ABRUPTO

28.2.04


POEIRA

Hoje, talvez por ser este dia estranho, 28, que umas vezes é o do fim, outras o de antes do fim, a história das palavras está cheia desta poeira. Hoje, há cento e noventa e nove anos, Stendhal começa a sua paixão por Mélanie Guibert, uma actriz secundária. Ela ainda não sabe de nada. Ele vai para a cama sentindo “che mi distruggo pensando a ella”. Assim mesmo, em italiano.

Pavese também não estava muito bem. Hoje, há sessenta e nove anos, perguntava: “Como é que ela me feriu? Talvez no dia em que levantou o braço para saudar alguém do outro lado da rua.” Depois insistia: “isto não tem nada a ver com estética, isto é dor”. Filosófico, teorizava: “A minha história de amor com ela não é feita de cenas dramáticas, mas de momentos preenchidos com as mais subtis das percepções”. Desculpas. Momentos.

Momentos. Se andarmos um pouco para trás da Grande Divisória das Sensibilidades, o século XIX, ontem, há trezentos e quarenta e três anos, o nosso Samuel Pepys pensava noutros momentos. Ontem, comeu peixe, mas o peixe era teológico: “Then I called for a dish of fish, which we had for dinner, this being the first day of Lent; and I do intend to try whether I can keep it or no.” Vamos ver como é que está a vontade do sr. Pepys.

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© José Pacheco Pereira
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