ABRUPTO

19.12.03


SERÁ DE CAMÕES? – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)

"Só agora é que vi a correspondência da nossa amiga Amélia Pinto Pais e o soneto que V. publicou. Ela tem razão, a meu ver: o soneto não tem aquele quid camoniano, a provocar a "guinada" que refiro no meu texto que ela cita. É com certeza mais tardio, mais acabadinho e mais preocupado com uma saturação mais ou menos engenhosa e forçada de repetições anafóricas, oposições e simetrias com que o Camões nunca se teria importado tão sistematicamente... E sobretudo não tem tensão de nenhuma espécie entre as suas várias partes. Joga com os conceitos, mas não os faz viver expressivamente, nem tem aquele toque de experiência vivida que teria se fosse do grande Luís...
Provavelmente, como diz a A.P.P., é do Baltasar Estaço. "


(Vasco Graça Moura)


Colocou, creio que ontem-pelo menos eu dei-me conta ontem - no seu blogue um soneto que indicou ser de Camões. Gostei do soneto, mas não me 'cheirou' muito a que fosse de Camões, antes de alguém mais claramente maneirista (Camões também o foi, em parte e sabemo-lo desde os estudos de Jorge de Sena e de Aguiar e Silva) ou mesmo do Barroco. Como sabe a questão do cânone da Lírica de Camões não está nem nunca esteve clarificado e receio bem que em Portugal nunca venha a ser feito estudo sério sobre tal, que implicaria vasta equipa de investigadores e o percorrer, nomeadamente, os cancioneiros de mão, sobretudo espanhóis, dos s.XVI e XVII. O seu amigo e meu conhecido e estimado Vasco da Graça Moura desenvolveu num saborosíssimo poema a respeito do O dia em que nasci moura e pereça a sua interessante teoria do abalo (contra a a qual nada tenho, aliás...): de que um soneto ou poema de Camões é sempre um poema de Camões e dá sempre um abalo...por isso ele entendia ser o referido soneto de Camões, ao contrário do Aguiar e Silva...

Em suma: hoje, e até prova em contrário, tem-se como assente de que, apesar de tudo, a edição mais fidedigna das Rimas é a de Costa Pimpão(que infelizmente tive como professor e com quem nada aprendi, antes pelo contrário...- felizmente também tive o Aguiar e Silva). Tenho outras edições da Lírica e numa delas aparece,de facto, o soneto que refere - na de M.de Lurdes Saraiva para Imprensa Nacional (1980).Lá se diz, contudo,no II volume, pág. 450 que o soneto foi

«Publicado por Juromenha.*

Figura no Cancioneiro de Fernandes Tomás como sendo da autoria de Baltazar Estaço.Foi editado entre as poesias deste autor em 1604, motivo que levou Carolina Michaelis a rejeitar a introdução no corpus camoniano. Nenhum dos editores modernos o inclui. Tema e forma levam a inseri-lo entre os lugares comuns da época. Nada no poema permite atribui-lo a Camões.»

A referida autora acrescenta em nota que «Juromenha publicou, em nota, um soneto espanhol se tema e estrutura idênticos, que encontrou num manuscrito do século XVII, e que tem como incipit «Con tiempo passa el año, mes y hora».

*edição de Juromenha:1860-1868 (nota minha)

Estas coisas tornam-se difíceis de aclarar enquanto não houver, de facto, uma edição definitiva...O Aguiar e Silva discute amplamente a questão do cânone camoniano no livro Camões:Labirintos e Fascínios -editado pela Cotovia em 1994 - livro que vale a pena ser lido, nomeadamente, e entre outros, pela análise que nele se faz da Ilha de Vénus.

Bem...em suma: a mim não me provocou o tal «abalo»...e penso mesmo que o soneto não é de Camões...talvez, sim, de Baltazar Estaço.

(...) só há verdadeira certeza de autoria daquilo que vem na 1ªedição das Rimas, a de 1595 -mesmo essa, como se vê, póstuma.


(Amélia Pais)

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