ABRUPTO

20.12.04


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: TEMOR

"Toda a santidade e toda a virtude deste mundo, bem considerada, é temor. A maior e mais qualificada façanha que neste mundo se fez por Deus foi a de Abraão. Leva Abraão seu filho Isac ao monte, ata-o sobre a lenha do sacrifício, tira pela espada para lhe cortar a cabeça; manda-lhe Deus suspender o golpe, e diz estas palavras: Nunc cognovi quod times Deum (Gên. 22, 12): Agora conheço, Abraão, que temes a Deus. — Que temes a Deus? Pois, como assim? Quando Abraão por amor de Deus sacrifica seu próprio filho, quando Abraão por amor de Deus corta as esperanças de sua casa, quando Abraão por amor de Deus mata a seu mesmo amor, parece que então havia de dizer Deus: Agora, Abraão, conheci que me amas. Mas: agora conheci que me temes? Sim, porque, bem considerada aquela façanha de Abraão, e vista por dentro, como Deus a via, teve mais de temor que de amor. Bem via Abraão que matar a Isac era matar-se a si mesmo, mas via também que se o não matava, desobedecia, que se desobedecia, ofendia a Deus, que se ofendia a Deus, condenava-se, e este temor de se não condenar o pai, foi o que pôs a espada na garganta ao filho. Quando o pai e o filho iam caminhando para o sacrifício, diz o texto que levava Abraão em uma mão a espada, e na outra o fogo: Ipse vero portabat in manibus ignem et gladium (Gên. 22,6). Oh! que bons dois espelhos para aquela ocasião! Na mão da espada ia a morte do filho; na mão do fogo ia o inferno do pai. Se obedeces, hás de matar; se desobedeces, hás de arder. O amor via-se ao espelho da espada, o temor via-se ao espelho do fogo. — É possível, pai, que hás de matar o teu filho único e amado? E que a vida e o sangue que lhe deste a hás de derramar com tuas próprias mãos? Não há de ser assim: viva Isac, e caia rendido o braço da espada. Mas, se não morrer Isac — replicava o temor — se Isac sacrificado se não abrasa neste fogo, há de ir Abraão, por desobediente, arder no do inferno. Ou arder Abraão, ou morrer Isac. Oh! que cruel dilema para um pai! Mas, passar a espada pela garganta de Isac, é um momento — instava o temor — e arder Abraão no inferno, é uma eternidade: pois, padeça um instante o filho, para que não pene eternamente o pai. Torne-se a levantar o braço da espada; e já ia descarregando resolutamente o golpe, mas acudiu Deus. E como toda esta resolução de tirar Abraão a vida a seu filho foi por temor de não ofender a Deus e se condenar, por isso Deus não disse: — Agora conheci, Abraão, que me amas, senão, agora conheci que me temes: Nunc cognovi quod times Deum."

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© José Pacheco Pereira
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