ABRUPTO

17.12.03


PECADO MORTAL

Se alguém me dissesse, se eu me imaginasse, que ia ver, teria jurado que não. Era exactamente o protótipo das coisas que eu nunca veria: numa mesa de café literário, duas mulheres com o desenvolto aspecto e a língua fácil de feministas francesas e literatas (vá , só com esta frase se pode fazer um tratado de misogenia ou coisas piores...), numa sala cheia de jovens estudantes e intelectuais by the book, atentos e reverentes, com aquela postura de quem tem muitos colóquios, conferências, encontros com escritores, lançamentos, em cima da pele. Enfim, o mundo do Prado Coelho.

Mas parei e caí em pecado mortal. Fui apanhado pela voz intensa da mulher principal, a outra era a mestre de cerimónias, uma escritora argelina de nascimento, que usa o pseudónimo de Assia Djebar, que , dilemas da identidade, ninguém diria que fosse outra coisa que francesa. Assia falava do uso do árabe, de como aprendera o árabe corânico sentada no chão com uma lousa, de como na sua casa e nas ruas se falava o dialecto, do berbere proibido, e do árabe culto, que a elite da revolução argelina usava para mostrar distância face ao povo. Falava dos discursos elegantes e cuidados, num árabe culto, de Boumedienne e de como eles eram incompreensíveis para as pessoas comuns.

Depois falava e falava, com um gosto pela fala densa, culta, o francês que deve ser semelhante ao árabe de Boumedienne, passando da Argélia para a França, sempre num registo cosmopolita e apaixonado. Acabou por falar pouco da sua obra (que eu desconheço, mas sobre a qual se pode encontrar informação aqui), mas tudo o que dizia era interessante. É este o problema dos pecados mortais.

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© José Pacheco Pereira
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