ABRUPTO

24.8.03


”DECISÕES TERRORISTAS” – Primeira parte

Uma nota de Paulo Varela Gomes (PVG) no seu cristovao-de-moura intitulada “Decisões terroristas”, foi a que mais interessante me pareceu em todo este debate sobre o terrorismo. Nela existem dois aspectos que podem ser separados para análise: um, apreciações sobre a situação relativa ao Iraque e ao fundamentalismo, outro, considerações sobre o terrorismo como acção e decisão e a sua eficácia. Falarei das duas separadamente, porque penso que tal se pode fazer sem prejudicar a argumentação de PVG

Na parte inicial cito algumas afirmações:

PVG- Os fundamentalistas sabem ter ganho, nas últimas décadas, apenas uma batalha: a do Irão (a primeira). Perderam as da Argélia, do Egipto, da Turquia, do Afeganistão e do Iraque, registaram uma espécie de empate na Arábia Saudita e no Paquistão, continuam o combate em muitos sítios (Marrocos, Tunísia, Egipto, Iraque, Paquistão, Indonésia).

JPP- Não concordo e penso que não é suportável factualmente. Em aspectos decisivos da vida pública e quotidiana, – naquele que talvez seja mais revelador, o da condição da mulher, mas também no esboço de uma laicidade do estado – , o fundamentalismo mudou profundamente o quotidiano na Argélia, no Egipto, no Paquistão, e introduziu tensões em todas as sociedades referidas. Cortou um caminho tímido, mas real, para sociedades menos dominadas pelos preceitos religiosos estritos. Na maneira de vestir, no consumo de bebidas alcoólicas, na imposição social do jejum no Ramadão, na liberdade de expressão sobre matérias religiosas, na liberdade de ser agnóstico ou ateu e proclama-lo, na liberdade de actuação de outras confissões religiosas, houve enormes recuos de Marrocos à Indonésia., passando pelas áreas muçulmanas da Ásia central.
A ideia que o combate do fundamentalismo é pelo poder político, pela governação, não é central no fundamentalismo, nem se manifesta do mesmo modo no sunismo e no chiismo.

PVG - Ainda é muito cedo para dizer se está ou não comprometido o objectivo estratégico dos norte-americanos no Iraque. Trata-se de um objectivo a duas décadas, pelo menos. Entretanto, os comentadores mais “sensatos” parecem pensar que a administração americana não teve consciência plena do vespeiro em que se ia meter.

JPP - No essencial, de acordo.

PVG - Por mim, acho que Bush, Rumsfeld, Wolfovitz e Cia são iguais aos fundamentalistas: não são moderados. São exagerados, radicais, brutos. São daqueles que fazem história, não daqueles que limam as arestas da história. Acho por isso que vão cerrar os dentes e meter mais tropas e mais dinheiro no Iraque.

JPP - Discordo com a caracterização inicial. As palavras pregam-nos o truque de nos seduzirem a usa-las de forma pouco rigorosa. “Fundamentalismo” é aqui usado para caracterizar realidades muito distintas. Não é o facto de se considerar Bush, Rumsfeld, Wolfovitz, “exagerados, radicais, brutos” que permite a comparação total – “são iguais aos fundamentalistas” – que é feita. Churchill, por exemplo, foi várias vezes assim classificado, quando a política de apaziguamento face a Hitler gozava de um apoio generalizado na opinião pública inglesa. A comparação tem todo o sentido porque o tipo de críticas a Churchill, que aliás se repetiram no mesmo tom e conteúdo quando ele fez o discurso sobre a “cortina de ferro”, é exactamente o mesmo daquelas que são feitas ao trio conservador. Pode-se dizer que eles estão convictos que é necessário travar uma guerra complicada no vespeiro do Médio Oriente, porque entendem que não há outra solução face aos desafios estratégicos que o terrorismo actual coloca aos EUA, pode-se dizer inclusive que a interpretação que fazem dos interesses americanos os leva a uma política belicista. Pode-se dizer que estão errados, que as suas acções tem o efeito contrário do pretendido, (não é esse aliás o ponto de vista de PVG), mas não se pode considera-los iguais.

Eu bem sei que para PVG o que os igualiza é o mind setting, a forma mentis, a capacidade para decidir, e para PVG, decidir é errar. Esta é a segunda questão que tratarei em seguida.

(Continua)

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© José Pacheco Pereira
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