORAS AO SERVIÇO DO FUTEBOL PAGAS COM DINHEIROS PÚBLICOS


A RTP anunciou hoje que prevê transmitir entre 400 a 500 horas sobre o Euro 2004. Espantoso! Se uma pessoa se sentasse, no início do Euro 2004, numa cadeira podia estar vinte dias consecutivos, sem dormir um minuto a ver futebol. Isto num evento que dura mês e meio. E sem contar com a parte dos noticiários com futebol e o mais que se verá…
Espantosa noção de serviço público que transforma tudo o que acontece em Portugal e o mundo nuns breves momentos envergonhados, e obviamente perdidos, desse grande desígnio nacional que é o futebol. Podiam mudar o nome do país para Futebolândia e vender bilhetes à entrada.

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TOMAR-NOS POR PARVOS

O Bloco de Esquerda gosta de nos tratar por parvos. Esta semana resolveu dedicar a sua atenção aos medicamentos, às drogas terapêuticas, matéria sem dúvida nobre. Por singular coincidência, que nada tem a ver com a sua posição sobre as drogas leves, escolheu como medicamento a estudar a … cannabis. Certamente por acaso, entre mil e uma substâncias com possibilidade de terem efeitos terapêuticos, escolheu a amável erva de que se fazem uns entusiasmantes fumos. E lá veio a trupe comunicacional tomá-los a sério e contribuir para nos tomar a nós por parvos.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre PERGUNTAS CERTAS SOBRE AS FARMÁCIAS


Aquilo que escreveu no Abrupto sobre as farmácias fez-me lembrar a seguinte história que li há anos atrás numa publicação francesa. Uma revista de defesa dos consumidores enviou um repórter a dez farmácias. O repórter tinha um boné com o símbolo da revista e levava consigo uma pasta com o mesmo símbolo. Em todas as farmácias perguntou se venderiam produtos para reduzir o peso a qualquer pessoa que os tentasse comprar, independentemente de parecer ou não que a pessoa em questão não precisaria de tais produtos. Em todas elas lhe disseram que, caso o produto não parecesse indicado para a pessoa em questão, tentariam explicar-lhe os potenciais inconvenientes para a saúde. Em seguida, enviaram da revista uma funcionária às mesmas dez farmácias, mas desta vez sem nada na sua aparência que a ligasse à revista. Se a memória não me engana, a senhora em questão tinha 1m67 de altura e 55kg de peso. Em todas as farmácias pediu um determinado produto para emagrecer e em nove delas venderam-lho sem fazerem qualquer pergunta ou comentário. Só na décima farmácia levantaram algumas dúvidas sobre se o produto seria o mais adequado.

(José Carlos Santos)

Perguntas simples sobre o regime das farmácias:

1. A margem de comercialização é de 20%?
2. Alguém sabe quantos negócios podem aplicar uma margem deste teor?
3. È verdade que os juros cobrados pela Associação Nacional de Farmácias ao estado, pelas dívidas no pagamento das comparticipações, são de 12% ao ano?
4. Quantas vilas e aldeias deste país com menos de 5000 habitantes posuem farmácia?
5. Existe algum estudo sobre quantas farmácias corem o risco de fechar caso a lei venha a liberalizar a instalação de novas farmácias?


(M. Barrona)


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Louis Ducros

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12.2.04


SCRITTI VENETI 5

Daqui a uma semana, começa em Veneza o festival de poesia erótica em honra do poeta libertino Zorzi Alvise Baffo. A multidão dos prazeres e os cognoscenti misturar-se-ão com os “académicos”, os apreciadores de grappa e, de um modo geral, os amadores de antigas sensibilidades. São tempos de Carnaval e, num canto qualquer perdido da cidade, serão ainda tempos venezianos e não japoneses, nem americanos, nem alemães. A alma de Aretino ressuscitará, Casanova voltará a passar pelas ruas à noite. Não se recomenda.

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SCRITTI VENETI 4






Veneza , hoje de manhã, muito cedo, junto da paragem dos barcos em S.Tomá, no Canal Grande em direcção a Rialto. Cinzento.

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POEIRA

Hoje , há setenta e sete anos atrás, Virgínia Woolf descobria que tinha pouco cabelo e essa situação não se iria alterar. Virgínia escreve que, agora que não tinha mais “any claims to beauty”, havia que tirar proveito disso:

Having no longer, I think, any claims to beauty the convenience of this alone makes it desirable. Every morning I go to take up [my] brush and twist that old coil round my finger and fix it with hairpins and then with a start of joy, no I needn't. In front there is no change behind I'm like the rump of a partridge. This robs dining out of half in terrors.”

Também hoje, há cinquenta e três anos atrás, John Steinbeck inaugurou o seu novo quarto para escrever. Tudo no sítio, mesa e cadeiras confortáveis, lápis aguçado, “paper persuasive”, boa luz e …”no writing”.

Now that I have everything, we shall see whether I have anything. It is exactly that simple.”

Nesse ano Steinbeck escreveu East of Eden.

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COMO É SAUDÁVEL TER O SEU ACONCHEGO, / E A SUA VIDA FÁCIL!


Cézanne, Pommes et Biscuits

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EARLY MORNING BLOGS 138

Do outro génio, para além de Camões e Pessoa, este “Num Bairro Moderno”. Como o bom dia ficaria lá em baixo tão longe, vai dado desde aqui, e quando chegarem às “duas frugais abóboras carneiras", voltem ao príncipio.

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estacam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu aconchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde eu agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.

E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:
«Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.» E muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum belo cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor dp leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
«Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...»

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!»
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dos excessos de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam as carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada! -
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.


(Cesário Verde)


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POEIRA

Hoje, há oitenta e nove anos, Kafka queixava-se que as discussões da senhoria com um vizinho não o deixavam escrever. “Desespero absoluto”! Será que sou perseguido por senhorias que não me deixam trabalhar, pergunta Kafka?

Simone de Beauvoir, pelo contrário, não tinha que aturar senhorias. Passou este dia, há cinquenta e sete anos, a barafustar contra os costumes americanos. Beauvoir estava em Nova Iorque e irrita-se com as montras preparadas para o Dia de S. Valentim, cheias de coraçõezinhos. Os americanos “gastam o tempo” com isto, anota irritada. Ainda mais a irrita o costume de cantar “Parabéns a você” nos locais públicos. Estou com ela.

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11.2.04


FOI NAS ONDAS NARCISO PRESUMIDO


Levis Corinth, Welchen See

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre AUGÚRIOS

No post de hoje do Abrupto: “Os antigos acreditavam nos augúrios. Nós não.”
Não acredito! Basta ver as páginas de astrologia e coisas ainda mais estranhas nos jornais! Mas como é possível dizer isso quando um professor (Boaventura Sousa Santos) numa universidade escreve um livro onde se lê:
«A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia (Um Discurso Sobre as Ciências: p. 52) Ou seja, BSS escreve preto no branco que ciência = astrologia = religião = arte.
Quando alguém escreveu contra este disparate, veio o vice-rei dos pós-modernos, o Eduardo Prado Coelho, numa defesa brilhante, dizer que «BSS pensa exactamente o contrário daquilo que está a expor... uma característica fenomenológica para a sociologia". É espantoso como se atreve a dizer».
Ou seja, o EPC diz que BSS pensa o contrário do que escreveu! Brilhante!
E ainda diz o Pacheco Pereira que nós não acreditamos em augúrios! Era bom!


(Alexandre Silva)

Sobre CLÁSSICOS

O Pacheco Pereira chama a atenção para a "sensibilidade contemporânea (…), que será muito diferente (ou distante) da sensibilidade de outros tempos. Talvez o seja. Ou talvez sejam outras coisas que mudaram, mas não a sensibilidade. Ou talvez seja sobre a noção de "sensibilidade" que se alimente o equívoco. Concordo plenamente que há hoje um apetite renovado pelos clássicos, que não é apenas uma moda mas talvez a intuição de que algures se perdeu o fio ou se emaranhou o novelo e que vale a pena recapitular o percurso para destrinçar os nós que entretanto nos confundiram.
A este propósito, ainda que aparentemente sem propósito nenhum, recomendo-lhe vivamente um livro recente: Reformation de Diarmaid MacCulloch (Penguin Books).


(Francisco de Sousa Fialho)

Sobre OS NOVOS DESCOBRIMENTOS : A ALEGRIA

Creio que a afirmação que faz no seu post (…) de que terá sido "[n]a rocha Adirondack onde foi feito o primeiro buraco jamais realizado num outro planeta" não estará totalmente correcta.
Tanto quanto julgo lembrar-me, os primeiros buracos foram sido abertos na Lua, pelos astronautas do programa Apollo, com uma broca Black and Decker sem fios.


(Paulo Alves)

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A CAMINHO DA ILHA DOS JUDEUS


John Constable, Brighton Beach with Colliers

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EARLY MORNING BLOGS 137

A névoa ainda é muita, a manhã pequena. Pessoa acordava assim na figura de Caeiro:

Todos os dias acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei-de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo.


(Alberto Caeiro)

*

Bom dia!


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AUGÚRIOS

Os antigos acreditavam nos augúrios. Nós não. A noite está cheia deles, como esta luz que está lá fora, vinda de meia lua. Tudo prepara o esplendor celeste dos grandes planetas do próximo mês, mês de todos os augúrios, o mês antes do “mais cruel dos meses”. Será certamente.

Augúrios também no brilho eléctrico do correio. O correio que ninguém transporta, o correio sem carteiro, que chega a qualquer hora. O correio da noite, o correio dos solitários, o que não traz remetente, o que vem vazio para dizer que existe, o das cartas e das cartinhas. Chegou.

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10.2.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MAIS LONGE QUE NUNCA

andou o “Espírito” num só dia: 21 metros. O recorde anterior era de 7. E há mais: rugas e estrias feitas pelo vento. Pelo tempo.
Tudo aqui.

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MAIS POEIRA

Hoje, num dia muito semelhante ao meu, há 343 anos, Samuel Pepys escreveu:

Took physique all day, and God forgive me, did spend it in reading of some little French romances

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CADERNOS DE CAMUS

Actualizados

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CLÁSSICOS

Cada vez mais me convenço que a frequência dos clássicos (que é mais que a leitura) é , como se dizia numa antiga classificação de filmes, só para adultos com sérias reservas. E não é pela libertinagem pagã, pelas obscenidades, pela crueza das cenas, é pelas ideias, é pelo modo de sentir, é pelo modo de viver. Tão alheio, tão alheio, à sensibilidade contemporânea.

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PERGUNTAS CERTAS SOBRE AS FARMÁCIAS (Actualizado)

são feitas num artigo de Vital Moreira, hoje no Público sobre as razões da manutenção de um conjunto de privilégios corporativos dos farmacêuticos. Só para a pequena história acrescento que há alguns anos numa sessão de “brainstorming” no PSD, destinada a sugerir novas iniciativas legislativas, eu fiz as mesmas perguntas – porque razão só os farmacêuticos é que podem ser donos de farmácias, porque razão não é livre e concorrencial a abertura de farmácias, porque razão certos medicamentos de consumo e acesso corrente, que são suficientemente inócuos para não necessitarem de receita médica (como as aspirinas), não se vendem nos supermercados como acontece em muitos países – e deparei com uma rápida e taxativa reacção de alguns meus colegas parlamentares, como se isso fosse um tabu indiscutível. Percebi.

Nota: não é preciso ser adivinho para ver como vão surgir reacções rápidas e vigorosas ao que diz Vital Moreira.

*

Em geral as considerações de Vital Moreira sobre o regime proteccionista das farmácias são para mim indiscutíveis. Mas há duas questões que VM se esquece de referir no artigo do Público. A primeira e que viola todos os princípios básicos de concorrência é a limitação de propriedade a apenas um estabelecimento. Quer para os farmacêuticos, quer para outros que venham no futuro a ser proprietários, esta medida é manifestamente injusta. Imaginemos o que seria limitar o Sr. Belmiro de Azevedo a apenas um hipermercado. Toda a gente acharia escandaloso.
A segunda questão reside na limitação do lucro imposta, e bem, pelo Estado. Tratando-se de um bem de primeira necessidade, os medicamentos têm o preço fixado pelo estado e daí que para compensar os proprietários sejam impostos limites territoriais e de capitação. Imagine-se por exemplo aldeias ou pequenas povoações, onde a maioria da população é idosa e com baixos rendimentos. Não há por certo grande consumo de cosmética farmacêutica ou de brinquedos para bebé. Assim, o lucro da farmácia é constituído em grande parte pela venda de medicamentos em que o preço é fixado pelo Estado. Havendo várias farmácias e atendendo ao reduzido n.º de pessoas, percebe-se que dificilmente qualquer uma delas resistiria financeiramente. Por outro lado, nas grandes cidades, nomeadamente Lisboa, o problema da concorrência não se coloca, pelo menos na maior parte do território. Se não vejamos o exemplo da zona de Alvalade que na mesma rua tem cinco farmácias.


(Ricardo Sousa)


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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: IMITAÇÃO

Na muito interessante carta que Rui Oliveira ( do Superflumina) me enviou acrescenta, numa parte que não publiquei anteriormente, o seu “enorme fascínio” pelo “conceito de imitação” clássico. Acrescenta

Os românticos, na ânsia da originalidade, deitaram este conceito ao opróbrio, mas quanto mais se lê a literatura que vai do séc. XV ao XVIII, podemos ver como esse conceito era essencial para a produção de uma obra original.”

Nestas notas sobre formas antigas de sensibilidade, no fundo, sentimentos em extinção ou extintos, o valor da “imitação”, com o seu sentido do cânone da palavra poética, sistematicamente repetido e recriado, a caminho de uma ideia de perfeição formal, traduz também um mundo no qual a tradição e o respeito pelo adquirido antigo eram uma pedra sólida para o presente e para o futuro. Como muita coisa que os românticos, pais da sensibilidade contemporânea, estragaram, está esse sentido de continuidade e permanência, assim como a dura disciplina, do “fabbro”, da “fabricação” criativa.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS : A ALEGRIA

O sítio da NASA onde são apresentados para o grande público os resultados dos trabalhos das sondas marcianas transpira da alegria da descoberta. Os títulos – como por exemplo “Spirit Self-motivates” ou “Opportunity Views of a Rock Called Stone Mountain” – são o retrato dessa alegria dos cientistas que estão à frente de um projecto que está a correr muito bem, em que cada dia há novas surpresas. Por exemplo, ontem, porque é que a rocha Adirondack onde foi feito o primeiro buraco jamais realizado num outro planeta, parece ter sido queimada a maçarico? Não era suposto.
Deve-se dormir pouco de entusiasmo na Califórnia.

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SOL IMUNE ÀS LEIS DA METEROLOGIA


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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE


Quanto as formas de sensibilidade propriamente ditas, por exemplo, lembro-me muito bem de um videograma da Universidade Aberta da responsabilidade de Júlio Machado Vaz com o título, salvo erro, "Pedagogia Homossexual na Grécia Antiga". Essa forma de educação chocaria tremendamente a sensibilidade moderna.

Mas, o poema de Estratão de Sardes que publicou levou-me a escrever (…)

A tradução de Marguerite Yourcenar não é esclarecedora acerca do sexo do escravo:

Jeune esclave

Si tu ne savais rien, j'hésiterais peut être / Mais tu reçus déjà les leçons de ton maître, / Il s'endort près de toi aussitôt contenté.
/ Moi, je t'offre l'amour, la tendre intimité, / Le rire, le propos qui succède au baiser, / La douce liberté, parfois, de refuser.

Mas conhecendo outros poemas de Estratão, não é difícil prever que será um escravo e não uma escrava. Obviamente não conhecendo o grego é-me difícil ter uma opinião definitiva sobre o assunto. No entanto, se houve, efectivamente, na tradução portuguesa, uma alteração ao sexo é algo que, na história da tradução, foi recorrente por vários motivos (nomeadamente morais), mas que também hoje em dia (por motivos politicamente correctos) também acontece. A tradução também tem a sua ideologia.

Lembro-me por exemplo das traduções que conheço do poema 16 de Catulo (sem dúvida um génio, mas com muitos poemas que ainda hoje escandalizariam muitas pessoas). O primeiro (e último também, pois é repetido) verso "Pedicabo ego uos et irrumabo" é traduzido, na edição das Belles Lettres que tenho(de 1982, mas 1.ª edição 1923), por "[Je vous donnerai des preuves de ma virilité]". Tenho presente que Jorge de Sena traduziu este poema sem traduzir este verso, deixando-o assim mesmo no início e no fim do poema. A única tradução explícita que tenho do poema é brasileira, feita nos anos 90 (penso eu).

Há, por assim dizer, um certo pudor que se manteve até há muito pouco tempo. Em 1789, Miguel do Couto Guerreiro fez uma tradução de Ovídio cujo título começava assim "Cartas de Ovídio chamadas Heroides, expurgadas de toda a obscenidade, e traduzidas em Rima vulgar."

Na "Prefação" a esta tradução, o tradutor escreve:

"Ninguém espera as palavras e frases do Autor: essas no original as tem; o que se espera na Tradução é o conceito que essas palavras e frases significam, expresso com energia e elegância. Contudo, acharás que em alguns lugares não concorda o meu sentido com o do Autor: assim sucede todas as vezes que ele se faz indigno dessa concórdia. Os bons costumes clamavam que ou omitisse totalmente o que o Autor dizia nesses lugares, ou o suprisse com pensamentos honestos e decentes. Algumas vezes omiti, onde o sentido não ficava mutilado; porém, onde ficava, supri com pensamentos próprios, querendo antes que nesta parte me culpasses de infiel, que de imitador. Lembrou-me mandar imprimir esses lugares com diversa letra, mas também me lembrou que isso mesmo excitaria a curiosidade de alguns leitores, para que os fossem ver no original, e é melhor livrá-los desse trabalho."

No entanto, como digo, neste caso não sei se a tradução que apresentou tem algo a ver com esse pudor. Mas é sempre interessante verificar estes casos (é claro que a partir destas afirmações pode fazer-se bastantes outros comentários sobre a tradução, mas fica para outra altura).


(Rui Oliveira , Superflumina)


Sobre OS NOSSOS OLHOS MARCIANOS

"Tenho acompanhado a missão da Opportunity e da Spirit nas últimas semanas, mas não estava mesmo à espera da imagem com que me deparei pela primeira vez no Abrupto, tirada pela Opportunity do seu pára-quedas e parte do escudo térmico a alguams centenas de metros de distância.

Não é estranho ter este robô em Marte a tirar fotografias de 360º em sua volta e perceber que os únicos indícios de "vida" são os nossos próprios vestigios? Isto é, olhar em redor e só vermo-nos a nós próprios, reflectidos nos aparelhos e mecanismos usados para ali chegar? Admirável."


(Pedro)

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EARLY MORNING BLOGS 136

Voltaram as andorinhas. Aproxima-se a Primavera, a estação de todos os enganos.

A manhã continua química. Em sua honra este elogio ao “mais prático dos sóis”:

Num Monumento à Aspirina

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda a hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia...


(João Cabral de Melo Neto)

*

Bom dia!

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9.2.04


OS NOSSOS OLHOS MARCIANOS



Olham da “Oportunidade” para trás para verem o para quedas e o invólucro que a trouxeram. Longe, a “Oportunidade” emancipou-se, já está noutra.

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NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE

A uma jovem escrava

Fosses tu ainda inocente talvez reconsiderasses antes de te falar
Há tempos no entanto que recebes lições do teu amo
que adormece a teu lado mal o deixas satisfeito. Eu ofereço-te o
amor a terna intimidade o riso e essa suave conversa que
prolonga o acto da carne. A doce liberdade (se assim o
entenderes) de não aceitares nenhuma destas coisas.


(Estratão de Sardes)

A tradução do poema é de Jorge Sousa Braga. Recordo-me , embora não possa agora verificar que, na versão de Yourcenar, não era uma “jovem escrava” , mas “um jovem escravo”. O poema de Estratão faz parte de uma antologia de poemas intitulada posteriormente Musa puerilis, ou seja uma série de poemas pedófilos, e foi recolhido nalgumas versões da Antologia Palatina e censurado noutras. Johann Jacob Reiske, um grande helenista alemão do século XVIII, dizia do vício de Estratão : Computrescat in illo coeno qui animum ad meliora nequit attollere.

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THE DAY / TURNED AND DEPARTED SILENT


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ESTADOS DO CORPO

O autor do Abrupto está um pouco febril, um pouco "tocado", como se diria no século XIX e na Montanha Mágica, e teve que cancelar todos os compromissos itinerantes. Das duas, uma: ou o blogue fica em serviços mínimos, ou então beneficia dessa vaga perturbação corporal. Se começar a delirar, então desliguem tudo.

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EARLY MORNING BLOGS 135

Todas as manhãs esqueço "my morning wishes", para acompanhar a pressa dos dias:

Days

Daughters of Time, the hypocritic Days,
Muffled and dumb, like barefoot dervishes,
And marching single in an endless file,
Bring diadems and fagots in their hands.
To each they offer gifts, after his will,--
Bread, kingdoms, stars, or sky that holds them all.
I, in my pleach?d garden, watched the pomp,
Forgot my morning wishes, hastily
Took a few herbs and apples, and the Day
Turned and departed silent. I, too late,
Under her solemn fillet saw the scorn.


(Ralph Waldo Emerson)

*

Bom dia, às primeiras luzes, que passarão também depressa.

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8.2.04


POEIRA

O tempo que nos chega como poeira de actos. Ontem, em 1856, Tolstoy teve uma enorme discussão com Turgenev. Os dois homens não gostavam por aí além um do outro, embora, como se dizia na época, se frequentarem. Tolstoy escreveu no seu DiárioTurgenev é muito aborrecido” . Em casa de Tolstoy , Turgenev dançou um can-can para os filhos do anfitrião. “Triste can-can” escreveu Tolstoy.

No campo de concentração de Bergen-Belsen, hoje, em 1945, Abel Herzberg dependurou o casaco num armário para depois descobrir que lhe tinham roubado os botões. Há sítios onde tudo é precioso.

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© José Pacheco Pereira
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