ABRUPTO

31.8.03


ESTADO DO ABRUPTO (AGOSTO 2003)

O número real de “pageviews” actual do Abrupto aproxima-se, no final deste mês, de 180000 - 190000. A habitual discrepância deve-se às datas diferentes do início da contagem, mas tendo-se isso em conta, os números são consistentes. O contador da Bravenet foi o último a ser instalado, por isso a diferença com ele é a maior.

No mês de Agosto deu-se uma quebra das visitas ao Abrupto: de cerca de 75000 em Julho, para 60000 em Agosto, menos 15000. Esta quebra concentrou-se nas primeiras duas semanas de Agosto e está a recuperar na segunda quinzena, o que pode indicar a sazonalidade das férias. Neste momento, a média diária de visitas é de 2130, uma pequena quebra em relação às 2200 do mês passado.

Não há alterações quanto à distribuição geográfica, a não ser talvez um incipiente aumento de visitas oriundas do Brasil e dos EUA, irrelevante ainda para se tirarem conclusões. O padrão de consultas permanece, com a terça-feira e as 17 horas com maior afluência e o domingo com a maior quebra. De facto, quem é que se lembra de ir para a rede num domingo de Agosto?

As “acções” no Blogshares conheceram uma enorme turbulência, desceram a pique e subiram a pique e estão neste momento a 473.64 dolares.

No Technorati, os últimos resultados apontavam para cerca de 461 “inbound Blogs” e 620 “inbound Links” , o que começa a aproximar um blogue escrito em português de números significativos a nível mundial.

Obrigado aos leitores do Abrupto. Continuaremos.


(url)


OBJECTOS EM EXTINÇÃO 22 ?







Aqui está , cortesia do nosso médico, uma requisição de vacinas anti-varíolicas, que felizmente deixaram de ser necessárias desde que a varíola foi erradicada na natureza. Um "objecto" que desejamos que continue extinto. O problema é que ela continua viva, um vários laboratórios, alguns militares, alguns em países pouco recomendáveis, sem nenhum outro objectivo que não seja o armamento biológico. E a varíola, se voltar, será uma terrível arma.

(url)


COSA MENTALE

Este quadro é de um pintor do início do século XVII, Pieter Saenredam e retrata o interior da igreja de S. Lourenço em Alkmaar. Está no Museu Boymans-van Beuningen em Roterdão. Saenredam especializou-se em pintar o interior das igrejas holandesas “reformadas”. Estas eram despidas do peso dos ornamentos, das imagens, dos santos, das esculturas que preenchiam todo o espaço interior das igrejas cristãs antes da Reforma.

Se há quadro que representa a ideia que a pintura é cosa mentale é este. O que fascina o pintor é um objecto imenso, uma parede maciça na qual se abre uma porta que abre para outra porta e que abre para um claustro, onde um arco é uma outra espécie de porta. Lá, ao fundo, percebe-se um espaço tão interior como o da igreja, porque não há variação na luz, o mesmo amarelo esbranquiçado.

Os homens, melhor os homúnculos, estão lá num canto, pequenas figuras a preto, sem qualquer papel que não seja dar dimensão à coluna e à porta gigantesca que se abre. Se o quadro fosse feito para os homens por que razão a porta teria cinco vezes a sua altura? Nada de humano justifica esta dimensão. Os ornamentos que sobram não são também para os olhos humanos. Quem conseguiria ver o que está pintado no losango, tão alto ele está?

Este quadro não está feito para glorificar nem os homens, nem a obra dos homens (este espaço é inumano), nem a igreja, nem Deus. Não há nesta igreja nada que aproxime de Deus, nada que aponte para o sagrado, nenhum símbolo religioso identificável. Percebe-se que é uma igreja pela altura do edifício, mas o espaço que se observa nem sequer é o da nave principal, mas de um corredor acessório. Podia ser um edifício público, uma Rathaus, uma casa de corporações. É verdade que uma igreja holandesa é também um edifício cívico, mas não há aqui sombra de uma comunidade para o ocupar. Os burgueses que se percebem como uma mancha negra, com um papel muito parecido com as moscas numa natureza morta filosófica, não estão a rezar, estão a conversar.

É um quadro metafísico. A sua construção não é muito distinta da de alguns quadros chineses influenciados pelo budismo zen, ou mesmo de muita da pintura moderna abstracta. O risco do drapejado acompanhando a coluna, o quadro em formato de um losango dependurado, são elementos que reforçam o carácter geométrico da pintura.

O que está pintado nesta pintura? Duas coisas. Uma, o despojamento, uma ideia moderna mais próxima do design do que da pintura tradicional, e que é comum encontrar no Norte da Europa, a procura de uma sólida simplicidade. Outra, a de que isso se faz num mundo que nos ultrapassa. A arquitectura da igreja destina-se a mostrar-nos isso, vive-se num espaço que não é nosso, que nos ultrapassa.

Entre a vida sólida e a angústia de estar abandonado por Deus no mundo, este é um dilema protestante e não católico. Saenredam pintou pois uma coisa mental, uma ideia.

(url)

30.8.03


LÁ FORA

Há tanta coisa interessante, há tanta coisa para aprender, como é que nos podemos aborrecer, como é que nos podemos fartar?

Claro que há tanta coisa interessante, mas é lá fora. LÁ FORA. Mesmo quando a trazemos para dentro é LÁ FORA. Mesmo quando é em nós que essas coisas estão, é LÁ FORA, longe da pegajosa circularidade do eu. Como é que alguém se farta em dois meses, numas férias, em meio ano, em tudo que seja menos de uma vida inteira, não de escrever aqui, porque isso é o menos, é circunstância, mas de ter a cabeça LÁ FORA?

(url)


EARLY MORNING BLOGS 35

... um pouco a deitar para o tarde.

Fazendo uma leitura retrospectiva que tinha atrasada da Formiga de Langton , um dos meus favoritos. A formiga está cada vez melhor, cada vez mais solta, cada vez mais experimentando relações entre crianças, gaivotas, o “pomar de imagens” de Teixeira Gomes, labirintos, uma curiosidade na qual, sem modéstia, me reconheço inteiramente e me deixo ir pela regra de Asimov do "That's funny..." . Tudo o que lá vem (e noutro blogue que comecei também a ler, o Teste de Turing ) me interessa sem restrições.

Com a formiga fui pelo carreiro até ao Blog Notas , que tem um conjunto de citações sobre o uso do anonimato nos blogues muito certeiras, até ao Microcontentnews, de absoluto interesse para os estudiosos do meta-bloguismo, que somos quase todos , mesmo que o recusemos, pela própria circunstância de estarmos a usar um meio ainda experimental de comunicação.

(url)


NOTAS CHEKOVIANAS 6


(url)


OBJECTOS EM EXTINÇÃO 21 / LICEU RAINHA SANTA

Para quem é do Porto e fez o liceu no Alexandre Herculano, o encerramento do Rainha Santa é mais uma referência da memória que se vai embora, mais um objecto em extinção. O Rainha Santa ao lado do Alexandre Herculano representava a separação sexual rígida do regime salazarista: o Rainha era para as “meninas” e o Alexandre para os “meninos”. Daí que o grande momento de respiração dos dois liceus era o da saída da uma da tarde, quando a fauna masculina do Alexandre corria pela rua abaixo para se colocar em frente do Rainha e ver a “saída”. Era, mesmo passando-se no meio da rua, fora de portas, uma actividade altamente vigiada. Os “rapazes” não podiam estar no passeio junto dos portões do Rainha, mas apenas no passeio em frente, encostados ao muro. As meninas não podiam atravessar a rua e era suposto só o fazerem muito acima, para os lados do Bonfim, ou mais para baixo, junto da Barão de Nova Sintra. Em frente ao Liceu, era o espectáculo da descida das meninas pela escadaria, observadas por mil e um olhos ávidos, encostados ao muro. Parecia uma encenação de palco.

Uma das minhas maiores vergonhas foi no dia em que a reitora do Rainha me convidou para repetir no liceu feminino uma palestra sobre música que tinha feito no Alexandre e que ela devia achar ser suficientemente “conveniente” para arriscar meter um rapaz dentro do liceu. O interior do liceu, como se percebe, era totalmente off limits para visitas juvenis masculinas. Lá fiz a palestra, só que ela acabou …à uma da tarde. Para sair tinha que descer as tenebrosas escadas acompanhado pela multidão das meninas e diante dos olhos dos meus colegas em frente. Lá desci, desejando a invisibilidade ou o tradicional buraco que nos devia tragar nesses momentos e que nunca se abre quando é preciso. Imaginem os risos e o gozo dos meus colegas e os risinhos das meninas (estão a ver a linguagem sexista, os homens riem, as mulheres tem risinhos…), em todo o meu percurso no palco das escadas e na parte feminina do passeio, até me conseguir misturar anónimo no passeio masculino.

Como é que se pode não ter saudades do Rainha?

(url)

29.8.03


IRAQUE

Não tenho tempo, neste momento, para ir mais longe na explicação, mas penso que é preciso dizer uma coisa que tem vindo a ser iludida em muitos escritos portugueses sobre o Iraque: que o factor mais importante para explicar muito do que se passa hoje no Iraque não é a “ocupação” americana do país, mas sim a verdadeira revolução social e política que esta provocou – o fim do poder hegemónico da minoria sunita face à maioria chiita.

(url)


CORREIO

Como de costume atrasado, mas isso não é novidade.

Muito correio sobre o Flashback, de que vou enviar cópia, quando é exclusivamente sobre o programa, ao resto da equipa.

Como há uma Internet negra, roçando o crime, a mentira e a falsificação, facilitada pelo relativo anonimato possível, o meu nome e o do Abrupto aparece em falsas mensagens aqui e ali. Repito que não escrevo, por regra, para qualquer caixa de comentários.

Aviso igualmente que a utilização do antigo endereço “jpp_abrupto” no Hotmail é igualmente fraudulenta. Não tenho hoje qualquer endereço no Hotmail.

Infelizmente, isto é o pão nosso de cada dia na rede.

(url)


SÓLIDO


(url)


MAIS E MAIS SOBRE OS FALARES , DOS LEITORES DO ABRUPTO

Vários leitores do Abrupto acrescentam novas informações e correcções às notas publicadas.

A. Marques acrescenta à nota sobre o galego:

A propósito do seu «post», permito-me dizer que a falta de entendimento que, a final, se verificou entre o «labrego» (sem sentido pejorativo, para além do Rio Minho, como se sabe) e a locutora, é devido ao facto de aquele falar português (simplesmente!) e esta falar «castrapo».
A locutora tem a sua TV Galicia; o «labrego» merecia uma TV-Galiza.


Bruno Toledo comenta o “inglês” do texto que transcrevi do Parlamento Europeu

As conclusões são muito interessantes, só tenho pena que o estudo realizado no parlamento europeu pelo Eurobarometer contenha tantos erros de escrita e de sintaxe. Como professor de Inglês e cidadão europeu, não percebo como é que um documento oficial consegue ter tantos erros! No que concerne à informação sobre Portugal o primeiro parágrafo é um tiro no pé! "There is marked the interest for television, the 98.7% of citizens in Portugal watch TV and only the 1.3% declare to doesn't watch it. (...)" Isto continua ao longo do capitulo com pérolas do tipo: "For the other hand there are more citizen female who follow the series and soaps than men are (60.9% & 12.)% respectively), but there isn´t difference from the sex"!”

Serão transmitidas as reclamações, aliás muito comuns, quanto à qualidade da tradução dos textos.

TORRE DE BABEL

O ambiente de Torre de Babel do Parlamento Europeu é um dos seus aspectos mais interessantes e atinge níveis sem paralelo com qualquer instituição deste tipo. A comparação com outras instituições internacionais mostra que elas são bem menos multi - linguísticas do que o PE , dado que o inglês é a língua franca. Também no PE o inglês, e, em menor grau, o francês, tem esse papel, mas como se pode usar a língua nacional em todos os debates há uma muito maior presença da variabilidade das línguas. Por seu lado, também os deputados, por deferência uns com os outros e porque o contacto permanente o induz, fazem um esforço de falar nas respectivas línguas. Num pequeno trajecto entre a sala das sessões e o gabinete, é possível começar em inglês, passar pelo francês e, no elevador, falar em espanhol ou italiano. E funciona, é de facto possível, ter uma instituição genuinamente multi –língua , sem perda quer da identidade cultural das línguas, quer da vivacidade dos contactos.

É, no entanto, muito caro. Uma parte importante do orçamento do PE é para tradução e interpretação e, com a entrada de novas línguas, levantam-se problemas gigantescos. Gigantescos é ainda aqui um eufemismo, porque imaginem o que é traduzir do maltês para o letão e do turco (língua oficial de Chipre junto com o grego) para húngaro, etc. , etc. Imaginem como é que uma sala fica para ter cabinas de interpretação para todas estas línguas, e a dificuldade de arranjar, por exemplo, juristas - linguistas para tratar os textos legislativos, ou de fazer uma delegação internacional em que os interpretes são mais que os deputados. Tudo isto serve de pretexto para um permanente pressão para reduzir o número de línguas de trabalho, mas, quando se chega à definição de quais são, entra o inglês, vem o francês, e logo a seguir espanhóis e alemães começam ao barulho e depois entram todos os outros.

Tenho sempre defendido que, numa instituição parlamentar deste tipo, o argumento da “eficácia” orçamental não tem sentido face à igualdade das nações nela representadas e que essa igualdade fica ferida se a sua identidade cultural, traduzida na língua nacional, fica subalternizada. Esta é também uma posição partilhada pela maioria dos deputados, mas há um permanente atrito, em pequenas decisões, sobre esta matéria. Mas eu acho que vale a pena pagar para que o meu colega checo fale a língua do bom soldado Svejk e ouça a de Camões.

(url)

28.8.03


OS EUROPEUS E OS MEDIA

Partilho convosco os resultados de um estudo e de um inquérito sobre os europeus e os media, realizado no Parlamento Europeu e divulgado ontem. O texto está em inglês, mas os dados são tão interessantes que mesmo assim justificam a sua imediata divulgação. O estudo integral encontra-se aqui.

1. Síntese da situação na UE:

"TV
Almost all Europeans (97.6%) watch television. 99% have at least one TV set at home.
The four types of programmes that Europeans mostly watch are: news and current affairs (88.9%), films (84.3%), documentaries (61.6%), sports (50.3%).

Radio
Almost 60% of the citizens within the European Union listen to radio every day.
Radio programmes that Europeans prefer are: music (86.3%), news and current affairs (52.9%), sports (17.4%).

Newspapers
46% of Europeans read newspapers 5 to 7 times a week. The highest rates are found in Finland, Sweden, Germany and Luxembourg where 77.8%, 77.7%, 65.5% and 62.7% people read newspapers 5 to 7 times a week. On the other hand in Greece, Spain and Portugal only 20.3%, 24.8% and 25.1%, respectively, do so. It is also in these three countries that the proportion of people saying that they never read newspapers is higher than in other countries (30.5%, 23.4% and 25.5% respectively).

Computer
A majority of Europeans (53.3%) does not use a computer. This is especially the case for Greece (75.3%) and Portugal (74.7%). On the other hand, more than one fifth (22.5%) uses it every day. This proportion reaches 36.7% in Sweden, 36.6% in Denmark and 32.2% in the Netherlands. A smaller proportion (14%) uses it several times a week.

Internet
34.5% of the interviewed surf the Internet: 13.5% several times a week and another 8.8% every day. Swedes (66.5%), Danes (59.4%), Dutch (53.8%) and Finns (51.4%) use the Internet more than other Europeans. On the other hand, the proportion of Internet usage is the lowest in Portugal and Greece (14.8% and 15.1%, respectively)."


2. Dados sobre Portugal:

"Television: 98.7% of the citizens in Portugal watch TV. The three types of programmes that the Portuguese watch the most are: news and current affairs (76.7%), soaps and series (38.0%), sports (37.1%).

Radio: 52.7% of the Portuguese listen to radio every day. The Portuguese mostly prefer to listen to: music (88.8%), news and current affairs (59.1%), sports (15.3%).

Newspapers: Only 25.1% read newspapers 5 to 7 times a week.

Computer: The majority of the Portuguese (74.7%) does not use a computer.

Internet: In Portugal the proportion of Internet usage is the lowest in the European Union, as only 14.8% surf the Internet. "

(url)


HORIZONTE


(url)


EARLY MORNING BLOGS 34

O mais importante que se passou na blogosfera nos últimos dias foi a sua utilização como instrumento para uma operação de desinformação de bastante gravidade, a pretexto da investigação em curso sobre pedofilia e a Casa Pia. Hesitei se devia ou não referi-la, porque este tipo de denúncias presta-se a retaliações também anónimas. Resolvi não colocar o endereço do falso blogue, aliás já citado noutros blogues., porque na realidade não é um blogue mas uma carta anónima daquelas que circulam nos empregos, ou que são enviadas às polícias e aos jornais. Não refiro o endereço nem o nome, porque ao fazê-lo contribuía para a sua divulgação. As cartas anónimas não se lêem, rasgam-se. Mas convém que as pessoas estejam prevenidas, de que é grave, muito grave, e não caiam no truque de se porem a discutir se é verdade ou mentira.

É uma típica operação criminosa ao modelo de algumas operações policiais. ou de serviços de informação, feita por gente profissional, que sabe o que está a fazer e conhece obviamente aquilo sobre o que está falar. Mais: está directamente envolvida no que fala, ou profissionalmente, ou individualmente. É também um crime, um crime cometido na blogosfera, presumo que o primeiro. Entramos noutra dimensão.

(url)


NÃO VER A NOITE

Afinal o meu mês marciano não foi grande coisa e o planeta vai-se agora embora. Marte cumpriu a sua obrigação , e lá esteve sempre. Mas os incêndios, a humidade, a má visibilidade comum no Verão, tornaram-no solitário e Marte sem estrelas, sem o manto de luzes em que o seu esplendor brilharia, ficou mais pobre.
Vem aí Saturno.

(url)

27.8.03


FLASHBACK 2

Estou a receber muitas mensagens sobre o fim do Flashback, muitas das quais com perguntas concretas que não tenho aqui e agora condições, nem comunicações, para responder.

Compreendo o que se passa com muitos ouvintes que cresceram, literalmente, a ouvir o Flashback, ou que tinham esse hábito tão incrustado na sua vida, que agora sentem a falta. Agradeço as suas palavras, e penso que o posso fazer também pelo resto da equipa, Carlos Andrade, José Magalhães e Lobo Xavier, e pela memória de todos os outros, Emídio Rangel, Vasco Pulido Valente, Miguel Sousa Tavares e Nogueira de Brito que fizeram o programa durante todos estes anos.

(url)


FLASHBACK

Confirma-se o fim do Flashback na TSF. O Flashback foi o mais longo programa de debate político em qualquer meio de comunicação social desde o 25 de Abril. Voltarei a falar do Flashback e da TSF.

(url)


TRATADO DOS TELEMÓVEIS

(Continuação)


No último número da Newsweek de 1 de Setembro de 2003, um muito interessante dossier sobre as mudanças nos jovens provocadas pelas novas tecnologias de comunicação, telemóveis, computadores, jogos, etc. O título diz tudo : "Bionic Kids : How Technology is Altering the Next Generation of Humans" . E uma fotografia fabulosa de um miúdo negro, da África profunda, a brincar com um telemóvel feito de lama seca e uma cana.

(url)


MAR


(url)


GALEGO

Ontem a TV Galicia transmitiu um festival de gaiteiros. Quando passo pelo canal, fico sempre um pouco, pelo fascínio de ouvir galego. E ontem tive um prémio: uma locutora entrevistava um velho, contemporâneo de um gaiteiro famoso. Nunca tinha ouvido melhor galego, sem nenhuma sombra de sotaque castelhano, no fundo o falar do Norte. O homem dizia "que marabilha" com o b da minha terra.

A locutora, que também falava galego, tinha, pelo contrário, um forte sotaque castelhano e a mesma língua soava a duas diferentes. Tanto era assim que, a uma dada altura, um não percebia o outro e não se conseguiam entender.

(url)

26.8.03


FRONTEIRAS

Os atentados na Índia não devem ser ignorados pelo nosso centramento no Médio Oriente. Eles dão-se na mesma fronteira civilizacional que faz um arco desde Marrocos à Chechénia, passando pelo Kosovo, e terminando nas ilhas indonésias com importantes populações cristãs, como as Flores. Por razões da nossa história, sabemos alguma coisa dos conflitos entre cristãos e “mouros” e “turcos”, mas o mesmo tipo de conflitos, com imenso sangue, se dão na fractura em que o Islão encontra o mundo hindu.

(url)


exp

(url)

25.8.03


”DECISÕES TERRORISTAS” – Conclusão

(A propósito de um texto de Paulo Varela Gomes no cristóvão-de-moura. No Abrupto, lá para baixo, estão as outras duas partes.)

Interpretar a história como uma sucessão de actos únicos, sujeitos apenas à vontade dos seus agentes, feitos para “além do bem e do mal”, é bastante atractivo. O actual terrorismo apocalíptico vai aí buscar uma das sua fontes, por via do “excesso” religioso, da ideia de “martírio” , não por acreditar na irracionalidade da história, mas por acreditar na racionalidade do terror. É contraditório, mas muitas vezes é assim.

Eu não tenho a certeza que a história não seja fundamentalmente irracional, até por outras razões. Basta que se abandone qualquer transcendência, qualquer destino manifesto, qualquer variante hegeliana da História com H grande, seja marxista, seja cristã (como em Teilhard de Chardin) . Tira-se a teleologia e ficam os humanos com o ónus de fazerem a história, ficando os humanos, é o que se vê.

Basta que se considere que o homem não tem qualquer garantia divina para a sua sobrevivência, para se perceber que, desde que possui armas termo – nucleares, tem elevadas probabilidades de se estourar a si próprio – é só uma questão de tempo. Este é aliás o único problema filosófico radicalmente novo que penso não estar presente na tradição clássica grega. (Penso também, mas isto é um desvio, que foi a Bomba, como se escrevia nos anos cinquenta, que dissolveu interiormente todas as teorias da história triunfante com H grande.). Se nos podemos matar a todos, numa esquina da história, toda a história fica, retrospectivamente sem sentido, e é um gigantesco delírio do acaso, uma absoluta irracionalidade face ao domínio da morte, da entropia.

Repito agora a frase anterior, com um acrescento para mim fundamental: eu não tenho a certeza que a história não seja fundamentalmente irracional, mas quero viver e actuar como se não fosse. Não me interessa, a não ser do ponto de vista cientifico, o que a história é ou pode ser, au grand complet , porque não pretendo ter como programa de vida qualquer vazio, mas um mais humilde programa de sobrevivência. Digamos que sou agnóstico quanto aos fins da história, mas crente na sua racionalidade possível e fragmentária . Dito de forma abrupta: eu não acredito que haja progresso, mas entre um mundo sem anestesia e outro com anestesia , há para mim uma diferença abissal.

Isso talvez me torne numa espécie mais complicada do que os voluntaristas brutos de PVG, num voluntarista cultural ou simbólico, que actua perante as coisas por via de uma teatro, de uma ficção, que resulta tanto mais quanto o maior número de pessoas aceite representa-la, sempre sem qualquer garantia de sucesso final. Mas há uma razão para que eu queira viver assim: é que se houver um número significativo de pessoas a fazerem o mesmo, criam à sua volta uma ecologia mais saudável, menos violenta, mais vivível e já não é mau que o consigam em determinados espaços e durante determinados períodos de tempo. Talvez haja uma massa crítica nestas coisas e se consiga tornar o mundo melhor por pequenos períodos de tempo, para um cada vez maior número de pessoas. Talvez.

É por isso que, do meu ponto de vista, posso decidir com a mesma firmeza que PVG atribui às suas personagens nietzschianas, apenas fundado numa filosofia pragmática, para tempos difíceis, sem pretensões sistemáticas. Não preciso de grandes certezas, nem de especiais “músculos da vontade”, mas apenas de um discernimento quase de bom senso, uma filosofia mais do lado humilde da anestesia, pela anestesia, por mil e uma pequenas anestesias, incluindo o bem-estar, a liberdade, a democracia, a felicidade. Pode ser tudo precário, pode ser um esbracejar ilusório, mas não troco e luto, se for preciso, para que não me obriguem a trocar.

E isso diz-me que há “decisões” que, mesmo implicando em última ratio a violência, não são “terroristas” porque são contra o mundo do sistema da morte, contra o apocalipse now, a favor do império da anestesia e contra o do da kalashnikov.

(url)


QUEM TAL FÉ ESQUECE MAL FARIA


(url)


TRADUÇÃO INÉDITA DE PETRARCA POR VASCO GRAÇA MOURA

Em exclusivo para os leitores do Abrupto, publica-se a seguir a tradução inédita que Vasco Graça Moura fez da Canção nº 206 , parte de uma tradução integral do Canzoniere, que será publicada em Novembro deste ano. Vasco Graça Moura considera esta canção “um exercício da virtuosidade petraquiana: construção complexa de modelo provençal em que as estâncias rimam duas a duas, e em que há uma certa obscuridade. Parece que o autor se defende de "terem dito que ele tinha dito" alguma coisa desfavorável a Laura..” O original italiano está em itálico, a tradução em tipo normal.
Obrigada, Vasco.

206.

S’i’ ’l dissi mai, ch’i’ vegna in odio a quella
del cui amor vivo, e senza ’l qual morrei;
s’i’ ’l dissi, che ’ miei dí sian pochi, e rei,
e di vil signoria l’anima ancella;
s’i’ ’l dissi, contra me s’arme ogni stella,
e dal mio lato sia
paura e gelosia,
e la nemica mia
più feroce vèr’ me sempre e più bella.

S’i’ ’l dissi, Amor l’aurate sue quadrella
spenda in me tutte, e l’impiombate in lei;
s’i’ ’l dissi, cielo, e terra, uomini e dèi
mi sian contrarî, et essa ogni or più fella;
s’i’ ’l dissi, chi con sua cieca facella
dritto a morte m’invia,
pur come suol si stia,
né mai più dolce o pia
vèr me si mostri, in atto od in favella.

S’i’ ’l dissi mai, di quel ch’i’ men vorrei,
piena trovi quest’aspra e breve via;
s’i ’l dissi, il fero ardor, che mi desvia,
cresca in me, quanto il fier ghiaccio in costei;
s’i ’l dissi, unqua non veggian li occhi mei
sol chiaro, o sua sorella,
né donna, né donzella,
ma terribil procella,
qual Faraone in perseguir gli ebrei.

S’i ’l dissi, co i sospir, quant’io mai fêi,
sia pietà per me morta, e cortesia;
s’i ’l dissi, il dir s’innaspri, che s’udia
sí dolce allor che vinto mi rendei;
s’i ’l dissi, io spiaccia a quella ch’i’ tôrrei,
sol, chiuso in fosca cella,
dal dí che la mamella
lasciai, fin che si svella
da me l’alma, adorar: forse e ’l farei.

Ma s’io no ’l dissi, chi sí dolce apria
meo cor a speme ne l’età novella,
regga ’ncor questa stanca navicella
col governo di sua pietà natia,
né diventi altra, ma pur qual solía
quando più non potei,
che me stesso perdei,
né più arder devrei.
Mal fa, chi tanta fé sí tosto oblia.

I’ no ’l dissi già mai, né dir poría,
per oro, o per cittadi, o per castella.
Vinca ’l ver dunque, e si rimanga in sella,
e vinta a terra caggia la bugia.
Tu sai in me il tutto, Amor: s’ella ne spia,
dinne quel che dir dêi.
I’ beato direi,
tre volte, e quattro, e sei,
chi, devendo languir, si morì pria.

Per Rachel ho servito, e non per Lia;
né con altra saprei
viver; e sosterrei,
quando ’l ciel ne rappella,
girmen, con ella, in sul carro Elia.



206.

Se o disse alguma vez, então aquela
de cujo amor só vivo, a mim odeie;
se o fiz, meu tempo encurte e se desfeie
e vil senhor à alma dê tutela;
se o disse, me desgrace toda a estrela
e eu tenha em companhia
o medo e a gelosia
e minha imiga fria
mais feroz para mim sempre e mais bela.

Se o disse, gaste Amor as flechas nela
de chumbo e com as de ouro me alanceie,
e céu, terra, homens, deuses façam lei
contrária a mim, com a crueza dela;
se o disse, quem com cego archote zela
e à morte já me envia,
fique como soía,
e nem mais doce ou pia
a mim se mostre, em acto ou em loquela.

Se o disse, do que menos quererei
encontre eu cheia esta áspr’a e breve via;
se o disse, o fero ardor que me desvia
cresça em mim quanto nela o gelo é rei;
se o disse, nunca a mim se patenteie
sol claro, irmã que vela,
nem dona, nem donzela,
mas terrível procela
qual Faraó a hebreus desencadeie.

Se o disse, com suspiros quantos dei,
me morram piedade e cortesia;
se o disse, amargue o dito que se ouvia
tão doce, que vencido me entreguei;
se o disse, desagrade a quem busquei,
só, posto em turva cela,
dês que mamei àquela
hora que nos apela
a alma, adorar: e acaso inda o farei.

Mas se o não disse, quem tão doce abria
meu peito e nova esp’rança lhe revela,
governe inda esta lassa navicela
com leme que piedade inata guia,
nem se torne outra e seja qual soía
quando a mais não cheguei:
perdi-me e perder sei
que mais não poderei.
Quem tal fé cedo esquece mal faria.

Eu não o disse nunca, nem podia,
por ouro, por castelo ou cidadela.
Vença a verdade pois e fique em sela,
caia em terra a mentira sem valia.
Tu sabes tudo, Amor: e se ela espia,
diz-lhe o que te mandei.
Feliz três vezes sei,
e quatro e seis, direi,
quem, devendo sofrer, antes morria.

Por Raquel hei servido e não por Lia,
nem noutra saberei
viver; e susterei,
se o céu chamar, com ela
ir na atrela em que Elias ascendia.

(url)


LER JORNAIS UNS DIAS DEPOIS

Eu leio os jornais na rede todos os dias e em papel uns dias depois, às vezes uma semana depois. São leituras muito diferentes, com tempos diferentes e com destaques diferentes. Uma das vantagens deste desfasamento é também verificar o que é que dura uma semana, que artigos têm um acrescento de informação ou mérito analítico para valer a pena lê-los fora da actualidade.

UM BOM ARTIGO

No Público de ontem , que li hoje, um record de rapidez entre o ecrã e o papel, há um desses artigos , um longo dossier sobre os fogos de 1980 até 2003, feito por Nuno Sá Lourenço, Patrícia Silva Dias e Ricardo Batista. Esse artigo dá-nos duas informações essenciais e inequívocas. Uma , a de que o problema não está no dinheiro, deitar dinheiro em cima dos fogos é o que se tem sempre feito sem resultado. Outra, corolário da anterior, é que os incêndios são um caso irrecusável de responsabilidade política. Nesta matéria, o país tem sido mal governado,

UM OUTRO PROBLEMA

Uma dos aspectos que pude observar durante a época dos fogos, vendo como se moviam as diferentes instâncias do poder, é a inexistência de continuidade entre os “poderes de cima” e os “poderes de baixo”, ou seja, a diluição das autoridades intermédias. “De cima” vem a melhor legislação do mundo, as melhores análises, a identificação de problemas genuínos; de “baixo” vêm as diferentes resistências sociais à mudança, dos proprietários, das autarquias, dos utilizadores dos baldios, dos madeireiros, dos construtores civis, das pirotecnias, dos que há muito fazem as mesmas práticas de risco, e acham que, como estão nas “suas” terras, podem fazer o que quiserem. As leis bem podem obrigar às mais racionais das obrigações, só que ninguém as aplica, nem os governos civis, nem a GNR, nem os bombeiros, nem os presidentes das Câmaras e Juntas. Quanto mais abaixo está uma autoridade, e as nossas estão quase todas em baixo, maior é a pressão dos interesses e menor é a vontade e a capacidade de agir.

Um bom exemplo do passado para estudar este mecanismo, foi a proibição das vinhas de “vinho americano”, em pleno regime autoritário, e as enormes resistências que causou, com conflitos, violências, feridos e mortos.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 33


Saudações a dois dos blogues mais úteis que existem : o Valete Frates!, um pioneiro que foi dos primeiros que li regularmente, e o Intermitente. O que eles fazem é trabalhar para nós, por gosto pela controvérsia e pela verdade possível, oferecendo texto sobre texto, citação sobre citação, referência sobre referência, a maioria das vezes na língua original, de todo um conjunto de informações e opiniões que de outro modo nunca teríamos com o actual sistema comunicacional. Obrigada.

Por várias razões, que já puderam encontrar dispersas no Abrupto e ainda vão encontrar mais, interessa-me o fluir que se dá entre diferentes meios e suportes para um determinado conteúdo. Interessa-me saber até que ponto, esse mesmo conteúdo, é alterado pelo meio, entre o ecrã do computador, o papel impresso, a voz, os actos. Sigo, quando posso, as palavras do Abrupto para além do blogue propriamente dito, para as citações nos jornais, para a mais invisível influência (ontem, por exemplo, vi um jornalista fazer perguntas que claramente foram inspiradas pelas críticas que fiz a Carlos Fino). Nos últimos dias, pude ver uma cópia em papel do texto sobre a procissão popular, que alguém tinha tirado do Abrupto e fazia circular numa pequena comunidade. Soube também que um leitor tinha usado o programa AvantGo para colocar o Abrupto num PDA. Li poemas em que a “luz de Skagen” se reflectia. Pelas cartas dos leitores encontro ás vezes, uma simultaneidade de observação e o seu efeito afectivo, quando escrevi sobre o que se podia ver á noite e alguém saiu de casa ou foi à janela ver se via a mesma Lua.

(url)

24.8.03


DELIBERADA INCOMPLETUDE


(url)


”DECISÕES TERRORISTAS” – Segunda parte

A teoria de Paulo Varela Gomes sobre o terrorismo, que, bem vistas as coisas, é sobre a história, é de modelo nietzschiano. Os fazedores da história seriam uma espécie de Zaratrustas. que batem no ferro quente da humanidade com um gigantesco martelo , moldando assim o sentido da história . O martelo é a capacidade de “exagero”, de “loucura” (termos nietzschianos) de “decisão”, Isto tornaria os terroristas em “seres político-militares interessantes. Praticam a decisão e o exagero como formas de agir.

PVG veio, em seguida, precisar o sentido deste “exagero”, acentuando ainda mais os elementos nietzschianos na análise – veja-se o uso de termos como “vontade”, os “músculos da vontade”, e o papel do medo:

O exagero e e as decisões terroristas são como que figuras de retórica que, como todas, se encenam como verdade. Mas, além disso, encenam também a vontade soberana. Ou seja, se todas as decisões, sendo por definição arbitrárias, se apresentam como a "única" solução possível, ou a "melhor", as decisões que pratica o discurso exagerado ou a acção política terrorista derivam de uma dupla operação retórica: apresentam-se como a verdade mas também como uma exibição dos músculos da vontade. São, portanto, decisões persuasivas: podem fazer medo.

Para PVG esta característica de “vontade” igualiza os terroristas, os israelitas, e o trio conservador americano (Bush-Ramsfeld-Wolfowitz), não só na forma como actuam, como na possibilidade de “ganharem”. De forma coerente, PVG considera que os movimentos terroristas, a que chama de “terrorismo comunitário”, da Irlanda, do País Basco, do Médio Oriente, podem ser vitoriosos, do mesmo modo que os israelitas ou os americanos. O que torna o texto de PVG diferente é que, ao manter este leque de possibilidades, distancia-se muito do que é vulgar escrever-se sobre esta matéria.

(De passagem, porque não é central no argumento, PVG faz uma distinção contestável, entre “terrorismo comunitário” e “terrorismo meramente político” , o do grupo Baader-Meinhof, BRs e FP 25 de Abril. Inclui também a Al-Qaeda no grupo do “terrorismo comunitário”, o que, mesmo que se admita a sua tipologia, não me parece aceitável.)

Para PVG o que é essencial na atitude mental dos terroristas é a capacidade de “decidir”, ou seja, segundo PVG, de “errar”:

"Bem vistas as coisas, todas as decisões são um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção: a gente hesita, pensa, pesa “os prós e os contras” e, de repente, decide. Quando se decide, abdica-se de continuar a pensar. Uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação. Deste modo, ao decidir, erra-se – sempre. Não há, por definição, decisões acertadas. Quem quer à viva força acertar, acaba por não decidir nunca porque é impossível ter a certeza de que se está a decidir bem. A história é feita por quem decide, ou seja, por quem escolhe uma opção (errada) e depois a negoceia ou enfrenta as suas consequências. "

Conclui, “a história é dos “loucos”, ou seja, a história move-se com base numa irracionalidade fundamental, a história é irracionalidade. Também aqui não saímos de um modelo nietzschiano e de uma interpretação do terrorismo muito comum no século XIX e no princípio do século XX.

(Continua)

(url)


MARIO VARGAS LLOSA SOBRE O ATENTADO CONTRA A ONU EM BAGDAD

O artigo de Mario Vargas Llosa, que pode ser lido integralmente no Estado de S. Paulo , apresenta uma notável análise e uma acertada conclusão sobre o que se passou.:

"O atentado terrorista que destruiu a sede da ONU em Bagdá, matando mais de 20 pessoas e ferindo mais de 100 - o mais grave de que a ONU foi vítima desde sua criação -, já mereceu, como era de se esperar, leituras bem distintas. A mais enviesada ideologicamente, de meu ponto de vista, é aquela segundo a qual este atentado é uma demonstração do fracasso absoluto da intervenção militar no Iraque e da necessidade de as forças de ocupação se retirarem o quanto antes e devolverem a independência ao povo iraquiano.

Este aberrante raciocínio pressupõe que o atentado foi levado a cabo "pela resistência", ou seja, pelos unânimes patriotas iraquianos contra os invasores estrangeiros e seu símbolo, a organização internacional que legalizou a Guerra do Golfo e o embargo. Não é assim. O atentado foi perpetrado por uma das várias seitas e movimentos dispostos a provocar o apocalipse a fim de impedir que o Iraque possa ser, num futuro próximo, um país livre e moderno, regido por leis democráticas e governos representativos, uma perspectiva que com toda justiça aterroriza e enlouquece os assassinos e torturadores da Mukhabarat e os fedayn de Saddam Hussein, os comandos fundamentalistas da Al-Qaeda e do Ansar al-Islam e as brigadas terroristas que os clérigos ultraconservadores do Irã enviam ao Iraque.

Todos eles - uns poucos milhares de fanáticos armados, isso sim, de extraordinários meios de destruição - sabem que, se o Iraque chegar a ser uma democracia moderna, seus dias estarão contados, e por isso desencadearam essa guerra sem quartel, não contra a ONU ou os soldados da coalizão, e sim contra o maltratado povo iraquiano. Deixar-lhes livre o terreno seria condenar este povo a novas décadas de ignomínia e ditadura semelhantes às que ele padeceu sob a palmatória do Baath.

Na verdade, diante deste crime e dos que virão - agora está claro que as organizações humanitárias e de serviço civil passaram a ser objetivos militares do terror -, a resposta da comunidade de países democráticos deveria ser multiplicar a ajuda e o apoio à reconstrução e democratização do Iraque. Porque neste país trava-se nestes dias uma batalha cujo desfecho transcende as fronteiras iraquianas e do Oriente Médio e abarca todo o vasto domínio desta civilização pela qual sacrificaram suas vidas Sérgio Vieira de Mello, o capitão de navio Manuel Martín Oar, Nadia Younes e tantos heróis anônimos. "


(url)


EARLY MORNING BLOGS 32

Os geógrafos têm um conceito para estudar a parte “humana” da sua disciplina – os “lugares centrais”. Na nossa blogosfera também há “lugares centrais”: um é o Magnólia, outro a FNAC do Chiado. Do Magnólia nada posso dizer porque não conheço. Quanto à FNAC do Chiado intriga-me que nunca haja referências à FNAC do Colombo. Estranho, até porque a FNAC do Colombo é muito melhor do que a do Chiado … Porquê? Será que moram todos no Chiado? Os nossos autores de blogues não entram em centros comerciais? Só vão directamente para as livrarias?

(url)


”DECISÕES TERRORISTAS” – Primeira parte

Uma nota de Paulo Varela Gomes (PVG) no seu cristovao-de-moura intitulada “Decisões terroristas”, foi a que mais interessante me pareceu em todo este debate sobre o terrorismo. Nela existem dois aspectos que podem ser separados para análise: um, apreciações sobre a situação relativa ao Iraque e ao fundamentalismo, outro, considerações sobre o terrorismo como acção e decisão e a sua eficácia. Falarei das duas separadamente, porque penso que tal se pode fazer sem prejudicar a argumentação de PVG

Na parte inicial cito algumas afirmações:

PVG- Os fundamentalistas sabem ter ganho, nas últimas décadas, apenas uma batalha: a do Irão (a primeira). Perderam as da Argélia, do Egipto, da Turquia, do Afeganistão e do Iraque, registaram uma espécie de empate na Arábia Saudita e no Paquistão, continuam o combate em muitos sítios (Marrocos, Tunísia, Egipto, Iraque, Paquistão, Indonésia).

JPP- Não concordo e penso que não é suportável factualmente. Em aspectos decisivos da vida pública e quotidiana, – naquele que talvez seja mais revelador, o da condição da mulher, mas também no esboço de uma laicidade do estado – , o fundamentalismo mudou profundamente o quotidiano na Argélia, no Egipto, no Paquistão, e introduziu tensões em todas as sociedades referidas. Cortou um caminho tímido, mas real, para sociedades menos dominadas pelos preceitos religiosos estritos. Na maneira de vestir, no consumo de bebidas alcoólicas, na imposição social do jejum no Ramadão, na liberdade de expressão sobre matérias religiosas, na liberdade de ser agnóstico ou ateu e proclama-lo, na liberdade de actuação de outras confissões religiosas, houve enormes recuos de Marrocos à Indonésia., passando pelas áreas muçulmanas da Ásia central.
A ideia que o combate do fundamentalismo é pelo poder político, pela governação, não é central no fundamentalismo, nem se manifesta do mesmo modo no sunismo e no chiismo.

PVG - Ainda é muito cedo para dizer se está ou não comprometido o objectivo estratégico dos norte-americanos no Iraque. Trata-se de um objectivo a duas décadas, pelo menos. Entretanto, os comentadores mais “sensatos” parecem pensar que a administração americana não teve consciência plena do vespeiro em que se ia meter.

JPP - No essencial, de acordo.

PVG - Por mim, acho que Bush, Rumsfeld, Wolfovitz e Cia são iguais aos fundamentalistas: não são moderados. São exagerados, radicais, brutos. São daqueles que fazem história, não daqueles que limam as arestas da história. Acho por isso que vão cerrar os dentes e meter mais tropas e mais dinheiro no Iraque.

JPP - Discordo com a caracterização inicial. As palavras pregam-nos o truque de nos seduzirem a usa-las de forma pouco rigorosa. “Fundamentalismo” é aqui usado para caracterizar realidades muito distintas. Não é o facto de se considerar Bush, Rumsfeld, Wolfovitz, “exagerados, radicais, brutos” que permite a comparação total – “são iguais aos fundamentalistas” – que é feita. Churchill, por exemplo, foi várias vezes assim classificado, quando a política de apaziguamento face a Hitler gozava de um apoio generalizado na opinião pública inglesa. A comparação tem todo o sentido porque o tipo de críticas a Churchill, que aliás se repetiram no mesmo tom e conteúdo quando ele fez o discurso sobre a “cortina de ferro”, é exactamente o mesmo daquelas que são feitas ao trio conservador. Pode-se dizer que eles estão convictos que é necessário travar uma guerra complicada no vespeiro do Médio Oriente, porque entendem que não há outra solução face aos desafios estratégicos que o terrorismo actual coloca aos EUA, pode-se dizer inclusive que a interpretação que fazem dos interesses americanos os leva a uma política belicista. Pode-se dizer que estão errados, que as suas acções tem o efeito contrário do pretendido, (não é esse aliás o ponto de vista de PVG), mas não se pode considera-los iguais.

Eu bem sei que para PVG o que os igualiza é o mind setting, a forma mentis, a capacidade para decidir, e para PVG, decidir é errar. Esta é a segunda questão que tratarei em seguida.

(Continua)

(url)


NA MÓ DE BAIXO

Quando se está na mó de baixo, em Portugal, todos batem. A maneira como nos noticiários (principalmente o da TVI) foi tratado o primeiro comício do PS, antes sequer dele acontecer, é penosa de tão desequilibrada. Infelizmente já estamos tão desabituados de um texto limpo, com notícias e sem comentários, sem ditos engraçadinhos ou repetição das banalidades escritas em todos os jornais da semana, que já nem sabemos como é ter uma televisão que seja um órgão noticioso.

O PS está de facto numa situação muito difícil, com grandes responsabilidades da direcção de Ferro Rodrigues nessa situação. Mas isso é uma coisa, outra é um permanente comentário ridicularizante, profundamente opinativo e superficial. Isto acontece porque os jornalistas simpatizam com o governo ou o PSD? Não, mas porque gostam de bater em quem está em baixo.

(url)


TEMPLATE


(url)

23.8.03


CARLOS FINO EM BAGDAD

A RTP enviou Carlos Fino de novo ao Iraque. Fino é um jornalista experimentado, seguro, que não hesita em correr riscos para estar no sítio certo no tempo certo. Essa capacidade permitiu-lhe momentos de reportagem que qualquer jornalista gostaria de ter.

Mas Fino não é um jornalista objectivo, nem nada que se pareça. Já me reduzo a considerar objectividade, apenas a procura de objectividade, que isso qualquer pessoa sabe o que é , sente se existe. Fino é um jornalista programático, que desenvolve o seu trabalho em função da sua opinião e só vê e só comenta o que com ela coincide. Se analisarmos os seus relatos da guerra, na estadia anterior, eles revelam um enorme desequilíbrio, insisto, enorme. O que Fino relatou, dia após dia, não só não se verificou como foi contrariado pelos factos de forma gritante. Fino continuou na mesma, imperturbável, mesmo quando a queda de Bagdad de Saddam, foi um desmentido flagrante do que ele dizia na véspera.

Na RTP, ninguém quer saber destas minudências e Fino foi de novo enviado para o Iraque. E, desde o primeiro minuto, está a repetir o mesmo que já fez: as suas intervenções nos noticiários são completamente programáticas e tão previsíveis que as podia fazer de Lisboa. A linha actual é simples e repisada a propósito de tudo: o Iraque está mais inseguro do que alguma vez esteve, tudo corre mal aos americanos, nada se estabiliza e a situação é um beco sem saída. Todos os dias ele vai dizer o mesmo, todos os dias ele vai procurar um pretexto de reportagem para dizer o mesmo.

Que a situação no Iraque é de insegurança, nós sabemos. Que nem tudo corre bem para os americanos, nós também sabemos. Se é um beco sem saída, isso não sabemos. Agora o que sabemos certamente é que o Iraque de Saddam , há meia dúzia de meses, era um regime de torturas, fuzilamentos sumários, prisões e espancamentos , opressão da maioria chiita, de violência absoluta. Talvez por isso, quando vemos numa reportagem de Fino, um iraquiano exaltado à frente de uma manifestação de desempregados, com muito pouco gente aliás, a berrar que “hoje se está pior do que no tempo de Saddam” , nos faça falta algum enquadramento, que um jornalista isento faria sobre o valor deste “testemunho”. É um pouco a mesma coisa que ver o 25 de Abril em 1975 pelos olhos de um legionário.

(url)

22.8.03


CORREIO

Quando me defronto com a lista de correio atrasado, neste momento qualquer coisa como quinhentas mensagens, já percebi que nunca vou conseguir pô-lo em dia. Desde que comecei o Abrupto só consegui responder a cerca de setecentas mensagens, muitas aliás o mais sucintamente possível.

Vou continuar a tentar responder a todos, mas já não posso dar a garantia de o fazer. De qualquer modo, não queria que ninguém desistisse de me escrever. Uma das alegrias que o Abrupto me dá é conhecer o que cada um pensa do que escrevo. E podem ter a certeza que leio com atenção tudo, e tenho em consideração o que me é dito.

(url)


FALCÕES


(url)


NOTAS CHEKOVIANAS 5

Fiel a uma promessa que fiz nos primeiros momentos do Abrupto, comprei uma série de DVDs de filmes franceses, que tenho vindo a ver ao acaso do tempo. Para quem não leu essa nota inicial, recapitulo. Fiz uma comparação entre o cinema francês e o americano, pouco abonatória para o cinema francês. Alguns autores de outros blogues censuraram-me a nota e chamaram-me a atenção para determinadas filmes que eu não tinha visto. Eu enfiei, como se costuma dizer, a viola no saco, e prometi voltar ao assunto depois de os ver.

Já vi alguns e com gosto. Continuo a manter a mesma opinião em termos gerais, mas a verdade é que há outras coisas nesses filmes que merecem mais atenção do que a que eu tinha dado. Vi, por exemplo, uns a seguir aos outros, três filmes de Éric Rohmer, Le Genou de Claire, La Collectionneuse e L’Amour l’Aprés-Midi, da série dos “Seis contos morais”. São todos muito parecidos, podiam ser um único filme.

Em todos eles um conjunto trivial de personagens, homens e mulheres, encontram-se num espaço comum, um bairro de Paris, uma casa em Annecy junto ao lago, uma velha mansão na parte rural por detrás de St. Tropez. Não há verdadeiramente uma história – estão lá, vêem-se, almoçam, passeiam, tomam o pequeno-almoço, conversam, namoram. Não há em nenhuma personagem qualquer sentimento forte, nem sequer qualquer desejo de tocarem os outros, ou de por eles serem tocados. Não há gritos, não há zangas, não há ciúmes, mas, pouco a pouco, as personagens são empurradas umas para os outras, para relações que aparentemente não queriam, mas que acontecem. Acontecem, mas sempre no limiar de não acontecer, porque o enleio dura um verão, ou melhor uns dias de verão, e depois desaparece com a mesma ligeireza com que começou. Tocam-se e afastam-se quase tão rapidamente, sem drama, sem tristeza, sem ninguém achar que ganhou ou perdeu alguma coisa.

O mecanismo destas histórias é semelhante aos dos contos de Chekov, mas a ecologia das personagens é muito diferente. Este mundo seria o de Chekov, se houvesse um pouco menos de ligeireza, um pouco menos de Verão, um certo sentido de tristeza humana, um vago assomo de destino. Não há, é tudo muito amável, quase se poderia dizer, agradável.

(url)


BAGDAD / JERUSALÉM 6

Quanto mais vou aprendendo sobre o mundo islâmico, sem querer meter tudo no mesmo saco, mas falando genericamente, porque não deixa de ser neste caso possível, mais importância atribuo ao domínio dos homens sobre as mulheres como factor de uma forte e agressiva diferenciação cultural, na origem de muitos dos actuais conflitos.

Na guerra actual, como em todas as guerras, há um elemento de poder presente, poder que se quer ganhar, poder que se quer defender. Um dos elementos que cada vez me parece mais importante neste conflito é a defesa da autoridade quase absoluta dos homens sobre as mulheres no mundo islâmico. Bernard Lewis tinha já chamado a atenção para esta característica do mundo islâmico, como uma das grandes barreiras à modernização, uma das coisas que explicava o “que correu mal”.

É verdade, como muitos muçulmanos dizem, com razão, que a autoridade masculina, seja do marido, seja do pai, seja dos irmãos, acompanha direitos, principalmente patrimoniais, da mulher, que foram pioneiros em relação ao mundo ocidental. Mas mesmo aí o que se defende é mais a família original da mulher do que a mulher em si, que sai de uma servidão para outra. A escravatura sexual da mulher, a sua ausência de direitos cívicos ou quaisquer outros, a imposição de uma autoridade absoluta e desigual, é uma das características culturais e sociais mais violentamente defendidas pelos homens.

(url)


HÁ CAMINHO


(url)


EARLY MORNING BLOGS 31 / OBJECTOS EM EXTINÇÃO 20

Cito do blog do veneno eficaz

Já se aperceberam de que, hoje em dia, não é fácil comprar uma estante para livros? O que sempre existe nas lojas de móveis são aquelas estantes quase inúteis para "bibelots" mas nada para livros.
As estantes caíram em desuso? Deixaram de ser um elemento das casas? Ou foram os livros?
Parece que a alternativa fácil continua a ser aquele móvel grandioso e pesado com espaço próprio para a TV, uma porta de vidro para uns copos e aperitivos, umas gavetas em baixo e prateleiras largas para as enciclopédias e outras colecções encadernadas que ninguém voltou a ler.
A mim sempre me impressionaram as grandes estantes só para livros no meio da sala ou no escritório. Estantes, regressem.

(url)


BAGDAD / JERUSALÉM 5

Um poema para que o nosso olhar não fique só de um lado.

The Indian Upon God

I passed along the water's edge below the humid trees,
My spirit rocked in evening light, the rushes round my knees,
My spirit rocked in sleep and sighs; and saw the moorfowl pace
All dripping on a grassy slope, and saw them cease to chase
Each other round in circles, and heard the eldest speak:
Who holds the world between His bill and made us strong or weak
Is an undying moorfowl, and He lives beyond the sky.
The rains are from His dripping wing, the moonbeams from His eye.

I passed a little further on and heard a lotus talk:
Who made the world and ruleth it, He hangeth on a stalk,
For I am in His image made, and all this tinkling tide
Is but a sliding drop of rain between His petals wide.

A little way within the gloom a roebuck raised his eyes
Brimful of starlight, and he said: The Stamper of the Skies,
He is a gentle roebuck; for how else, I pray, could He
Conceive a thing so sad and soft, a gentle thing like me?

I passed a little further on and heard a peacock say:
Who made the grass and made the worms and made my feathers gay,
He is a monstrous peacock, and He waveth all the night
His languid tail above us, lit with myriad spots of light.


W. B. Yeats

(url)


BAGDAD / JERUSALÉM 4

Devido a uma avaria na minha rede telefónica provinciana, (depois das 17.30 não há piquete para arranjar telefones, um serviço supostamente de 24 horas), não pude actualizar as notas sobre esta questão. Estas duas notas eram para ter sido colocadas ontem.

1. Tive ocasião de ler , um pouco por todo o lado, que o dirigente do Hamas morto pelos israelitas (numa política de assassinatos selectivos incompreensível a não ser em estado de guerra) era um “moderado”. Quem diz isto, seja do Departamento de Estado americano, seja no mais português dos blogues, não sabe o que é uma organização terrorista. Não há “dirigentes moderados” numa organização terrorista, ponto. Esse mesmo “dirigente moderado” , se era dirigente, esteve com certeza em várias reuniões em que se decidiu o atentado do autocarro e muitos outros atentados. É da natureza da pertença a essas organizações. Votou contra, levantou dúvidas numa reunião, achou que não era a altura? Se não saiu pela porta fora, a denunciar o crime em preparação, para o que tem a Autoridade Palestiniana como interlocutor, discutiu apenas tácticas. Claro que não duraria muito, porque nestas organizações só se entra, não se sai.

2. Os autocarros israelitas que explodem são a guarda avançada de muitos outros autocarros, comboios, aviões, que podem explodir um pouco por todo o lado. É esse o caminho que imperceptivelmente se está a definir. Alguém, nalgum sítio, há de estar hoje a pensar nas frotas de autocarros que podem explodir no centro de Londres, Nova Iorque ou Madrid, pela obra de um “mártir” e nos efeitos desses massacres como oportunidades políticas. É por isso que está uma guerra em curso.

(url)

21.8.03


NA MESMA, FIOS NA PEDRA


(url)


BAGDAD / JERUSALÉM 3

Como esperava, o que escrevi sobre os atentados em Bagdad e em Jerusalém suscitou muito correio. Alguns dos textos enviados apareceram entretanto nos blogues dos seus autores, pelo que para aí remeto os leitores. Há algumas cartas que contem textos que directamente confrontam o que escrevi. Seleccionei algumas, compreendendo bem que palavras duras suscitam palavras duras. Como é obvio, não concordo com o seu conteúdo, mas penso que suscitam questões que merecem reflexão, ou que são significativas do modo como as pessoas vêm esta muito complexa situação.


"Porque razão é que as mortes israelitas, na sua enorme brutalidade, não suscitam um milionésimo de reacção, da fácil reacção que outras mortes causam, mas apenas incomodo? (…) Porque razão as mortes iraquianas suscitam lágrimas e as israelitas comentários?" (perguntas de JPP)

Pela mesma razão pela qual tomamos o partido dos indíos de lança na mão contra o dos cowboys de Gatling na cintura.

Pela mesma razão pela qual se nos confrangemos ao vermos o longo braço armado de Israel entrar por território alheio adentro e arrasar a casa do 'mártir' que se fez explodir ontem.. (como essa fosse a terapia indicada para impedir a barbárie! Como se essa fosse a melhor política de relações públicas que alguém pudesse imaginar no sentido de angariar boas vontades a nível mundial!)

Pela mesma razão pela qual me arrepio ao ver os judeus Hasidi, ultra- ortodoxos, por todo o lado. Homens, todos. São homens severos, velhos e novos que se vestem de negro, que usam um chapéu antiquado (ou um streimel) ao invés da kippa, que exibem as tzitzis por sobre as calças e os payos (aquelas longas tranças por sobre as orelhas, geralmente com o restante couro cabeludo rapado à máquina de pente um mandatadas por Deus no Levítico 19:27) com orgulho e que balançam devagarinho, para trás e para frente, enquanto murmuram preces em hebraico sonegadas a livros assebentados que parecem deles fazer parte integral. Entram-me em casa pela televisão, saltam-me aos olhos na capa do Público, sempre rígidos e severos, sempre calados, proverbialmente vingativos
e castigadores.

O fundamentalismo é sempre assustador, seja lá qual for a forma sob a qual se apresente. E a intolerância é sempre a mãe de todos os conflitos, a pedra de toque de um futuro que teima em não haver, com ou sem vítimas politicamente correctas. Ou não."

(Alexandre Monteiro do No Arame)


*

Li no seu blogue:

"Porque é que não se pode dizer que Sérgio Vieira de Mello morreu pelo mesmo objectivo por que morrem os soldados americanos? Por ter sido funcionário da ONU?"

Sou um grande fan do seu blogue, mas as frases anteriores revelam uma grande hipocrisia e má vontade por parte do seu autor, pois facilmente se vê que Sérgio Vieira de Mello não fazia parte de um exército de ocupação
.” (Pedro Andrade)

*

Escreveu no abrupto sobre os atentados de Badgade e Jerusalém: «É que há muita gente que prefere os seus confortinhos ideológicos, ao decente sentimento de poupar a dor a pessoas concretas»

Não me leve a mal, mas quanto ao decente sentimento de poupar a dor a pessoas concretas, não me ocorre ninguém com menos legitimidade em invocá-lo do que aqueles que, como o Senhor, fizeram a apologia da intervenção militar no Iraque.
” (Manuel Anselmo Torres)

(url)

20.8.03


BAGDAD / JERUSALÉM 2

Por que é que não se pode dizer que Sérgio Vieira de Mello morreu pelo mesmo objectivo por que morrem os soldados americanos? Por ter sido funcionário da ONU?

Por que razão é que as mortes israelitas, na sua enorme brutalidade, não suscitam um milionésimo de reacção, da fácil reacção que outras mortes causam, mas apenas incomodo? Deixem-se de disfarces – está escrito em letras garrafais em tudo o que está escrito e no muito que não está.

Por que razão as mortes iraquianas suscitam lágrimas e as israelitas comentários?

Por que razão ninguém quer saber para coisa nenhuma do plano de paz israelo - palestiniano, o único que existe, o único que se está a implementar, o único que permite alguma esperança? Porquê? Porque acham que é Arafat que tem razão ou o Hamas? É com eles que vão fazer a paz?

Por que é que este pobre, débil, frágil plano não suscita a mais pequena defesa, o mais pequeno entusiasmo pela paz, a mais ténue mobilização da opinião pública? Porquê, porque os americanos estão envolvidos?

Porquê? Tem outro? Conhecem alternativa?

Há uma razão brutal para algumas respostas a todas estas perguntas e que só se aplica a quem as enfiar como carapuça. É que há muita gente que prefere os seus confortinhos ideológicos, ao decente sentimento de poupar a dor a pessoas concretas. E que não quer saber rigorosamente para nada quer dos israelitas, quer dos palestinianos, quer dos iraquianos, concretos, mas sim das abstracções longínquas de que se alimenta um discurso fácil e arrogante sobre o mundo.

(url)


MOMENTOS


(url)


IRAQUE

Eu não gosto de escrever sobre a situação iraquiana de forma fragmentária e curta, para que os blogues empurram. O Iraque é matéria em que quem apoiou o conflito tem, no meu entender, uma responsabilidade particular e só o pode tratar muito a sério., ou seja, de forma extensa e mais longa, para permitir a argumentação. Farei isso noutros locais mais apropriados, aqui ficam apenas notas por desenvolver.

Contrariamente ao que se possa pensar, nós temos hoje um grande deficit de informação sobre o que se passa no Iraque. A cobertura noticiosa é puramente incidental, manifestações, atentados e mortes de soldados americanos ou de civis. Tudo o mais, que é relevante no plano político mas menos espectacular, não chega aos jornais e às televisões. Julgar apenas com base nos incidentes, muito diferentes de natureza uns dos outros, é cair numa armadilha interpretativa.

Há no entanto um dado de bom senso, que pode ser partilhado pelas pessoas moderadas, à esquerda e à direita, mesmo com os que se opuseram à guerra – a verificação de que, se houvesse uma retirada das tropas americanas, haveria um banho de sangue no Iraque. Haveria uma desestabilização generalizada no Médio oriente e um crescendo do terrorismo a nível mundial.

A natureza do problema que se defronta no Iraque é mundial, não é local. É da natureza da guerra e não de uma operação de polícia. Tem características de uma guerra civil mundial, não o sendo exactamente. É uma guerra moderna porque vive da combinação entre o atentado suicida e o impacto na opinião pública. É apocalíptica porque quanto mais mortos, quanto mais câmaras presentes, maior é o espectáculo, maior é a eficácia

A comparação com o Vietnam é uma asneira completa. Nem o Iraque é o Vietnam, nem o mundo é o do Vietnam, nem a opinião pública americana é a do tempo do Vietnam, nem o exército americano é o do Vietnam, nem o fundamentalismo é o nacionalismo. Podia continuar-se indefinidamente.

A chave para resistir no Iraque o tempo necessário para se ter resultados é a firmeza e a persistência, as duas qualidades que o ascenso da demagogia nas democracias modernas mais dissolve na vida pública. A sobrevivência das democracias no século XXI vai depender de se encontrar um equilíbrio que impeça a demagogia de substituir a democracia e a pedra de toque dessa capacidade está, a nível global, em saber-se se as democracias vão continuar a poder fazer a guerra, a serem democracias armadas e a conduzir políticas de guerra com persistência suficiente para elas mudarem alguma coisa.

Eu não precisava de dizer que a guerra numa democracia é um instrumento de último recurso para defesa e segurança e para construir a paz, mas é melhor dizer para não facilitar as interpretações de má fé. Sem um pensamento sobre a guerra, não há paz, sem um pensamento democrático sobre a guerra , o mundo será muito mais violento. Se em meados do século XXI as principais potências militares mundiais forem regimes ditatoriais, a democracia conhecerá um longo ocaso e haverá um prolongado sofrimento para milhões e milhões de homens. Tão simples como isso.

(url)


A MASTURBAÇÃO DA DOR

Devido às minhas estadias europeias tenho uma oportunidade de ver os normais noticiários televisivos, quotidianos, comuns, de várias televisões nacionais públicas ou privadas. Não me refiro às versões, que também se podem ver em Portugal, por cabo ou satélite, normalmente versões especiais, reduzidas, dos noticiários dos países de origem, mas diferentes em muitos casos do que passa às 13 ou 20 horas em Madrid, Bruxelas, Paris, Londres ou Berlim.

Não há qualquer remota parecença com os noticiários televisivos portugueses, com o exagerado tempo de “notícias”, com o caos da agenda noticiosa, com a repetição vezes sem fim e ao mais pequeno pretexto das imagens fortes, com a inserção de peças narrativo - ficcionais sobre noticias fortes do passado quando não há adrenalina no presente, com música de fundo e tratamento “estético” das imagens, com a utilização, sem qualquer pedido de autorização, de cenas de dor e choro, com jornalistas excitados a fazer simulações de riscos que não correm (houve várias nos incêndios para uma só genuína) e fazendo as perguntas mais estúpidas do mundo a pessoas que estão a sofrer.

Uma especialidade actual dos media televisivos, que teve o seu primeiro esplendor com a queda da ponte de Castelo de Paiva, é a masturbação da dor alheia.

(url)

19.8.03


VAZIO


(url)


BAGDAD / JERUSALÉM

Não foi preciso deixar o Assassínio na Catedral de T. S. Eliot (tradução de José Blanc de Portugal):

Entorpecida a mão, secos os olhos,
Continua o horror e mais horrível sempre;
Mais horrível que o rasgar dos nossos ventres
Continua o horror e mais horrível inda
Que o torcer dos nossos dedos
E o que as cabeças nos espedaçava;
Pior que os passos pela claustra;
Pior que as sombras do portal;
Pior que o furor no paço episcopal.
Sumiram-se os agentes do inferno, os homens amesquinham-se, encolhem-se e esgueiram-se.
Solutos na poeira do vento, esquecidos, imemoráveis; apenas aqui fica
A branca lisa face da Morte, de Deus silenciosa serva;
E atrás dela o Final Juízo;
E atrás do Juízo o Vazio vem; o Vazio ainda mais horrível que as activas formas do inferno;
Vacuidade, ausência, separação de Deus; o horror da jornada inesforçada para a terra vazia,
Terra que o não é, apenas vacuidade, ausência, o Vazio
Onde os que foram homens mais não podem tornar seu pensamento,
Ou distraírem-se, ou iludirem-se, fugirem para os sonhos, simularem;
Onde a alma enganar-se näo mais pode pois lá não existem nem Sons nem objectos,
Nem cores nem formas que a distraíam ou afastem
Da visão de Si própria, vilmente unida eternamente, nada de nada,
Não o que chamamos morte mas o que lhe e além e não é monte;
Temos medo! Medo! Quem então me pode defender,
Interceder por mim na necessidade extrema?”


(url)


A COMPRAR

A correr, antes que desapareça, se esgote, acabe. O livro de hoje do DN, é o Assassínio na Catedral de T. S. Eliot, na tradução de José Blanc de Portugal. Nas páginas 65 a 67, na fala do coro, um dos pedidos de perdão mais veementes, porque “eu consenti”. Tomás responde: “A espécie humana não suporta muito bem a realidade”.

(url)


NOTAS CHEKOVIANAS 4



O quadro que hoje nos ilustra varia do modelo habitual por causa das notas sobre Chekov. É uma parte de uma pintura do norueguês Peder Severin Kroyer um dos pintores de Skagen. Passa-se aliás em Skagen em 1893, uma cena burguesa, de um pequeno-almoço de intelectuais aí veraneantes. A luz de Skagen está também presente reflectindo-se no vestido da mulher e no boião com as flores. Tudo é sólido, tudo parece ser simples e de boa qualidade, nórdico se se quiser. Na mesa está pão, manteiga, ovos, chá, talvez café, água gaseificada. Alguns destes pormenores não se vêm no fragmento, mas apenas no quadro original. Uma reprodução do original está aqui.

Na pintura está o casal Kroyer e Otto Benzon, um escritor dinamarquês, autor de alguns dos poemas que Grieg musicou. Todo este mundo é tão nórdico que se procurarem na Internet por estes nomes, quase nada aparece em inglês. A razão porque este quadro me atraiu foi pelo humano exercício (e chekoviano) de divagarmos em imaginação de como é que no futuro nos poderão ver. Como é que daqui a cinquenta anos se olhará para o que somos , o que fazemos, como vivemos? Eu já não generalizo, mas fico-me com os intelectuais, com os litterati, que somos quase todos os que escrevem aqui – os émulos menos talentosos dos veraneantes dourados de Skagen.

O quadro responde-nos, porque Benzon, e os Kroyer fizeram certamente a mesma pergunta. Assim. Fomos nós? Somos nós.
Sem a pintura.

(url)


MUNDO


(url)


NOTAS CHEKOVIANAS 2

Há um momento na literatura russa, entre o fim do século XIX e o início do século XX , em que escritores como Tolstoy e Chekov encontraram um olhar único, que não sei descrever melhor do que usando as palavras de outro, o olhar do “milk of human kindness” shakespereano.

Entre as razões que estiveram na origem desse olhar estão razões que hoje, que estamos em tempos de retorno ao esteticismo, não nos pareceriam suficientemente “literárias”. Fizeram-no por preocupações sociais. Um e outro disseram-no de forma explícita.

Esse olhar, esse toque a que chamo chekoviano, não se concentrou na fractura da diferenciação social (como o fizeram outros escritores, Tolstoy em parte, Gorki), foi para além dela para ver a miséria humana, o sofrimento das pessoas comuns, a névoa de tristeza das vidas mal vividas, seja a que nível social for.

Chekov percebeu a intensidade do sofrimento das pessoas comuns, e a maioria das pessoas comuns eram, na Rússia, camponeses vivendo na miséria, mas manteve a continuidade do olhar, mesmo subindo na escala social. Muitos contos de Chekov passam-se nos meios “pequeno - burgueses”, pequenas vidas, pequenos sonhos, pequenas riquezas, férias em Yalta, cidades provincianas, funcionários e oficiais de baixa patente, embora não ficasse por aí. Mas o toque é o mesmo, toca num pequeno mosteiro pobre, num casa camponesa, numa prisão de deportados, ou num clube de oficiais sem nada para fazer, e encontra o mesmo abismo entre a vida que se desejava viver e a que se vive. O maior abismo que há.


NOTAS CHEKOVIANAS 3

O toque chekoviano foi o encontrar um modo muito simples de falar desta tristeza, sem mais do que a enunciar, pequenos traços sobre pequenos traços, muitas vezes interrompendo uma sequência narrativa que o leitor esperava ver concluída. Não há em Chekov grandes amores, grandes paixões, actos nobres, nenhuma espécie de grandiloquência nem afectiva, nem qualquer outra. Há uma voz mínima que perpassa entre as personagens, todas um pouco perdidas entre o aborrecimento e a tristeza, entre a dor sentida e a percepção da dor dos outros.

Esta falta de grandiloquência, não diminui em nada a força dos sentimentos. Talvez mais do que em qualquer outro escritor, há uma enorme integridade pessoal nas personagens chekovianas, fiéis a um destino que não controlam, mas tendendo, a, no momento certo, fazerem as coisas certas sem qualquer sentimento de arrogância moral. Estas “coisas certas” em Chekov também não são decisões dilacerantes, mas pequenos actos que se esgotam mal se realizam.

(url)


SINDROMA DE ABSTINÊNCIA

Os nossos noticiários televisivos, dos três canais em uníssono, sofrem de sindroma de abstinência: fazem-lhe falta os fogos. Como nada está a arder em sítio nenhum, passam imagens sobre imagens, dos fogos da semana passada (sem indicação que são imagens de arquivo, para assustar as pessoas) na parte nobre que , noutra era televisiva, era reservada para notícias. Que pena, não é, que não haja incêndios?

(url)


NOTAS CHEKOVIANAS

Inicio aqui uma série de notas, observações, indicações sobre um dos meus autores absolutos, Chekov. Há os autores de que se gosta, os autores favoritos e há os autores absolutos – sem os quais nós não somos o que somos, porque fomos feitos por eles. São muito poucos, como é natural. Já basta a confusão que cada um é, ainda por cima transportar depois uma multidão de vozes à volta, falando tanto ou mais alto.

Estas notas não terão qualquer ordem. Incluirão meras observações, relatos de visitas minhas a locais chekovianos, comparações às vezes um pouco imprevisíveis, como com Cesário Verde, entusiasmos de leitura. Vale tudo, desde que seja à volta de Chekov.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 30

Escrevi ontem que para mim o template é a face do blogue, mais que a face do seu autor: Talvez por isso eu esteja tão preso ao meu, template de fábrica, ready made do Blogger, mas fazendo-me bom serviço. Escolhi-o pela simplicidade e legibilidade, e partilho-o com mais um ou dois blogues, não muitos porque poucos o escolheram e, alguns que o escolheram, entretanto mudaram.

Isto é um pouco contraditório, porque gosto de ver os outros blogues mudarem, e de um modo geral penso que mudam para melhor. Mas este meu, vermelho e branco, como a antiga bandeira czarista , ficará aqui por vários séculos.

Outra coisa que acho interessante é o modo como o tempo no blogue se manifesta de uma forma parecida com o tempo inscrito na geologia, por estratos. Eu coloco esta nota e empurro para baixo a imagem e as outras notas. Uma sairá da zona visível e entra no princípio da sombra. Como os mares antigos, que somos capazes de ler numa rocha, folha a folha, de um gigantesco cemitério, o tempo empilha camadas. A camada de cima aperta as de baixo reduzindo-as a um fio cada vez mais fino de histórias indecifráveis.

Será que quem ler isto, muitas camadas depois, numa arqueologia esforçada qualquer, encontrará também, numa camada de irídio, o sinal dos grandes impactos? E das grandes extinções?

(url)

18.8.03


CORSO - RICORSO


(url)


EARLY MORNING BLOGS 29

Pouco a pouco, os blogues chegam de férias. Recomeça a Torre de Babel a ser construída.

Reparei hoje, com alguma surpresa, num efeito de despersonalização na minha relação com a leitura dos blogues: associo-os pouco com os seus autores, mesmo quando os conheço pessoalmente ou sei o que fazem e o que escrevem. O blogue X é o blogue X e, mesmo quando sei de quem é, essa pertença é muito imaterial, raras vezes me lembro disso ao lê-lo. Leio-o sem a vera efígie. A face é o template cheio de palavras e imagens.

Tenho também muito pouca curiosidade em saber de quem são os blogues, atitude que não é partilhada por muitos, para quem a identidade do seu autor se sobrepõe a tudo e procuram afanosamente saber quem está por detrás de um pseudónimo.

Claro que há excepções, e essas excepções funcionam exactamente ao contrário - nesses blogues só há o autor(a) e o resto é que é abstracto. Vejo a pessoa viva atrás. Mas acontece com menos blogues do que os dedos de uma só mão. A blogosfera é , para mim, impessoal.

(url)


HAROLDO DE CAMPOS

Morreu Haroldo de Campos, um nome que talvez não diga muito hoje a ninguém. A mim diz muito, porque foi através de Haroldo de Campos e M. S. Lourenço (nos artigos do Tempo e o Modo) que comecei a entrar dentro de Pound e Joyce. E não era o Joyce do Ulisses mas o do Finnegans Wake . “Entrar dentro” significava interessar-me muito, entusiasmar-me, estudar, tentar repetir, e mandar umas coisas como resultado para o Diário de Lisboa Juvenil. Aí, o Castrim, que tinha o cânone apertado, poupou-me a vergonha da publicação.

(url)


TEMPOS DE PUREZA

Palavras da “Ignota” , “Lúcia” em Come Tu Mi Vuoi , peça escrita em 1929, por Luigi Pirandello:

"Sono qua, sono tua; in me non c'è nulla, più nulla, di mio: fammi tu, come tu mi vuoi. Eccomi di nuovo a te, non per me più, non per ciò che quella può aver vissuto ... nessun ricordo più: dammi i tuoi ... Questi ridiventeranno vivi in me, vivi di quell'amore che lei ti diede."

"Io sì, sono Cia, non quella che fu, quella che sono io oggi, domani ... Essere? Essere è niente! essere è farsi."

Imaginem o que uma grande actriz faz destas palavras.

(url)

17.8.03


ORIGEM DAS IMAGENS

È natural que periodicamente os leitores perguntem sobre a origem das imagens, porque as explicações que já dei sobre elas estão lá para trás, enterradas no limbo dos arquivos, onde os textinhos, que brilharam um dia à luz do ecrã, vagueiam soturnos no meio das sombras electrónicas. Os leitores podem dar-lhes uma alegria passageira visitando-os, jorrando o sol da atenção sobre essas palavras esquecidas.

De qualquer modo algumas das imagens mais recentes são de Caspar David Friedrich, Marcus Larson, L. A. Ring, Roy Lichtenstein, Claude Monet, P. S. Kroyer. Jacobus van Looy, Johan Thomas Lundbye, Edward Lear, Memling, Emanuel Larsen, Van Gogh, etc. Não há ordem nem cronológica, nem estética, nem qualquer outra. Há um elevado número de pintores do Norte da Europa, nórdicos em particular, da chamada “escola de Skagen”.

Voltarei um dia a falar dos pintores de Skagen, um dos meus entusiasmos em pintura, criadores da “luz do Norte” que nós, no sul , desconhecemos.

(url)


TÍTULOS QUE NUNCA USEI 2

Um grupo de amigos sugeriu-me outro título à procura de artigo: “Não foi por querer”, ou “não foi de propósito”. Vem na sequência do “Pode ser Vidago?” que, por sua vez, tem como inspiração última a história de Eça de Queiroz da chegada tardia a S. Apolónia de Fradique. O tema é modesto: Portugal.

(url)


GRAVITAS


(url)


UMA PROCISSÃO POPULAR

Daquelas genuínas, só para as pessoas de uma pequena aldeia, sem ninguém de fora, desconhecida, não especial por coisa nenhuma. Um acto social puro de uma pequeníssima comunidade.

Sai da igreja após uma formatura complicada pela desorganização geral. Mas, pouco a pouco, a experiência de anos e anos sobrepõe-se, e a fila organiza-se. Uma procissão é uma fila.

À frente, três homens cobertos com uma capa branca. A seguir o presidente da colectividade organizadora das festas deste ano (revezam-se) com fato domingueiro, com um pendão antigo bordado com o santo padroeiro e o nome da terra. O escuro do fato contrasta com as capas brancas esvoaçantes que são a regra nos homens e mulheres que transportam os andores e que constituem o corpo avançado da procissão. O mesmo pendão já tinha servido para encabeçar a banda no peditório anual pelas ruas. Funciona como a bandeira não oficial da aldeia.

Seguem-se os andores, muito pequenos, porque os santos são os da igreja, apeados dos altares e tem tamanhos variáveis, uns maiores outros, mais pequenos, mas como a terra é pobre tendem para o muito pequeno. Os andores são padiolas onde assenta o santo e à sua volta explodem flores. Uma das riquezas da
procissão são as flores vivíssimas dos andores, vermelhas, amarelas, brancas. No dia anterior, os andores foram montados no interior da igreja, tarefa que exige muito trabalho e dedicação. É um grupo de mulheres que prepara os andores.

Há qualquer coisa de parada militar na procissão, a ordem interior, a marcha cadenciada, a rígida hierarquia. Quando passa a banda nota-se mais este aspecto militar. A banda é precedida pela bandeira da banda e a seguir o maestro, imponente de autoridade e de gravidade, fato escuro, tendo ao lado uma rapariguinha muito pequena que marcha ao seu lado com evidente prazer (filha? Alguém que pediu para ir ali?). Depois segue o corpo da banda, fardado, com enorme disparidade de idades, muito velhos e crianças, tocando instrumentos na maioria de sopro e madeiras. O som da marcha marca a cadência do passo.

O padre, um jovem padre que se ocupa de várias paróquias na região, vem vestido de branco, com ar frágil, rodeado de jovens. Enquanto o presidente da colectividade caminha sozinho com a sua bandeira, o padre está no centro de um pequeno grupo. A Igreja como comunidade? A colectividade como hierarquia?

Embora haja pessoas a ver ao lado, nos passeios, persignando-se quando passa o andor de N. S. da Assunção, ou o padre, a esmagadora maioria vai integrada na própria procissão, no fim. É aí que vai a comunidade, uma pequena mole de cem, cento e cinquenta pessoas, compacta, as mulheres às vezes de braço dado, um pequeno número de casais, algumas crianças pela mão. O grupo final é a aldeia, ou melhor, a parte feminina da aldeia. O número de homens é pequeno.

Apesar do som da banda, o silêncio predomina. Famílias que só se reúnem uma vez por ano estão cá, famílias que só vêm à terra uma vez por ano, cá estão, uma terra com muito pouca gente, quadruplicou – há crianças a correr por todo o lado, raparigas e rapazes a passar ruidosos na sua adolescência a anunciar por todo o lado, telemóveis tocam à esquerda e à direita, as notícias de compras e vendas, sucessos e insucessos, funerais, casamentos, namoros e divórcios são postas em dia.

A comunidade reconstitui-se por um dia à volta da procissão e dispersar-se-á no dia seguinte. Até ao ano. Há uma força interior invisível no meio deste corso-ricorso, uma pertença.

(url)

16.8.03


MICROCOSMOS


(url)


PEDRAS

Os Reflexos ontem foram pouco amáveis para com as pedras. Escreveu o seu autor :

Com uma pedra não se fala, contorna-se. “

Eu percebo a frase para certo tipo de pedras, para determinadas variantes de pedras hominídeas. Percebo também que os “reflexos eléctricos” , sendo do lado das partículas fugazes, olhem para a solidez da pedra com desconfiança. Mas, lá no fundo da pedra estão “reflexos”, sobre “reflexos”, sobre “reflexos”, também fugazes a seu modo mais preso. Digamos que cintilam menos.

Eu sou mais amador de pedras devido à lição que recebi da Educação pela Pedra do João Cabral de Melo Neto e a uma velha admiração pela frase fundadora : “sobre esta pedra … “ Mas se nos desentendemos sobre a pedra em geral, penso que nos encontramos no lápis lazúli, a pedra sem a qual não havia os azuis dos quadros italianos e que, penso, está reflectida no “azul eléctrico”.

(url)


EARLY MORNING BLOGS 28

Uma nota de circunstância: uma das minhas liberdades neste blogue é não ter que me pronunciar sobre tudo, nem sobre a agenda do mundo exterior, nem sobre a agenda desta atmosfera. É aliás uma liberdade bastante prezada penso que por todos. Eu, que como muitos outros aqui, acabamos por defender micro - causas , a última coisa que me passa pela cabeça é que os outros blogues se tenham que pronunciar sobre elas.

Essa liberdade é tão natural como a idêntica liberdade de me pronunciar sobre o que me apeteça, o que inclui claramente muitas matérias também aqui discutidas. A mais inútil das notas é a que insta o outro a pronunciar-se e tira imediatas conclusões morais, sobre as razões porque não faz. Ora o que abundam são falsos problemas, problemas colocados de modo viciado, problemas que não me interessam, problemas sobre os quais eu não sei o suficiente nem para ter a veleidade de me pronunciar, problemas sobre os quais acho que já disse o que queria, problemas sobre os quais, como toda a gente, existem factores de censura e inibição pessoais. Por isso, é mais natural o silêncio do que a fala.

(url)

15.8.03


CHANSON DE LA PLUS HAUTE TOUR



(url)


NOVA IORQUE. NOVA IORQUE

Onde eu gosto tanto de estar.

Estava em Nova Iorque no dia do apagão nos anos setenta. Lembro-me, como hoje. Meia hora depois, os empregados de restaurantes e cafés vieram para a rua dirigir o trânsito, com uma habilidade, longamente reprimida, para, uma vez na vida, serem bailarinos e sinaleiros.

Apesar das enormes dificuldades que a falta de luz causa numa cidade como Nova Iorque, as pessoas riam, falavam umas com as outras e iam ajudando no que podiam.

No meu hotel, o Washington Square Hotel, um velho hotel delapidado, e frequentado pela fauna da Village, onde havia sempre um som ao fundo de jazz e o ar cheirava a erva, o meu quarto era num dos andares superiores, talvez onze ou doze. Na entrada do hotel, organizavam-se excursões de subida aos quartos em grupo pela escada de serviço, escura que nem breu, sem janelas. Os grupos organizavam-se com velas e lá iam rindo, pregando sustos, brincando pela escada acima. Algumas dessas subidas devem ter contribuído para o baby boom do apagão.

Presumo que depois do 11 de Setembro, as coisas não tenham sido tão felizes, mas, pelo que se viu nas ruas, continua a ser a grande Nova Iorque, cidade única no mundo.


FOGUETES

Eu próprio fiz a pergunta e já tenho várias respostas – em muitos locais não houve foguetes nas festas de N. S. da Assunção. A directiva do MAI foi aplicada pelos governadores civis e, com mais ou menos protestos, acatada. O clima de revolta com os incêndios ajudou ao cumprimento, e convinha que, passado este choque, se aproveitasse para acabar de vez com uma desnecessária e evitável causa de fogos

Agora há um ano para as pirotecnias investirem no fogo preso e abandonarem o fogo de cana, perigoso para os incêndios, e provocando todos os anos uma série de acidentes com crianças, Para que se incentive o uso de lasers decorativos, que não tem estes perigos. Para que se aprenda alguma coisa e não se ande para trás outra vez.

(url)


AVARIAS

Devido a avarias em várias peças do hardware que suporta o Abrupto, blogue e correio electrónico, textos e trabalhos, este está desde ontem em regime de manutenção mínima. Talvez durante o dia de hoje se volte ao normal.

(url)

14.8.03


CALMA



(url)


CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE SOBRE A TSF

Em Dezembro de 2000, quando a PT comprou a Lusomundo, houve apenas uma voz que suscitou problemas a essa compra quer na imprensa, quer no Flashback da TSF. Seguem-se extractos do que escrevi na altura no Público :

A compra da Lusomundo pela PT e a hipótese de se concretizar idêntica compra da Media Capital, junta na PT um dos grupos mais poderosos de comunicação social em Portugal. Com um mesmo dono ficarão entre outros o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, portais do Internet e eventualmente a TVI, o Diário Económico, e vários outros jornais regionais e rádios. A justificação oficial dessa compra está na necessidade de unir "conteúdos" com plataformas de telecomunicações, uma tendência característica dos "negócios" na área estratégica da nova economia. Tudo isto parece idêntico ao que se passa nos outros países e o "negócio" fundamentado em tendências correntes da economia. Mas esta inocente análise, tão conveniente ao poder, esconde uma perigosa consequência para a qualidade da nossa democracia.

(…) Alguns directores de órgãos de comunicação social do grupo Lusomundo, entenderam escrever editoriais ou dizerem que o "negócio" não impedia a liberdade editorial que eles próprios garantiam nos órgãos de comunicação. Não contesto a genuinidade das suas convicções de que assim seja, mas acho que, estão a ser pouco cautelosos e a desprevenir os seus leitores e ouvintes, e em geral os portugueses quanto às consequências do que se está a passar. De facto, como jornalistas, com responsabilidades de direcção, eles devem ser os primeiros a saber que justificar o que se passou como se fosse "apenas" um "bom negócio" nestes tempos de nova economia ilude o essencial: o papel do governo no "negócio" e a dependência do governo da PT através da chamada "golden share". Eles vieram garantir com grande ingenuidade, que nenhum comando político será possível, visto que as opções do "negócio" não terão reflexos editoriais e, que se tratava por parte da PT, apenas de comprar "conteúdos", para potenciar a sua plataforma de distribuição. A própria justificação deste "negócio", feita desta forma acrítica, é já preocupante.

O que se passa é que nesta aquisição da PT há questões políticas incontornáveis e que devem ser descritas com toda a clareza para se perceber bem: quem manda na PT é o governo, e dificilmente alguém imagina a decisão da compra da Lusomundo (e eventualmente de outras compras a haver) sem que tal passasse por uma decisão do governo. Tem sido política do tandem, Primeiro Ministro Guterres, Ministro Pina Moura, privatizar na aparência, e reforçar o controle do governo através de golden shares, do exercício da tutela e da nomeação de gestores de confiança política, e da interferência directa do governo em actos normais de gestão. Isto coloca a decisão da PT numa luz diversa da de um mero "negócio". A PT não é uma empresa privada qualquer é um instrumento "estratégico" do governo e do poder socialista e já não é de agora que é assim.

Dito com a brutalidade das grandes verdades, a cadeia de comando vai do Ministro Jorge Coelho, para o Presidente do Conselho de Administração Murteira Nabo e, quer um quer outro, não são pessoas vulgares mas socialistas com funções politizadas: o Ministro Coelho é o que se sabe e o Eng. Murteira Nabo só não foi ministro, pela razão que também se sabe. Com a golden share do estado, as decisões últimas sobre qualquer grande negócio da PT vão a Conselho de Ministros, formal ou informal, e é por isso que quando eles estão a mexer nos "conteúdos", mesmo que em nome dos "negócios", se possa suscitar necessariamente uma questão política séria de liberdade e pluralismo. E se não se suscita, então a coisa é ainda mais séria, porque se está a jogar ou no amorfismo ou, pior ainda, em obscuros compromissos de que muitas vezes a própria oposição não está isenta, em empresas geridas pelo método do "bloco central".
(…)
Já ninguém é suficientemente ingénuo para pensar que a interferência do governo na comunicação social se faz por telefonemas directos dos ministros, embora ainda os haja. As formas são mais sofisticadas uma das quais são as "reestruturações" em nome da eficácia dos "negócios" que condicionam carreiras, postos, compromissos e o destino de jornais e rádios. Também aí há alguém a premiar quem se porta bem e quem se porta mal e esse alguém está no governo, ou depende do governo.


Este foi o contexto da compra da Lusomundo pela PT e as consequências previsíveis para quem pensasse um pouco. Acrescento apenas que de há muito penso que um governo, qualquer governo, seja socialista ou social-democrata, não deve controlar órgãos de comunicação social, quer directa, quer indirectamente e que tendo meios para os controlar , usa-os sempre. É válido para a RTP, para a Lusa, para todo o sistema comunicacional ligado a empresas públicas.

Se hoje se vê, no fim da TSF como emissora noticiosa, um manobra grave contra o pluralismo informativo, convém ir atrás, à raiz do problema.

(url)


ASPECTOS DO IMPERIALISMO CULTURAL AMERICANO

Há uma série televisiva americana que se arroga o direito de falar de Proust, Goya, Sartre, Heidegger, Camus, Kierkegaard, Churchill, Dostoiewsky, Coleridge, Freud, Lacan, para além dos Beatles, das Spice Girls e mais mil e uma referências à nossa sólida e inexpugnável cultura europeia, parte do nosso baluarte identitário contra o imperialismo americano. Devia haver protestos por eles não se ficarem apenas pelas “french fries”. Podem chamar o Bové para ele ir partir os vidros das Barnes and Noble.

Os culpados são os Sopranos.

(url)


TÍTULOS QUE NUNCA USEI

Às vezes há textos à procura de títulos, outros títulos à procura de textos. Há muitos anos que dois títulos me perseguem, sei o que queria escrever para eles e nunca fui capaz, ou por pura incapacidade ou receio, medo, medinho.

É o caso de um texto sobre Portugal que nunca fui capaz de escrever com o título “Pode ser Vidago?”, excelente retrato de uma terra onde se pede uma coisa e nos perguntam se pode ser outra. Nós queremos Pedras, ou Carvalhelhos, ou outra coisa qualquer e respondem-nos quase automaticamente se pode ser Vidago. A resposta, como se sabe desde Eça, é pode… Pode ser Vidago.

O segundo título é o de uma canção que todos os anos ouço repetida mil e uma vezes nas festas populares: “Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré”. Aqui não teria nenhuma dificuldade em descrever a lagartixa, ou várias, e a impossibilidade genética de chegar a jacaré, mas depois, uma mistura de “para que é que eu estou a maçar-me” e uma réstia remota de caridade cristã ou de filantropia moscovita à Pessoa, lá me deixa o título no limbo.

(url)

13.8.03


IRRESPONSABILIDADE

O noticiário da TVI começou com estas palavras : “neste momento no Algarve cerca de 2000 pessoas estão cercadas pelo fogo”. Quem não for capaz de descodificar o alarmismo destas notícias toma à letra o que é dito: há 2000 pessoas que não podem sair do sítio X e correm perigo de vida. Quantas pessoas vão apanhar um susto enorme, absolutamente criminoso, nestes dias já de susto?

O primeiro testemunho em directo, de uma autarca, um ou dois minutos depois, sobre a mesma situação, começou assim: “neste momentos a situação está mais calma”. Veja-se o tempo dos verbos, estão ambos a falar da mesma situação. Há fogos que não tem chamas.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]