ABRUPTO

31.12.03


BOM ANO NOVO!



Com os simples, para os simples.

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EARLY MORNING BLOGS 108 / SCATTER ALL MY UNBELIEF

Apenas um hino, o Morning Hymn, de Charles Wesley, e chega. Vai na língua original, mas, mais tarde, vale a pena tentar a tradução. Assim seja.

Christ, whose glory fills the skies,
Christ, the true, the only light,
Sun of Righteousness, arise,
Triumph o'er the shades of night:
Day-spring from on high, be near:
Day-star, in my heart appear.

Dark and cheerless is the morn
Unaccompanied by thee,
Joyless is the day's return,
Till thy mercy's beams I see;
Till thy inward light impart,
Glad my eyes, and warm my heart.

Visit then this soul of mine,
Pierce the gloom of sin, and grief,
Fill me, Radiancy Divine,
Scatter all my unbelief,
More and more thyself display,
Shining to the perfect day.


*

Bom dia!

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30.12.03


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

PAUL VALERY, AUTOR DE BLOGUE


Ao ler os TLS que assino, mas raramente tenho o tempo para ter o prazer de os ler, encontrei na edição de 14 de Novembro a crítica da publicação dos Cahiers de Valéry.

Durante 50 anos, todos os dias, pela madrugada (entre as 5h00 e as 7h00), Paul Valéry encheu 260 livros de anotações, preechendo 28.000 páginas. Estas notas, sobre tudo e mais alguma coisa, mostram que Valéry pode bem ser o maior "early morning blogger" do séc. XX.

Agora, com a edição da tradução inglesa, de apenas parte do corpus total, talvez se veja, mais uma vez, o renascimento do autor de "Le Cimitière mari,”, que parece reaparecer ao sabor de modas literárias.

Curiosamente, o homem que escreveu "Introdução ao método de Leonardo Da Vinci", outro blogger(se considerarmos os seus cadernos de anotações), nunca conseguiu definir um método de classificação dos seus próprios Cahiers. Mas entendemos os esforço, do poeta que escreveu "Ce qui n’est pas clair, n’est pas français".

Da nova edição:
“My great work, seems to have been, from the Notebooks, the search for expression of everything through observations of myself. I — without name — I, simple negation — (Not-I).”(C, XXV, 466)”


Latinista Ilustre


SOBRE O DESTINO DA BIBLIOTECA CRUZ MALPIQUE

Algum familiar (…) do Dr. Cruz Malpique escreveu um desabafo acerca da doação feita pelo referido Dr. Cruz Malpique ao então Liceu Nacional Alexandre Herculano de todo o seu espólio que ficou num espaço conhecido como a Biblioteca Cruz Malpique.

Sou Professora da agora Escola Secundária Alexandre Herculano (no ano passado escola Secundária de Alexandre Herculano) resultante da fusão do "velho Alexnadre" (que sei ter sido o seu "liceu") e do "velho Rainha". Estou nesta Escola há "apenas" 22 anos (…) Ainda me lembro muito bem do Dr. Cruz Malpique: não só de o ver pelos corredores do "Alexandre" como também de o ver por estes lados, no "Foco" onde, creio, morava!

A BIblioteca Cruz Malpique foi sempre um espaço tido em grande consideração na Escola. Foi sempre um espaço bem cuidado, nunca esquecido mas talvez não se tenha feito uso dele como o teria querido o Dr. Cruz Malpique: aberto à comunidade discente para que esta pudesse ter acesso a toda a informação aí guardada.

A partir deste ano lectivo, data de uma reformulação total de Escola a nível de comunidade escolar e de logística interna, foi com muito agrado que vi este espaço tão bonito ser a sala de estar da Escola Secundária de Alexandre Herculano e não só! É nesta Biblioteca que se realizam as sessões do Conselho Pedagógico da nossa Escola e creio que, muito brevemente, irá ser posta ao acesso dos alunos também mantendo-se assim viva a vontade do Dr. Cruz Malpique.

Hove também, há muito pouco tempo, uma Feira do Livro a nível de escola que teve lugar neste espaço. "


(Manuela Pimenta ) .

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CARICATURAS ANTI-PORTUGUESAS

publicadas na União Indiana nos anos cinquenta. A quem interessar, coloquei alguns exemplos nos Estudos sobre Comunismo.

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SOBRE “UTENTES

No Causa Nossa, Vital Moreira criticou a nota “Utentes” do Abrupto. Aqui fica um extracto da argumentação, que vale a pena ler no seu conjunto:

"Francamente, não percebo a condenação. O termo "utente" é desde há muito a designação corrente e oficial dos beneficiários dos serviços públicos, entre nós e lá fora. As leis da saúde estão cheias do termo "utentes". A recente lei da entidade reguladora da saúde utiliza a noção nada menos do que 13 vezes. E não é nenhuma excepção. Ao contrário do que sustenta JPP, existe uma diferença essencial entre "utente" e "consumidor", pois aquele designa justamente os que recorrem aos serviços públicos, enquanto o segundo denomina os aquisidores finais de produtos mercantis.”

Rui M. escreve sobre o mesmo termo e o seu uso:

São comissões de utentes, comissões de utilizadores etc. Sem dúvida puro PCP, mas quem “legitima” esta realidade é a comunicação social. Quando meia dúzia de pessoas fazem uma manifestação e intitulam-se (por exemplo) Comissão de utilizadores do IC19 e isso é repetido até à exaustão por tudo que é televisão, jornal ou rádio, de repente milhares de cidadãos estão supostamente representadas por meia dúzia de pessoas sem que tenha havido qualquer processo de legitimação dessa representação. O mais interessante é que o legislador pensou e criou na lei este tipo de associação, mas é mais fácil reunir algumas pessoas e fazer uns telefonemas para alguns jornalistas, o resultado é o mesmo.”


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SÓ QUANDO SE CONSOME A VIDA SE MANTÉM


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EARLY MORNING BLOGS 107

Por lembrança do Vasco Graça Moura, aqui ficam os galos, os mesmos galos que ouço pela manhã. Olhando para baixo, depois de um campo que se transforma em lago no inverno, vejo a terra de Rui Belo, cortada por uma estrada mortífera, a que vêm dar as colinas que cerram o vale. Como todas as estradas portuguesas, vai-se pouco a pouco enchendo de restaurantes, parques de automóveis à venda (uma novidade dos últimos anos), a ocasional fábrica de concentrado de tomate (espanhola), que trabalha só sazonalmente. Os restos apodrecem como o menino de sua mãe: lagares, adegas abandonadas, quintas antigas entregues ao mato, ruínas do tempo em que o vinho era o senhor do Ribatejo. Velharias é o que mais há e os antiquários passam, predando os montes de cadeiras partidas, pias de pedra, ânforas, arcas, os mil e um objectos já sem função, pesos, medidas, gigantescos funis, alguidares, alambiques. Aqui e ali, roseiras esplêndidas sobrevivem.

OS GALOS

Já os galos tilintam na manhã
numa múltipla voz aonde vibra a voz de dedos em cristais
mais que dedais de dedos na mais fina porcelana
Já os galos tilintam na manhã
há já pão mole e lombo assado nas primeiras lojas
se voltamos dos touros e sentimos fome
e mais que o pão nos sabe o pão quebrar nos dentes
em vendas novas era ainda vivo o Carlos
vivo agora na voz que a madrugada envia
às dunas deste dia mais que o tempo se escondia nos revela
talvez timidamente mas decerto sabiamente
Já os galos à beira do mais puro amanhecer
que touca o céu da mais fina das fímbrias
pouco antes de acender os máximos o sol
esse infractor do código da estrada que nem mesuro em cima
de nós procede à mutação da luz
já os galos que são o símbolo da voz
que abre e logo quebra numa abóbada de ânfora
moem os nós da voz na fímbria da manhã
A esta hora de equilíbrio luminar
os galos são os rígidos e estritos observantes
do ritual restrito da destruição
quando de crista erguida uns aos outros passam
a vida única vítima afinal a imolar
Só quando se consome a vida se mantém
e sei agora como o sabem bem
esses tenores sapientes saborosos exigentes
que têm na garganta a música difícil
que precede o abrir do novo dia
Madrugai galos madrigais de madrugadas
Ó galos ó manhã ó vida ó nada


(Rui Belo)

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29.12.03


IDADES



Isto das idades, das idades relacionadas com o sexo e o amor, é , sabe-se, muito complicado. Vamos, nos próximos meses, ter à saciedade, discussões sobre o sexo e a idade, consentimento ou falta dele, crianças a comportarem-se como adultos e adultos a comportarem-se como predadores. Muito complicado.

Tenho-me lembrado muitas vezes como na literatura portuguesa, quando havia inocência ou falta dela, as idades roçavam a perigosa pedofilia. O Carlos e a Joaninha de Garrett, diz Silva Carvalho, parece pedofilia. Ele gostava demasiado de a ver saltar para o seu colo com seis anos. Camilo Castelo Branco (que se casou com 16 anos) fez a Teresa do Amor de Perdição com 15. Que a coisa não era inequívoca percebeu-o o autor que abriu uma excepção para a sua heroína:

"Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos.
O amor dos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que a está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
Teresa Albuquerque devia ser, porventura, uma excepção no seu amor.
"

Na poesia, lembro-me desta mesma ambiguidade. Castilho, que tinha a desculpa de ser cego, fazia a coisa aos treze anos:

Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro;
madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.”


E Machado de Assis lembrando-se de uma Menina e Moça (com que idade a teriam levado de casa dos seus pais?) e tendo dois olhos, sabia-a

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.
(…)
É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!


Por aí adiante. Muito complicado.

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RIO DOURO

A propósito da minha nota sobre o Cabedelo e o Rio Douro, Manuel Matos recorda este texto de Fanny Owen de Agustina:

O rio Douro não teve cantores. Teve-os o Mondego e o Tejo também. Mas, para além das cristas do Marão, em vez do alaúde e da guitarra havia o repique dos sinos ou o seu dobrar espaçado. Havia o tiro certeiro dos caçadores de perdiz, lá pelas bandas da Muxagata e do Cachão da Valeira. E o clarim das guerrilhas ouvia-se através da poeira de neve que cobria os barrancos de Sabroso. O rio Douro ficou banido da lírica portuguesa com a sua catadura feroz pouco própria para animar os gorjeios dos bernardins, que são sempre lamurientos e que à beira de água lavam os pés e os pecados. E, no entanto, trata-se de um rio majestoso como não há outro. Eu vi-o em Zamora e não o reconheci; diz-se que as margens eram carregadas de pinheiros e daí o seu nome dum que quer dizer madeira. Mas entra em Portugal à má cara. Enovela o caudal sobre penhascos, muge e ressopra como um touro com molhelha de couro preto a subir uma calçada. Não creio que os poetas o habitem; e, no entanto, Dante tê-lo-ia amado e preferido; como preferiu os estaleiros incandescentes de Veneza e os túmulos abertos das arenas de Arles, para descrever o inferno. Por cá, são brandas as liras; com o aguilhão da fome, às vezes saltam umas revoltas que vibram na Calíope alguma bordoada. Com o ferrão do amor, não se cometem senão delitos em forma de soneto ou de sextilhas.
Epopeias são raras, as musas são mimosas e não ardentes.”


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EARLY MORNING BLOGS 106

Estas “Contrariedades” de Cesário Verde parecem o acordar de muitos bloguistas, azedos e zangados com a importância que o mundo lhes dá. O poema é tão certeiro, tão certeiro, sobre as nossas mediocridades combatentes, que não resisto em amanhecer com ele. Bom dia!


NATURAIS - CONTRARIEDADES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
I
ncrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras excepções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais cousas, tais autores. Arte?
Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a ré clame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. E feia
Que mundo! Coitadinha!

(Cesário Verde)

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28.12.03


VELHA EUROPA

Ouço de António Caldara a oratória Maddalena ai piedi di Cristo. O autor é veneziano, os cantores e o maestro da Schola Cantorum Basiliensis. O original da oratória está na Biblioteca Nacional de Viena, o quadro que ilustra o disco é de Quentin Massys, um flamengo, e está num museu em Berlim. A editora do disco tem um nome em latim, Harmonia Mundi, e é francesa. As personagens da oratória incluem, para além de Madalena e Cristo, um “Amor Terrestre” e um “Amor Celeste” que falam em italiano.

É a “velha Europa” no seu apogeu, só que com uma pequena incongruência bastante mais importante do que a geografia: Cristo e Madalena são orientais, levantinos. Esquecemo-nos.

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27.12.03


ALL THE COMPLICATED DETAILS


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EARLY MORNING BLOGS 105

Para as minhas árvores, “wise trees”, preparadas para o inverno, de William Carlos Williams este poema:

All the complicated details
of the attiring and
the disattiring are completed!
A liquid moon
moves gently among
the long branches.
Thus having prepared their buds
against a sure winter
the wise trees
stand sleeping in the cold.

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IMAGENS

Foram-se atrasando por estes dias. Aqui fica a lista no sentido em que se lê o blogue: do presente para o passado:

Os barcos saindo (para as Américas?) são para Caspar David Friedrich, “Lebenstufen”, as idades da vida. Pintou-os (as) em 1830.

De Flores van Dijck , natureza morta com queijos, que foi a nossa mesa de Natal.

O velho que se afasta é uma cena de primavera na Jutlândia de A. L. Ring de 1892. Skagen de novo.

O pequeno almoço à Hockney é um postal de série de P. Renaud / P. Buisson, bonitinho com as cores estivais, decorativo mas sem grande valor.

O Tamisa em Chiswick, “the quiet river” , de Victor Pasmore de 1942-3, mostra a tardia presença de Whistler , ou a impossibilidade da paisagem inglesa sem Turner.

O patinador é o Reverendo Robert Walker, pintado por Henry Raeburn no final do século XVIII, a planar num lago qualquer da Escócia. No Guardian saiu um artigo sobre esta pintura irónica.

As flores de boas festas são de um bordado a seda de Jean Revel, feito em Lyon por volta de 1735.

Num pequeno porto de pesca, o “velho cais” St. Andrews é de Myles Birker Foster.

A lareira com objectos é de Ann Redpath e foi pintada por volta de 1944. Como o quadro de Pasmore, um anacronismo.

A cara riscada é de Arnulf Rainer, Gloria, 1971.

E, por fim, a noite estrelada de Van Gogh de 1888. Já não há estrelas assim.

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26.12.03


"UTENTE"

Mas que nome mais absurdo para chamar a uma pessoa que está doente e que precisa de tratamentos médicos, e que por isso vai a um hospital! Esta dos "utentes" e das "comissões de utentes" é puro PCP, que as usa como um prolongamento da acção política e sindical, em particular dirigida contra os hospitais privados. Os hospitais que tratem bem dos doentes, e deixem lá os "utentes": os doentes são pessoas, os "utentes" são consumidores ...

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UM ESTADO QUE NÃO SE TOMA A SÉRIO

A espantosa ineficácia do nosso Estado, onde ele devia funcionar para proteger o bem público, está patente numa série de reportagens passadas a esta hora pela RTP2, intitulada Planeta Azul, e cujo responsável é António Marques . Os filmes são notáveis pela sua moderação, nada de radicalismo ambientalista, imagens e comentário sereno e informado.

Trata-se de uma série de filmes sobre a completa ilegalidade e impunidade de actividades como as pedreiras e os areeiros não autorizados, diante dos olhos de toda a gente, pura economia paralela, sem impostos nem lei, destruindo recursos naturais, e deixando o ambiente alterado, a paisagem devastada, as águas poluídas. Ninguém parece responsabilizar-se por uma actividade pesada, feita com escavadoras e camiões de muitas toneladas, em pleno dia, tão evidentemente ilegal que as autoridades ouvidas apenas balbuciam de conivência ou impotência. Depois de ver estes filmes, como pode alguém alegar desconhecimento? Câmaras? Direcções-gerais e burocracia do Estado? Polícias? Finanças? Governo? Não podem.

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A DIREITO


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CABEDELO, FOZ DO DOURO, 25 DE DEZEMBRO, 9 HORAS

O Douro é o meu rio, e uma vez por ano aqui venho ganhar força moral. Nem pensamentos, nem sensações, nem “viagens interiores”, força moral, se é que eu sei o que isso é. Olha-se o rio, no fim do seu curso turbulento, a acabar aqui, como quem não quer a coisa, e enche-se o corpo de determinações, deveres, obrigações. Cruel, não é, este Douro?

Este é o meu rio. Devia ir ver o Eugénio, mas não fui.

Está uma luz imensa, o brilho do inverno brilhando sem limites, transportado pelo frio. A maré está muito baixa, acho até que nunca a vi tão baixa. As pedras traiçoeiras, que mataram muita gente na barra do Porto, estão à vista com o seu dorso negro. Não há uma gota de vento, se o vento fosse água estava todo bem dentro do rio. No céu, um enorme X feito pelos aviões, um dos braços perdia-se para o lado das Américas. É o braço do desejo.

As pessoas são as mesmas de sempre, os fiéis do Cabedelo. Um pai, passeando muito devagar com um filho, tentando que o olhar dele passe pela mão para o corpo pequeno que disciplinadamente alinha o passo com o corpo grande. Depois, o povo das casas pequenas, o povo envelhecido do Douro Faina Fluvial, que ainda se encontra nos cafés da Foz, empurrado pelos condomínios de luxo que, de cima, da colina, vão pouco a pouco tomando conta de tudo. Pescadores de fim de semana que vão para o molhe, os velhos pescadores da Foz do Douro, os antigos carpinteiros e calafates do pequeno estaleiro que havia junto ao rio. Não há mulheres no Cabedelo, e os homens do sítio conhecem-se à distância pela cara e pelas mãos: cara cortada pelo vento, nariz corroído pelo álcool, mãos que já pegaram em tudo.

Hoje, quem vê este rio, calmo, pequeno pela maré baixa, não diz nada do que ele vale. Rio sinistro, rio profundo, rio mortal, rio primordial. Para o ano, se houver rio, voltarei.

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EARLY MORNING BLOGS 104

Uma manhã shakespeareana para recomeçar de novo o quotidiano, após esta excepção perturbadora do Natal:


Full many a glorious morning have I seen
Flatter the mountain-tops with sovereign eye,
Kissing with golden face the meadows green,
Gilding pale streams with heavenly alchemy;

Anon permit the basest clouds to ride
With ugly rack on his celestial face
And from the forlorn world his visage hide,
Stealing unseen to west with this disgrace.

Even so my sun one early morn did shine
With all-triumphant splendour on my brow;
But out, alack! he was but one hour mine;

The region cloud hath mask'd him from me now.
Yet him for this my love no whit disdaineth;
Suns of the world may stain when heaven's sun staineth.


(Shakespeare)

*

Bom dia!

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24.12.03


BOM NATAL




Com os simples, para os simples.

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EARLY MORNING BLOGS 103

Tardios, mas neste dia de pré-Natal, fiéis à única coisa que nunca acaba: o tempo. De João Cabral de Melo Neto,


A mão daquele martelo
nunca muda de compasso.
Mas tão igual sem fadiga,
mal deve ser de operário;

ela é por demais precisa
para não ser mão de máquina,
a máquina independente
de operação operária.

De máquina, mas movida
por uma força qualquer
que a move passando nela,
regular, sem decrescer:

quem sabe se algum monjolo
ou antiga roda de água
que vai rodando, passiva,
graçar a um fluido que a passa;

que fluido é ninguém vê:
da água não mostra os senões:
além de igual, é contínuo,
sem marés, sem estações.

E porque tampouco cabe,
por isso, pensar que é o vento,
há de ser um outro fluido
que a move: quem sabe, o tempo.


*

Bom dia! Bom Natal!

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23.12.03


PARA FORA


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MORRER FORA DA LUZ PÚBLICA

Muitos dos mais originais e interessantes portugueses, loucos ou perseverantes, excêntricos ou normalíssimos, morrem sem sequer nós sabermos que morreram. Fora da luz pública, fora das celebridades de quinze minutos, fora das revistas de todas as modas, em particular das literárias e culturais, vidas inteiras desaparecem num esquecimento, nem sempre desejado. Foi o que aconteceu, perante a ignorância e a indiferença geral, a Orlando Vitorino e ao embaixador Humberto Morgado.

Não conheci o primeiro pessoalmente, mas recordo-me de uma entrevista televisiva em que ele respondia com grande rigor teórico e lexical aos disparates de uma jornalista, com um mau feitio soberbo e magnífico que Vitorino cultivava. A coisa acabou mal, como não podia deixar de ser, com o homem que era uma combinação de reaccionário e anarquista tão radical que dificilmente comunicava com o comum dos mortais. Adepto da “filosofia portuguesa”, acabou candidato à Presidência da República sem honra nem glória. Soube, por um testemunho, que nos seus últimos dias continuava completamente lúcido e articulado, só que o que pensava e dizia nada tinha a ver com qualquer realidade actual, como se tivesse ficado numa espécie de limbo a-histórico por cima de todas as nuvens. Se calhar foi toda a vida assim, só que ninguém deu por ela. Talvez ele.

O embaixador Morgado conheci nos trabalhos para o livro sobre Cunhal, com a fama de “embaixador vermelho”, elegante como só os homens antigos, falando com uma voz suave e senhor de uma memória claríssima. Falava da sua geração, apanhada nos dilemas políticos dos anos trinta, ele que fora membro do Bloco Académico Anti-Fascista, e dos factos de que tinha sido uma rara, senão única, testemunha portuguesa, como a guerra civil chinesa entre comunistas e nacionalistas. Sentia-se nele uma nostalgia muito calma, quase diríamos diplomática, como se negociasse com as suas memórias juvenis um qualquer tratado de apaziguamento, uma mansidão procurada, que prescindia de revolta com a injustiça que sentia no fim prematuro da sua carreira.

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A SENHORA DOS SAPATOS

O ContraFactos & Argumentos tem a seguinte entrada :

"Contas secretas em Portugal: the recent trip of Imelda Marcos to European destinations in October was not due to medical reasons but to check on her family’s deposits in European banks. [...] the Marcos family still maintains several secret accounts in European banks, particularly in London and Portugal."

Acontece que eu viajei recentemente com a senhora Marcos, numa viagem de avião a partir de Lisboa, em que, com a minha excepção, ela e a sua corte ocupavam a classe executiva. Era um espectáculo digno de se ver. A senhora vinha acompanhada por um senhor alto e com porte militar, ambos muito discretos e sem praticamente falarem nem um com o outro, nem com ninguém. A Senhora dos Sapatos é uma figura marcante, imponente, daquelas pessoas que se percebe estarem habituadas a mandar como quem respira. Atrás vinham duas aias, ou damas de companhia, ou criadas, e um segurança. Não se percebia bem a qualidade das senhoras, mas a dama levantava um dedo e uma ia logo falar-lhe e fazer qualquer coisa que ela pedia. Era uma cena oriental ou antiga, na Europa já não há disto.

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TELEVISÃO COMO ERSATZ DA VIDA TODA

Uma coisa que nunca tinha visto: numa festa televisiva na cadeia, é João Baião que anuncia a um grupo de presos que eles vão ser libertados. Já se namora, se casa, se vive (no Big Brother), se nasce (o ultimo filho da Ágata esteve para nascer em directo), se julga, se reconcilia parentes desavindos ou perdidos, se prende, se faz tudo dentro de um programa de televisão. Ainda não se morre porque se presume que só terá audiências a primeira vez, mas mesmo isso virá. A televisão como ersatz é o prenúncio das vantagens da virtualidade como "realidade" para os pobres. Os pobres farão tudo "virtualmente", os ricos poderão pagar a realidade. O problema é saber quanto tempo falta até sermos incapazes de distinguir.

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MANHÃ GLORIOSA


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EARLY MORNING BLOGS 102

Uma manhã tecida pelos galos de João Cabral de Melo Neto, para esta brilhante manhã de pré-Natal, com um céu muito azul e sem réstia de vento:

TECENDO A MANHÃ

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã,desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto

*

Bom dia!

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BIBLIOFILIA 6



Li um muito interessante ensaio de Eduardo Pitta que saiu recentemente em opúsculo intitulado A Fractura. A condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea, Angelus Novus Editora, 2003. O autor identifica os momentos e os autores, homossexuais ou não, em que a homossexualidade surge na literatura portuguesa. E são bastantes: Pessoa, Sá Carneiro, Botto, Eugénio de Andrade, Gaspar Simões, Cesariny, Luiz Pacheco, Al Berto, António Franco Alexandre, Joaquim Manuel Magalhães, Frederico Lourenço, entre outros. Faltam alguns que teria interesse ver analisar como, por exemplo, Pedro Homem de Mello, um poeta com uma obra irregular mas em que brilham meia dúzia de grandes poemas de clara inspiração homossexual.

Escrito numa linguagem mais tensa do que é habitual num ensaio literário, formulando uma tese inicial que depois fica diluída no texto (sobre a dificuldade de aplicar ao caso português o padrão da literatura gay americana), o ensaio enuncia as relações do relato homossexual na literatura com uma “ética da desobediência”, a pretexto de Cesariny. Revela também alguns temas favoritos do desejo homossexual nacional, como o do “magala”, dando primazia à tropa de chão em vez da do mar, tradicionalmente com mais presença na literatura da homossexualidade. Vale a pena ler.

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22.12.03


MANHÃ, PARA MUITA GENTE


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EARLY MORNING BLOGS 101

Hoje, mais leve, depois do Larkin, Wednesday Morning, 3. AM, de Simon e Garfunkel:

I can hear the soft breathing
Of the girl that I love,
As she lies here beside me
Asleep with the night,
And her hair, in a fine mist
Floats on my pillow,
Reflecting the glow
Of the winter moonlight.

She is soft, she is warm,
But my heart remains heavy,
And I watch as her breasts
Gently rise, gently fall,
For I know with the first light of dawn
I'll be leaving,
And tonight will be
All I have left to recall.

Oh, what have I done,
Why have I done it,
I've committed a crime,
I've broken the law.
For twenty-five dollars
And pieces of silver,
I held up and robbed
A hard liquor store.

My life seems unreal,
My crime an illusion,
A scene badly written
In which I must play.
Yet I know as I gaze
At my young love beside me,
The morning is just a few hours away.


Bom dia!

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BIBLIOFILIA 5






Estou a ler, de Gore Vidal, Inventing a Nation. Washington, Adams, Jefferson, editado pela Yale University Press. No fim, direi alguma coisa menos impressionista, mas o livro é desde já recomendável. Para além de ser escrito sobre um grupo de pessoas a todos os títulos excepcional, a iconoclastia de Vidal é, como dizem os ingleses, refreshing. A política de Vidal é um pouco como a de Michael Moore, mas Vidal escreve muito bem, o que faz toda a diferença.

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21.12.03


EARLY MORNING BLOGS 100

Chegamos aos cem. Tudo começou por esse mecanismo do nosso pensar que vem do nosso sentir, e que é a associação de ideias. Dos “early morning blues” para os “early morning blogs”. Representava uma entrada matinal sobre os mais interessantes blogues e notas do dia anterior. No entanto, estava-se então numa fase particularmente zangada na blogosfera, com o tumulto do crescimento rápido a perturbar quem estava, e a excitar quem entrava com grandes esperanças. O território, sempre escasso (talvez o factor singular mais importante para perceber o nosso país e a sua vida intelectual, é que estamos sempre em cima uns dos outros, salvo seja) levava a guerras de fronteira, influência e bandeira. Não me apeteceu participar e, sem deixar de louvar o que me parecia interessante, passei para outra.

Começou pelas letras das músicas matinais e pela procura da letra perdida do “Early Morning Blues” de Nat King Cole, de que tenho um disco em que ele canta, mas em que penso que há um erro na numeração das canções. O meu leitor Jiminy Cricket fez aliás consultas a vários locais especializados e não encontrou nada. Nat King Cole só tocava e não cantava e por isso, desde o início, por ironia, os “early morning” assentam num equívoco de números.

Das canções passou-se para os poemas, e a manhã, triste e gloriosa, marcava a aurora destas pequenas letras electrónicas. Muitos leitores colaboraram e colaboram na sua escolha e há poemas para mais cem manhãs. Os “early morning blogs” continuarão, desviando ocasionalmente para todos os lados, semper fidelis a uma constância e persistência dos actos, que faz parte da “filosofia da alcova” do autor.

Hoje há um belo e duro poema, Aubade de Philip Larkin. Por coincidência, falei sobre ele, no exílio da semana passada, com VGM, e um leitor dedicado, João Costa, enviou-o. Para servir os augúrios da coincidência, aqui está, “work has to be done”.

Aubade


I work all day, and get half-drunk at night.
Waking at four to soundless dark, I stare.
In time the curtain-edges will grow light.
Till then I see what's really always there:
Unresting death, a whole day nearer now,
Making all thought impossible but how
And where and when I shall myself die.
Arid interrogation: yet the dread
Of dying, and being dead,
Flashes afresh to hold and horrify.
The mind blanks at the glare. Not in remorse
- The good not done, the love not given, time
Torn off unused - nor wretchedly because
An only life can take so long to climb
Clear of its wrong beginnings, and may never;
But at the total emptiness for ever,
The sure extinction that we travel to
And shall be lost in always. Not to be here,
Not to be anywhere,
And soon; nothing more terrible, nothing more true.

This is a special way of being afraid
No trick dispels. Religion used to try,
That vast, moth-eaten musical brocade
Created to pretend we never die,
And specious stuff that says No rational being
Can fear a thing it will not feel, not seeing
That this is what we fear - no sight, no sound,
No touch or taste or smell, nothing to think with,
Nothing to love or link with,
The anasthetic from which none come round.

And so it stays just on the edge of vision,
A small, unfocused blur, a standing chill
That slows each impulse down to indecision.
Most things may never happen: this one will,
And realisation of it rages out
In furnace-fear when we are caught without
People or drink. Courage is no good:
It means not scaring others. Being brave
Lets no one off the grave.
Death is no different whined at than withstood.

Slowly light strengthens, and the room takes shape.
It stands plain as a wardrobe, what we know,
Have always known, know that we can't escape,
Yet can't accept. One side will have to go.
Meanwhile telephones crouch, getting ready to ring
In locked-up offices, and all the uncaring
Intricate rented world begins to rouse.
The sky is white as clay, with no sun.
Work has to be done.
Postmen like doctors go from house to house.


Philip Larkin


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20.12.03


MELHORIAS

já realizadas: actualização dos arquivos, alinhamento do texto e imagens com o título na página visível.

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COISA RIDÍCULA

e perigosa, a cena dos jornalistas da televisão e operadores de câmara, a perseguir, a alta velocidade, a carrinha onde seguia o embaixador Ritto para a prisão. Não há qualquer conteúdo informativo na cena, que claramente viola todas as leis de trânsito e põe desnecessariamente em perigo os profissionais da televisão e quem estiver na rua. Vale tudo.

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BOAS FESTAS, BONS DESEJOS, FELICIDADE



a todos.

"Não descobrimos o absurdo sem nos sentirmos tentados a escrever um manual qualquer da felicidade. "O quê, por caminhos tão estreitos?..." Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece também que o sentimento do absurdo nasça da felicidade. "Acho que tudo está bem", diz Édipo, e essa frase é sagrada. Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo está, que nem tudo foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto das dores inúteis. Faz do destino uma questão do homem, que deve ser tratado entre homens. Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe. O seu rochedo é a sua coisa."

(Camus)

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TRABALHOS DE MANUTENÇÃO

Alguns trabalhos de manutenção, melhoria gráfica, colocação de arquivos em linha, actualização do correio, estão a ser feitos para desenvolver o Abrupto. Daqui a pouco, ainda hoje, voltamos.

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19.12.03



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SERÁ DE CAMÕES? – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)

"Só agora é que vi a correspondência da nossa amiga Amélia Pinto Pais e o soneto que V. publicou. Ela tem razão, a meu ver: o soneto não tem aquele quid camoniano, a provocar a "guinada" que refiro no meu texto que ela cita. É com certeza mais tardio, mais acabadinho e mais preocupado com uma saturação mais ou menos engenhosa e forçada de repetições anafóricas, oposições e simetrias com que o Camões nunca se teria importado tão sistematicamente... E sobretudo não tem tensão de nenhuma espécie entre as suas várias partes. Joga com os conceitos, mas não os faz viver expressivamente, nem tem aquele toque de experiência vivida que teria se fosse do grande Luís...
Provavelmente, como diz a A.P.P., é do Baltasar Estaço. "


(Vasco Graça Moura)


Colocou, creio que ontem-pelo menos eu dei-me conta ontem - no seu blogue um soneto que indicou ser de Camões. Gostei do soneto, mas não me 'cheirou' muito a que fosse de Camões, antes de alguém mais claramente maneirista (Camões também o foi, em parte e sabemo-lo desde os estudos de Jorge de Sena e de Aguiar e Silva) ou mesmo do Barroco. Como sabe a questão do cânone da Lírica de Camões não está nem nunca esteve clarificado e receio bem que em Portugal nunca venha a ser feito estudo sério sobre tal, que implicaria vasta equipa de investigadores e o percorrer, nomeadamente, os cancioneiros de mão, sobretudo espanhóis, dos s.XVI e XVII. O seu amigo e meu conhecido e estimado Vasco da Graça Moura desenvolveu num saborosíssimo poema a respeito do O dia em que nasci moura e pereça a sua interessante teoria do abalo (contra a a qual nada tenho, aliás...): de que um soneto ou poema de Camões é sempre um poema de Camões e dá sempre um abalo...por isso ele entendia ser o referido soneto de Camões, ao contrário do Aguiar e Silva...

Em suma: hoje, e até prova em contrário, tem-se como assente de que, apesar de tudo, a edição mais fidedigna das Rimas é a de Costa Pimpão(que infelizmente tive como professor e com quem nada aprendi, antes pelo contrário...- felizmente também tive o Aguiar e Silva). Tenho outras edições da Lírica e numa delas aparece,de facto, o soneto que refere - na de M.de Lurdes Saraiva para Imprensa Nacional (1980).Lá se diz, contudo,no II volume, pág. 450 que o soneto foi

«Publicado por Juromenha.*

Figura no Cancioneiro de Fernandes Tomás como sendo da autoria de Baltazar Estaço.Foi editado entre as poesias deste autor em 1604, motivo que levou Carolina Michaelis a rejeitar a introdução no corpus camoniano. Nenhum dos editores modernos o inclui. Tema e forma levam a inseri-lo entre os lugares comuns da época. Nada no poema permite atribui-lo a Camões.»

A referida autora acrescenta em nota que «Juromenha publicou, em nota, um soneto espanhol se tema e estrutura idênticos, que encontrou num manuscrito do século XVII, e que tem como incipit «Con tiempo passa el año, mes y hora».

*edição de Juromenha:1860-1868 (nota minha)

Estas coisas tornam-se difíceis de aclarar enquanto não houver, de facto, uma edição definitiva...O Aguiar e Silva discute amplamente a questão do cânone camoniano no livro Camões:Labirintos e Fascínios -editado pela Cotovia em 1994 - livro que vale a pena ser lido, nomeadamente, e entre outros, pela análise que nele se faz da Ilha de Vénus.

Bem...em suma: a mim não me provocou o tal «abalo»...e penso mesmo que o soneto não é de Camões...talvez, sim, de Baltazar Estaço.

(...) só há verdadeira certeza de autoria daquilo que vem na 1ªedição das Rimas, a de 1595 -mesmo essa, como se vê, póstuma.


(Amélia Pais)

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LAR


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18.12.03


CONSPIRAÇÃO CONTRA O MEU SONO

A principal conspiração contra o meu sono, passível de se falar num blogue, é a BBC Learning. Mais um engano do professor Marcelo, que acha que sabe como eu ocupo as noites. Adiante. Ontem , era alta a madrugada, passava um filme sobre Nancy Mitford, a mais literata das irmãs Mitford. As irmãs são de facto curiosas, duas eram nazis, uma comunista, e a outra, proto-comunista, gostava de um francês gaullista que era feio, tinha má pele e lidava mal com os excessos de "infatuation" da senhora. Todas traziam da sua inútil vida aristocrática a mesma incapacidade de fazer qualquer coisa sem a transformar numa "joke", sendo todas as coisas "muito": muito nazis, muito comunistas e muito amantes da França tricolor.

Descobri-as através da mais improvável (minto, a mais improvável seria de facto Unity), a comunista Jessica Mitford, de cujos livros, inevitavelmente divertidos, sobre a vida no Partido Comunista Americano, fiz uma recensão há muitos anos. O seu mundo é muito britânico e quase inexportável, com uma mistura de sofisticação viperina e elegante, com uma quase ausência de educação formal. O pai, Lord Redesdale, achava que as mulheres não deviam ser educadas, e aliás ele próprio pouco mais sabia do que caçar, dizer umas piadas, e fazer a vida de gentlemen's farmer. Nancy, numa entrevista, falava dele dizendo que o seu problema era que verdadeiramente "não tinha nada para fazer" . Num assento de baptismo aparecia como profissão "honorable".

Há imensa literatura sobre as irmãs, figuras de culto para uma vasta galeria que vai dos que gostavam de ser nobres ingleses ou meninas debutantes com amigos muito homossexuais, aos litterati. Mas a corte e a superficialidade de muita coisa mitfordiana não impede o interesse, e lá se foi o sono. Depois de dois dias de prisão domiciliária, a penar pelos destinos perdidos da Conferência Inter Governamental, depois de Assia Djebar, as Mitford são um descanso.

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EARLY MORNING BLOGS 99

Longe da pátria, língua da pátria. Com os early mornings na véspera dos cem, (cem é um número gigantesco na blogosfera, que me faz competir com Matusalém), o poema salta das manhãs, parte do tempo, para ser sobre o tempo todo, um dos fios do Abrupto. De Camões , este "prado":

Com o tempo o prado seco reverdece,
Com o tempo cai a folha ao bosque umbroso,
Com o tempo para o rio caudaloso,
Com o tempo o campo pobre se enriquece,

Com o tempo um louro morre, outro floresce,
Com o tempo um é sereno, outro invernoso,
Com o tempo foge o mal duro e penoso,
Com o tempo torna o bem já quando esquece,

Com o tempo faz mudança a sorte avara,
Com o tempo se aniquila um grande estado,
Com o tempo torna a ser mais eminente.

Com o tempo tudo anda, e tudo pára,
Mas só aquele tempo que é passado
Com o tempo se não faz tempo presente.


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17.12.03


CAIXA DE PANDORA - O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

"O Figaro tem um editorial interessante sobre o problema dos feriados judaico e muçulmano, a introduzir em França, talvez como compensação pela proibição dos véus. Menciona a ausência de qualquer pedido das comunidades, para a instituição dos feriados; a falta de necessidade, uma vez que os fiéis dessas religiões têm justificação de faltas por motivos religiosos; as dificuldade práticas na definição de um dia para o feriado muçulmano (um ponto controverso, segundo o editorial); o risco de criar incomodidade na comunidade cristã, que viu recentemente desaparecer o feriado de segunda feira de Pentecostes, e pode interpretar esta questão como uma perda em detrimento de judeus e muçulmanos; o possível benefício para a Frente Nacional de Le Pen, a poucos meses das eleições regionais. Termina com a defesa dos feriados cristãos existentes, por fazerem parte da História, tal como as catedrais preservadas com o dinheiro do Estado."

(Paulo Almeida)

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SOCIEDADE CIVIL

Uma breve nota sobre o artigo "As Perguntas, o Porto e Pacheco Pereira" de Paulo Rangel no Público de hoje, criticando uma nota do Abrupto. Todo o artigo vive de uma pretensa diferença de agenda e interesses entre o que o autor chama "sociedade civil" e os "políticos". O autor afirma falar em nome da "sociedade civil".

Acho espantosa esta caracterização da "sociedade civil" como oposta aos "políticos", para fazer passar, com um mecanismo auto-legitimador, exactamente o mesmo tipo de discurso, apenas com a diferença que ele é emitido por pessoas que não têm (ou ainda não têm) actividade política institucionalizada. Para existir essa dicotomia, era preciso encontrar uma autonomia para esse discurso da "sociedade civil" e, no caso dos debates do Porto, o que se passa é que a sua agenda foi toda ela profundamente politizada.

As "perguntas" dos debates são para o estado e os políticos, nenhuma outra espécie de interlocução da sociedade e com a sociedade é prevista. Não se pergunta à universidade o que ela faz pelas empresas; às empresas, o que elas fazem como mecenato; aos intelectuais portuenses o que eles fazem sem subsídios, aos sindicatos que mundo do trabalho desejam fora da reivindicação, nunca se fala do voluntariado e do seu papel. Aliás, se alguma coisa revela esta série de colóquios, é exactamente a incapacidade da "sociedade civil" (se é justo chamar assim aos organizadores dos debates, o que duvido, pela sua clara agenda política) de discutir qualquer questão sem a subordinar a uma lógica de reivindicação ao estado , aos governos, aos partidos, ou seja, à política. Se isto é a "sociedade civil", em acto de reflexão, parece-me tão parecida com os partidos e a política institucional, que não sei onde esteja a diferença. Não é pelo facto de os organizadores dos colóquios não serem políticos eleitos ou com cargos institucionais, que os torna "sociedade civil".

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CITAÇÃO

do Liberdade de Expressão, com vénia.

A reboque

"Bush não é um intelectual. Bush é na verdade estúpido!

Os Barnabés e os Bloguistas de Esquerda são intelectuais. Estão há um dia a racionalizar os factos produzidos por um homem estúpido.

Agora perguntam: então e o Bin Laden? Então e as Armas de Destruíção Maciça?

Como já antes tinham perguntado: então e Saddam?

E como já antes tinham previsto a derrota americana, a nova Estalinegrado, uma guerra civil no Iraque, o novo Vietname.

De cada vez que uma previsão (ou será um desejo?) não se confirma é preciso actualizar a litania.

Moral desta história: intelectuais inteligentes tendem a andar a reboque dos factos criados por estúpidos homens de acção."

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PECADO MORTAL

Se alguém me dissesse, se eu me imaginasse, que ia ver, teria jurado que não. Era exactamente o protótipo das coisas que eu nunca veria: numa mesa de café literário, duas mulheres com o desenvolto aspecto e a língua fácil de feministas francesas e literatas (vá , só com esta frase se pode fazer um tratado de misogenia ou coisas piores...), numa sala cheia de jovens estudantes e intelectuais by the book, atentos e reverentes, com aquela postura de quem tem muitos colóquios, conferências, encontros com escritores, lançamentos, em cima da pele. Enfim, o mundo do Prado Coelho.

Mas parei e caí em pecado mortal. Fui apanhado pela voz intensa da mulher principal, a outra era a mestre de cerimónias, uma escritora argelina de nascimento, que usa o pseudónimo de Assia Djebar, que , dilemas da identidade, ninguém diria que fosse outra coisa que francesa. Assia falava do uso do árabe, de como aprendera o árabe corânico sentada no chão com uma lousa, de como na sua casa e nas ruas se falava o dialecto, do berbere proibido, e do árabe culto, que a elite da revolução argelina usava para mostrar distância face ao povo. Falava dos discursos elegantes e cuidados, num árabe culto, de Boumedienne e de como eles eram incompreensíveis para as pessoas comuns.

Depois falava e falava, com um gosto pela fala densa, culta, o francês que deve ser semelhante ao árabe de Boumedienne, passando da Argélia para a França, sempre num registo cosmopolita e apaixonado. Acabou por falar pouco da sua obra (que eu desconheço, mas sobre a qual se pode encontrar informação aqui), mas tudo o que dizia era interessante. É este o problema dos pecados mortais.

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EARLY MORNING BLOGS 98-2

Por outra manhã (cortesia de Vasco Graça Moura), esta "dolce color" dantesca:

Dolce color d'orïental zaffiro,
che s'accoglieva nel sereno aspetto
del mezzo, puro infino al primo giro,

a li occhi miei ricominciò diletto,
tosto ch'io usci' fuor de l'aura morta
che m'avea contristati li occhi e 'l petto.

Lo bel pianeto che d'amar conforta
faceva tutto rider l'orïente,
velando i Pesci ch'erano in sua scorta.

I' mi volsi a man destra, e puosi mente
a l'altro polo, e vidi quattro stelle
non viste mai fuor ch'a la prima gente.


(Purgatorio, Canto I)

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EARLY MORNING BLOGS 98

Nos países frios, o frio vê-se. Olha-se pela janela, à luz cinzenta da manhã, e sabemos que está frio. Há uma deserção geral das ruas: nem pessoas, nem pássaros, nada. Não há ainda neve, mas a humidade nos telhados está branca. O branco vai tomando conta de tudo o que era verde. O verde cresce com as chuvas de Outono, mas, à medida que o Inverno se instala, o branco começa em baixo, no chão, e em cima, nos telhados, e vai descendo até se encontrar. Lá para Janeiro, uma paz camponesa subjugará a cidade. Acho que o Natal se destina a prepará-la, com uma última série de brilhos, antes de vir esse tapete que abafa os sons, pára os movimentos, recolhe o gado, alimenta o fogo, pára quase tudo.

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16.12.03


BIBLIOFILIA 4

Na Biblioteca municipal de Colmar está um pequeno caderno, com o tamanho dos antigos cadernos de significados, com o título manuscrito D'un Carnet de poche ,e assinado Rilke. Nele, Rilke escreveu meia dúzia de poemas em francês, numa letra comum, apesar de elegante e regular. Percebe-se, pela ausência de correcções, que os poemas foram passados a limpo.

O poeta enviou-o, em 1926, de um sanatório suíço, a um seu amigo e tradutor francês, Maurice Betz. Depois de várias vicissitudes da família Betz, acabou por ir parar à Biblioteca de Colmar. Foi agora editado em facsimile por uma editora local, Le Verger Editeur. É um livrinho frágil e pequeno que fala assim :

Hiver

J'aime les hivers d'autrefois qui n'étaient point encore sportifs,
On les craignait um peu; tant ils étaient durs et vifs.
.....

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CAIXA DE PANDORA

Ontem, na televisão francesa, a enésima discussão sobre o véu islâmico e as propostas Stasi. Os franceses começam a aperceber-se da caixa de Pandora que estão a abrir. Agora há propostas de tornar dias feriados festas religiosas muçulmanas e judaicas. Se há feriados cristãos , porque não? Depois discute-se proibição do foulard, da kippa e das "grandes cruzes" na escola pública. Mas quando é que uma "pequena cruz" passa a "grande cruz"? Levantando o problema para os muçulmanos, este ganhou vida própria e regressa sob forma de um laicismo igualitário inimaginável na terra que, antes de ser de Jules Ferry e Chirac, era de Joana d'Arc.

Depois, pouco a pouco, acumulam-se os problemas, todos eles à volta da condição da mulher. Há mulheres muçulmanas que se recusam a seguir num elevador sózinhas com homens, que se recusam a ser observadas num hospital por médicos masculinos, empresas que não querem empregadas de véu a atender o público. Uma empresária dizia que não podia ter empregadas que se recusavam apertar a mão aos clientes, nem aceitava um conselho que um muçulmano lhe tinha dado de "as pôr a trabalhar longe dos olhos dos outros". Protestava: "como é que eu posso ter empregadas que tenho que esconder por serem mulheres?"

É. A caixa de Pandora está aberta. Embora os franceses, com o seu jacobinismo exacerbado, tenham agravado o problema, faça-se a justiça de considerar que este é (cada vez mais) europeu.

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DE VOLTA

como começar? Hard politics, suave cultura, divagações, faineanter com as palavras?

Faineanter. v. n. Estre faineant, estre à ne rien faire, par paresse. Demeurer à faineanter. il n'a fait tout le jour que faineanter. (Dictionnaire de L'Académie française, Première édition, 1694)

Como começar?

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15.12.03


JUDEU ERRANTE

Estou de novo de judeu errante. Voo de uma terra para outra, de outra para outra, porque devo, nalgum passado distante, ter recusado água, abrigo, palavras a alguém. A única geologia que conheço é a das nuvens, estrato a estrato, paz e turbulência, uma a seguir à outra. Do alto, nenhuma caneta toca a terra, nem sequer a frágil e imortal sequência de bits, de sins e nãos electrónicos - "eléctricos", diria McLuhan, com razão - desce os 39000 pés para tocar o chão. Silêncio, pois, na terra, branco absoluto nas páginas brilhantes do ecrã. Até breve, pássaros.

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14.12.03


IMAGENS

dos últimos dias. O Moisés ameaçador é de Rembrandt; as flores são de um mosaico de Iznik; os barcos, ao vento da história, são de Caspar David Friedrich; o turbante, um pormenor de um quadro de Vittore Carpaccio; o comboio, da capa de um livro da Puffin do início dos anos cinquenta; e o cartaz contra o álcool é belga e mostra o povo, os criados , a beberem de mais. As classes altas pelos vistos não bebiam.

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PITON DE LA FOURNAISE

finalmente a erupção, no dia 7 de Dezembro, com um tempo tão nebuloso que ninguém a viu começar. Notícias aqui.

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PRISÃO DE SADDAM

se se confirmar, é um acontecimento importante. A chamada "resistência", nome viciado e programático, é , como com maior rigor a imprensa de referência internacional a descreve, um movimento para-militar ligado às estruturas do partido de Saddam , o Baath. Sendo assim, a queda de estruturas de comando político-militar, que estão por trás dos ataques, é relevante para o seu desmantelamento. Podem continuar os atentados, podem até aumentar de intensidade, mas o problema continua a ser essencialmente militar e deve ser tratado como tal.

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FRACASSO DA CIG

Cito aqui, porque não vale a pena fazer de novo o que já disse mil vezes, o que escrevi , por volta de Junho de 2001, e tenho vindo a repetir desde 1999, quando fui eleito para o PE.

"A ilusão está em pensar que os progressos na integração europeia vêm da laboriosa arquitectura política que se constrói e não de algo mais substantivo, como seja, peço desculpa por lembrar este pequeno pormenor-, a vontade dos povos. (…) Nunca como agora as elites políticas europeias se comportaram de forma tão iluminista,- elas é que sabem o que é melhor para a Europa - tentando por todos os meios evitar debates e consultas nacionais."

Esta básica premissa democrática nunca foi a central no modo como é apresentada aos portugueses a questão europeia, quer pelos governantes, quer pela comunicação social. O que é sistematicamente relatado na imprensa portuguesa (em particular na cobertura puramente ideológica “franco-alemã” que Teresa de Sousa faz no Público) é sempre a montante e a juzante desta questão, que nunca é enunciada como prévia.

Nem se fala das alternativas, tão forte é a situação de facto que se quis criar com o Tratado de Nice e a falsa Convenção.

"Existe uma alternativa ? Certamente que sim . Os “pequenos passos” propostos por Jean Monnet , um processo mais lento , mais seguro , que pudesse ganhar raízes , tornar-se tradição , consolidar-se num ambiente de riqueza e paz que ele próprio garantia . Que consolidasse o euro , o mercado comum , a politica externa e de segurança comum , as instituições comunitárias, o alargamento . Sempre sem passar ao passo seguinte , sem um sólido apoio político nas democracias europeias . Porque nunca se foi ao longe nestes processos a não ser devagar ."

Há um modelo alternativo da Europa, muito mais seguro do que o desvio de Nice e do que o programa, perigoso e de má fé, do "pós-Nice": é o modelo de Maastricht e Amesterdão, assente no euro, no pequeno reforço dos poderes do Parlamento Europeu, no salto em frente da "política externa e de segurança comum", no avanço do exército europeu. É um modelo não testado, não experimentado, porque todos estão com demasiada pressa e não conhecem a história. Este modelo aguenta o alargamento muito melhor do que as veleidades experimentais federalistas. Precisa de vontade política para que cada uma das suas componentes funcione e ganhe experiência, precisa de tempo para se perceber o que pode funcionar bem e o que tem que se rectificar, precisa também que o alargamento se faça de forma diferente, simultaneamente mais solidário e mais realista.
Se os nossos iluminados governos experimentassem ser um pouco mais conservadores, talvez tivessem resultados mais revolucionários.”


O que é que é mais grave? É que o falhanço da CIG tem pouco a ver com estes argumentos, ou com a vontade de mudar o caminho seguido nos últimos anos. Pelo contrário, é um seu subproduto. Eles vão continuar, em privado, a discutir os votos; em público, a erguer a bandeirinha das estrelas.

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EARLY MORNING BLOGS 97

Hoje, manhã de brunch impossível, ficamos pelo Dejeuner du Matin (cortesia de Pedro Catanho de Menezes Cordeiro).

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec la petite cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a reposé la tasse
Sans me parler
Il a allumé
Une cigarette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis les cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur sa tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu'il pleuvait
Et il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Et moi j'ai pris
Ma tête dans ma main
Et j'ai pleuré.


(Jacques Prévert)

*

Bom dia!


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VER A NOITE



Mal levantei os olhos, o céu foi riscado por um meteorito. Ainda há demasiada lua para se poder tomar partido do escuro mais frio, mas, à volta de Oríon, as estrelas brilhavam. O meteorito atravessou de Norte para Sul, um trajecto pouco habitual. Durou o costume, quase nada. Não deu tempo.

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13.12.03


COMO MUITAS VEZES ACONTECE

voltamos aos textos que ouvimos e lemos e reparamos em coisas novas, ou num novo brilho das palavras, ou num novo saber, ou apenas num esplendor renovado da mesma beleza. Desta vez, foi uma pergunta que se tornou insistente, exigente.

Estava a ler o texto do Requiem Alemão de Brahms, mas o texto bíblico soa sempre diferente noutra língua:

Jacobi 5,7

So seid geduldig. / Assim, então, tende paciência.
Denn alles Fleisch ist wie Gras / Pois toda carne é como a erva
und alle Herrlichkeit des Menschen / e toda a glória do homem
wie des Grases Blumen. / é como as flores do campo.
Das Gras ist verdorret / A erva seca
und die Blume abgefallen. / e a flor murcha.

Petri 1,25

Aber des Herrn Wort bleibt in Ewigkeit. / Mas a palavra do Senhor perdura eternamente.

É apenas um frgamento, nem sequer dos mais importantes e dramáticos do texto, e o que me interessou foi a frase “toda carne é como a erva”. A pergunta que me fiz , nem sequer muito presa ao sentido do texto, foi: quantos nazis, quantos torcionários, ouviram este Requiem com emoção, sentiram estas palavras, marteladas na nossa memória cristã desde a infância? Com genuína emoção? Certamente muitos.

Há qualquer coisa de errado na feitura dos humanos. Um bug, uma linha solta do programa, mesmo no sítio mais crucial, não no logos, mas no ethos.

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EARLY MORNING BLOGS 96

A caminho do centenário. Pela manhã “should I not pause in the light to remember God? “, perguntava Aiken? Não sei. Fica com todos esta “morning song” difícil de definir, um retrato de uma porta que se abre “on the winds of space for I know not where” todos os dias. Passamos para qualquer lado? Não sei, também.


Morning Song Of Senlin

It is morning, Senlin says, and in the morning
When the light drips through the shutters like the dew,
I arise, I face the sunrise,
And do the things my fathers learned to do.
Stars in the purple dusk above the rooftops
Pale in a saffron mist and seem to die,
And I myself on a swiftly tilting planet
Stand before a glass and tie my tie.

Vine leaves tap my window,
Dew-drops sing to the garden stones,
The robin chips in the chinaberry tree
Repeating three clear tones.

It is morning. I stand by the mirror
And tie my tie once more.
While waves far off in a pale rose twilight
Crash on a white sand shore.
I stand by a mirror and comb my hair:
How small and white my face!--
The green earth tilts through a sphere of air
And bathes in a flame of space.
There are houses hanging above the stars
And stars hung under a sea. . .
And a sun far off in a shell of silence
Dapples my walls for me. . .

It is morning, Senlin says, and in the morning
Should I not pause in the light to remember God?
Upright and firm I stand on a star unstable,
He is immense and lonely as a cloud.
I will dedicate this moment before my mirror
To him alone, and for him I will comb my hair.
Accept these humble offerings, cloud of silence!
I will think of you as I descend the stair.

Vine leaves tap my window,
The snail-track shines on the stones,
Dew-drops flash from the chinaberry tree
Repeating two clear tones.

It is morning, I awake from a bed of silence,
Shining I rise from the starless waters of sleep.
The walls are about me still as in the evening,
I am the same, and the same name still I keep.
The earth revolves with me, yet makes no motion,
The stars pale silently in a coral sky.
In a whistling void I stand before my mirror,
Unconcerned, I tie my tie.

There are horses neighing on far-off hills
Tossing their long white manes,
And mountains flash in the rose-white dusk,
Their shoulders black with rains. . .

It is morning. I stand by the mirror
And surprise my soul once more;
The blue air rushes above my ceiling,
There are suns beneath my floor. . .

. . . It is morning, Senlin says, I ascend from darkness
And depart on the winds of space for I know not where,
My watch is wound, a key is in my pocket,
And the sky is darkened as I descend the stair.
There are shadows across the windows, clouds in heaven,
And a god among the stars; and I will go
Thinking of him as I might think of daybreak
And humming a tune I know. . .

Vine-leaves tap at the window,
Dew-drops sing to the garden stones,
The robin chirps in the chinaberry tree
Repeating three clear tones.


Conrad Aiken (Senlin: A Biography)

*

Bom dia!

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12.12.03


DESACORDOS – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

“O GOVERNO TEM QUE EXPLICAR MELHOR AS SUAS POLÍTICAS”

"Não é costume, mas estou em desacordo absoluto.

Um governo que explique o que faz pode ter a adesão de mais gente que compreende o problema. Isto pode levar a que a agitação social seja menor e que, por isso, o tempo e energia gastos com o assunto sejam aproveitados noutras coisas mais úteis.
(e também nos poupava aos constantes sobressaltos mediáticos, o que já não é pouca coisa).

Por outro lado, se as políticas se explicam a si próprias, como compreender que o PS tenha governado como governou? Governou bem? Se António Guterres não se tivesse ido embora, o PS teria governado, pelo menos, oito anos. Ao fim de quanto tempo se impõem as políticas?
(positivas ou negativas, tanto faz).

Não haverá aqui o risco de a demagogia prevalecer, para que se possam ganhar eleições? Não é a isso que se chama "navegar à vista"? seguir políticas de curto prazo, ainda que erradas, para obter a satisfação imediata do povo e a manutenção do poder?

E se as pessoas não acreditarem nos governantes por não entenderem as politicas? Votam noutro, claro. Mas isso nem sempre quer dizer que as politicas estivessem erradas.
Vale a pena? Para no fim poder dizer:" Se queres, toma! se não vou-me embora". Será isto o "interesse nacional"?
Ou será antes interpretado como a história do passarinho e da gaiola de Mário Soares?
A quem aproveita?

E como é que se ganha a confiança enquanto as políticas impopulares não dão os resultados pretendidos? Com agitação social?

A explicação não deve substituir a confiança, mas sim ajudar a criar a confiança (sem demagogias...)."

(JA Lencastre)


MASOQUISMO ACTIVO

"Ciclo de debates organizados pelo PÚBLICO"

1- Ao contrário do que escreveu, a resposta à pergunta do primeiro debate não foi "ninguém". Bem pelo contrário. Bastava conhecer o trabalho desenvolvido por um dos participantes (Sobrinho Simões) e percebia logo que nunca poderia tirar essa conclusão.

2- Quanto a perguntas que já contêm em si as respostas, cito duas do seu artigo de hoje no "PÚBLICO": "Tem sentido suscitar a questão presidencial nos dias de hoje?"; "Tem sentido dramatizar a relação com o Presidente da República?".

3- É evidente que não há perguntas inocentes. As do ciclo de debates com a Católica também não são. Como elemento da "redacção do Porto", digo-lhe que essas interrogações são aquelas que são colocadas por qualquer cidadão do Porto minimamente interessado pela qualidade de vida do sítio onde trabalha e/ou reside. Basta ver os resultados do estudo encomendado pela própria Câmara do Porto, hoje divulgado na imprensa, para perceber que "os xiitas" não estão só radicados na redacção de um jornal.

4- Não sei onde quer chegar com a frase "quase que apostaria, dobrado contra singelo, que foi a redacção do Porto que escolheu as perguntas", mas posso-lhe garantir que a formulação das perguntas é tanto da responsabilidade dos "xiitas" como da dos "católicos".



(Raposo Antunes)

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BLOGOSFERA PORTUGUESA NO TECHNORATI



Há, neste momento, três blogues portugueses na lista do Top 100 da Technorati: o Abrupto em 69, o Gato Fedorento em 75 e O Meu Pipi em 100. É um acontecimento muito significativo , se se tiver em conta que são acompanhados 1.359.000 blogues e as limitações do espaço da Internet em língua portuguesa. Penso que não tem precedentes para nenhum endereço português.

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11.12.03


EARLY MORNING BLOGS 95

Saio da noite com Thoreau, quase para o dia. De facto, a luz da noite

is more proportionate to our knowledge than that of day. It is no more dusky in ordinary nights than our mind's habitual atmosphere, and the moonlight is as bright as our most illuminated moments are.

Com olhos de mocho, caminho de novo.

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VER A NOITE

Lá fora está uma “harvest moon”, ainda mais brilhante através do frio. Como as árvores perderam a folha, mais luz chega ao chão intacta. Apenas o pó da humidade impede que tudo fique branco.

O melhor texto que conheço sobre noites como esta foi escrito por Henry David Thoreau, chama-se “Night and Moonlight” e foi publicado em The Atlantic Monthly Magazine, em Novembro de 1863. É assim a lua :

Great restorer of antiquity, great enchanter! In a mild night, when the harvest or hunter's moon shines unobstructedly, the houses in our village, whatever architect they may have had by day, acknowledge only a master. The village street is then as wild as the forest. New and old things are confounded. I know not whether I am sitting on the ruins of a wall, or on the material which is to compose a new one. “

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10.12.03


MAIS OPINIÕES SOBRE O VÉU ISLÂMICO (Segunda série) – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



Um testemunho muito interessante em Blog-sem-nome.

Há evidentemente vários ângulos sob os quais se pode observar esta questão, mas, no essencial, não se tratará de um exemplo flagrante daquela velha tensão entre a Liberdade e a Igualdade?
Do lado dos defensores da Igualdade - geralmente de Esquerda - é maior a tendência para a proibição; existem razões válidas para se discutir isso, mas o que me recordam em primeiro lugar é uma famosa frase de Rousseau, segundo a qual, o Homem deve ser libertado, ainda que seja contra a sua vontade.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: parece-me evidente haver situações nas quais deva ser suprimido o uso do véu, ou, pelo menos, haja a necessidade de poder identificar visualmente um cidadão; de resto, porque não poderão as pessoas andar vestidas como bem lhes apeteça? O facto de o Estado ser laico, não implica, como às vezes se confunde, que deva ser ateu (uma outra forma de religião), e que imponha esse ateísmo a todos. A minha liberdade e os meus direitos, não são minimamente beliscados pelo facto de uma mulher muçulmana usar burka. Se o faz contra a sua vontade, aí aplica-se a lei geral do país, mas convém, pelo menos, perguntar. Não vale a pena tentar reparar o que não está estragado...


(Ricardo Peres)

“Sempre que se abordam assuntos deste tipo fico sempre com a ideia de que se enunciam princípios teóricos muito meridianos, muito politicamente correctos, mas nunca se tiram as consequências práticas desses princípios. Se há igualdade religiosa num país europeu como Portugal como é que se justifica a existência de feriados religiosos cristãos? Seguindo os mesmos meridianos princípios não devíamos abolir os feriados religiosos cristãos em Portugal? Ou então não deveriam ser celebrados os feriados muçulmanos, hindus, judaicos,...? Pode dizer-se é pela tradição, também era tradição muito coisa que hoje é considerada ilegal!

Há cerca de um mês em Itália, um muçulmano pôs uma escola pública em tribunal (num estado que defende a separação da Igreja do Estado e que considera a igualdade das religiões), pois mantinha um crucifixo na sala de aulas do filho. Perante a letra da lei, perante o espírito da lei, o juiz tomou a única decisão razoável, mandou retirar o crucifixo... penso que o juiz foi suspenso, houve grande agitação das consciências, não sei se houve recurso, se o crucifixo ainda lá está ou não...

Perante os princípios teóricos muito meridianos e muito politicamente correctos, sorrio ao pensar qual seria a posição se os governos decidissem acabar com os feriados religiosos cristãos na Europa, eu pessoalmente sou religioso e sou cristão (e sou contra os feriados religiosos), as minhas crenças são minhas e só minhas, são um assunto privado e ponto final, e se lhes dou algum valor, mesmo sem feriados, terei de arranjar tempo na minha agenda para, por exemplo, celebrar o Corpo de Deus. Não sou mulher, mas penso poder ser defensável um ponto de vista em que o véu possa passar a ser usado como símbolo de resistência contra a diferença de tratamento.

É verdade que a vida não é preto e branco, e que há muitas cambiantes de cinza, mas gostava que todos (cidadãos e governos) assumissem sem subterfúgios as consequências das ideias que defendem, a atmosfera seria mais saudável e quem profere sentenças (como esta) teria de equacionar todas as relações de causa efeito.”


(Carlos Pereira da Cruz)

O véu ou a burka é a metáfora da invisibilidade da mulher nos regimes islâmicos. Proibir o seu uso nos regimes democráticos ocidentais terá efeitos nulos pois a Lei para um muçulmano é o Corão e não qualquer conjunto de leis que regulamentam as nossas sociedades ocidentais.
A premissa da qual partem os nossos legisladores é a de que a lei tem carácter universal, ou seja, é aplicável a todos os cidadãos de um determinado Estado. Este "contracto" entre os Estado legislador o os seus cidadãos é uma das bases dos regimes democráticos tais como os entendemos actualmente. Para um muçulmano (quer viva ou não na Europa) este "contracto" não tem validade,é sem efeito.
Para ele, esta discussão nem sequer faz sentido pois à mulher (seja ela muçulmana ou não) é vedado qualquer acesso à cidadania. Neste debate, a mulher muçulmana permanece invisível. É , por isso mesmo, um debate impossível.


(João Costa)

Relativamente ao seu texto sobre o véu islâmico, parece-me que deviamos ter presente que o véu pode ser:
- um símbolo político de uma certa interpretação do islão;
- um símbolo cultural e/ou religioso.

Por outro lado não devemos confundir o véu com a burka; o primeiro pode ser um elemento de vestuário feminino de acrescida beleza; a última é claramente símbolo de uma sociedade quase medieval.

Quanto à utilização do véu como símbolo político, é perfeitamente natural que este nos cause apreensão. São vários os grupos (sociais, politicos e
religiosos) de natureza intolerante que se têm desenvolvido no Ocidente à sombra da nossa tolerância. Muito facilmente esses grupos passam da intolerância à violência.

A grande dificuldade é distinguir claramente que tipo de utilização se faz do véu. Convinha evitar juízos precipitados e generalizações.

Um homem que use kippa poderá ser acusado de ser um judeu radical? Um homem com pele escura e turbante colorido será necessáriamente um militante sikh fanático?

Parece-me que estamos perante uma encruzilhada...”


(Marco António Oliveira)

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“O GOVERNO TEM QUE EXPLICAR MELHOR AS SUAS POLÍTICAS”

sempre me pareceu um falso problema. O governo tem é que governar melhor, não “explicar melhor”. As boas políticas explicam-se a si próprias e as políticas impopulares tem sucesso quando os seus autores têm credibilidade. As pessoas torcem o nariz, protestam, mas, ou acreditam nos governantes ou não. Não há marketing que, a prazo, transforme uma má política numa boa, nem “explicação” que substitua a confiança.

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ZEFIRO TORNA



"Zefiro torna, e di soavi odori
l'aer fa grato, e'l pie discioglie a l'onde,
e mormorando tra le verdi fronde,
fa danzar al bel suon su'l prato i fiori."

Fica só o início do soneto de Ottavio Rinuccini , mas há música de Claudio Monteverdi para as palavras.

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MASOQUISMO ACTIVO

O ciclo de debates organizados pelo Público intitulado "Conversas Cruzadas sobre o Porto" (em que participei), assenta numa série de fabulosas perguntas. Todas são exemplares pelo facto de, sem excepção, já conterem em si a resposta e não serem por isso verdadeiras perguntas. Eis a série autopunitiva e gloriosamente masoquista:

"A quem serve a ciência que se faz no Porto?"

"Que influência política tem hoje o Porto no contexto nacional?"

"Cultura: há vida para além de Serralves?"

"Porto, capital do trabalho ou de coisa nenhuma?"

"Economia: o Porto perdeu velocidade ou parou no tempo?"


As respostas dentro das perguntas são respectivamente: a ninguém, nenhuma, não há, de coisa nenhuma, perdeu velocidade e parou no tempo. Os autores parecem os xiitas auto-flagelando-se ao ritmo das perguntas. Quase que apostaria, dobrado contra singelo, que foi a redacção do Porto que escolheu as perguntas.

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ESPERANÇA, DESESPERANÇA, SEM ESPERANÇA – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS ELEITORES

Mas a verdadeira coragem está no 'sem esperança', ser capaz de não ter esperança, de viver sem esperança, aí sim é difícil. Os clássicos achavam que era assim que se vivia mais feliz. O que é que eles sabiam, que nós não queremos aprender?" (JPP)

Talvez a diferença esteja no Cristianismo. E nesse caso a questão não está no que os clássicos sabiam, mas no que nós sabemos (e estamos a desaprender)."


(José Luiz Ferreira)

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MAIS OPINIÕES SOBRE O VÉU ISLÂMICO – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES




"Eu diria mais, é um sinal de resistência de comunidades islâmicas à nossa ideia civilizacional e aos valores que a sustentam. É também um problema da condição da mulher no Islão. "

Não concordo com o ponto de vista desta leitora. E se concordasse também diria que os hábitos judeus de uma certa forma de vestir e a utilização de certos adornos seriam uma imposição daquela comunidade às restantes. Nos EUA e em outros paises, onde certas comunidades judias se regem por valores mais conservadores e tradicionais, não há leis jacobinas que impoem aos judeus vestirem-se à ocidental. Como disse em anteriror mail, não acho que tenhamos o direito de dizer a terceiros o que é certo ou errado. De facto, muitas mulheres islâmicas querem seguir alguns desses costumes culturais ou religiosos e não somos nós que devemos interferir na sua liberdade como eles/elas não têm direito de o fazer na nossa. No entanto, não quero eu dizer com isto que não concorde com a "igualdade e pluralismo" para ambos os sexos mas compete-nos a nós fazer isso em outros países? Porque não olhamos para a nossa realidade onde a religião dominante preserva o papel da mulher como secundário?"


(Nuno Figueiredo)


Gostaria de fazer alguns reparos 'a discussão sobre o véu islâmico na Alemanha, pais onde vivo há cerca de 8 anos. A discussão alema, embora por vezes use argumentos semelhantes aos da discussão francesa, e' na raiz algo diferente. E' que embora os alemães nÃo sejam profundamente religiosos, ha' na Alemanha, sobretudo no ocidente, uma consciência de identidade crista que contrasta com o laicismo (ideológico) francês. A separação entre estado e religião nao anda aqui na ponta das línguas. O argumento mais usado diz respeito ao facto de o véu ser um símbolo de repressão sobre a mulher no Islão. O argumento mais calado e' uma certa antipatia pela comunidade de dois milhões e meio de turcos, muitos dos quais nÃo se integraram no grau que seria desejável.

Ao contrario do que afirma a leitora Ana Aguiar, o véu e' proibido nalguns lugares de trabalho, por exemplo em certos armazéns que consideram que uma vendedora de veu afasta os clientes. No entanto o caso mais mediático, que se arrastou pelos tribunais nos últimos anos, e' o de uma professora de origem iraniana no estado de Baden-Wuerttemberg que faz questão de dar aulas de véu, tendo a oposição dos pais dos alunos, da escola e do dito estado. Curiosamente, existem algumas dezenas de professoras na Renânia do Norte-Vestefalia que usam o véu, sem que tal tenha sido posto em causa.

Num programa televisivo de humor alguém observou que "agora as únicas mulheres de véu que podem entrar naquela escola são as empregadas da limpeza". Eu nunca proibiria o véu. Uma muçulmana com um curso superior e a exercer um emprego e' na minha opinião emancipada o suficiente para não precisar de ser defendida pelo estado de símbolos de repressão. (Note-se que na Alemanha mais de 50% das mulheres são donas de casa, em Portugal menos de 30%.) Tenho notado que muitas muçulmanas com estudos superiores usam o véu como símbolo cultural ou forma de protesto, da mesma forma que muitos "verdes" usam cachecóis coloridos, cabelos desgrenhados e so' comem vegetais. Ou seja, de símbolo de repressão social o véu parece ter passado a símbolo contra a repressão social.

O argumento de que símbolos religiosos devem ficar fora da sala de aula e' algo que também não posso aceitar pela minha condição de católico. Sou a favor de uma freira poder dar aulas de véu e de cruz ao pescoço, como acontece em muitas escolas em Portugal. Também não tenho medo de que uma professora muçulmana converta a minha filha ao Islão pelo simples facto de usar o véu, nem acredito que tal fenómeno aconteça regularmente.

Sou da opinião de que nenhum estado tem o direito de perguntar porque e' que uma professora usa um pano na cabeça. Seja por opção religiosa, como símbolo cultural, porque acha que lhe fica bem, porque tem o cabelo ralo ou faz quimioterapia, o estado não tem nada a ver com isso. O que interessa e' saber se e' boa professora ou não."


(Filipe Paccetti Correia)

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IMAGENS

dos últimos dias, incluem um cachimbo, em “Pipe er Formes Academiques” de Marcel Broodthaers, de 1969-70 e outro Rik Wouters “mulher deitada”, de 1912.

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SOBRE O VÉU ISLÂMICO – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



"Tenho uma pequena divergência sobre uma opinião tua a propósito da tolerância nos costumes religiosos muçulmanos na Europa. Acho que tudo o que implique violência, física ou moral sobre as mulheres ( neste caso, residentes europeias), deve ser corajosamente combatido.
Mesmo que isso implique ir contra os princípios do Islão ou do Thora! Como, no passado, houve quem lutasse contra as restrições que a mulher/Mãe sofria nos direitos e liberdades e garantias ( é assim que se diz, não é?) devido a certas leituras "machistas"dos Evangelhos, temos que manter a mesma "batalha". Acho que o Governo francês faz bem quando proíbe a sinistra burkha ( na escola e em qualquer espaço público). A Europa claudicará se , a bem da tolerância na diversidade de costumes, deixar que jovens ou menos jovens, só porque se inserem em comunidades de raíz islâmica , tomem atitudes que choquem a cultura de liberdade de expressão em que felizmente se vive na Europa.
"

(Rui Carp)

A questão do véu é uma à qual costumo prestar bastante atenção, quanto mais não seja por ter sido o tópico do meu primeiro (e penúltimo...) artigo publicado num jornal. Agradou-me bastante a sua posição, por dizer que se inclina para um dos lados (não proibir o uso do véu) mas sem deixar de ver os problemas que isso pode acarretar. Algo que, a meu ver, envenena muitos debates consiste na incapacidade que muitas pessoas revelam em admitir que, ao contrário do que acontece nos filmes, o Bem, a Verdade e a Justiça nem sempre estão do mesmo lado e que, muitas vezes, princípios que consideramos fundamentais entram em conflito. Foi o que se passou, por exemplo, com as «touradas de morte» em Barrancos (designação particularmente idiota, pois todas as touradas são de morte): os que as defendiam só mencionavam a tradição sem levarem em conta os direitos dos animais e os que as atacavam faziam exactamente o contrário.

Especificamente sobre a questão do véu, devo dizer que a considero secundária se a compararmos com o facto de essas alunas se recusarem, muitas vezes, a ter aulas de educação física e de Biologia. E quero pôr ênfase no «se recusarem», pois é falsa a ideia muito espalhada segundo a qual esses comportamentos são sempre impostos pelos pais. Não me esqueço que, quando teve lugar a primeira polémica em França sobre o uso do véu, o pai de uma das alunas disse aos jornalistas algo como «vou ver se a convenço, mas não estejam à espera que lhe bata só para ela parar de usar o véu».


(José Carlos Santos)

Há duas décadas que (tanto quanto me consigo lembrar) as primeiras fricções mediáticas a propósito dos costumes islâmicos na Europa atingiram as manchetes dos jornais e da opinião pública. Vivia eu nesse período em Inglaterra quando se falou das raparigas de origem paquistanesa que após a puberdade passavam a ficar em casa impedidas de frequentar a escola e outros locais onde se cruzassem com rapazes. Também se falaram nos carneiros que se imolavam (de acordo com as precisas recomendações do Islão) nas ruas, perante o olhar escandalizado e atónito do mais comum inglês, para a festa religiosa que acontece umas semanas após o fim do Ramadão e cujo nome de momento não me recordo.

O problema do véu, como diz JPP, não é simples. E não é simples porque não é um problema de véu! É um problema cultural e de aculturação (embora tenha sempre problemas com este conceito), ou neste caso de não aculturação, das comunidades islâmicas na nossa sociedade ocidental e dos valores que nala estão subjacentes; por exemplo, os direitos humanos. Se o véu fosse um problema de moda, aí estaria totalmente de acordo com JPP com a crítica que faz às autoridades francesas (ou outras). Porque, e como também reconhece JPP, o véu não é um problema de moda. Eu diria mais, é um sinal de resistência de comunidades islâmicas à nossa ideia civilizacional e aos valores que a sustentam. É também um problema da condição da mulher no Islão. Só que esta "nossa" civilização é aquela que, em a quase esmagadora maioria, escolheu e escolhe todos os dias viver, trabalhar, enriquecer e aproveitar.

Sem querer ser reducionista creio que não nos faria mal lembrar a velha máxima: "Em Roma sê romano", pois parece-me que estamos demasiado tímidos na defesa dos nossos valores mais básicos da igualdade. Hoje é o véu, depois a impossibilidade das raparigas frequentarem escolas mixtas, praticarem desporto, serem atendidas por médicos homens no hospital, até um dia serem repatriadas contra a sua própria vontade para casarem com familiares desconhecidos no Paquistão no Bangladesh em Marrocos. A muitos destes factos temos fechado os olhos, os ouvidos e a boca.

Creio que um debate sério e desapaixonado se impõe para que a autoridade não surja nem como jacobina nem como aleatória. É no entanto minha convicção que, para o hoje de muitas mulheres islâmicas"cá" e para o amanhã de todos (homens e mulheres de "cá" e de "lá"), a nossa legislação seja clara e firme na preservação da igualdade e pluralismo.
Se não vejo solução fácil, sei no entanto o que não quero para o futuro da minha filha e do meu filho.


(Joana Pereira de Castro)


Não sei ate que ponto e conhecedor da língua alemã, nem se le os diários ou semanários alemães, mas o comentário em relação a discussão sobre o véu não esta correcto. O Die Zeit, o FaZ e a revista Spiegel publicaram na altura (Agosto, Setembro) muitas reportagens de background e artigos de opinião, alem das noticias em si.

O véu não e proibido em lado nenhum. Encontra-se muita gente em restaurantes e lojas que trabalham de véu. Em serviços mais "formais" (nao sei como lhes chamar) tipo seguradoras e bancos e raro. Não e proibido, mas acho que nunca vi nenhum em 4 anos em Berlim. Em atendimento ao público em serviços do estado nunca vi. Acho que muita gente não ia gostar.
Quanto as escolas, não há professoras a ensinar de véu. Chegou este ano ao fim o caso de uma professora muçulmana de Baden-Würtenberg a quem foi recusado um lugar a dar aulas se insistisse no uso do véu. Este caso ja se arrastava ha 2 ou 3 anos. A professora processou o estado Baden-Würtenberg por não a deixar dar aulas de véu, baseando-se no direito a livre exercício de uma religião garantido na constituição.

Varios (2 ou 3) tribunais nao lhe deram razão, ate que este ano chegou ao Bundesverfassungsgericht - BVG -, o TC alemão. O BVG não deu razão a ninguém. A decisão foi que não e inconstitucional proibir por lei a exibição de símbolos religiosos; mas para impedir a professora de dar aulas, tem de existir essa lei. Tudo baseado no conflito de 2 artigos da Constituição: o que protege o direito ao livre exercício da religião, e o que define o estado como laico. Basicamente, passou a batata quente outra vez para os estados. Que também não sabem muito bem o que hão-de fazer.

Já houve há uns tempos uma discussão semelhante por causa das cruzes nas escolas da Baviera, que também e um estado laico, teoricamente. Na altura o BVG decidiu que as cruzes podem estar nas salas de aula, desde que ninguém se queixe. Quer dizer, um aluno ou pai pode requerer que as cruzes sejam retiradas, alegando que se quer exige uma educação laica.
Que na pratica nao funciona, e outra historia...

O que eu acho? Os muçulmanos não são obrigados a usar véu. ou seja, podem ser muçulmanos sem o usar. Custa-me a crer que uma mulher que acredite que Deus a "obriga" a andar de cabeça coberta e nunca se perguntou porque nao exige o mesmo aos homens vá ser capaz de tratar raparigas e rapazes numa escola de maneira igual, e de lhes ensinar a todos que são iguais, ou seja, tem em geral potencialidades iguais e direitos iguais. Mas aceito que isto e discutível (nao a igualdade) e so ate certo ponto defensável...

A maior parte das pessoas com quem falei disto, mulheres e homens, não sabem muito bem o que pensar, com agir, sem ferir direitos nem liberdades deles próprios e dos outros."


(Ana Aguiar)

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SENTIDO DE ESTADO

Segundo os jornais, Paulo Portas disse que Mário Soares terá “sofrido recentemente «três derrotas». A saber: «João Soares (filho) perdeu as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa; Maria Barroso (mulher) não se manteve à frente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP); Jorge Sampaio é o Presidente da República.»

Portas, como dirigente partidário, pode falar do primeiro e do último facto como “derrotas”, nunca do segundo, o afastamento de Maria Barroso da Cruz Vermelha, pelo Ministro da Defesa, ele próprio. Porque, se é assim, as razões para o afastamento de Maria Barroso foram motivos políticos e por ser esposa de Mário Soares, e isso configura um acto de retaliação inaceitável num estado democrático. Pela boca morre o peixe.

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9.12.03


O VÉU

Em França discute-se intensamente o véu islâmico nas escolas. Nos debates televisivos só falta passarem a vias de facto. Entretanto, os franceses já perceberam que o problema não se fica pelas escolas, mas alastra aos hospitais, onde uma parte da comunidade muçulmana exige regras de atendimento que "respeitem" os seus valores religiosos. Na Alemanha, o problema do véu já não se coloca apenas entre os estudantes, - embora a questão não tenha a intensidade da França que vê posta em causa a tradição republicana da "laicidade" -, mas nas professoras muçulmanas da escola pública que dão aulas de véu. Na Suécia, onde não há qualquer restrição quanto ao véu, surgiu o problema quando apareceram duas alunas de burka. A sua presença na escola, assim vestidas, foi proibida com o argumento que o professor para ensinar precisa de ter "contacto visual" com os seus estudantes. O problema avoluma-se e, mais cedo ou mais tarde, cá chegará.

Não é um debate simples, nem tem soluções simples. Pessoalmente sou a favor da maior liberdade na maneira como as pessoas querem afirmar a sua identidade, logo acho que a via francesa de legislar proibindo o véu nas escolas, é autoritária e tipicamente jacobina. Mas não posso esquecer que há um problema com a condição da mulher no Islão, que implica um conflito de valores com a nossa ideia civilizacional de igualdade e dignidade humana, que o véu não é hoje apenas um forma de vestir segundo um código religioso, mas transporta uma simbologia política e que o pluralismo cultural não se sobrepõe no sistema de valores à liberdade e à sua ética.

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© José Pacheco Pereira
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