ABRUPTO

22.8.03


NOTAS CHEKOVIANAS 5

Fiel a uma promessa que fiz nos primeiros momentos do Abrupto, comprei uma série de DVDs de filmes franceses, que tenho vindo a ver ao acaso do tempo. Para quem não leu essa nota inicial, recapitulo. Fiz uma comparação entre o cinema francês e o americano, pouco abonatória para o cinema francês. Alguns autores de outros blogues censuraram-me a nota e chamaram-me a atenção para determinadas filmes que eu não tinha visto. Eu enfiei, como se costuma dizer, a viola no saco, e prometi voltar ao assunto depois de os ver.

Já vi alguns e com gosto. Continuo a manter a mesma opinião em termos gerais, mas a verdade é que há outras coisas nesses filmes que merecem mais atenção do que a que eu tinha dado. Vi, por exemplo, uns a seguir aos outros, três filmes de Éric Rohmer, Le Genou de Claire, La Collectionneuse e L’Amour l’Aprés-Midi, da série dos “Seis contos morais”. São todos muito parecidos, podiam ser um único filme.

Em todos eles um conjunto trivial de personagens, homens e mulheres, encontram-se num espaço comum, um bairro de Paris, uma casa em Annecy junto ao lago, uma velha mansão na parte rural por detrás de St. Tropez. Não há verdadeiramente uma história – estão lá, vêem-se, almoçam, passeiam, tomam o pequeno-almoço, conversam, namoram. Não há em nenhuma personagem qualquer sentimento forte, nem sequer qualquer desejo de tocarem os outros, ou de por eles serem tocados. Não há gritos, não há zangas, não há ciúmes, mas, pouco a pouco, as personagens são empurradas umas para os outras, para relações que aparentemente não queriam, mas que acontecem. Acontecem, mas sempre no limiar de não acontecer, porque o enleio dura um verão, ou melhor uns dias de verão, e depois desaparece com a mesma ligeireza com que começou. Tocam-se e afastam-se quase tão rapidamente, sem drama, sem tristeza, sem ninguém achar que ganhou ou perdeu alguma coisa.

O mecanismo destas histórias é semelhante aos dos contos de Chekov, mas a ecologia das personagens é muito diferente. Este mundo seria o de Chekov, se houvesse um pouco menos de ligeireza, um pouco menos de Verão, um certo sentido de tristeza humana, um vago assomo de destino. Não há, é tudo muito amável, quase se poderia dizer, agradável.

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© José Pacheco Pereira
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