ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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31.12.04
BOM ANO
To leave the old with a burst of song; To recall the right and forgive the wrong; To forget the things that bind you fast To the vain regrets of the year that's past. (url)
INTENDÊNCIA
Os Estudos sobre o Comunismo estão em actualização, em particular, a bibliografia de 2004. (url) (url)
PELA MANHÃ
O frio aperta. O sol brilha. Os montes têm o recorte habitual. À faca. Primeira série de colinas, segunda série de montes. Depois o mar. Uma sirene toca ao longe. Aqui é um som raríssimo no Inverno. Uma segunda sirene. Silêncio. O som de alguém que varre o chão. Alguma coisa de muito errado aconteceu. Ao longe. (url)
EARLY MORNING BLOGS 397
In the Park You have forty-nine days between death and rebirth if you're a Buddhist. Even the smallest soul could swim the English Channel in that time or climb, like a ten-month-old child, every step of the Washington Monument to travel across, up, down, over or through --you won't know till you get there which to do. He laid on me for a few seconds said Roscoe Black, who lived to tell about his skirmish with a grizzly bear in Glacier Park. He laid on me not doing anything. I could feel his heart beating against my heart. Never mind lie and lay, the whole world confuses them. For Roscoe Black you might say all forty-nine days flew by. I was raised on the Old Testament. In it God talks to Moses, Noah, Samuel, and they answer. People confer with angels. Certain animals converse with humans. It's a simple world, full of crossovers. Heaven's an airy Somewhere, and God has a nasty temper when provoked, but if there's a Hell, little is made of it. No longtailed Devil, no eternal fire, and no choosing what to come back as. When the grizzly bear appears, he lies/lays down on atheist and zealot. In the pitch-dark each of us waits for him in Glacier Park. (Maxine Kumin) * Bom dia! (url) 30.12.04
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: "SÓ O TEMPO É MESMO NOSSO"
"Nada nos pertence (...), só o tempo é mesmo nosso.A natureza concedeu-nos a posse desta coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto - mau grado o seu valor mínimo, ou nulo, e pelo menos certamente recuperável - lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o tempo que recebeu, apesar de este ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir." Lúcio Aneu Séneca , Cartas a Lucílio (Carta 1), enviado por João Costa (url)
APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: DESEJAR SER
"A mais poderosa inclinação e o mais poderoso apetite do homem é desejar ser. Bem nos conhecia este natural o demônio, quando esta foi a primeira pedra sobre que fundou a ruína a nossos primeiros pais. A primeira coisa que lhe disse e que lhe prometeu foi que seriam: Eritis (Gên. 3,5), e este eritis, este sereis foi o que destruiu o mundo. Não está o erro em desejarem os homens ser, mas está em não desejarem ser o que importa. Uns desejam ser ricos, outros desejam ser nobres, outros desejam ser sábios, outros desejam ser poderosos, outros desejam ser conhecidos e afamados, e quase todos desejam tudo isto, e todos erram. Só uma coisa devem os homens desejar ser, que é ser santos. Assim emendou Deus o sereis do demônio com outro sereis, dizendo: Sancti eritis, quia Ego sanctus sum . O demônio disse: Sereis como Deus, sendo sábios; e Deus disse: Sereis como Deus, sendo santos. E vai tanto de um sereis a outro sereis, que o sereis do demônio não só nos tirou o ser como Deus, mas tirou-nos também o ser, porque nos tirou o ser santos, e o sereis de Deus, exortando-nos a ser santos, como ele é, não só nos restitui o ser como Deus, senão também o ser. Quando Moisés perguntou a Deus o que era, respondeu Deus definindo-se: Ego sum qui sum (Êx. 3,14): Eu sou o que sou — porque só Deus tem por essência o ser. Agora diz a todos os homens por boca do mesmo Moisés: Se sois tão amigos e tão ambiciosos de ser, sede santos, e sereis, porque tudo o que não é ser santo, é não ser. Sede rei, sede imperador, sede papa: se não sois santo, não sois nada. Pelo contrário, ainda que sejais a mais vil e mais desprezada criatura do mundo, se sois santo, sois tudo o que pode chegar a ser o maior e mais bem afortunado homem, porque sois como aquele que só é e só tem ser, que é Deus. Todo o outro ser, por maior que pareça, não é, porque vem a parar em não ser. Só o ser santo é o verdadeiro ser, porque é o que só é, e o que há de permanecer por toda a eternidade." (url)
O MELHOR LIVRO DE DIVULGAÇÃO CULTURAL DE 2004
Felipe Fernandez Armesto, Ideas that changed the world, Londres, DK, 2004. A traduzir absolutamente. (url)
A MINHA LISTA DE NÃO-FICÇÃO NACIONAL DE 2004
(Por ordem alfabética) Paulo Ventura Araújo / Maria Pires de Carvalho / Manuela Delgado Leão Ramos, À Sombra de Árvores com História, Porto, Campo Aberto, 2004 (Um livro de amadores, no grande sentido da palavra, dos autores do blogue Dias com Árvores, para vermos as árvores e o Porto.) Maria João Avillez, Conversas com Álvaro Cunhal e Outras Lembranças, Lisboa, Temas e Debates, 2004 (As melhores entrevistas de Cunhal num jogo de sedução mútua muito interessante de perceber.) José Gil, Portugal Hoje. O Medo de Existir, Lisboa, Relógio de Água, 2004 (Nota no Abrupto.) Fernando Lima, O Meu Tempo com Cavaco Silva, Lisboa, Bertrand Editora, 2004 (Podia ter sido escolhido o original, o segundo volume da autobiografia de Cavaco, mas sendo ambos, o de Lima e o de Cavaco muito stiff, o de Lima tem muita informação mesmo que tratada de forma oficiosa e “autorizada”.) Eduardo Lourenço, Destroços. O Gibão de Mestre Gil e Outros Ensaios, Lisboa, Gradiva, 2004 (Nota no Abrupto.) Frederico Lourenço, Grécia Revisitada, Livros Cotovia, 2004 (O autor tem sido, depois de Maria Helena Rocha Pereira, o grande portador do amor perplexo que todos temos com a Grécia.) Dalila Cabrita Mateus, A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974, Lisboa, Terramar, 2004 (Sobre como os nossos brandos costumes eram ainda “mais” brandos nas colónias, e como era a PIDE de lá, em guerra.) Rui Vieira Nery, Para uma História do Fado, Público, 2004 (Obra revista e aumentada fundamental para nos conhecermos, o país onde é fácil fazer chorar as paredes e as pedras da calçada.) Leonor Curado Neves (Edição), António José Saraiva e Óscar Lopes: Correspondência , Lisboa, Gradiva, 2004 (Nota no Abrupto.) Alexandre Pomar, com a colaboração de Natália Vital e de Rosa Pomar, Júlio Pomar - Catalogue raisonné I (1942-1968), Paris, Editions de la Différence, 2004 (Nota nos Estudos sobre Comunismo.) (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 396
The Dover Bitch A Criticism of Life: for Andrews Wanning So there stood Matthew Arnold and this girl With the cliffs of England crumbling away behind them, And he said to her, 'Try to be true to me, And I'll do the same for you, for things are bad All over, etc., etc.' Well now, I knew this girl. It's true she had read Sophocles in a fairly good translation And caught that bitter allusion to the sea, But all the time he was talking she had in mind The notion of what his whiskers would feel like On the back of her neck. She told me later on That after a while she got to looking out At the lights across the channel, and really felt sad, Thinking of all the wine and enormous beds And blandishments in French and the perfumes. And then she got really angry. To have been brought All the way down from London, and then be addressed As a sort of mournful cosmic last resort Is really tough on a girl, and she was pretty. Anyway, she watched him pace the room And finger his watch-chain and seem to sweat a bit, And then she said one or two unprintable things. But you mustn't judge her by that. What I mean to say is, She's really all right. I still see her once in a while And she always treats me right. We have a drink And I give her a good time, and perhaps it's a year Before I see her again, but there she is, Running to fat, but dependable as they come. And sometimes I bring her a bottle of Nuit d' Amour. (Anthony Hecht) * Bom dia! (url) 29.12.04
BIBLIOFILIA: ALGUNS RAY BRADBURY DA COLECÇÃO
"Last week I turned 82. 82! When I look in the mirror, the person staring back at me is a young boy, with a head and heart filled with dreams and excitement and unquenchable enthusiasm for life. Sure, he's got white hair -- so what! People often ask me how I stay so young, how I've kept such a "youthful" outlook. The answer is simple: Live a life in which you cram yourself with all kinds of metaphors, all kinds of activities, and all kinds of love. And take time to laugh -- find something that makes you truly happy -- every day of your life. That is what I have done, from my earliest days." (Ray Bradbury, "Happy Birthday to Me!") Em breve acrescentarei Autumn People, a primeira edição em quadradinhos da E.C. Comics, com o fabuloso "Touch and Go", uma história metafísica sobre a totalidade e a perfeição. Etiquetas: Ray Bradbury (url)
A LER
este balanço dos progressos científicos mais significativos de 2004, para se perceber como em quase tudo o que é importante estamos num limiar, na porta, no momento de saltar para novos saberes e novas perguntas. As novas perguntas são mais importantes. (url)
INTENDÊNCIA
Colocados no VERITAS FILIA TEMPORIS a Lagartixa e o Jacaré 16 e 17, originalmente publicados na Sábado. Tratam da estratégia da coligação, do retorno do "Paulinho das Feiras", do Google e do prémio do Ponto Média. A número 17 inclui a lista dos dez mais e menos nacionais de 2004. (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE JUDAS
A hipótese política: Longe de ser um traidor, Judas ter-se-ia revelado o único que verdadeiramente cria no poder de Jesus Cristo. Anunciado como messias libertador e rei dos judeus, Jesus Cristo tardava em tomar a iniciativa de enfrentar o poderio romano e libertar o seu povo do jugo imperial. Perante a hesitação de Jesus, Judas quis forçá-Lo a agir, criando aquilo a que hoje chamaríamos um facto político. Vendo-se obrigado a enfrentar a autoridade romana, Jesus Cristo teria, por fim, que fazer apelo aos seus poderes sobrenaturais e expulsar o invasor, deixando os judeus tornarem-se senhores dos seus destinos. Teria, por fim, que se revelar como o Messias Libertador, como Judas acreditava que o era e o desejeva. O erro de Judas é o erro na análise da economia da redenção; não é o erro da traição. De resto, a hipótese da traição encaixa mal no relato bíblico. Com efeito, como explicar, que uma figura pública como Jesus, que era seguido nas ruas por um largo número de devotos, que não estava escondido, precisasse de ser denunciado? Como explicar que, possuído por Satanás, recebidos os trinta dinheiros, Judas não os fosse gozar, mas, em vez disso, tivesse corrido a enforcar-se? Repito: o pecado de Judas não foi a traição; foi o ter querido conhecer e influenciar os insondáveis desígnios da Providência. Fonte: Jorge Luis Borges - Três versões de Judas. (António Cardoso da Conceição) * António Cardoso da Conceição deu-nos a conhecer o texto de Jorge Luís Borges - "Três versões de Judas" mas não fez a ligação que se impunha com o "Dilema do Prisioneiro". Pressinto que a exploração deste tema por esse caminho pode trazer conclusões interessantes. Haverá alguém aí que queira fazer essa exploração ? (Manuel Galvão) (url) 28.12.04
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EARLY MORNING BLOGS 395
A Happy Birthday This evening, I sat by an open window and read till the light was gone and the book was no more than a part of the darkness. I could easily have switched on a lamp, but I wanted to ride this day down into night, to sit alone and smooth the unreadable page with the pale gray ghost of my hand. (Ted Kooser) * Bom dia! (url) 27.12.04
DETALHES
Os que sabem, sabem que é nos detalhes que o demónio está. Keats é um exemplo dessa atenção. Descrevia-se a si próprio com detalhe – “The fire is at its last click - I am sitting here with my back to it with one foot rather askew upon the rug and the other with the heel a little elevated upon the carpet...” – e pedia aos amigos e familiares que, nas suas cartas, descrevessem com total rigor como estavam naquele preciso momento: estás sentado(a), de pé, em que parte da sala, em que posição, etc. Keats vai mais longe e acredita que o conhecimento dos detalhes do momento concreto da criação são reveladores para a compreender: “Could I see the same thing done of any great Man long since dead it would be a great delight: as to know in what position Shakespeare sat when he began "To be or not to be". A materialidade da descrição se levada longe – e os detalhes são insaciáveis - conduz a fala ou a escrita a tornarem-se quase inevitavelmente eróticos. Vox de Nicholson Baker começa assim “What are you wearing?" he asked.”, uma pergunta do mesmo tipo das de Keats, mesmo quando não parece. (url)
APRENDENDO COM DIDEROT SOBRE O AMOR, AS CINZAS E A LEI DA AFINIDADE
"Le reste de la soirée s'est passé à me plaisanter sur mon paradoxe. On m'offrait de belles poires qui vivaient, des raisins qui pensaient. Et moi, je disais : ceux qui se sont aimés pendant leur vie et qui se font inhumer l'un à côté de l'autre ne sont peut-être pas si fous qu'on pense. Peut-être leurs cendres se pressent, se mêlent et s'unissent. Que sais-je ? Peut-être n'ont-elles pas perdu tout sentiment, toute mémoire de leur premier état. Peut-être ont-elles un reste de chaleur et de vie dont elles jouissent à leur manière au fond de l'urne froide qui les renferme. Nous jugeons de la vie des éléments par la vie des masses grossières. Peut-être sont-ce des choses bien diverses. On croit qu'il n'y a qu'un polype ; et pourquoi la nature entière ne serait-elle pas du même ordre ? Lorsque le polype est divisé en cent mille parties, l'animal primitif n'est plus, mais tous ses principes sont vivants. O ma Sophie, il me resterait donc un espoir de vous toucher, de vous sentir, de vous aimer, de vous chercher, de m'unir, de me confondre avec vous, quand nous ne serions plus. S'il y avait dans nos principes une loi d'affinité, s'il nous était réservé de composer un être commun ; si je devais dans la suite des siècles refaire un tout avec vous ; si les molécules de votre amant dissous venaient à s'agiter, à se mouvoir et à rechercher les vôtres éparses dans la nature ! Laissez-moi cette chimère. Elle m'est douce. Elle m'assurerait l'éternité en vous et avec vous." (url)
APRENDENDO COM S. TIAGO SOBRE A LÍNGUA
1 Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor. 2 Todos tropeçamos de muitas maneiras. Se alguém não tropeça no falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo. 3 Quando colocamos freios na boca dos cavalos para que eles nos obedeçam, podemos controlar o animal todo. 4 Tomem também como exemplo os navios; embora sejam tão grandes e impelidos por fortes ventos, são dirigidos por um leme muito pequeno, conforme a vontade do piloto. 5 Semelhantemente, a língua é um pequeno órgão do corpo, mas se vangloria de grandes coisas. Vejam como um grande bosque é incendiado por uma pequena fagulha. 6 Assim também, a língua é um fogo; é um mundo de iniquidade. Colocada entre os membros do nosso corpo, contamina a pessoa por inteiro, incendeia todo o curso de sua vida, sendo ela mesma incendiada pelo inferno. 7 Toda espécie de animais, aves, répteis e criaturas do mar doma-se e é domada pela espécie humana; 8 a língua, porém, ninguém consegue domar. Ela é um mal incontrolável, cheio de veneno mortífero. 9 Com a língua bendizemos ao Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. 10 Da mesma boca procedem bênção e maldição. Meus irmãos, isto não pode ser assim! 11 Acaso pode de uma mesma fonte sair água doce e água amarga? 12 Meus irmãos, pode uma figueira produzir azeitonas ou uma videira, figos? Da mesma forma, uma fonte de água salgada não pode produzir água doce. 13 Quem é sábio e tem entendimento entre vocês? Que o demonstre por seu bom procedimento, mediante obras feitas com a humildade que provém da sabedoria. 14 Contudo, se vocês abrigam no coração inveja amarga e ambição egoísta, não se gloriem disso, nem neguem a verdade. 15 Esta "sabedoria" não vem do céu, mas é terrena, não é espiritual e é demoníaca. 16 Pois onde há inveja e ambição egoísta, aí há confusão e toda espécie de males. 17 Mas a sabedoria que vem do alto é antes de tudo pura; depois, pacífica, amável, compreensiva, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sincera. 18 O fruto da justiça semeia-se em paz para os pacificadores. (url) (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 394
C'était sur un chemin crayeux C'était sur un chemin crayeux Trois châtes de Provence Qui s'en allaient d'un pas qui danse Le soleil dans les yeux. Une enseigne, au bord de la route, - Azur et jaune d'oeuf, - Annonçait : Vin de Châteauneuf, Tonnelles, Casse-croûte. Et, tandis que les suit trois fois Leur ombre violette, Noir pastou, sous la gloriette, Toi, tu t'en fous : tu bois... C'était trois châtes de Provence, Des oliviers poudreux, Et le mistral brûlant aux yeux Dans un azur immense. (Paul-Jean Toulet) * Bom dia! (url) 26.12.04
APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: DOCILIDADE
"Quem não é dócil, senhores, não pode ser douto; antes, a mesma docilidade é um sinónimo da ciência. Disse Deus a Salomão que pedisse o que quisesse, porque tudo lhe concederia. O que pediu foi docilidade: Dabis servo tuo cor docile ; e o que o Senhor lhe concedeu foi a maior sabedoria que nunca teve, nem terá outro homem: Dedi tibi cor sapiens, et intelligens in tantum, ut nullus ante te similis tui fuerit nec posto te surrecturus sit . Pois, se Deus tinha prometido a Salomão que lhe daria o que pedisse, e ele pediu docilidade, como lhe deu ciência? Por isso mesmo. Porque docilidade e ciência são a mesma coisa, e não podia Deus, segundo a sua promessa, deixar de lhe dar ciência, tendo ele pedido docilidade. Assim lho disse o mesmo Deus: Ecce leci tibi secundum sermones tuos . A ciência nenhuma outra coisa é que o conhecimento claro de muitas verdades, umas em si, que são os princípios, e outras que delas se seguem, que são as conclusões. E aqueles que não têm docilidade, — como são os tenazes do próprio juízo, e ferrados à sua opinião — ainda que a verdade se lhes represente, não são capazes de a receber. Por isso estes tais cada vez sabem menos, e todas as vezes que a opinião passa a erro, perseveram nele. " (url)
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O GRÃO DE AREIA QUE TE ATIREI
Esta fotografia é a menos pretensiosa das fotografias. Não tem vaidade, não tem soberba, não tem tumulto, não é clássica, não é moderna, não tem cores. É o retrato de uma coisa com valor imenso: o retrato do grão de areia que se atirou para Titã. Ele está lá, brilhante, na parte de cima da fotografia, um ponto de nada, no meio do nada, uma pequena sonda errante, embrulhada em papel de prata dourado, parecendo vagamente um chapéu. Lá vai, sem saber muito bem a quê. Lançado pela esperança de saber, lançado pela nossa qualidade mais humana: curiosidade, curiosidade, perturbante curiosidade. Como é? De que é feito? Como respira? Pertencem-nos aqueles gases, aquele solo, aquela atmosfera, e, talvez, aquela vida? O meu grão de areia paga para ver. Sofrerá no caminho, pode destruir-se, pode durar pouco, mas não procura o conforto, nem a segurança, nem um pouso certo. Procura uma verdade mais pura que as outras, mais primitiva, menos poluída. Valente ponto de luz, duro grão de areia, sinal da mão que o deitou, tão longe para o que não se conhece. O teu caminho é o meu. Nenhum outro. (url) (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 393
Dark Matter Scientists at the University of Rome, according to the New York Times, may have finally detected dark matter, the stuff that roughly eighty percent of the universe may be made of. Like certain superheroes, particles of dark matter pass through other matter unimpeded. But anti-gravity, scientists explain, "still cannot be expected to reverse the course of a falling apple, or drive an inflating wedge of nothingness between lovers." Which may be why the hero works best alone. Pals and sidekicks can be helpful, but women are too curious, too quick to believe the men they're with must be, at heart, different men. Of course they're right. And the hero is in trouble if he doesn't keep his other self a secret. He wants to be in love, to offer all the confidences a lover should. But he has to save the world, again and again. Thus it seems true that a wedge of nothingness divides the man and the woman, but also that the falling of an apple is irreversible. The hero must expect evil to continue. He cannot afford to be surprised by strangeness. Or ever expect a life in which he could only be himself. (Lawrence Raab) * Bom dia! (url)
NUMA MENSAGEM DE NATAL
esta frase, «Não é fácil perdoar, não é fácil compreender quem tenha atitudes que nós não tomaríamos, mas o Natal é isso mesmo tentar fazer o que não fazemos normalmente todos os dias», mostra uma obsessão. Nem numa mensagem, que é suposto ser proferida na maior das neutralidades e distância face à luta política, deixam de vir ao de cima a incubadora e as facadas. Não há em S. Bento um espelho que fale a verdade? (url) 25.12.04
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A NOSSA CASA
Se nós fôssemos pessoas de medos, o medo estaria em toda esta imagem. Há ali uma dimensão que não é a nossa. Há ali um frio que não é o nosso. Há ali uma força que não é a nossa. Há ali uma perfeição que não é a nossa. Toda a estranheza do mundo está ali. Olhando bem, tudo nos é alheio, tudo é inumano e o inumano é o que mais tememos. Medo primeiro, medo ancestral, medo geneticamente inscrito, medo do que não sabemos, do que não controlamos. Nós confiantes que controlamos, ou seja, possuímos, a nossa pequena terra, que não há mar, nem gelo, nem tempestade, nem rio, nem montanha que não possamos visitar, conquistar, domar com a vontade e a coragem, chegamos aqui e c’est toute une autre affaire! Claro que há a beleza, que parece a mais humana de todas as sensações. Kant já tinha percebido que não era bem assim, que há beleza que não é humana, que há beleza que infunde o terror. Será que queremos mesmo vê-la? Será que confrontados com este mundo, que é o mundo, que é o que está lá fora, na esquina do nosso pequeno sistema solar, verdadeiramente queremos mais do que saber? Eu sei que sim. Queremos saber, mas vamos querer habitar. Talvez a nossa casa se faça sempre contra o medo. Talvez. (Da sonda Cassini muito longe, esta foto para o Natal dos terrestres.) (url) 24.12.04
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APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: ESTRELAS
"Começando pelo amar e veneração dos gentios, aquela estrela que trouxe os Magos a Cristo era uma figura celestial e muito ilustre dos pregadores da fé. Assim o diz S. Gregório, e os outros padres camumente mas a mesma estrela o disse ainda melhor. Que ofício foi o daquela estrela? Alumiar, guiar e trazer homens a adorar a Cristo, e não outros homens, senão homens infiéis e idólatras, nascidos e criados nas trevas da gentilidade. Pois, esse mesmo é a ofício e exercício, não de quaisquer pregadores, senão daqueles pregadores de que falamos, e por isso propriamente estrelas de Cristo. Repara muito S. Máximo, em que esta estrela, que guiou os magos, se chame particularmente estrela de Cristo: Stella ejus e argúi assim: Todas as outras estrelas não são, também, estrelas de Cristo, que como Deus as criou? Sim, são. Pois, por que razão esta estrela, mais que as outras, se chama especialmente estrela sua: Stella ejus? Porque as outras estrelas foram geralmente criadas para tochas do céu e do mundo: esta foi criada especialmente para pregadora de Cristo: Quia quamvis omnes ab eo creatae stellae ipsius sint, haec tamen propna Christi erat, quia specialiter Christi nuntiabat adventum. – Muitas outras estrelas há naquele hemisfério muito claras nos resplendores e muita úteis nas influências, coma as do firmamento, mas estas de que falamos são própria e especialmente de Cristo, não só pelo nome de Jesus, com que se professam por suas, mas porque afim, a instituto e o ofício para que foram criadas, é o mesmo que o da estrela dos Magos, para trazer infiéis e gentios à fé de Cristo. Ora, se estas estrelas fossem tão diligentes, tão solícitas e tão pontuais em acompanhar, e guiar, e servir aos gentios, como a que acompanhou, guiou e serviu aos Magos, não teriam os mesmos gentios muita razão de as quererem e estimarem, de sentirem muita sua falta, e de se alegrarem e consolarem muita com sua presença? Assim o fizeram os Magos, e assim o diz o evangelista, não acabando de encarecer este contentamento: Videntes autem stellam, gavisi sunt gaudio magno valde. Pois, vamos agora seguindo os passas daquela estrela, desde o oriente até ao presépio, e veremos como as que hoje vemos tão mal vistas e tão perseguidas, não só imitam e igualam em tudo a estrela dos Magos, mas em tudo a excedem com grandes vantagens." (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 392
Ladainha dos póstumos natais Há-de vir um Natal e será o primeiro em que se veja à mesa o meu lugar vazio Há-de vir um Natal e será o primeiro em que hão-de me lembrar de modo menos nítido Há-de vir um Natal e será o primeiro em que só uma voz me evoque a sós consigo Há-de vir um Natal e será o primeiro em que não viva já ninguém meu conhecido Há-de vir um Natal e será o primeiro em que nem vivo esteja um verso deste livro Há-de vir um Natal e será o primeiro em que terei de novo o Nada a sós comigo Há-de vir um Natal e será o primeiro em que nem o Natal terá qualquer sentido Há-de vir um Natal e será o primeiro em que o Nada retome a cor do Infinito. (David Mourão-Ferreira) * Bom dia! (url) 23.12.04
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APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: A VITÓRIA DE CATARINA
"Se na consideração do número venceu Santa Catarina as Virgens sábias do Evangelho, reduzindo ela só a cinquenta, quando elas, sendo cinco, não puderam nem souberam reduzir a uma, não foi menos ilustre a sua vitória na consideração do sexo. As virgens, sendo mulheres, não ensinaram a uma mulher; Catarina, sendo mulher, ensinou a cinquenta homens. O apóstolo São Paulo fiou tão pouco do género feminino, que a todas as mulheres proibiu o ensinar: Docere autem mulieri non permitto. E que razão teve São Paulo para um preceito tão universal e tão odioso a metade do género humano, e na parte mais sensitiva dele? A razão que teve foi a maior de todas as razões, que é a experiência: Adam non est seductus, mulier autem seducta in praevaricatione fuit (1 Tim. 2,14): Em Adão e Eva — diz o Apóstolo — se viu a diferença que há entre o entendimento do homem e o da mulher — porque Eva foi enganada, Adão não. — Ensine logo Adão, ensine o homem; Eva e a mulher, não ensine. O que só lhe convém, e o que lhe mando, é que aprenda e cale: Mulier in silentio discatt. Segundo este preceito, que mais parece natural que positivo, pois o Apóstolo o deduz desde Adão e Eva, Catarina havia de aprender e calar, como mulher, e os filósofos ensinar, como homens, como filósofos, como graduados nas suas ciências, e como os primeiros e mais insignes mestres delas. Mas que Catarina fale e os filósofos ouçam, que Catarina ensine e os filósofos aprendam, que Catarina não só dispute, mas defina, não só argumente, mas conclua, não só impugne, mas vença, e tantos homens, e tais se reconheçam e confessem vencidos, foi vitória que de sexo a sexo só teve um exemplo, e de entendimento a entendimento nenhum." (url)
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: VOLTANDO A CASA
(A protecção térmica da Opportunity, que a sonda voltou a encontrar ao inverter o caminho que a levou à cratera.) - Aqui estou, voltando a casa, pisando o mesmo caminho, vendo as mesmas coisas com os meus velhos olhos. - As mesmas? - Não sei. As mesmas. A mudança é uma ilusão. - Isso é um ilusão ainda maior. Tudo muda. - Engano. Eu sou uma adepta tardia de Parménides, num mundo em que abundam os partidários daquele que fala do rio que corre. Em Marte a água já se foi. - Tens a certeza? - Tenho. Nunca nada muda no tempo, as pessoas confundem mudança com destino. Não há destino, só encontros. Não há tempo, só há momentos. Não há vento, só pedras que rolam. - Para onde? - Para o seu sítio. Para o Lugar Universal, para a gravidade. Não sei. O meu é aqui. (url)
COISAS SIMPLES: ARRUMAR
Leroy de Barde, Reúnions d'oiseaux étrangers placés dans les différentes caisses (url) 22.12.04
EARLY MORNING BLOGS 391
Saison fidèle aux coeurs qu'importune la joie Saison fidèle aux coeurs qu'importune la joie, Te voilà, chère Automne, encore de retour. La feuille quitte l'arbre, éclatante, et tournoie Dans les forêts à jour. Les aboiements des chiens de chasse au loin déchirent L'air inerte où l'on sent l'odeur des champs mouillés. Gonflés d'humidité, les prés mornes soupirent En cédant sous les pieds. Les oiseaux voyageurs, par bandes, dans les nues, Emigrent vers le Sud et les soleils plus chauds. Les laboureurs, penchés sur les lentes charrues, Couronnent les coteaux. Le soir, à l'horizon, parfois le ciel est rose ; Des troupes de corbeaux traversent le couchant. Dans le creux des sillons de la plaine repose, Pensive, une eau d'argent. (Charles Guérin) * Bom dia, belo dia! (url) (url)
ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO: O COSTUME
Why It Often Rains in the Movies Because so much consequential thinking happens in the rain. A steady mist to recall departures, a bitter downpour for betrayal. As if the first thing a man wants to do when he learns his wife is sleeping with his best friend, and has been for years, the very first thing is not to make a drink, and drink it, and make another, but to walk outside into bad weather. It's true that the way we look doesn't always reveal our feelings. Which is a problem for the movies. And why somebody has to smash a mirror, for example, to show he's angry and full of self-hate, whereas actual people rarely do this. And rarely sit on benches in the pouring rain to weep. Is he wondering why he didn't see it long ago? Is he wondering if in fact he did, and lied to himself? And perhaps she also saw the many ways he'd allowed himself to be deceived. In this city it will rain all night. So the three of them return to their houses, and the wife and her lover go upstairs to bed while the husband takes a small black pistol from a drawer, turns it over in his hands, then puts it back. Thus demonstrating his inability to respond to passion with passion. But we don't want him to shoot his wife, or his friend, or himself. And we've begun to suspect that none of this is going to work out, that we'll leave the theater feeling vaguely cheated, just as the movie, turning away from the husband's sorrow, leaves him to be a man who must continue, day after day, to walk outside into the rain, outside and back again, since now there can be nowhere in this world for him to rest. (Lawrence Raab) (url) 21.12.04
O "MEME" DE HOJE
é a palavra "patética" para designar a conferência do almoço. Já fez o seu caminho. Outro "meme" que caminhou bastante foi a fotografia de António Pedro Ferreira, publicada no Expresso. (url)
BIBLIOFILIA
W.G.Sebald, After Nature, New York, Modern Library, 2002 ...et iam summa procul villarum culmina fumant maioresque cadunt de montibus umbrae. Virgílio (url)
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA PATÉTICA
desesperada. A justificação do que se passa com recortes de jornais estrangeiros, com as faltas dos outros. E depois aquele sorriso que emerge no Primeiro-ministro sempre que fala dos "outros", dos "alguns", como se viesse lá do fundo um prazer da vitimização e de culpa alheia. Onde Bagão Felix se zanga, Santana Lopes sorri quando ataca os adversários reais e imaginados. (O inadmissível corte da transmissão directa da conferência de imprensa pela RTP, antes de se saber qual era a solução do problema do défice… Serviço público.) Nota suplementar: a RTP não podia saber que afinal nada de concreto ia ser anunciado quando interrompeu a emissão, portanto fez mal. Se o soubesse isso poderia justificar não só o corte, como até a não-transmissão. Não tendo objecto que não fosse o governo exercer o "contraditório" face aos seus críticos, ou seja Santana Lopes e Bagão Felix balbuciarem umas desculpas - e eu garanto-vos que não gosto de usar a palavra pejorativa "balbuciar" se não fosse mesmo assim - e dizerem que o governo português faz os mesmos truques orçamentais dos outros, a conferência torna-se ainda mais penosa. Está de facto a bater-se num fundo muito fundo. (url) (url)
ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO: AS PORTAS DA TRAIÇÃO
Em muitos castelos há portas da traição. Todas têm uma lenda, uma história de traição. Ficamos a saber assim que as portas são dadas a estas actividades e ficam por isso malditas. Quem as atravessa sente, sente que é só uma questão de tempo até que desça o traidor com as chaves da confiança e suba o furtivo para, conquistando, acabar por desprezar o traidor. Foi sempre assim, será sempre assim. A traição é a actividade que mais corrói. (url)
OUVINDO (2)
O mesmo. A magnífica Frehel, a bela Pervenche, retratada por Colette, seduzida por Roberty (estes nomes...), prematuramente envelhecida, ganhando a sua "gueule de mère maquerelle" , que morreu, miserável e esquecida, cheia de bebida e drogas num hotel de Pigalle, a cantar antes da "excepção cultural": Y'en a qui vous parlent de l'Amérique Ils ont des visions de cinéma Ils vous disent " quel pays magnifique " Notre Paris n'est rien auprès d'ça Ces boniments-là rendent moins timide, Bref, l'on y part, un jour de cafard... Ça fera un de plus qui, le ventre vide Le soir à New-York cherchera un dollar Au milieu des gueus's, des proscrits, Des émigrants aux cœurs meurtris; Il pensera, regrettant Paris Où est-il mon moulin de la Place Blanche ? Mon tabac et mon bistrot du coin ? Tous les jours étaient pour moi Dimanche ! Où sont-ils les amis les copains ? Où sont-ils tous mes vieux bals musette ? Leurs javas au son de l'accordéon Où sont-ils tous mes repas sans galette ? Avec un cornet de frites à dix ronds Où sont-ils donc ? D'autres croyant gagner davantage Font des rêves d'or encore plus beaux Pourquoi risquer un si long voyage Puisque Paris est plein de gogos? On monte une affaire colossale, Avec l'argent du bon populo, Mais un jour, crac... c'est le gros scandale : Monsieur courra ce soir au dépôt ! Et demain on le conduira Pour dix années à Nouméa. Encore un de plus qui dira : Où est-il mon moulin de la Place Blanche ? Mon tabac et mon bistrot du coin ? Tous les jours étaient pour moi Dimanche ! Où sont-ils les amis les copains ? Où sont-ils tous mes vieux bals musette ? Leurs javas au son de l'accordéon Où sont-ils tous mes repas sans galette ? Avec un cornet de frites à dix ronds Où sont-ils donc ? Mais Montmartre semble disparaître Car hélas de saison en saison Des Abbesses à la Place du Tertre, On démolit nos vieilles maisons. Sur les terrains vagues de la butte De grandes banques naîtront bientôt, Où ferez-vous alors vos culbutes, Vous, les pauvres gosses à Poulbot ? En regrettant le temps jadis Nous chanterons, songeant à Salis, Montmartre ton " De Profundis ! " Où est-il mon moulin de la Place Blanche ? Mon tabac et mon bistrot du coin ? Tous les jours étaient pour moi Dimanche ! Où sont-ils les amis les copains ? Où sont-ils tous mes vieux bals musette ? Leurs javas au son de l'accordéon Où sont-ils tous mes repas sans galette ? Avec un cornet de frites à dix ronds Où sont-ils donc ? (url)
OUVINDO
A França deveria ser completamente insuportável nos anos trinta, mas fazia bom cinema e boas canções. Vento fresco? Aqui está: a Arletty a cantar "J'enleve ma liguette", Chevalier o "Chapeau de Zozo", Ray Ventura "Tout va trés bien madame la marquise" (que devia ser o hino do sindicato das empregadas domésticas) e Jean Murat "Les gars de la Marine" do filme Le Capitaine Craddock (1931). Tudo mais extinto que os dinossauros. Les gars de la Marine Quand on est matelot On est toujours sur l'eau. On visite le monde, C'est l'métier le plus beau ! Du Pôl' Sud au Pôl' Nord, Dans chaque petit port, Plus d'une fille blonde Nous garde ses trésors. Pas besoin de pognon. Mais comm' compensation, À toutes nous donnons Un p'tit morceau d'nos pompons ! {Refrain:} Voilà les gars de la marine, Quand on est dans les cols bleus On n'a jamais froid aux yeux. Partout du Chili jusqu'en Chine, On les r'çoit à bras ouverts, Les vieux loups d' mer. Quand une fille les chagrine Ils se consol'nt avec la mer ! Voilà les gars de la marine, Du plus p'tit jusqu'au plus grand, Du moussaillon au commandant. Les amours d'un col bleu, Ça n'dur' qu'un jour ou deux. À pein' le temps d'se plaire Et de se dire adieu ! On a un peu d'chagrin ! Ça passe comme un grain ! Les plaisirs de la terre... C'est pas pour les marins ! Nous n'avons pas le droit De vivre sous un toit, Pourquoi une moitié ? Quand on a le monde entier ! {au Refrain} (url)
POEIRA DE 21 DE DEZEMBRO
Hoje, há cento e cinquenta e quatro anos, Tolstoy escreveu no seu diário: “não devo ler romances”. Fez-lhe bem, conseguiu escrever alguns. Oitenta e nove anos mais tarde, também hoje, Cesare Pavese escrevia: “o amor é a forma mais barata de religião”. Deve haver por isso um espírito do dia. Tolstoy amava a “humanidade” o que significava que não amava ninguém, e talvez por isso foi capaz de escrever verdadeiras histórias de amor como esta. (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 390
La destruction
Sans cesse à mes côtés s'agite le Démon ; Il nage autour de moi comme un air impalpable ; Je l'avale et le sens qui brûle mon poumon Et l'emplit d'un désir éternel et coupable. Parfois il prend, sachant mon grand amour de l'Art, La forme de la plus séduisante des femmes, Et, sous de spécieux prétextes de cafard, Accoutume ma lèvre à des philtres infâmes. Il me conduit ainsi, loin du regard de Dieu, Haletant et brisé de fatigue, au milieu Des plaines de l'Ennui, profondes et désertes, Et jette dans mes yeux pleins de confusion Des vêtements souillés, des blessures ouvertes, Et l'appareil sanglant de la Destruction ! (Baudelaire) * Bom dia! (url)
ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO: JUDAS
“21 Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e afirmou, dizendo: Na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há de trair. 22 Então os discípulos olhavam uns para os outros, duvidando de quem ele falava. 23 Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus. 24 Então Simão Pedro fez sinal a este, para que perguntasse quem era aquele de quem ele falava. 25 E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é? 26 Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado molhado. E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão. 27 E, após o bocado, entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-lo depressa. 28 E nenhum dos que estavam assentados à mesa compreendeu a que propósito lhe dissera isto. 29 Porque, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe tinha dito: Compra o que nos é necessário para a festa; ou que desse alguma coisa aos pobres. 30 E, tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E era já noite.” Este fragmento do Evangelho de S. João é um dos grandes textos sobre a traição. A sequência dramática está toda feita sobre a mentira, o mal-entendido, o engano. Jesus anuncia a traição aos apóstolos, mas não diz quem o traiu. Estes ficam curiosos, mas não perguntam. Para eles a ideia de traição era tão insuportável que temiam falar dela. Fosse qual fosse o traidor, era um deles, um amigo, um companheiro. A traição, rompendo a identidade de um dos que comiam à mesma mesa, conspurcava tudo à volta. Quando ganham coragem para perguntar, fazem-no tão a medo e de forma tão ambígua, que não percebem o sentido da resposta. Levantaram-se da mesa convencidos que não era bem aquilo que tinham ouvido. Jesus deu o pão a Judas, mas o pão vinha molhado, como se o demónio estivesse nessa humidade. “Após o bocado, entrou nele Satanás”, porque este bocado de pão era o contrário do pão sacramental que Jesus ensinara os discípulos a tomar. No Pão estava Deus, no pão molhado estava Satanás. O pão também era capaz de trair. Então Jesus diz palavras ainda mais enigmáticas: “o que fazes, faze-lo depressa”. Porque é que Jesus disse isto a Judas? Porque para Jesus também era insuportável o espectáculo da traição. Se trais, trai já, exerce já o ofício da traição, porque, mesmo para Jesus, a presença do traidor e a visão do acto da traição perturbam. Quando Judas saiu, com Satanás dentro dele, era noite. Fez-se noite. (url) 20.12.04
BIBLIOFILIA PARA COLECCIONADORES
O último número da Granta tem um ensaio sobre "The Collector", neste caso Joseph Mitchell. Mitchell, depois de escrever Joe Goulds's Secret, pouco mais escreveu e menos publicou. Dedicava-se a andar pelos prédios abandonados ou em demolição do sul de Manhattan a recolher pregos, bocados de estuque, placas de ferro forjado, velhas tabuletas, números de portas. Recolhia-os e depois classificava-os como um taxidermista. Há fotografias das peças e dos rótulos. Uma forma de loucura mansa, que os coleccionadores conhecem. * "Acho que está a confundir taxidermia (arte de preparar cadáveres para os conservar...) com taxinomia (arte de classificar)." A.M.R. * Obrigado pela precisão. Neste caso era intencional. Podia ser "abria-os como um taxidermista e classificava-os como um taxinomista", mas não sei como se abre um prego. (url)
UM MUNDO MUITO PRÓPRIO
O índice do livro Barnabé, que antologia os textos do blogue, é um retrato muito curioso do mundo dos seus autores. Um dos mais loquazes protagonistas da política portuguesa, Francisco Louça, não tem uma entrada sequer. Nem Fernando Rosas, Luís Fazenda, Ana Drago, merecem uma palavra. A excepção são duas escassas entradas para Miguel Portas. Assim é fácil. Mas há mais: as duas pessoas mais citadas são George Bush e eu. Estranho mundo o deles. Onde será? (url) (url)
APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: TEMOR
"Toda a santidade e toda a virtude deste mundo, bem considerada, é temor. A maior e mais qualificada façanha que neste mundo se fez por Deus foi a de Abraão. Leva Abraão seu filho Isac ao monte, ata-o sobre a lenha do sacrifício, tira pela espada para lhe cortar a cabeça; manda-lhe Deus suspender o golpe, e diz estas palavras: Nunc cognovi quod times Deum (Gên. 22, 12): Agora conheço, Abraão, que temes a Deus. — Que temes a Deus? Pois, como assim? Quando Abraão por amor de Deus sacrifica seu próprio filho, quando Abraão por amor de Deus corta as esperanças de sua casa, quando Abraão por amor de Deus mata a seu mesmo amor, parece que então havia de dizer Deus: Agora, Abraão, conheci que me amas. Mas: agora conheci que me temes? Sim, porque, bem considerada aquela façanha de Abraão, e vista por dentro, como Deus a via, teve mais de temor que de amor. Bem via Abraão que matar a Isac era matar-se a si mesmo, mas via também que se o não matava, desobedecia, que se desobedecia, ofendia a Deus, que se ofendia a Deus, condenava-se, e este temor de se não condenar o pai, foi o que pôs a espada na garganta ao filho. Quando o pai e o filho iam caminhando para o sacrifício, diz o texto que levava Abraão em uma mão a espada, e na outra o fogo: Ipse vero portabat in manibus ignem et gladium (Gên. 22,6). Oh! que bons dois espelhos para aquela ocasião! Na mão da espada ia a morte do filho; na mão do fogo ia o inferno do pai. Se obedeces, hás de matar; se desobedeces, hás de arder. O amor via-se ao espelho da espada, o temor via-se ao espelho do fogo. — É possível, pai, que hás de matar o teu filho único e amado? E que a vida e o sangue que lhe deste a hás de derramar com tuas próprias mãos? Não há de ser assim: viva Isac, e caia rendido o braço da espada. Mas, se não morrer Isac — replicava o temor — se Isac sacrificado se não abrasa neste fogo, há de ir Abraão, por desobediente, arder no do inferno. Ou arder Abraão, ou morrer Isac. Oh! que cruel dilema para um pai! Mas, passar a espada pela garganta de Isac, é um momento — instava o temor — e arder Abraão no inferno, é uma eternidade: pois, padeça um instante o filho, para que não pene eternamente o pai. Torne-se a levantar o braço da espada; e já ia descarregando resolutamente o golpe, mas acudiu Deus. E como toda esta resolução de tirar Abraão a vida a seu filho foi por temor de não ofender a Deus e se condenar, por isso Deus não disse: — Agora conheci, Abraão, que me amas, senão, agora conheci que me temes: Nunc cognovi quod times Deum." (url) (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 389
SOME TREES These are amazing: each Joining a neighbor, as though speech Were a still performance. Arranging by chance To meet as far this morning From the world as agreeing With it, you and I Are suddenly what the trees try To tell us we are: That their merely being there Means something; that soon We may touch, love, explain. And glad not to have invented Some comeliness, we are surrounded: A silence already filled with noises, A canvas on which emerges A chorus of smiles, a winter morning. Place in a puzzling light, and moving, Our days put on such reticence These accents seem their own defense. (John Ashbery) * Bom dia! (url)
BIBLIOFILIA
Frederico Lourenço, Amar Não Acaba, Livros Cotovia, 2004 Leiam, leiam, leiam este livro estranho, memória autobiográfica da adolescência, escrita a vinte anos de distância – muito pouco. Um retrato de uma família portuguesa pouco portuguesa, que deixou construir à sua volta uma teia cultural vivida nas suas formas mais “pesadas”: a ópera, a música, as línguas, o comunitarismo panteísta de Lanza del Vasto. Este texto é uma surpresa: não sabia que alguém vivia assim entre nós. O relato de Frederico Lourenço é umas vezes franco, outras vezes bizarro, pela densidade cultural que parece sempre excessiva. Pode-se viver assim? Pode-se viver sempre dentro do texto dos outros? Pode-se viver sempre dentro dos gestos do bailado, das palavras dos lied, do universo total e absoluto de Wagner? Pode-se viver, amar, face a presenças tão intensas e tão inequívocas como as da grande arte? Pode-se viver no meio da beleza transmitida pelas obras de arte sem que estas preencham todo o espaço do sentimento? O que é que sobra? Pode-se ser feliz num universo tão povoado de sentido? Duvido, mas também este livro não é sobre a felicidade, mas sim sobre o deslumbramento. (url) 19.12.04
APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: MUNDUM IN PARVO, MAGNUM
"Os filósofos antigos chamaram ao homem mundo pequeno; porém, S. Gregório Nazianzeno, melhor filósofo que todos eles, e por excelência o Teólogo, disse que o mundo comparado com o homem é o pequeno, e o homem, em comparação do mundo, o mundo grande: Mundum in parvo, magnum. — Não é o homem um mundo pequeno que está dentro do mundo grande, mas é um mundo, e são muitos mundos grandes, que estão dentro do pequeno. Baste por prova o coração humano, que, sendo uma pequena parte do homem, excede na capacidade a toda a grandeza e redondeza do mundo. Pois, se nenhum homem pode ser capaz de governar toda esta maquina do mundo, que dificuldade será haver de governar tantos homens, cada um maior que o mesmo mundo, e mais dificultoso de temperar que todo ele? A demonstração é manifesta. Porque nesta máquina do mundo, entrando também nela o céu, as estrelas tem seu curso ordenado, que não pervertem jamais; o sol tem seus limites e trópicos, fora dos quais não passa; o mar, com ser um monstro indômito, em chegando às areias pára; as árvores, onde as põem, não se mudam; os peixes contentam-se com o mar, as aves com o ar, os outros animais com a terra. Pelo contrário, o homem, monstro ou quimera de todos os elementos, em nenhum lugar pára, com nenhuma fortuna se contenta, nenhuma ambição nem apetite o farta: tudo perturba, tudo perverte, tudo excede, tudo confunde e, como é maior que o mundo, não cabe nele. " (url)
MOMENTOS
Um dirigente político que se quer afirmar sabe que nem sempre lhe passam à frente oportunidades de mostrar a diferença. A Sócrates surgiu uma e ele deitou-a fora: deveria demarcar-se de forma inteiramente clara das manigâncias, aliás já contumazes, do PS Porto, uma das organizações mais aparelhísticas de qualquer partido português, de usar Pinto da Costa como trunfo eleitoral contra Rui Rio. Pinto da Costa não está em posição diferente da do antigo deputado do PSD, Cruz Silva, e ,por ser uma personagem de maior relevo social, ainda mais rigor teria que haver. Sócrates calou-se para não perder os votos dos Super Dragões, ou pior ainda. Revelou-se. (url)
A LER
De novo, as INDÚSTRIAS CULTURAIS, um bom exemplo de jornalismo especializado que complementa em tempo útil (uma forma "útil" do tempo real) o que (não) vem nos jornais. Alguns textos de Luis Rainha no Blogue de Esquerda. Louvor à imensa utilidade dos Frescos, mesmo quando não funcionam bem e estão pouco frescos. A página do Clube dos Jornalistas. Pesem todas as objecções, o Clube dos Jornalistas tem realizado um trabalho de auto-reflexão sobre o jornalismo que nunca tinha sido feito com esta amplitude e variedade. (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 388
Ici de mille fards la traïson se déguise Ici de mille fards la traïson se déguise, Ici mille forfaits pullulent à foison, Ici ne se punit l'homicide ou poison, Et la richesse ici par usure est acquise Ici les grands maisons viennent de bâtardise, Ici ne se croit rien sans humaine raison, Ici la volupté est toujours de saison, Et d'autant plus y plaît que moins elle est permise. Pense le demeurant. Si est-ce toutefois Qu'on garde encore ici quelque forme de lois, Et n'en est point du tout la justice bannie. Ici le grand seigneur n'achète l'action, Et pour priver autrui de sa possession N'arme son mauvais droit de force et tyrannie. (Joachim du Bellay) * Bom dia! (url) 18.12.04
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CORES
Cores, um andar acima, outras cores, outro andar acima, novas cores. O que é que se respira nessas cores? Que atmosfera pertence a estas cores? Em Janeiro, quando descermos em Titã, vamos respirar este ar. (url)
ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO: EFIALTES
Efialtes é nome de demónio e de gigante. O meu é um homem. Borges escreveu sobre o demónio “Siempre es la pesadilla. / Su horror no es de este mundo." Mas não é este o meu traidor. O pesadelo não trai quem não sonha. O traidor é outro: Efialtes, natural da Tessália, traiu os 300 espartanos no desfiladeiro das Termópilas por ouro. Os 300 espartanos eram “iguais”, Efialtes era diferente. Ensinou a Xerxes um caminho que levava os persas à retaguarda da defesa grega. O traidor não recebeu a sua paga, porque Xerxes entretanto viu a sua frota destruída em Salamina. Xerxes mandou chicotear o mar, mas o mar não tinha costas. Como muitos traidores não pagou o preço da sua traição, embora pagasse com a vida uma querela menor com Atenades da Trácia. Mas um traidor está sempre morto antes de morrer. A traição é uma morte. (A seguir: Judas) (url)
UM RETRATO DO PODER: GOZO, PREOCUPAÇÃO, AMBIÇÃO
Esta fotografia de António Pedro Ferreira, publicada no Expresso da semana passada, é o melhor retrato do poder que temos. Tudo está certo, tudo bate certo. Escrevo sobre ela, considerando-a a melhor foto da semana, na Sábado. (url)
APRENDENDO COM EMILY DICKINSON SOBRE A TRAIÇÃO
Sweet is the swamp with its secrets Sweet is the swamp with its secrets, Until we meet a snake; 'Tis then we sigh for houses, And our departure take At that enthralling gallop That only childhood knows. A snake is summer's treason, And guile is where it goes. (Emily Dickinson) (url)
APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA SOBRE O PÓ
"Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer: outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. - Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura. O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança. Que me diga a Igreja que hei de ser pó: In pulverem reverteris, não é necessário fé nem entendimento para o crer. Naquelas sepulturas, ou abertas ou cerradas, o estão vendo os olhos. Que dizem aquelas letras? Que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser: tudo pó. Vamos, para maior exemplo e maior horror, a êsses sepulcros recentes do Vaticano. Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder-vos-ão os epitáfios, que só as distinguem: Aquêle pó foi Urbano, aquêle pó foi Inocêncio, aquêle pó foi Alexandre, e êste que ainda não está de todo desfeito, foi Clemente. De sorte que para eu crer que hei de ser pó, não é necessário fé, nem entendimento, basta a vista. Mas que me diga e me pregue hoje a mesma Igreja, regra da fé e da verdade, que não só hei de ser pó de futuro, senão que já sou pó de presente: Pulvis es? Como o pode alcançar o entendimento, se os olhos estão vendo o contrário? É possível que êstes olhos que vêem, êstes ouvidos que ouvem, esta língua que fala, estas mãos e êstes braços que se movem, êstes pés que andam e pisam, tudo isto, já hoje é pó: Pulvis es? Argumento à Igreja com a mesma Igreja: Memento homo. A Igreja diz-me, e supõe que sou homem: logo não sou pó. O homem é uma substância vivente, sentitiva, racional. O pó vive? Não. Pois como é pó o vivente? O pó sente? Não. Pois como é pó o sensitivo? O pó entende e discorre? Não. Pois como é pó o racional? Enfim, se me concedem que sou homem: Memento homo, como me pregam que sou pó: Quia pulvis es? Nenhuma coisa nos podia estar melhor que não ter resposta nem solução esta dúvida. Mas a resposta e a solução dela será a matéria do nosso discurso. Para que eu acerte a declarar esta dificultosa verdade, e todos nós saibamos aproveitar dêste tão importante desengano, peçamos àquela Senhora, que só foi exceção dêste pó, se digne de nos alcançar graça. Ave Maria. " (url) (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 387
Mutability We are as clouds that veil the midnight moon; How restlessly they speed, and gleam, and quiver, Streaking the darkness radiantly! -yet soon Night closes round, and they are lost for ever: Or like forgotten lyres, whose dissonant strings Give various response to each varying blast, To whose frail frame no second motion brings One mood or modulation like the last. We rest. -- A dream has power to poison sleep; We rise. -- One wandering thought pollutes the day; We feel, conceive or reason, laugh or weep; Embrace fond woe, or cast our cares away: It is the same! -- For, be it joy or sorrow, The path of its departure still is free: Man's yesterday may ne'er be like his morrow; Nought may endure but Mutablilty. (Percy Bysshe Shelley) * Bom dia! (url) 17.12.04
A LER / A VER
No Jaquinzinhos As Notícias que Nunca Saem na Primeira Página. Está longe de ser caso único. Páginas sobre Orlando Ribeiro. (url)
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: PÉROLAS
Dione passa em frente de Saturno como uma pérola intocável, intangível. "Noli me tangere" diz, numa língua antiga. "É para mim que olhas, e não para a vastidão que está atrás de mim". (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 386
Delight in Disorder A sweet disorder in the dress Kindles in clothes a wantonness. A lawn about the shoulders thrown Into a fair distraction; An erring lace which here and there Enthralls the crimson stomacher; A cuff neglectful, and thereby Ribbons to flow confusedly; A winning wave, deserving note, In the tempestuous petticoat; A careless shoestring, in whose tie I see a wild civility; Do more bewitch me than when art Is too precise in every part. (Robert Herrick) * Bom dia! (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: GRAFIA DO POEMA DE ROSALIA DE CASTRO
Por que não fazer com os poemas de Rosália o que habitualmente se faz com os clássicos portugueses, a começar por Camões? Isto é: "actualizar" a grafia... Por exemplo, (escrevo em MAIÚSCULO a "actualização") de autoria do Prof. Dr. António Gil Hernandez, (...) que é um dos mais lúcidos intelectuais da lusofonia na Galiza que já conheci. Essa actualização de grafia foi publicada no grupo "Galiza", no yahoo: - CantaM os galos p'ra o dIa Ergue-te, meu beM, e vai-te. COmo me hei-de ir, cOmo me hei-de ir e deixar-te? - DeSes teus olHiNHos negros como doas relumbrantes, ATÉ Às noSsas mÃOs unidas as bágoas ardentes caeM. COmo me hei-de ir sE c'a lÍngua me desVotas e c'o coraÇÃO me atraIs? NuM corruncho do teu leito cariNHosa me abrigaSTE; c'o teu manso caloriNHo os frIos pÉs me quentaste; e de aquI Juntos miramos por Entre o verde ramaGeM QUAl Ía correndo a lUa por enriba dos pinHares. COmo queres que te deixe? COmo, que de ti me aparte sE mAis que O mel ÉS e mAis que as fLoRes sUave? - MeiguiNH, meiguiNHo, meigo, meigo que me namoraste, vai-te de onda miM, meiguiNHo, antes que o sol se levante. - Ainda dorme, queridiNHa, Entre as ondiNHas do mare; dorme porque me acariNHes e porque amante me chames, que SÓ onda ti, meniNHa, poSSo contento folgare. - JÁ cantaM os paSSariNHos. Ergue-te, meu beM, que é tarde. - Deixa que canteM, Marica; Marica, deixa que canteM... SE tU sEntes que me vÁ, eu relouco por quedar-me. - Comigo, meu queridiNHo, mitAD' da noite pasSaSTE. - Mais eM tanto tU dormIas, contentEi-me coM mirar-te, que aSSIM, sorrindo entre soNHos cUidaVa que eras uM ánGel', e nÃO coM tanta pureza AO pÉ duM ánGel' velaSse. - ASSIM te quero, meu beM, como uM santo dos altares; mas fuGe..., que o sol dourado por riba dos montes saie. - IrEi; mas dÁ-me uM biquiNHo antes que de ti me aparte, que eSses labiNHos de rosa inda nÃO sei cOmo sabeM. - CoM mil amores cho dera; mas teNHo que confeSsar-me, e mUita vergonHa fora ter uM pecado tÃO grande. - Pois confEsSa-te, Marica, que, QUando casar nos casen, nÃO che hÃO-de valer, meniNHa, nEM confesSores nEM frades. AdEUs, cariNHa de rosa! - Raparigo, DEUs te gUarde! ... Houve tantas mudanças? (Pedro Santos) (url) 16.12.04
BIBLIOFILIA
Esta foi a minha primeira edição do Capital e estava na biblioteca familiar no "Inferno", no armário dos livros proibidos. Antes do 25 de Abril era um livro perigoso. A edição não era a da obra completa, mas sim a antologia de Lafargue, e fazia parte de uma colecção francesa "Petite Bibliothèque Économique" editada na década de noventa do século XIX. O Prefácio era de Vilfredo Pareto. Tem os meus sublinhados a lápis muito leve porque não se estragava um livro antigo. Um marcador de página, perdido lá dentro, é um quarto de papel dos boletins de voto da Oposição do Porto de 1969, rasgado em quatro e que me servia de ficha. Quando acabou o período eleitoral permitido, e antes de fecharem as instalações do Oposição, numa garagem junto do Mercado do Bom Sucesso, fui lá e trouxe alguns milhares de votos sobrantes - era a oposição que imprimia os seus próprios votos - para servirem de papel e fichas. (url)
DR. PORTAS, LEITOR DO ABRUPTO
Um aspecto, que tem sido bastante silenciado da questão da coligação, para o qual o Abrupto chamou a atenção – que, concorrendo os dois partidos separados, e não havendo uma maioria absoluta de parlamentares dos dois, há que garantir que o PSD seja o partido mais votado para que o “esquema” de casamento ex post facto da coligação tenha viabilidade política – suscitou o comentário do dr. Portas. O dr. Portas claramente não acredita que o PSD seja o partido mais votado, senão não falava disto. Face à probabilidade, em que acredita, que o PS possa ser o partido mais votado, resolveu teorizar uma situação em que a coligação deva ter prioridade na escolha presidencial para formar governo após as eleições. É um argumento de mera propaganda, porque não é líquido que o PS , partido mais votado, não possa dar origem a um governo minoritário, como os de Guterres que duraram legislatura e meia, que subsista com os votos da esquerda parlamentar, nem que consiga a posteriori qualquer coligação com o BE ou o PCP, o que o coloca nos mesmos termos da coligação PSD-PP. Acresce que seria interessante ver, o que é possível, a coligação a governar com o PS, o partido mais votado, afastado do poder. Tal é possível formalmente, mas criaria um problema de legitimidade política gerador de instabilidade. Tudo isto são problemas mais que conhecidos, gerados pelo elevado limiar eleitoral necessário para se obterem soluções estáveis de governabilidade. Mas a verdade é que todos se queixam e ninguém quer alterar a lei eleitoral. Houve várias tentativas durante as maiorias de Cavaco para baixar o nível de governabilidade solitária para cerca de 38% dos votos, mas o PS, raciocinando a curtíssimo prazo, recusou-o, gerando este problema que era evidente acabaria por lhe bater à porta. (url)
ATIRADOR FURTIVO
diz o dr. Portas que eu sou. Infelizmente os exemplos que citou, incluindo o meu, são de atiradores de primeira linha, bem pouco furtivos. Furtivas são as "fontes anónimas", furtivos são os que "passam" notícias para os jornais, furtivos são os que, apoiados em aparelhos de imprensa pagos pelo Estado, os usam para promover e despromover quem lhes convém. Esta é uma especialidade que ele conhece bem, como produtor e receptador, não é a minha. Dito isto, bem pobre é a acusação a quatro homens, só com o poder da palavra, da opinião e do argumento, para os culpar de tão grandes coisas: a queda de um governo e uma maioria e o fim de uma coligação que tinha jurado existir até 2014. (url) (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DE VERGÍLIO FERREIRA A THOMAS HARDY
Nature's Questioning WHEN I look forth at dawning, pool, Field, flock, and lonely tree, All seem to look at me Like chastened children sitting silent in a school; Their faces dulled, constrained, and worn, As though the master's ways Through the long teaching days Their first terrestrial zest had chilled and overborne. And on them stirs, in lippings mere (As if once clear in call, But now scarce breathed at all)-- "We wonder, ever wonder, why we find us here! "Has some Vast Imbecility, Mighty to build and blend, But impotent to tend, Framed us in jest, and left us now to hazardry? "Or come we of an Automaton Unconscious of our pains?... Or are we live remains Of Godhead dying downwards, brain and eye now gone? "Or is it that some high Plan betides, As yet not understood, Of Evil stormed by Good, We the Forlorn Hope over which Achievement strides?" Thus things around. No answerer I.... Meanwhile the winds, and rains, And Earth's old glooms and pains Are still the same, and gladdest Life Death neighbors nigh. (Thomas Hardy) (Filipe V. Castro lembra este poema a propósito do texto de Vergílio Ferreira publicado no Abrupto) (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: POPULISMO E CONTEÚDOS LÓGICO-LINGUÍSTICOS
"(...) as declarações de Paulo Portas sobre a apresentação dos dois partidos em listas separadas. Dizia mais ou menos isto: sempre tinha sido a favor da bipolarização, isto é dois pólos, um do centro (!) para a direita, outro da esquerda, mas contra o bipartidismo (sic), ou seja, sempre defendeu liberdade de escolha dos eleitores em cada pólo. É óbvio que a segunda asserção representa o oposto da primeira: com fragmentação partidária dentro dos pólos não há bipolarização. Mas parece que não importa: o populismo rompe com as barreiras da linguagem e da lógica. Nada mais interessa que o articulado formal das palavras, desde que soe bem. Vale tudo." (Fazenda Martins) (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O FUTURO JÁ NÃO É O QUE ERA
(Enviado por Von) Como a foto não é verdadeira, o passado já não é o que era. (url)
TAMBÉM JÁ TE APANHEI, Ó VAGABUNDO
Ontem, lá estava, com uma ainda quase inexistente cabeleira, no sítio devido. Que augúrio nos trazes, vagabundo? (url)
EARLY MORNING BLOGS 385
Épitaphe d'un paresseux Jean s'en alla comme il était venu, Mangea le fonds avec le revenu, Tint les trésors chose peu nécessaire. Quant à son temps, bien le sut dispenser : Deux parts en fit, dont il soulait passer L'une à dormir et l'autre à ne rien faire. (La Fontaine) * Bom dia! (url) 15.12.04
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LEMBRANDO
o que escrevi a 3 de Dezembro: JÁ SE PERCEBEU como uma parte da campanha de Santana Lopes será feita: o governo caiu porque os grandes interesses económicos não queriam o OE, as suas medidas de combate à fraude fiscal, e de imposição de impostos à banca. É hábil, apela ao populismo, e aos amadores das teorias da conspiração, mas não é verdade. (url)
A CRISE DO SENTIDO DA AUDIÇÃO
Dois debates entre parlamentares na SIC Notícias e na RTP2: o grau zero do debate e uma completa incapacidade de ouvir, com destaque para uns jovens parlamentares do PP que falam, falam, falam, sem pararem um minuto para ouvir quanto mais para pensar.(Já não falo do cinzentismo do PS, cada vez mais habitual, como se tentassem esconder-se na paisagem ...) (url) 14.12.04
A LER
Esta precisão do Clube dos Jornalistas sobre as circunstâncias em que foi feita a entrevista de Morais Sarmento ao Diário Económico. Acrescento: alguém ouviu a primeira pergunta que foi feita ao mesmo ministro, no Telejornal das 13 horas de hoje, sobre o novo Media Parque a criar no Monte da Virgem? Qualquer coisa do género, dito logo à cabeça pelo jornalista, "há um ano o Monte da Virgem era a imagem perfeita da desolação e agora é o que se vê (ainda não se vê...mas não tem importância), como é que foi possível?". A seguir, o ministro brilha. Estava tudo dito na pergunta. Dizer tudo na pergunta é extremamente eficaz. Outro acrescento: espero que uma atitude de denúncia resoluta deste tipo de promiscuidades continue caso o PS ganhe as eleições. Poucas vezes me lembra de ter visto uma maior circulação de "influências" entre o governo e as redacções do que nos governos Guterres, tanto mais eficaz quanto não denunciada. Se o caminho dos dias de hoje de atenção crítica não é apenas um epifenómeno suscitado pelas inépcias actuais, (a que não é alheia a composição política da “classe”) pode-se melhorar o ar que se respira na comunicação social . (url)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MEMÓRIA DE VERGÍLIO FERREIRA
"...Nós não pensamos o tempo em que não havia tempo por não haver homens que o instaurassem, pela ideia oculta e impensável de não haver um Universo que se não orientasse para a existência humana. E todavia sabemos que o acaso governou essa orientação. Nós não conseguimos pensar esse Universo para antes de haver homens e ser impensável que se pensasse a questão do seu sentido. Mas não abdicamos por isso de lho querer encontrar, agora que o homem existe para a tudo questionar. Assim é dificilmente pensável o Mundo para lá da espécie que é a nossa e se alinha entre as múltiplas espécies que se vão extinguindo. Mas é só pensando como disse, o vazio do Universo sem ninguém que o consciencialize, que o problema do sentido se pode pôr. Não há sentido nenhum, há só a obtusidade de tudo estar aí. É preciso repeti-lo, Mas como é amirável pensar que num instante fugitivo dos biliões e biliões de anos estelares, uma espécie apareceu e gritou à solidão dos espaços a sua vinda no que lhe foi dado criar, para imediatamente o Universo inteiro recair na estupidez do seu silêncio eterno. Perante quem ou quê isto tem significado? Porque o não tem perante nada. Foi um grito de louco no seu infinitesimal instante de loucura. Espécies que findam, estrelas que se apagam, vazio inerte pela exterioridade do sem-fim. Mas houve um momento em que tudo isso existiu só por haver a mente humana que a fez existir...." Vergílio Ferreira, Conta-Corrente, nova série, IV (Enviado por António Ferreirinho) (url)
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS:THALASSA! THALASSA!
Xenofonte estava atrás e ouviu os gritos. Bom militar, pensou que mais uma vez tinha inimigos pela frente num terreno hostil. A retaguarda começou a correr na direcção dos gritos. Mais gritos. Xenofonte montou a cavalo pensando que “alguma coisa de extraordinário tinha acontecido” e, à frente da cavalaria, correu a socorrer os seus homens. Então viu e percebeu. Ouviu: "Thalassa! Thalassa!”. O mar. Havia água a perder de vista. O mar. Os gregos encontravam o mar que tinham de há muito perdido. A sua casa. Voltavam. Mais provas de que houve água em Marte. Houve mar. (url)
INCONFIDÊNCIAS
Ponho a nu, salvo seja, o meu computador: o sistema é o Windows XP Professional, os programas básicos são os da Microsoft Office, mas verdadeiramente usados só Word, o Access, o Outlook. O browser é o Mozilla Firefox já na versão 1.0. Depois há o Scansoft Paperport 9.0, um programa para mim indispensável e merecedor de todos os elogios, e que uso desde pelo menos a versão 5.0. Para além disso, uso o Copernic Desktop Search, (e o Copernic Agent Professional,) tendo experimentado o X1 e o Google Desktop, sem nenhum me satisfazer tanto como o Lotus Magellan num passado longínquo. Uso extensivamente o Access, cada vez mais preocupado com o limite das bases de dados de 2 GB, sem total satisfação. Já experimentei o AskSam, com interesse para as suas vantagens, embora o tenha abandonado pelo Access. De novo, vem-me à memória algumas funcionalidades do Lotus Agenda nunca conseguidas de forma simples no Access, embora suspeite que se conhecesse melhor a programação pudesse construí-las no Access. Depois, o tradicional Norton System Works, e blindagem diversa contra a intrusão e a malvadez. Parafraseando, para que o computador não se tome a sério, é suposto que o computador esteja defendido de tudo , menos de mim próprio. (url) (url)
EARLY MORNING BLOGS 384
Under Saturn Do not because this day I have grown saturnine Imagine that lost love, inseparable from my thought Because I have no other youth, can make me pine; For how should I forget the wisdom that you brought, The comfort that you made? Although my wits have gone On a fantastic ride, my horse's flanks are spurred By childish memories of an old cross Pollexfen, And of a Middleton, whose name you never heard, And of a red-haired Yeats whose looks, although he died Before my time, seem like a vivid memory. You heard that labouring man who had served my people. He said Upon the open road, near to the Sligo quay - No, no, not said, but cried it out - 'You have come again, And surely after twenty years it was time to come.' I am thinking of a child's vow sworn in vain Never to leave that valley his fathers called their home. (William Butler Yeats) * Bom dia! (url)
APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: O DESENHO ALTÍSSIMO E A FÁBRICA SEGURÍSSIMA
"A ordem hierárquica da providência divina, no governo de suas criaturas, é governar superiores e súbditos, mas os súbditos por meio dos superiores, e os superiores imediatamente por si mesmo. Uma e outra coisa temos nas chaves e nas cadeias de Pedro. Em todo o mundo cristão não há mais que um superior e um súbdito, um Pedro e uma Igreja; e este superior e este súbdito, este Pedro e esta Igreja, quem os governa? A Igreja governa-a a providência de Pedro, que tem o poder das chaves: Tibi dabo claves regni caelorum; a Pedro governa-o a providência de Cristo, que o livrou das cadeias de Herodes: Ceciderunt catenae de manibus ejus. Este é o desenho altíssimo, e esta a fábrica seguríssima da suprema providência. A Igreja segura na providência de Pedro, e Pedro seguro na providência de Cristo. Caso foi verdadeiramente admirável, e por isso notado e advertido pelo mesmo historiador sagrado, que cercado S. Pedro de guardas, e atado a duas cadeias, na mesma noite daquele dia em que havia de sair a morrer, como homem sem nenhum temor nem cuidado, estivesse dormindo: In ipsa nocte erat Petrus dormiens. E se passarmos da terra ao mar, não é caso menos digno de admiração que, correndo fortuna a barca de Pedro com uma terrível tempestade, Cristo, que ia na mesma barca, também estivesse dormindo: Ipse vero dormiebat. Cristo e o Vigário de Cristo, ambos dormindo? Cristo dormindo no meio da tempestade, e Pedro dormindo no meio das guardas e das cadeias, e ambos com a morte à vista, sem nenhum cuidado? Sim. Na tempestade dorme Cristo, porque a barca está segura na providência de Pedro; e nas cadeias dorme Pedro, porque Pedro está seguro na providência de Cristo. Debaixo da providência de Cristo dorme Pedro ao som das cadeias, e debaixo da providência de Pedro dorme Cristo ao som da tempestade e das ondas. " (url) 13.12.04
POEIRA DE 13 DE DEZEMBRO
Hoje, há cento e quarenta e nove anos, Thoreau preparava-se para o Inverno. “Agradável”, escreveu, “estar preparado”, ter lenha, batatas, maçãs, na cave. Esperar que a neve descesse e cobrisse a terra de branco. Esperar que os flocos de neve se “entretecessem como uma teia no ar”, esperar por esse mundo de silêncio e paz. Esperar, função do Inverno. * "A propósito do silêncio e paz invernais, que vieram por sua vez a propósito do Thoreau, lembrei-me dos silêncios do Livro das Melancolias do Paulo Mantegazza, resgatado do sótão de casa dos meus pais (...) “Mais que os silêncios do homem, eu amo, porém, os da natureza. Nos bosques de abetos da Noruega, eu bebi os silêncios daquela fria e casta natureza nos longos dias que duram meses. Nenhuma ave cantava, nenhum insecto estridulava, nenhuma fera rugia, e até os meus passos sobre a macia e profunda almofada de brancos líquenes não faziam rumor. Naqueles lugares, o silêncio dormia eternamente o seu sono, e eu julgar-me-ia morto, se não tivesse tido os olhos abertos para ver, para saborear toda aquela paz tranquila duma vida verde, que vivia sem fazer rumor." (R.M.) (url) (url)
APRENDER COM ROSALIA SOBRE OS RAPARIGOS
- Cantan os galos pra o día érguete, meu ben, e vaite. - ¿Cómo me hei de ir, cómo me hei de ir e deixarte? - Deses teus olliños negros como doas relumbrantes, hastra as nosas maus unidas as bágoas ardentes caen. ¿Cómo me hei de ir si ca lengua me desbotas e co corasón me atraes? Nun corruncho do teu leito cariñosa me abrigaches; co teu manso caloriño os fríos pes me quentastes; e de aquí xuntos miramos por antre o verde ramaxe cál iba correndo a lúa por enriba dos pinares. ¿Cómo queres que te deixe? ¿Cómo, que de ti me aparte si máis que a mel eres e máis que as froles soave? - Meiguiño, meiguiño, meigo, meigo que me namoraste, vaite de onda min, meiguiño, antes que o sol se levante. - Ainda dorme, queridiña, antre as ondiñas do mare; dorme porque me acariñes e porque amante me chames, que sólo onda ti, meniña, podo contento folgare. - Xa cantan os paxariños. Érguete, meu ben, que é tarde. - Deixa que canten, Marica; Marica, deixa que canten... Si ti sintes que me vaia, eu relouco por quedarme. - Conmigo, meu queridiño, mitá da noite pasaches. - Mais en tanto ti dormías, contentéime con mirarte, que así, sorrindo entre soños coidaba que eras un ánxel, e non con tanta purea e non con tanta pureza ó pe dun ánxel velase. - Así te quero, meu ben, como un santo dos altares; mais fuxe..., que o sol dourado por riba dos montes saie. - Iréi; mais dame un biquiño antes que de ti me aparte, que eses labiños de rosa inda non sei cómo saben. - Con mil amores cho dera; mais teño que cofesarme, e moita vergonza fora ter un pecado tan grande. - Pois confésate, Marica, que, cando casar nos casen, non che han de valer, meniña, nin confesores nin frades. ¡Adiós, cariña de rosa! - ¡Raparigo, Dios te garde! (url)
FALHOU DESTA VEZ, MAS VOU-TE APANHAR, MALANDRO! (2)
O cometa C/2004 Q2 Machholz já ultrapassou o limiar da visibilidade a olho nu. As nuvens continuam, mas vou-te apanhar. Se não, faço de vítima, que é o que está na moda. (url)
INTENDÊNCIA
Colocado no VERITAS FILIA TEMPORIS o JACARÉ E A LAGARTIXA 14 sobre como o "santanismo gostaria de ser um guterrismo", sobre o processo da Casa Pia, sobre Luís Delgado como o "melhor crente", e um elogio da Taschen. (url)
ICONOLOGIA
Para acrescentar a uma nova iconologia do presente (a continuar assim a Taschen fará um volume português para acrescentar ao México, e à California, ou ao Las Vegas chic): um boneco republicano, socialista e laico, com barrete frígio e tudo, bom para filhos de mações, e uma t-shirt patriótica com o hino, bastante melhor do que o kit patriótico do Ministro Portas para os fãs saberem o que cantam nos estádios. Tudo na loja do Museu da Presidência da República. * "Tal como a blusa patriótica da primeira dama na final do euro, creio que ninguém ficou indiferente ao catálogo fornecido gratuitamente (!!!) com os jornais de fim-de-semana, pelo museu da Presidência da República. O que mais me marcou no boneco foi o seu ar infeliz. Pudera tão pequenino e já republicano, socialista, maçon, laico e muito provavelmente ateu… Até para um boneco é demais!" (J.) (url)
© José Pacheco Pereira
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