ABRUPTO

14.2.04


NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE: O HOMEM ANTIGO TUDO SABE

O homem antigo tudo sabe, tem a maldição de não ter surpresas. Ele centra-se num cânone, não numa variação. Surpresas só da natureza, não dos homens.

Os antigos sabiam que nada há de mais previsível que os sentimentos vulgares, essa espécie de relógio programado para a satisfação comum, para os prazeres pobres. Por isso é tudo tão previsível.

A ideia que as pessoas são imprevisíveis, que os arroubos sentimentais, que as mudanças, que os surtos são a essência da vida está ligada à sensibilidade moderna, de génese romântica. Emily Dickinson, que só tinha vida sentimental na cabeça, elogiou essa “surpresa”:

Surprise is like a thrilling—pungent—
Upon a tasteless meat
Alone—too acrid—but combined
An edible Delight.


Nada seria mais alheio aos antigos. Eles sabem o que atrai na “surpresa” de Dickinson: ela é profundamente desresponsabilizante, porque efémera. As palavras perdem o valor, os gestos são repetições, a usura é vaidosa, mas é usura. É o mundo das trinta moedas que Cristo, que, não sendo romano era universal, tomou como símbolo da sua traição. Também ele sabia antes o que se ia passar.

As pessoas modernas fazem exactamente, exactamente, o que se espera que elas façam. É por isso que são modernas.



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© José Pacheco Pereira
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