ABRUPTO

10.12.03


SOBRE O VÉU ISLÂMICO – O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES



"Tenho uma pequena divergência sobre uma opinião tua a propósito da tolerância nos costumes religiosos muçulmanos na Europa. Acho que tudo o que implique violência, física ou moral sobre as mulheres ( neste caso, residentes europeias), deve ser corajosamente combatido.
Mesmo que isso implique ir contra os princípios do Islão ou do Thora! Como, no passado, houve quem lutasse contra as restrições que a mulher/Mãe sofria nos direitos e liberdades e garantias ( é assim que se diz, não é?) devido a certas leituras "machistas"dos Evangelhos, temos que manter a mesma "batalha". Acho que o Governo francês faz bem quando proíbe a sinistra burkha ( na escola e em qualquer espaço público). A Europa claudicará se , a bem da tolerância na diversidade de costumes, deixar que jovens ou menos jovens, só porque se inserem em comunidades de raíz islâmica , tomem atitudes que choquem a cultura de liberdade de expressão em que felizmente se vive na Europa.
"

(Rui Carp)

A questão do véu é uma à qual costumo prestar bastante atenção, quanto mais não seja por ter sido o tópico do meu primeiro (e penúltimo...) artigo publicado num jornal. Agradou-me bastante a sua posição, por dizer que se inclina para um dos lados (não proibir o uso do véu) mas sem deixar de ver os problemas que isso pode acarretar. Algo que, a meu ver, envenena muitos debates consiste na incapacidade que muitas pessoas revelam em admitir que, ao contrário do que acontece nos filmes, o Bem, a Verdade e a Justiça nem sempre estão do mesmo lado e que, muitas vezes, princípios que consideramos fundamentais entram em conflito. Foi o que se passou, por exemplo, com as «touradas de morte» em Barrancos (designação particularmente idiota, pois todas as touradas são de morte): os que as defendiam só mencionavam a tradição sem levarem em conta os direitos dos animais e os que as atacavam faziam exactamente o contrário.

Especificamente sobre a questão do véu, devo dizer que a considero secundária se a compararmos com o facto de essas alunas se recusarem, muitas vezes, a ter aulas de educação física e de Biologia. E quero pôr ênfase no «se recusarem», pois é falsa a ideia muito espalhada segundo a qual esses comportamentos são sempre impostos pelos pais. Não me esqueço que, quando teve lugar a primeira polémica em França sobre o uso do véu, o pai de uma das alunas disse aos jornalistas algo como «vou ver se a convenço, mas não estejam à espera que lhe bata só para ela parar de usar o véu».


(José Carlos Santos)

Há duas décadas que (tanto quanto me consigo lembrar) as primeiras fricções mediáticas a propósito dos costumes islâmicos na Europa atingiram as manchetes dos jornais e da opinião pública. Vivia eu nesse período em Inglaterra quando se falou das raparigas de origem paquistanesa que após a puberdade passavam a ficar em casa impedidas de frequentar a escola e outros locais onde se cruzassem com rapazes. Também se falaram nos carneiros que se imolavam (de acordo com as precisas recomendações do Islão) nas ruas, perante o olhar escandalizado e atónito do mais comum inglês, para a festa religiosa que acontece umas semanas após o fim do Ramadão e cujo nome de momento não me recordo.

O problema do véu, como diz JPP, não é simples. E não é simples porque não é um problema de véu! É um problema cultural e de aculturação (embora tenha sempre problemas com este conceito), ou neste caso de não aculturação, das comunidades islâmicas na nossa sociedade ocidental e dos valores que nala estão subjacentes; por exemplo, os direitos humanos. Se o véu fosse um problema de moda, aí estaria totalmente de acordo com JPP com a crítica que faz às autoridades francesas (ou outras). Porque, e como também reconhece JPP, o véu não é um problema de moda. Eu diria mais, é um sinal de resistência de comunidades islâmicas à nossa ideia civilizacional e aos valores que a sustentam. É também um problema da condição da mulher no Islão. Só que esta "nossa" civilização é aquela que, em a quase esmagadora maioria, escolheu e escolhe todos os dias viver, trabalhar, enriquecer e aproveitar.

Sem querer ser reducionista creio que não nos faria mal lembrar a velha máxima: "Em Roma sê romano", pois parece-me que estamos demasiado tímidos na defesa dos nossos valores mais básicos da igualdade. Hoje é o véu, depois a impossibilidade das raparigas frequentarem escolas mixtas, praticarem desporto, serem atendidas por médicos homens no hospital, até um dia serem repatriadas contra a sua própria vontade para casarem com familiares desconhecidos no Paquistão no Bangladesh em Marrocos. A muitos destes factos temos fechado os olhos, os ouvidos e a boca.

Creio que um debate sério e desapaixonado se impõe para que a autoridade não surja nem como jacobina nem como aleatória. É no entanto minha convicção que, para o hoje de muitas mulheres islâmicas"cá" e para o amanhã de todos (homens e mulheres de "cá" e de "lá"), a nossa legislação seja clara e firme na preservação da igualdade e pluralismo.
Se não vejo solução fácil, sei no entanto o que não quero para o futuro da minha filha e do meu filho.


(Joana Pereira de Castro)


Não sei ate que ponto e conhecedor da língua alemã, nem se le os diários ou semanários alemães, mas o comentário em relação a discussão sobre o véu não esta correcto. O Die Zeit, o FaZ e a revista Spiegel publicaram na altura (Agosto, Setembro) muitas reportagens de background e artigos de opinião, alem das noticias em si.

O véu não e proibido em lado nenhum. Encontra-se muita gente em restaurantes e lojas que trabalham de véu. Em serviços mais "formais" (nao sei como lhes chamar) tipo seguradoras e bancos e raro. Não e proibido, mas acho que nunca vi nenhum em 4 anos em Berlim. Em atendimento ao público em serviços do estado nunca vi. Acho que muita gente não ia gostar.
Quanto as escolas, não há professoras a ensinar de véu. Chegou este ano ao fim o caso de uma professora muçulmana de Baden-Würtenberg a quem foi recusado um lugar a dar aulas se insistisse no uso do véu. Este caso ja se arrastava ha 2 ou 3 anos. A professora processou o estado Baden-Würtenberg por não a deixar dar aulas de véu, baseando-se no direito a livre exercício de uma religião garantido na constituição.

Varios (2 ou 3) tribunais nao lhe deram razão, ate que este ano chegou ao Bundesverfassungsgericht - BVG -, o TC alemão. O BVG não deu razão a ninguém. A decisão foi que não e inconstitucional proibir por lei a exibição de símbolos religiosos; mas para impedir a professora de dar aulas, tem de existir essa lei. Tudo baseado no conflito de 2 artigos da Constituição: o que protege o direito ao livre exercício da religião, e o que define o estado como laico. Basicamente, passou a batata quente outra vez para os estados. Que também não sabem muito bem o que hão-de fazer.

Já houve há uns tempos uma discussão semelhante por causa das cruzes nas escolas da Baviera, que também e um estado laico, teoricamente. Na altura o BVG decidiu que as cruzes podem estar nas salas de aula, desde que ninguém se queixe. Quer dizer, um aluno ou pai pode requerer que as cruzes sejam retiradas, alegando que se quer exige uma educação laica.
Que na pratica nao funciona, e outra historia...

O que eu acho? Os muçulmanos não são obrigados a usar véu. ou seja, podem ser muçulmanos sem o usar. Custa-me a crer que uma mulher que acredite que Deus a "obriga" a andar de cabeça coberta e nunca se perguntou porque nao exige o mesmo aos homens vá ser capaz de tratar raparigas e rapazes numa escola de maneira igual, e de lhes ensinar a todos que são iguais, ou seja, tem em geral potencialidades iguais e direitos iguais. Mas aceito que isto e discutível (nao a igualdade) e so ate certo ponto defensável...

A maior parte das pessoas com quem falei disto, mulheres e homens, não sabem muito bem o que pensar, com agir, sem ferir direitos nem liberdades deles próprios e dos outros."


(Ana Aguiar)

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