ABRUPTO

10.2.04


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE


Quanto as formas de sensibilidade propriamente ditas, por exemplo, lembro-me muito bem de um videograma da Universidade Aberta da responsabilidade de Júlio Machado Vaz com o título, salvo erro, "Pedagogia Homossexual na Grécia Antiga". Essa forma de educação chocaria tremendamente a sensibilidade moderna.

Mas, o poema de Estratão de Sardes que publicou levou-me a escrever (…)

A tradução de Marguerite Yourcenar não é esclarecedora acerca do sexo do escravo:

Jeune esclave

Si tu ne savais rien, j'hésiterais peut être / Mais tu reçus déjà les leçons de ton maître, / Il s'endort près de toi aussitôt contenté.
/ Moi, je t'offre l'amour, la tendre intimité, / Le rire, le propos qui succède au baiser, / La douce liberté, parfois, de refuser.

Mas conhecendo outros poemas de Estratão, não é difícil prever que será um escravo e não uma escrava. Obviamente não conhecendo o grego é-me difícil ter uma opinião definitiva sobre o assunto. No entanto, se houve, efectivamente, na tradução portuguesa, uma alteração ao sexo é algo que, na história da tradução, foi recorrente por vários motivos (nomeadamente morais), mas que também hoje em dia (por motivos politicamente correctos) também acontece. A tradução também tem a sua ideologia.

Lembro-me por exemplo das traduções que conheço do poema 16 de Catulo (sem dúvida um génio, mas com muitos poemas que ainda hoje escandalizariam muitas pessoas). O primeiro (e último também, pois é repetido) verso "Pedicabo ego uos et irrumabo" é traduzido, na edição das Belles Lettres que tenho(de 1982, mas 1.ª edição 1923), por "[Je vous donnerai des preuves de ma virilité]". Tenho presente que Jorge de Sena traduziu este poema sem traduzir este verso, deixando-o assim mesmo no início e no fim do poema. A única tradução explícita que tenho do poema é brasileira, feita nos anos 90 (penso eu).

Há, por assim dizer, um certo pudor que se manteve até há muito pouco tempo. Em 1789, Miguel do Couto Guerreiro fez uma tradução de Ovídio cujo título começava assim "Cartas de Ovídio chamadas Heroides, expurgadas de toda a obscenidade, e traduzidas em Rima vulgar."

Na "Prefação" a esta tradução, o tradutor escreve:

"Ninguém espera as palavras e frases do Autor: essas no original as tem; o que se espera na Tradução é o conceito que essas palavras e frases significam, expresso com energia e elegância. Contudo, acharás que em alguns lugares não concorda o meu sentido com o do Autor: assim sucede todas as vezes que ele se faz indigno dessa concórdia. Os bons costumes clamavam que ou omitisse totalmente o que o Autor dizia nesses lugares, ou o suprisse com pensamentos honestos e decentes. Algumas vezes omiti, onde o sentido não ficava mutilado; porém, onde ficava, supri com pensamentos próprios, querendo antes que nesta parte me culpasses de infiel, que de imitador. Lembrou-me mandar imprimir esses lugares com diversa letra, mas também me lembrou que isso mesmo excitaria a curiosidade de alguns leitores, para que os fossem ver no original, e é melhor livrá-los desse trabalho."

No entanto, como digo, neste caso não sei se a tradução que apresentou tem algo a ver com esse pudor. Mas é sempre interessante verificar estes casos (é claro que a partir destas afirmações pode fazer-se bastantes outros comentários sobre a tradução, mas fica para outra altura).


(Rui Oliveira , Superflumina)


Sobre OS NOSSOS OLHOS MARCIANOS

"Tenho acompanhado a missão da Opportunity e da Spirit nas últimas semanas, mas não estava mesmo à espera da imagem com que me deparei pela primeira vez no Abrupto, tirada pela Opportunity do seu pára-quedas e parte do escudo térmico a alguams centenas de metros de distância.

Não é estranho ter este robô em Marte a tirar fotografias de 360º em sua volta e perceber que os únicos indícios de "vida" são os nossos próprios vestigios? Isto é, olhar em redor e só vermo-nos a nós próprios, reflectidos nos aparelhos e mecanismos usados para ali chegar? Admirável."


(Pedro)

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