ABRUPTO

21.12.04


ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO: JUDAS

21 Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e afirmou, dizendo: Na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há de trair.
22 Então os discípulos olhavam uns para os outros, duvidando de quem ele falava.
23 Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus.
24 Então Simão Pedro fez sinal a este, para que perguntasse quem era aquele de quem ele falava.
25 E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é?
26 Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado molhado. E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão.
27 E, após o bocado, entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-lo depressa.
28 E nenhum dos que estavam assentados à mesa compreendeu a que propósito lhe dissera isto.
29 Porque, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe tinha dito: Compra o que nos é necessário para a festa; ou que desse alguma coisa aos pobres.
30 E, tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E era já noite.




Este fragmento do Evangelho de S. João é um dos grandes textos sobre a traição. A sequência dramática está toda feita sobre a mentira, o mal-entendido, o engano. Jesus anuncia a traição aos apóstolos, mas não diz quem o traiu. Estes ficam curiosos, mas não perguntam. Para eles a ideia de traição era tão insuportável que temiam falar dela.

Fosse qual fosse o traidor, era um deles, um amigo, um companheiro. A traição, rompendo a identidade de um dos que comiam à mesma mesa, conspurcava tudo à volta. Quando ganham coragem para perguntar, fazem-no tão a medo e de forma tão ambígua, que não percebem o sentido da resposta. Levantaram-se da mesa convencidos que não era bem aquilo que tinham ouvido.

Jesus deu o pão a Judas, mas o pão vinha molhado, como se o demónio estivesse nessa humidade. “Após o bocado, entrou nele Satanás”, porque este bocado de pão era o contrário do pão sacramental que Jesus ensinara os discípulos a tomar. No Pão estava Deus, no pão molhado estava Satanás. O pão também era capaz de trair.

Então Jesus diz palavras ainda mais enigmáticas: “o que fazes, faze-lo depressa”. Porque é que Jesus disse isto a Judas? Porque para Jesus também era insuportável o espectáculo da traição. Se trais, trai já, exerce já o ofício da traição, porque, mesmo para Jesus, a presença do traidor e a visão do acto da traição perturbam.

Quando Judas saiu, com Satanás dentro dele, era noite. Fez-se noite.

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© José Pacheco Pereira
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