ABRUPTO

17.2.04


SOBRE A BLOGOSFERA

Se na blogosfera se olhar só para dentro, não será difícil deixar de encontrar algum desânimo, em particular de quem já cá está há algum tempo.

O meio é ácido, mais do que polémico, e atrai os ácidos. Já há algum tempo o Pedro Mexia sublinhava e com razão que a afluência de jornalistas transportava para a blogosfera um estilo de discussões que, no fundo, projectam a agenda política dos jornais para os blogues. Nalgum dos blogues então criados, os jornalistas políticos davam o curso livre ás suas opiniões sobre a política e os políticos, que não podiam explicitar nos seus jornais (embora não fosse difícil encontrar a comunidade de opiniões entre o que escreviam nos seus jornais e nos blogues, dada a politização do meio.) Em si não há mal nenhum em que isto aconteça, há até um efeito de transparência. O que sucede é que a massa crítica da blogosfera portuguesa é pequena e os efeitos perversos, que já cá estavam, acentuaram-se.

Os temas estreitaram-se e as classificações tornaram-se comuns. Passou a haver uma espécie de patrulhamento da actualidade, quase uma exigência de pronunciamento. “Ou falas sobre isto ou então…” E o “então” eram sempre julgamentos de carácter, cobardia, oportunismo, conveniência. O julgamento de carácter tornou-se obsessivo, mais do que o debate político, que esse nunca fez mal a ninguém.

Depois a composição política da blogosfera pareceu alterar-se. Digo pareceu, porque não acho que a alteração tenha sido essa. Não havia antes hegemonia da “direita” e agora há da “esquerda”, o que aconteceu foi a sobreposição de um fenómeno de “des-familiaridade”, com o refluxo do conflito iraquiano. Os amigos e conhecidos foram sucessivamente sendo substituídos por estranhos, os círculos de influência, que eram também de troca de reconhecimento, foram-se desagregando, e isso torna os blogues um meio mais duro, menos satisfatório em termos psicológicos. Mais do que a política mudou o estilo e a dimensão, e uma sensação que a blogosfera é agora mais hostil do que cozy.

Depois também, como em todas as coisas, as modas mudaram e os blogues já não são novidade. Isto é um factor de selecção poderoso porque acentua os critérios de qualidade do conteúdo do blogue, em detrimento do facto do facto de se usar a forma blogue. Os que têm alguma coisa a dizer, e ainda são alguns, continuarão a ter leitores.

O Abrupto nunca foi pensado como tendo como primeiro interlocutor os outros blogues, mas o mundo exterior, as pessoas que não vivem dentro da blogosfera, mas na atmosfera. Como todos os blogues não é imune ao meio, mas não é escrito em primeiro lugar para a comunidade, mas para quem vem de fora, como acontece com a maioria dos seus leitores.

O Abrupto continuará, limitado pelo meu tempo e circunstâncias. Fora disso, e como o seu autor não é muito de arroubos ou surtos, não vejo que haja qualquer razão previsível no horizonte para que acabe.

Etiquetas:


(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]