ABRUPTO

20.8.03


IRAQUE

Eu não gosto de escrever sobre a situação iraquiana de forma fragmentária e curta, para que os blogues empurram. O Iraque é matéria em que quem apoiou o conflito tem, no meu entender, uma responsabilidade particular e só o pode tratar muito a sério., ou seja, de forma extensa e mais longa, para permitir a argumentação. Farei isso noutros locais mais apropriados, aqui ficam apenas notas por desenvolver.

Contrariamente ao que se possa pensar, nós temos hoje um grande deficit de informação sobre o que se passa no Iraque. A cobertura noticiosa é puramente incidental, manifestações, atentados e mortes de soldados americanos ou de civis. Tudo o mais, que é relevante no plano político mas menos espectacular, não chega aos jornais e às televisões. Julgar apenas com base nos incidentes, muito diferentes de natureza uns dos outros, é cair numa armadilha interpretativa.

Há no entanto um dado de bom senso, que pode ser partilhado pelas pessoas moderadas, à esquerda e à direita, mesmo com os que se opuseram à guerra – a verificação de que, se houvesse uma retirada das tropas americanas, haveria um banho de sangue no Iraque. Haveria uma desestabilização generalizada no Médio oriente e um crescendo do terrorismo a nível mundial.

A natureza do problema que se defronta no Iraque é mundial, não é local. É da natureza da guerra e não de uma operação de polícia. Tem características de uma guerra civil mundial, não o sendo exactamente. É uma guerra moderna porque vive da combinação entre o atentado suicida e o impacto na opinião pública. É apocalíptica porque quanto mais mortos, quanto mais câmaras presentes, maior é o espectáculo, maior é a eficácia

A comparação com o Vietnam é uma asneira completa. Nem o Iraque é o Vietnam, nem o mundo é o do Vietnam, nem a opinião pública americana é a do tempo do Vietnam, nem o exército americano é o do Vietnam, nem o fundamentalismo é o nacionalismo. Podia continuar-se indefinidamente.

A chave para resistir no Iraque o tempo necessário para se ter resultados é a firmeza e a persistência, as duas qualidades que o ascenso da demagogia nas democracias modernas mais dissolve na vida pública. A sobrevivência das democracias no século XXI vai depender de se encontrar um equilíbrio que impeça a demagogia de substituir a democracia e a pedra de toque dessa capacidade está, a nível global, em saber-se se as democracias vão continuar a poder fazer a guerra, a serem democracias armadas e a conduzir políticas de guerra com persistência suficiente para elas mudarem alguma coisa.

Eu não precisava de dizer que a guerra numa democracia é um instrumento de último recurso para defesa e segurança e para construir a paz, mas é melhor dizer para não facilitar as interpretações de má fé. Sem um pensamento sobre a guerra, não há paz, sem um pensamento democrático sobre a guerra , o mundo será muito mais violento. Se em meados do século XXI as principais potências militares mundiais forem regimes ditatoriais, a democracia conhecerá um longo ocaso e haverá um prolongado sofrimento para milhões e milhões de homens. Tão simples como isso.

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© José Pacheco Pereira
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