ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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25.8.03
TRADUÇÃO INÉDITA DE PETRARCA POR VASCO GRAÇA MOURA
Em exclusivo para os leitores do Abrupto, publica-se a seguir a tradução inédita que Vasco Graça Moura fez da Canção nº 206 , parte de uma tradução integral do Canzoniere, que será publicada em Novembro deste ano. Vasco Graça Moura considera esta canção “um exercício da virtuosidade petraquiana: construção complexa de modelo provençal em que as estâncias rimam duas a duas, e em que há uma certa obscuridade. Parece que o autor se defende de "terem dito que ele tinha dito" alguma coisa desfavorável a Laura..” O original italiano está em itálico, a tradução em tipo normal. Obrigada, Vasco. 206. S’i’ ’l dissi mai, ch’i’ vegna in odio a quella del cui amor vivo, e senza ’l qual morrei; s’i’ ’l dissi, che ’ miei dí sian pochi, e rei, e di vil signoria l’anima ancella; s’i’ ’l dissi, contra me s’arme ogni stella, e dal mio lato sia paura e gelosia, e la nemica mia più feroce vèr’ me sempre e più bella. S’i’ ’l dissi, Amor l’aurate sue quadrella spenda in me tutte, e l’impiombate in lei; s’i’ ’l dissi, cielo, e terra, uomini e dèi mi sian contrarî, et essa ogni or più fella; s’i’ ’l dissi, chi con sua cieca facella dritto a morte m’invia, pur come suol si stia, né mai più dolce o pia vèr me si mostri, in atto od in favella. S’i’ ’l dissi mai, di quel ch’i’ men vorrei, piena trovi quest’aspra e breve via; s’i ’l dissi, il fero ardor, che mi desvia, cresca in me, quanto il fier ghiaccio in costei; s’i ’l dissi, unqua non veggian li occhi mei sol chiaro, o sua sorella, né donna, né donzella, ma terribil procella, qual Faraone in perseguir gli ebrei. S’i ’l dissi, co i sospir, quant’io mai fêi, sia pietà per me morta, e cortesia; s’i ’l dissi, il dir s’innaspri, che s’udia sí dolce allor che vinto mi rendei; s’i ’l dissi, io spiaccia a quella ch’i’ tôrrei, sol, chiuso in fosca cella, dal dí che la mamella lasciai, fin che si svella da me l’alma, adorar: forse e ’l farei. Ma s’io no ’l dissi, chi sí dolce apria meo cor a speme ne l’età novella, regga ’ncor questa stanca navicella col governo di sua pietà natia, né diventi altra, ma pur qual solía quando più non potei, che me stesso perdei, né più arder devrei. Mal fa, chi tanta fé sí tosto oblia. I’ no ’l dissi già mai, né dir poría, per oro, o per cittadi, o per castella. Vinca ’l ver dunque, e si rimanga in sella, e vinta a terra caggia la bugia. Tu sai in me il tutto, Amor: s’ella ne spia, dinne quel che dir dêi. I’ beato direi, tre volte, e quattro, e sei, chi, devendo languir, si morì pria. Per Rachel ho servito, e non per Lia; né con altra saprei viver; e sosterrei, quando ’l ciel ne rappella, girmen, con ella, in sul carro Elia. 206. Se o disse alguma vez, então aquela de cujo amor só vivo, a mim odeie; se o fiz, meu tempo encurte e se desfeie e vil senhor à alma dê tutela; se o disse, me desgrace toda a estrela e eu tenha em companhia o medo e a gelosia e minha imiga fria mais feroz para mim sempre e mais bela. Se o disse, gaste Amor as flechas nela de chumbo e com as de ouro me alanceie, e céu, terra, homens, deuses façam lei contrária a mim, com a crueza dela; se o disse, quem com cego archote zela e à morte já me envia, fique como soía, e nem mais doce ou pia a mim se mostre, em acto ou em loquela. Se o disse, do que menos quererei encontre eu cheia esta áspr’a e breve via; se o disse, o fero ardor que me desvia cresça em mim quanto nela o gelo é rei; se o disse, nunca a mim se patenteie sol claro, irmã que vela, nem dona, nem donzela, mas terrível procela qual Faraó a hebreus desencadeie. Se o disse, com suspiros quantos dei, me morram piedade e cortesia; se o disse, amargue o dito que se ouvia tão doce, que vencido me entreguei; se o disse, desagrade a quem busquei, só, posto em turva cela, dês que mamei àquela hora que nos apela a alma, adorar: e acaso inda o farei. Mas se o não disse, quem tão doce abria meu peito e nova esp’rança lhe revela, governe inda esta lassa navicela com leme que piedade inata guia, nem se torne outra e seja qual soía quando a mais não cheguei: perdi-me e perder sei que mais não poderei. Quem tal fé cedo esquece mal faria. Eu não o disse nunca, nem podia, por ouro, por castelo ou cidadela. Vença a verdade pois e fique em sela, caia em terra a mentira sem valia. Tu sabes tudo, Amor: e se ela espia, diz-lhe o que te mandei. Feliz três vezes sei, e quatro e seis, direi, quem, devendo sofrer, antes morria. Por Raquel hei servido e não por Lia, nem noutra saberei viver; e susterei, se o céu chamar, com ela ir na atrela em que Elias ascendia. (url)
© José Pacheco Pereira
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