ABRUPTO

31.3.04


NOTAS SOBRE O ACTUAL USO ABUNDANTE DAS EXPRESSÕES "ESQUERDA" E "DIREITA"

(Continuação)

Há, em termos filosóficos, um último núcleo interpretativo, uma ultima ratio, que separa a esquerda da direita: a questão do optimismo ou do pessimismo antropológico. Tudo o resto pode emanar daí. Mas, num certo sentido, também nós optamos por um ou por outro. Escolhemos, como uma background assumption, o que desejamos, em função das consequências previsíveis e da visão do mundo que transporta.

Mas, nos dias de hoje, em que o mundo, duplamente criado pela revolução francesa e pela evolução industrial, está ultrapassado, em que não é o lugar da produção que define o olhar sobre a sociedade, mas sim o lugar do consumo, em que as teleologias da história ( a História hegeliana com H grande) perderam o sentido, o que significa a esquerda e a direita, para além de tudo isso?

Significa, primeiro, um lugar afectivo, uma pertença. A enunciação do "eu sou de ..." continua a ser poderosa. Entra-se numa família com sinais de reconhecimento. É talvez a mais forte sentido das palavras, uma escolha de pertença.

Mas pertença a quê? Aqui é mais complicado (hoje) manter a distinção. Se se analisarem os issues, a distinção perde toda a nitidez, e perderá cada vez mais. Entrei uma vez na Laissez Faire Books em Nova Iorque , onde Friedmann e Bakunine estão nas mesmas estantes, como "libertarians", e percebe-se como se começam a dissolver as barreiras tradicionais. Droga? Há gente à direita e à esquerda que defende a liberalização ou a repressão (é verdade, no entanto, que sempre se pode dizer que há mais gente à esquerda a defender a liberalização...). Aborto, a mesma coisa. O corporativismo? Ninguém defende melhor o closed shop do que os sindicatos. Modelo económico? O capitalismo, com mais ou menos adjectivação social, serve hoje a esquerda e a direita. Sensibilidade, as "pessoas" ? É pouco, e sobretudo não diz nada.

(Continua)

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O VOTO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

sobre a execução israelita do dirigente do Hamas Yassin, foi aprovado por unanimidade. Como conheço a casa e sei que só há unanimidade quando qualquer voto ou resolução, seja qual for o acontecimento, também bate no lado de cá (nos EUA, ou em Israel, ou no liberalismo, no capitalismo, etc., etc.) ou, acima de tudo, quando bate no lado de cá - este "lado de cá" é para ser rápido e toda a gente perceber - interessei-me em saber o que se passara. O reverso, anote-se, nunca é verdadeiro, nunca há unanimidade quando se bate no "lado de lá", e é por isso que a Assembleia, mesmo com maiorias do PSD , votou sempre o pesar por dezenas de militantes comunistas e socialistas, e apenas por excepção o fez em relação a quem não era nem da oposição, nem da maçonaria.

Para além da questão, já de si um pouco bizarra, da Assembleia da República aprovar um voto de pesar pela morte de um terrorista, quando não o faz pela morte de soldados dos países nossos aliados, a duplicidade de critérios é evidente no voto e na discussão. Nem queria acreditar ao ler a discussão e o voto, mas enquanto Israel e Sharon são nomeados explicitamente, nem uma única vez se pronunciou a palavra Hamas. Fala-se das vítimas civis israelitas, mas sem mencionar qualquer autoria dos atentados, como se elas fossem vítimas da atmosfera do Médio oriente. Quanto a Yassin, o voto propriamente dito não o identifica como aquilo que ele foi, nem a sua responsabilidade na morte dessas mesmas vítimas civis. É por isso que eu desconfio sempre da unanimidade; prefiro que haja clareza política.

*

Que sentido fará proclamar um voto unânime condenando a morte de um terrorista num órgão de soberania de um país que nada tem que ver com a situação em causa? Por esta ordem de ideias, a partir de agora teria-se que se condenar a morte de um qualquer militar israelita ou de um qualquer civil, nacional ou estrangeiro, em território de Israel, com também uma qualquer vítima palestiniana, nesta completa amálgama de resposta e contra-resposta que é o conflito israelo-árabe...
Desta vez, a maioria foi atrás do denominado politicamente correcto...


(Pedro Peixoto)


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EARLY MORNING BLOGS 171

Escolhido num hotel, escolhido num quarto de hotel.

Hôtels

La chambre est veuve
Chacun pour soi
Présence neuve
On paye au mois

Le patron doute
Payera-t-on
Je tourne en route
Comme un toton

Le bruit des fiacres
Mon voisin laid
Qui fume un âcre
Tabac anglais

Ô La Vallière
Qui boite et rit
De mes prières
Table de nuit

Et tous ensemble
Dans cet hôtel
Savons la langue
Comme à Babel

Fermons nos Portes
À double tour
Chacun apporte
Son seul amour


(Guillaume Apollinaire)

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30.3.04


NOTAS SOBRE O ACTUAL USO ABUNDANTE DAS EXPRESSÕES "ESQUERDA" E "DIREITA"

Nota prévia: utilizo as expressões "esquerda" e "direita" com aspas para precisar que as utilizo pelo seu uso corrente. Mais à frente falarei daquilo que me parecem ser as enormes ambiguidades do seu uso corrente na actualidade.

Nunca como agora se tornou tão habitual em Portugal o uso generalizado das classificações "esquerda" e "direita". Mais significativo ainda, o seu uso em auto-classificações, com muita gente a dizer "eu sou de direita", "eu sou de esquerda", e mais nada.

Como temos pouca memória, nem sequer nos lembramos de que este uso generalizado é relativamente recente. Nas duas últimas décadas do século XX, as pessoas em Portugal identificavam-se politicamente pelas grandes correntes ideológicas e partidárias: diziam-se "comunistas", "socialistas" , "centristas", "sociais-democratas". Utilizavam também designações qualificadoras da sua postura política: "reformistas", "independentes", "basistas", etc. .

Foi uma vitória ideológica dos partidos extremistas à direita e à esquerda, do PP de Paulo Portas e do Bloco de Esquerda, o retorno a essas formas de designação. Os efeitos do seu uso são-lhes vantajosos porque ajudam a integrar esses pequenos grupos radicais no mainstream político: o PP na "direita", para onde empurra o PSD, para lhe fazer companhia; o BE na "esquerda", onde se acolhe do seu passado maoísta e trotsquista, para fazer parte de um grupo respeitável, onde está o PS. A designação serve igualmente o frentismo histórico do PCP.

Devido à história portuguesa do século XX e à longa ditadura, a auto-qualificação "eu sou de esquerda" era mais aceitável e dizível do que "eu sou de direita". Com um sistema político todo puxado à "esquerda", onde o partido mais à "direita" era do "centro", a legitimação da "esquerda" era mais forte do que a da "direita". O problema da legitimidade é mais vasto e tem raízes no pós-II Guerra, nos derrotados e nos vencedores. Essa situação criou uma assimetria de legitimação que sempre permaneceu subjacente na vida política democrática: enquanto toda a gente à "esquerda" usava com à vontade o termo para se auto-classificar, a relação não era espelhar à "direita", onde dizer "eu sou de direita" significava quase sempre ser-se "muito" de "direita".

(Continua)

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PROPAGANDA

Na Livraria Kleber, a livraria "institucional" de Estrasburgo, uma estante especial tem um cartaz "Os EUA, um modelo democrático?". Os livros respondem que não: panfletos franceses anti-americanos, do género Bush de braço dado com Bin Laden, a obra completa de Michael Moore, o livro de Todd sobre a "decadência americana", etc., etc. Já sabemos: os EUA não são uma democracia.

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EARLY MORNING BLOGS 170

Les fiançailles

A Picasso

Le printemps laisse errer les fiancés parjures
Et laisse feuilloler longtemps les plumes bleues
Que secoue le cyprès où niche l'oiseau bleu

Une Madone à l'aube a pris les églantines
Elle viendra demain cueillir les giroflées
Pour mettre aux nids des colombes qu'elle destine
Au pigeon qui ce soir semblait le Paraclet

Au petit bois de citronniers s'énamourèrent
D'amour que nous aimons les dernières venues
Les villages lointains sont comme les paupières
Et parmi les citrons leurs coeurs sont suspendus


(Guillaume Apollinaire)

*

Bom dia!

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29.3.04


EARLY MORNING BLOGS 169

Now the Lusty Spring

NOW the lusty spring is seen;
Golden hellow, gaudy blue,
Daintily invite the view.
Everywhere on every green,
Roses blushing as they blow,
And enticing men to pull,
Lilies whiter than the snow,
Woodbines of sweet honey full:
All love's emblems, and all cry,
"Ladies, if not plucked, we die."

Yet the lusty spring hath stayed;
Blushing red and purest white
Daintily to love invite
Every woman, every maid.
Cherries kissing as they grow,
And inviting men to taste,
Apples even ripe below,
Winding gently to the waist:
All love's emblems, and all cry,
"Ladies, if not plucked, we die."


(John Fletcher)

*

Bom dia!

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28.3.04


BIBLIOFILIA



Quatro livros entrados, três lidos, um a ler-se. Dois quase nada têm para ler - os dois da série "Icon", da Taschen, excelentes exemplos da evolução da editora, cada vez mais criativa na produção de livros gráficos. O livro sobre o "design" da RDA é um retrato notável da mistificação do "socialismo real", que muita gente não quis ver mesmo quando entrava pelos olhos dentro. Foi preciso cair-lhes o muro em cima.
A antologia de poesia da City Lights mostra como alguma poesia ligada à livraria de S. Francisco melhora com o tempo. Vêm lá alguns magníficos poemas de Frank O'Hara. O livro que estou a ler, o Box of Matches de Nicholson Baker, é um bom exemplo de prosa de "early morning". Todos os textos começam de madrugada. Voltarei a ele.

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ESTUDOS SOBRE COMUNISMO

Actualizados

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YO MISMO DE MI MAL MINISTRO SIENDO


Vincent Van Gogh

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POEIRA DE 28 DE MARÇO

Hoje, há setenta e quarto anos, o homem que mais mudou as coisas com leis, Mustafá Kemal, dentro de uns anos conhecido como Ataturk, mudou o nome de uma pequena vila asiática, cheia de carneiros, de Angora para Ankara, e o nome de um dos centros do mundo, antigamente chamado de Constantinopla ou Bizâncio, para Istambul.

Hoje, há setenta e três anos, Virgínia Woolf sentou-se para escrever o seu diário. Na noite passada morrera Arnold Bennett. Sobre ele escreve estas linhas terríveis e contraditórias:

"A loveable genuine man; impeded, somehow a little awkward in life; well meaning; ponderous; kindly; coarse; knowing he was coarse; dimly floundering and feeling for something else; glutted with success; wounded in his feelings; avid; thicklipped; prosaic intolerably; rather dignified; set upon writing; yet always taken in; deluded by splendour and success; but naïve; an old bore; an egotist; much at the mercy of life for all his competence; a shopkeeper's view of literature; yet with the rudiments, covered over with fat and prosperity and the desire for hideous Empire furniture, of sensibility, Some real understanding of power, as well as a gigantic absorbing power.

E continua:

I remember his determination to write 1000 words daily; and how he trotted off to do it that night, and feel some sorrow that now he will never sit down and begin methodically covering his regulation number of pages in his workmanlike beautiful but dull hand. Queer how one the dispersal of anybody who seemed - as I say - genuine: who had direct contact with life - for he abused me; and I yet rather wished him to go on abusing me; and me abusing him. An element in life - even in mine that was so remote - taken away. This is what one minds.”

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EARLY MORNING BLOGS 168

Reconocimiento De La Vanidad Del Mundo

En fin, en fin, tras tanto andar muriendo,
tras tanto varïar vida y destino,
tras tanto de uno en otro desatino,
pensar todo apretar, nada cogiendo;

tras tanto acá y allá, yendo y viniendo
cual sin aliento, inútil peregrino;
¡oh Dios!, tras tanto error del buen camino
yo mismo de mi mal ministro siendo,

hallo, en fin, que ser muerto en la memoria
del mundo es lo mejor que en él se asconde,
pues es la paga dél muerte y olvido;

y en un rincón vivir con la vitoria
de sí, puesto el querer tan sólo adonde
es premio el mismo Dios de lo servido.


(Francisco de Aldana)

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27.3.04


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: GELADOS



O sítio da NASA das sondas marcianas parece uma montra de uma loja de gelados. Eu quero os "bolinhos napolitanos". Vale a pena ler o texto.

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Paul Graham, Painted Road

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

O croissant também foi usado em Portugal (horta, Faial, Açores) nas comemorações do dia de S.Marcos, tradicionalmente as freiras de um convento local enviavam tabuleiros de croissants aos frades de um convento perto no referido dia (25 de Abril).. visto que o dito santo é o protector dos...

(Abel Santos)


Em relação ao seu post A AREIA DA SERPENTE, gostaria só de comentar a frase "Areia de Marte, partida nao se sabe porque, junta não se sabe como".

Por acaso, até se sabe. Em Marte os processos erosivos ve^em o seu peso relativo aumentado porque a tectónica de placas há muito que se extinguiu. Embora possa ainda existir vulcanismo e formação de crateras por impactos cometários, o principal processo de formação de estruturas geológicas está morto. Com o passar do tempo, os ventos carregados de poeira vão acabar por esbater o que resta das estruturas que outrora a agua e a rocha desenharam.

Quanto à forma em serpente, os ventos incessantes à superfície, mesmo numa atmosfera pouco densa como a marciana, criam as mesmas estruturas ondulantes que na terra.


(David Luz)

Não estou inteiramente de acordo com o que escreveu no seu recente texto sobre os conceitos de «esquerda» e «direita», mas ao menos fiquei a saber de quem é o chavão que mencionou. Sou da opinião que, em política, há posições de esquerda e posições de direita. Não quero certamente dizer com isto que é tudo preto ou branco mas, como costumo dizer, não é lá porque existem o crepúsculo e o nascer do Sol que eu sou incapaz de distinguir o dia da noite. No entanto, o problema que vejo na dicotomia esquerda-direita não é a dicotomia em si mas sim a importância excessiva que lhe é atribuída. De facto, se nos cingirmos apenas a classificações bipolares com relevância para a política, porque não considerarmos também, por exemplo, a classificação individualista-colectivista, a qual é totalmente independente da classificação esquerda-direita? Ou então a classificação radical-moderado?

De facto, a própria importância atribuída às classificações bipolares pelos seres humanos é bastante redutora e mesmo um tanto estranha. Já há algum tempo que se estuda a possibilidade de essa tendência estar de algum modo «programada» na estrutura dos nossos cérebros. Falta saber qual a vantagem evolutiva de tal característica, caso exista de facto.


(José Carlos Santos)

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EARLY MORNING BLOGS 167


Os Antigos

Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. —
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido "Ah!" para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.


E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...

Que Musa! ...


(Álvaro de Campos)

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26.3.04



Nicolae Grigorescu

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25.3.04


PAPEL DOS VESTIÁRIOS NA GEOGRAFIA EUROPEIA

À medida que se vai avançando pela Europa, para o meio, para o Leste, os vestiários são cada vez mais uma parte importante dos edifícios. Casacos longos, peles, mantas, cachecóis, guarda-chuvas, toda a parafernália do mau tempo, da chuva, do frio, fica aí. Uma multidão de senhoras e, em menor quantidade, de homens vive dos vestiários, vive nos vestiários.

Uma senhora do vestiário tinha uma toalha pousada em cima da mesa e secava os guarda-chuvas antes de os colocar no cabide. Civilização. Pequenos gestos.

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O CROISSANT E A GUERRA DE CIVILIZAÇÕES

Não há nada como andar pelas fronteiras antigas da cristandade frente ao Turco, para aprender mil e um pequenos detalhes da guerra das civilizações. Um é o gentil croissant, que sempre pensei francês como o brioche, e verifico ser austro-húngaro e politicamente incorrecto nas suas origens: comemorar, comendo um “crescente”, a vitória vienense face aos turcos. O café também veio no mesmo pacote culinário – os turcos deixaram sacos e sacos de grãos quando fugiram - mas o grão tem forma mais neutra. Pensando bem, está na altura, para muitos na pátria, de deixarem de beber café e de comer o humilhante (para os turcos, para os muçulmanos) “crescente”, em nome da solidariedade internacionalista.

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GIORGIONE E O SEU MISTÉRIO

Nunca se juntaram tantos quadros de Giorgione, o veneziano, como agora em Viena, no Kunsthistorische Museum. De Veneza saíram pela primeira vez La Tempesta e La Vecchia (voltaremos ao “col tempo” da velha). E, no entanto, se lermos as legendas, a maioria é-lhe apenas atribuída, competindo nalguns casos com Ticiano pela autoria. Vasari, que escreveu algumas frases de absoluta admiração por Giorgione, só conhecia pinturas e frescos que entretanto desapareceram. Os que nós conhecemos pertenciam a privados que Vasari não viu. Ambiguidades.

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24.3.04


GIORGIONE

(Em breve, Giorgione, mais Mitteleuropa, mais "civilização", mais dr. Freud no seu café e Trotsky no outro.)

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23.3.04


DANÇA ESQUERDA-DIREITA,

“blogues de esquerda”, “blogues de direita”, é uma classificação que não me interessa e não me diz nada (já sei, é por ser de direita, como diz o chavão de Alain... ). As furiosas polémicas classificativas também não me interessam um átomo. Não explicam nada, não elucidam nada, e só por esquecimento da história é que se pode encontrar um sentido em algo que hoje dificilmente o tem.

O caso de Israel e da Palestina dificilmente caberia nessa dança sem ser a martelo. Israel foi criado à esquerda e pela esquerda. O primeiro país a reconhecer Israel foi a URSS de Staline. O Avante! saudou a vitória israelita na guerra imediatamente após a independência, como uma “vitória contra as monarquias feudais e reaccionárias” da região. Anote-se que é nessa guerra que se dão as grandes deslocações de população, que fazem hoje parte do caderno reivindicativo palestiniano.

A maioria dos dirigentes religiosos muçulmanos da região, como o Grande Mufti de Jerusalém, colaborara com os nazis durante a guerra e não escondia a sua simpatia pelo holocausto. Cientistas nazis, ideologicamente motivados pelo seu ódio aos judeus, foram um pilar dos programas de armamento de países como o Egipto “socialista” de Nasser.

Os exemplos podiam continuar.

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UMA PELE GRANDIOSA

Há cidades que são assim, um envólucro, uma pele como aquelas que alguns animais deixam para trás, um cenário gigantestco, uma aldeia Potemkine verdadeira. Viena é assim: palácios, monumentalidade, “império” por todo o lado, em branco e dourado, os grandes nomes (Maria Theresa, Franz-Josef), poder, solidez, dinheiro, luxo, conforto e toda a beleza que vem em acrescento. “Grandeur”, mas falta qualquer coisa. Por muito que me esforce, nunca imagino os turcos à sua porta, mas estiveram. Por muito que mentalmente reveja o Terceiro Homem e saiba das ruínas e das sombras, não as consigo ver.

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COM QUE RAPIDEZ

Coisas que se pensavam sólidas e estabelecidas, como seja o princípio de que não se negoceia com terroristas, conhece agora todas as nuances, todos os “sim, mas...”, todas as considerações de circunstância, "que, em determinadas condições”, etc, etc... Desse ponto de vista, mérito a Mário Soares que, pelos vistos, disse o que muitos pensavam mas não tinham a coragem de dizer. No dia dos atentados espanhóis era tudo firmeza; no dia seguinte começou o relativismo moral, no terceiro dia já a excitação espanhola soltava todas as línguas. Depois, Soares falou e soçobraram os últimos restos de vergonha. Todos os dias o retrato dos terroristas é mais amável e “explicável” e todos os dias se dá mais um passo para uma forma de derrotismo moderno, que se pagará muito caro. E o dissolvente de tudo isto é só um, o anti-americanismo, ou o anti-bushismo raivoso que campeia por todo o lado.

É assim que é o pensamento débil, voa com o primeiro vento.

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VOANDO

Daqui, para ali, para acolá, como bom cidadão europeu (por vezes perdendo os acentos, logo que saio da pátria), nem sequer o rumor longínquo das coisas da terra ouço. Suspeito que, nestes dias de excitação, real e artificial, isso não faça muita falta.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Essa frase é como a outra "os guerreiros da Europa" (Miguel Portas). São sempre julgamentos políticos disfarçados de julgamentos morais. Mas o que mais me incomoda é o facto de os culpados serem sempre os mesmos: os americanos. Nunca essas pessoas condenam mais nada.

(Ricardo Figueira)

Exemplos sobre a manipulação da informação são, parafraseando Sérgio Godinho, "aos montes, são às serras, impossíveis de escalar." Acredito, no entanto, que em alguns casos se trate de ingenuidade ou, sobretudo, de falta de preparação profissional. O jornalismo não falha apenas na linguagem (como o "bombardear" do Público que criticou na Quadratura do Círculo deste fim de semana), falha também na impreparação dos profissionais, na pressa com que as notícias têm de sair, na falta de aprofundamento das questões, na preferência pelo tratamento dramático e subjectivo. Muitas vezes há uma excessiva "democratização" da opinião, pois o mesmo peso é dado a fontes de credibilidade muito distinta.

Claro que há casos em que se torna difícil crer que aconteçam por ingenuidade ou incompetência. Há alguns meses atrás, quando saiu o relatório sobre as contas dos partidos, a tsf começou a notícia dizendo que "todos os partidos" presentes no parlamento apresentavam irregularidades nas contas. E passou aos exemplos. Primeiro o PS (primazia por ser o que apresentava maiores irregularidades), depois os dois partidos da coligação governamental. Foi, então, a vez da CDU que, para espanto da estação noticiosa, também não ficou manchada pela existência de irregularidades. E a partir daqui, o silêncio. Dos quatro partidos referidos, foram citados vários exemplos de irregularidade. Do Bloco, nem o nome foi pronunciado. Achei curiosa a omissão e, quando li os exemplos que tem citado, achei por bem contribuir com estas memórias.


(Paulo Agostinho)

Cibernauta amigo chamou a minha atenção para o seu post de dia 20, no blog Abrupto, subordinado ao tema "MANIPULAÇÃO DA INFORMAÇÃO". Escreve o senhor:
"Um exemplo: relato, hoje de manhã e pela TSF, da entrevista de ontem ao Primeiro-Ministro, na RTP1. Relato factual, relativamente neutro, com extractos das declarações. De repente, chega à parte do Iraque, e o jornalista corta a palavra ao Primeiro-Ministro e acrescenta: "mas há quem não pense assim, a engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo ."
Dado que estava, nessa manhã, com funções editoriais na TSF, permita-me colocar uma dúvida e fazer alguns sublinhados. Dúvida : o que será um "relato relativamente neutro"? Não o serão todos os relatos? Este seu relato no blog, acrescentando a palavra "relativamente" ao "relato factual" poderá ser interpretado como uma vontade relativamente objectiva de questionar a neutralidade do relato? Sublinhado: o senhor relata no seu blogue que "o jornalista corta a palavra ao Primeiro-Ministro...". Nota : o Primeiro-Ministro não estava em directo. Aquilo que foi colocado no ar foi um excerto da entrevista, correspondente a uma ideia com princípio, meio e fim. No fim desse excerto, o jornalista fez aquilo a que se chama na rádio, um rodapé. Importa lembrar que, naquele excerto da entrevista, Durão Barroso falava no "problema de Espanha", a propósito da intenção, expressa por Zapatero, de retirar do Iraque os soldados espanhóis. Ora, dava-se o caso de, na mesma noite dessa entrevista, a antiga PM Lurdes Pintassilgo ter expresso, numa conferência pública, a ideia de que "o exemplo de Zapatero devia ser seguido por outros governantes". Quem lê o seu post fica a pensar que, depois de ter "cortado a palavra" ao PM, o malandro do jornalista tratou de deixar ali - a la Moura Guedes -, a sua opinião sobre a matéria quando, na verdade, fez uma ligação para um novo som que tinha uma evidente relação com o anterior. A manipulação tem muitos matizes, como sabemos, mas quero crer que este seu relato pecou apenas por ligeireza, sem ponta de malícia.


(João Paulo Baltazar)


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22.3.04


DUPLICIDADES

Não é a frase "eixo da mentira" (Francisco Louçã) da mesma natureza de "eixo do mal"? Ou seja, não é um julgamento político disfarçado de julgamento moral?

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OXALÁ QUE OS POETAS ROMÂNTICOS DO PORTO / SEJAM COMPREENSIVOS


Roy Lichtenstein

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EARLY MORNING BLOGS 166

Todos por Um

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum


(Mário Cesariny de Vasconcelos)

*
Bom dia!

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21.3.04


POEIRA DE 21 DE MARÇO

Hoje, há duzentos e cinquenta e sete anos, uma enorme tempestade ameaçava o navio negreiro de John Newton. No meio da aflição, tentando endireitar o leme, vendo que o navio se ia afundar, Newton dirigiu-se a Deus: “Lord, have mercy upon us.”. O navio salvou-se e Newton convenceu-se da presença divina no seu grito de desespero. Falara a Deus e Deus salvara-o. Mudou a sua vida.

Sob a influência da sua revelação e conversão escreveu alguns dos mais belos e conhecidos hinos na tradição anglo-saxónica, o mais célebre dos quais, Amazing Grace, é autobiográfico:

Amazing grace! (how sweet the sound)
That sav'd a wretch like me!
I once was lost, but now am found,
Was blind, but now I see.

'Twas grace that taught my heart to fear,
And grace my fears reliev'd;
How precious did that grace appear,
The hour I first believ'd!

Thro' many dangers, toils and snares,
I have already come;
'Tis grace has brought me safe thus far,
And grace will lead me home.

The Lord has promis'd good to me,
His word my hope secures;
He will my shield and portion be,
As long as life endures.

Yes, when this flesh and heart shall fail,
And mortal life shall cease;
I shall possess, within the veil,
A life of joy and peace.

The earth shall soon dissolve like snow,
The sun forbear to shine;
But God, who call'd me here below,
Will be forever mine.


*

Interessante, ou talvez não: Amazing Grace foi musicado por Mike Oldfield no álbum Millenium Bell, álbum composto por alturas da passagem do milénio, no qual revisita alguns dos momentos mais marcantes dos últimos 2000 anos. O resultado de tal programa não é nada brilhante, mas curiosamente o tema Amazing Grace não é dos piores.

(Paulo Carvalho)

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TODOS OS DIAS, TODOS OS DIAS (Actualizado)

Querem exemplos?

Noticiário da SIC das 13 horas – abertura : “200.000 pessoas passam fome em Portugal, são números oficiais, mas pode chegar a um milhão ”. Ouvi bem? Números oficiais ou “a cifra (…) avançada por Alfredo Bruto da Costa“, na base de conjecturas estatísticas, como diz o Público?

NOTA: No noticiário da noite, a SIC manteve a fórmula dos "números oficiais" e atribuiu-os ao Conselho Económico e Social, de que Bruto da Costa faz parte, mas basta ler o trabalho publicado no Público para se perceber que os números estão longe de serem "oficiais", a não ser que o erro seja do Público; a TVI usou uma fórmula mais prudente "o trabalho de um sociólogo e de uma economista".]


De Norte a Sul o país saiu à rua a favor da paz” (Noticiário da SIC , 13 horas) . Ouvi bem? O “país”?

No noticiário da noite, a SIC teve o mérito de passar um peça feita pelo autor de um celebre blogue iraquiano Salam Pax, que vem à completa revelia do que é habitual. A chave é uma frase dita por uma jornalista iraquiana "a liberdade tem um alto preço", e a conclusão do autor do blogue "claro que valeu a pena".

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POBREZA E FOME


Não tenho qualquer dúvida sobre a realidade e importância da pobreza em Portugal. Não tenho qualquer dúvida sobre o carácter “escondido” de parte dessa pobreza, embora a maior parte dela esteja à vista de quem a quer ver. Não tenho qualquer dúvida quanto ao agravamento dessa situação nos últimos anos, em particular pelo aumento do desemprego e do custo de vida. Não tenho qualquer dúvida sobre a maior importância que a pobreza tem que ter no discurso social e político, muitas vezes dominado por trivialidades secundárias que nos escondem a realidade social do país em que vivemos. Mas tenho todas as dúvidas sobre o número de “200 mil pessoas a passar fome em Portugal” referido em títulos no Público de hoje.

Fui procurar as fontes e encontrei conjecturas.

“A cifra de 200 mil pessoas com fome é avançada por Alfredo Bruto da Costa, (…) Nestas contas entram realidades de pessoas apoiadas por instituições como os bancos alimentares, a Misericórdia de Lisboa, os valores das pensões de reforma ou o número de sem-abrigo, entre outros. “

Aqui misturam-se dados de carácter absolutamente diferente, como é o caso dos “valores das pensões de reforma” com o “ número de sem-abrigo”. Mas nem sequer ficamos pelos duzentos mil, chegamos ao milhão.

O número, coincidem investigadores e pessoas que trabalham no terreno, poderá ser muito superior e chegar a um milhão, mas, à falta de estatísticas, cruzam-se dados para poder tirar conclusões sobre a realidade.”

Um milhão de pessoas com fome em Portugal. Não é um milhão de pobres, é um milhão de pessoas com fome. Fome. Duvido que “coincidam investigadores e pessoas que trabalham no terreno” ; duvido do “cruzamento de dados”. Em todo o extenso dossier do Público procurei fontes precisas para o número do título, que, como acontece muitas vezes nos jornais, é logo a seguir tomado como seguríssimo, e incluído como constatação de uma evidência nos artigos auxiliares.

Não penso que este tipo de exageros favoreça o combate à miséria, tendo, bem pelo contrário, efeitos contraproducentes.

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EARLY MORNING BLOGS 165

Este Seu Escasso Campo


Este, seu ‘scasso campo ora lavrando,
Ora solene, olhando-o com a vista
De quem a um filho olha, goza incerto
A não-pensada vida.

Das fingidas fronteiras a mudança
O arado lhe não tolhe, nem o empece
Per que concílios se o destino rege
Dos povos pacientes.

Pouco mais no presente do futuro
Que as ervas que arrancou, seguro vive
A antiga vida que não torna, e fica,
Filhos, diversa e sua.


(Ricardo Reis)

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20.3.04


POEIRA DE 20 DE MARÇO

O reverendo Kilvert, como todo o homem de ordem, dava-se mal com a Comuna de Paris. Ele não lhe chamava assim, mas sabia que algo de muito complicado estava a passar-se em Paris. Barricadas, confraternização entre o povo e os revoltosos, dois generais mortos. Anotou no seu diário, hoje, há cento e trinta e três anos, a sua revolta contra os parisienses:

“Those Parisians are the scum of the earth, and Paris is the crater of the volcano, France, and a bottomless pit of revolution and anarchy

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Jacques Linard, Les Cinq Sens

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ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES


"Depois do rover da Lego, temos agora uma réplica mais perfeita com uma base marciana. Está à venda aqui por 170 dólares. "

José Matos


Paulo Salgado discorda da minha opinião (sobre o Iraque, presumo) e envia este texto:

ORDEM E SANIDADE NO GOVERNO DAS NAÇÕES

«Os grandes antigos, quando queriam revelar e propagar as mais altas virtudes, punham seus estados em ordem. Antes de porem os seus estados em ordem punham em ordem as suas famílias. Antes de porem em ordem as sua famílias, punham em ordem a si próprios, aperfeiçoavam suas almas. Antes de aperfeiçoarem as suas almas, procuravam ser sinceros em seus pensamentos e ampliavam ao máximo os seus conhecimentos. Essa ampliação de conhecimentos decorre da investigação das coisas, ou de vê-las como elas são. Quando as coisas são assim investigadas, o conhecimento torna-se completo. Quando os pensamentos são sinceros, a alma torna-se perfeita. Quando a alma se torna perfeita, o homem está em ordem. Quando o homem está em ordem, a sua família também fica em ordem. Quando a família está em ordem, o estado que ele dirige também pode alcançar a ordem. E quando os estados alcançam a ordem o mundo inteiro goza de paz e felicidade.»

Texto atribuído a CONFÚCIO (Kung Fu-Tzé) , Os Grandes Pensadores, de Will Durant, Companhia Editora Nacional, S. Paulo, 1965


1. Face a atentados terroristas há, maioritariamente, duas tendências na reacção:

a) explicativa (há, bem , pois, isto acontece porque…); por vezes até justificativa (os americanos, quem semeia ódios…); gradativa (há uns mais fortes; outros mais fracos; alguns mais condenáveis do que outros, depende da organização terrorista…)
b) condenatória; não-justificativa; simplesmente condenatória; não há justificação possível para um atentado num país democrático.

2. Por convicções, medos ou ideias ingénuas, a maioria dos Media e da “esquerda-flutuante” tende à primeira reacção;

3. Há, nessa reacção erros flagrantes de apreciação que é preciso gritar:

A) A maior “misconception” é a de que os terroristas podem ser razoáveis; que basta sair do Iraque que eles param; É surpreendente que se possa acreditar nisto; primeiro porque não há, obviamente, qualquer critério de razoabilidade no terrorista; segundo porque, como também é evidente, o que está em causa é a pura e simples imposição, pela força, de um ideal de vida – justamente contrário ao ideal democrático
B) O segundo erro de apreciação é imaginar que uma posição que não seja absolutamente condenatória nos pode salvar de sofrer os mesmos atentados; aqui, uma vez mais, apela-se a uma espécie de compaixão no terrorista; falha a percepção de que não é possível a coexistência da ideia democrática com as ideias impostas pelos terroristas

4. Em razão da maioria em Espanha ter reagido mal e aderido à posição falaciosa – Aznar/apoiante dos Americanos/assassino/- traz uma consequência absolutamente nova para o mundo: o terrorismo triunfou; o terrorismo, a partir de agora, tem o poder de mudar governos. Isto sem falar na total ausência de acento tónico numa justificada retaliação conta os terroristas.

5. É tempo de reflectir sobre o velho lema “liberdade ou morte”: é que não estamos mais livres - temos medo e acentuamos a nossa condição de reféns - e estamos mais próximos de morrer - por cobardia, e não por estarmos a lutar justamente pela liberdade. “


(Nuno Horta)

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A AREIA DA “SERPENTE”







Areia, o destino final das montanhas. Areia de Marte, partida não se sabe porquê, junta não se sabe como, num pequeno montinho, a “Serpente”. Talvez tenha memória da montanha que foi e tente sempre voltar à origem, imitar a grandeza inicial, organizar-se pela memória numa pequena imitação do seu passado. Areia.

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LE BRUIT DES CHOSES RÉVEILLÉES


Joaquim Lopes

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EARLY MORNING BLOGS 164

L'angélus du matin

Fauve avec des tons d'écarlate,
Une aurore de fin d'été
Tempétueusement éclate
A l'horizon ensanglanté.

La nuit rêveuse, bleue et bonne
Pâlit, scintille et fond dans l'air,
Et l'ouest dans l'ombre qui frissonne
Se teinte au bord de rose clair.

La plaine brille au loin et fume.
Un oblique rayon venu
Du soleil surgissant allume
Le fleuve comme un sabre nu.

Le bruit des choses réveillées
Se marie aux brouillards légers
Que les herbes et les feuillées
Ont subitement dégagés.

L'aspect vague du paysage
S'accentue et change à foison.
La silhouette d'un village
Paraît. - Parfois une maison

Illumine sa vitre et lance
Un grand éclair qui va chercher
L'ombre du bois plein de silence.
Çà et là se dresse un clocher.

Cependant, la lumière accrue
Frappe dans les sillons les socs
Et voici que claire, bourrue,
Despotique, la voix des coqs

Proclamant l'heure froide et grise
Du pain mangé sans faim, des yeux
Frottés que flagelle la bise
Et du grincement des moyeux,

Fait sortir des toits la fumée,
Aboyer les chiens en fureur,
Et par la pente accoutumée,
Descendre le lourd laboureur,

Tandis qu'un choeur de cloches dures
Dans le grandissement du jour
Monte, aubade franche d'injures,
A l'adresse du Dieu d'amour !


(Verlaine)

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MANIPULAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Está também em pleno.

Um exemplo: relato, hoje de manhã e pela TSF, da entrevista de ontem ao Primeiro-Ministro, na RTP1. Relato factual, relativamente neutro, com extractos das declarações. De repente, chega à parte do Iraque, e o jornalista corta a palavra ao Primeiro-Ministro e acrescenta: “mas há quem não pense assim, a engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo …”.

Outro exemplo: as declarações de Mário Soares sobre a negociação com os terroristas da Al Qaeda, que ele repete já há dois dias, acrescentando cada dia mais um pormenor absolutamente inaceitável, são tratadas com toda a complacência. Para ir a outros exemplos recentes de declarações inaceitáveis: as de Paulo Portas, sobre a emigração, conheceram uma chuva de protestos, editorais, brincadeiras, etc, o que contrasta com o silêncio ou o sottovoce sobre as de Mário Soares.

Outros exemplos seriam fáceis de encontrar em praticamente todos os noticiários sobre o Iraque, os quais são verdadeiras profissões de fé opinativas dos jornalistas, em todos os órgãos de comunicação social, quase sem excepção, com destaque para a televisão.

Outros exemplos ainda: documentos sem dúvida importantes para um julgamento equilibrado (nada mais seria preciso) sobre questões polémicas, são ,ou ignorados, ou tratados num contexto hostil. É o caso da sondagem feita no Iraque pelas grandes televisões ocidentais e reconhecida como a mais fidedigna até hoje realizada. Convenhamos que ela tem mais peso do que o senhor jornalista singular que diz que “os iraquianos com quem falei estão todos revoltados…”. Se calhar é verdade, mas talvez a sondagem tenha um pouco mais de força…

O mesmo aconteceu com os documentos que o (ainda) governo de Aznar divulgou sobre as informações que recebia dos serviços secretos sobre a investigação do atentado, para se defender da acusação de que manipulara os dados para deliberadamente enganar os espanhóis. A única vez que ouvi falar desses documentos numa televisão (talvez não tenha sido o mesmo noutra), foi para ouvir uma crítica: o “governo espanhol estava a tentar escudar-se nos relatórios dos serviços secretos”… Então não foi dito, por uma “fuga”, que esses serviços já sabiam na manhã do atentado que tinha sido a Al Qaeda? Então não se quer esclarecer a verdade?

Podia continuar por aqui adiante, porque a operação está em pleno.

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ESTRATÉGIA DE TENSÃO (Actualizado)

Numa sociedade democrática respeitam-se a lei e as autoridades. O Governo Civil de Lisboa não autorizou uma parte do trajecto da manifestação de amanhã, em si pouco importante na economia da manifestação, e para a qual os manifestantes podem sempre encontrar alternativa sem qualquer prejuízo. Não está em causa nada de relevante na visibilidade da manifestação, nem na sua liberdade. No entanto, os organizadores da manifestação já disseram que não iam respeitar essa proibição. O objectivo é claro: provocar artificialmente incidentes.

*

O seu post sobre o Governo Civil e a manifestação é baseado em informação deficiente. A organização comunicou o percurso da manifestação a 4 de Março. No dia 18 de Março às 18 horas, a poucas horas do desfile, o Governo Civil enviou um fax afirmando que a manifestação não se podia realizar naquele percurso. No dia seguinte contactadas as autoridades, foi por elas dito que a passagem pela Rua do Arsenal e o final na Praça do Município punha em causa a segurança do Tribunal da Relação. Lembro-lhe que já aconteceram inumeras concentrações na Praça de Munícipio e que as manifestações "Pro-vida" e as marchas pacifistas de 15 de Fevereiro de 2003 passaram pela Rua do Arsenal.

A proibição não tem qualquer sentido, não passa pela cabeça de ninguém atacar o tribunal. E pelo contrário, é visível por parte do governador civil de Lisboa, a vontade de criar dificuldades aos organizadores. Por exemplo, depois de ter-se arranjado um palco para a Praça do Município é impossível a menos de 24 horas, construir um palco muito maior no Rossio.

Reconheco-lhe honestidade intelectual para perceber que se trata de uma estratégia anti-democrática que recorre a expedientes "espertalhões", mas pouco inteligentes, contra opositores políticos. Aliás, na mesma direcção que as democráticas censuras do PP espanhol na TVE, que tão bons resultados deram.


(Nuno Ramos de Almeida)



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19.3.04


VER A NOITE

Há muito tempo que os orifícios da esfera celeste, por onde se vê o fogo eterno, não estavam tão visíveis. É sempre o frio que os abre.

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POEIRA DE 19 DE MARÇO

Hoje, há setenta e três anos, Gide está com uma comichão que não o deixa dormir. Como bom intelectual, relembra os precedentes duma história da comichão: Job, procurando um fragmento de vidro para se coçar, e Flaubert. Depois faz uma hierarquia das dores, chegando à conclusão de que a comichão não era certamente a mais nobre, mas uma “inconfessável , ridícula doença”.

Dez anos depois, outra doença aparecia no calendário anual. A Primavera começava a fazer os seus estragos. Camus escrevia hoje sobre a “floraison des filles sur les plages”:

Elles n’ont qu’une saison. L’année d’aprés, elles sont remplacées par d’autres visages de fleurs qui, la saison d’avant, étaient encore des petites filles.”

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E. D. Lunar

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18.3.04


EARLY MORNING BLOGS 163

É boa ! Se fossem malmequeres !

É boa ! Se fossem malmequeres !
E é uma papoula
Sozinha, com esse ar de "queres?"
Veludo da natureza tola.

Coitada !
Por ela
Saí da marcha pela estrada.
Não a ponho na lapela.

Oscila ao leve vento, muito
Encarnada a arroxear.
Deixei no chão o meu intuito.
Caminharei sem regressar.


(Fernando Pessoa)

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17.3.04


POEIRA DE 17 DE MARÇO

Hoje , há quarenta e um anos, John Fowles foi ver os “restos” que a tia Tots (Dorothy) lhe tinha deixado. A tia morrera há uma semana, após viver uma “pathetic life” à frente de um lar de velhos, com os seus cães e gatos e a”sua mania por Dickens”. Fowles suspeitava que a tia era lésbica. Os “restos” não eram maus de todo, alguma mobília boa. E um diário, no qual a tia escrevera

This damned diary is a hell of a nuisance”.

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BASTA YA

Gente que não é capaz de dizer a simples frase "a ETA é terrorista", usa de forma indigna o nome de "Basta Ya", a organização mártir da luta contra a ETA, para convocar uma manifestação em Lisboa.

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16.3.04


POEIRA DE 16 DE MARÇO

Hoje, há cento e vinte e um anos, Beatrix Potter reflectia sobre a bomba que fora colocada ontem no Government Office em Parliament Street. Os danos não eram muitos, mas Beatrix, então com dezasseis anos, espantava-se com o “poder extraordinário do dinamite” e anotava, com pavor, como era possível a um tijolo voar tantos metros e perfurar uma parede. Parecia que o atentado era obra dos “irlandeses”, mas

Papa says it is Mr. Gladstone fault. He takeS the sides of these rogues and then, if they think is slackening, they frighten him a bit.

Ontem como hoje. A rapariguinha sensata ia mais longe. A continuar assim, “really we shall be as bad as France soon”.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: DESPORTOS RADICAIS



À beira desta cratera, o "Espírito" interroga-se. Dúvidas: vou passear pela margem, vou descer, vou andar devagar, vou ser prudente, vou ser obediente. Ou vou-me passar, imagino-me radical, um skate marciano e vou por aí abaixo a abrir para ganhar força e, na rampa do outro lado, dar um salto mortal, um volteio. Regresso depois à minha margem pacífica, e ligo de novo as comunicações. Quando eles virem a cratera fotografada de cima, a meia dúzia de metros do solo, quem se ri sou eu. Desligo.

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TODAS AS PIORES IDEIAS

«If we don't hang together then we shall all hang separately» (Benjamin Franklin)

Bastou que a primeira bomba explodisse na Europa para que todas as piores ideias viessem ainda mais claramente ao de cima. Elas já estavam à superfície, mas estavam fragmentadas, dispersas, amolecidas pelo cansaço dos últimos anos. Agora, sobre quase tudo o que verdadeiramente conta (a Europa, a Constituição, as relações transatlânticas, o terrorismo, a guerra), vai-se assistir (está-se já a assistir) ao império de um derrotismo paralisante, de uma defesa do estado de coisas actual, favorável aos violentos, de um abandono de valores e de obrigações, a favor da “paz”, a “paz” do nosso conforto e a “paz” das ideologias.

A mensagem é só uma: matem, mas lá longe, matem os vossos, como sempre mataram, porque isso não nos interessa. Matem os outros, mas deixem-nos a nós em paz. Matem os outros, lá longe nesses sítios intratáveis, matem os israelitas, matem os americanos, mas deixem-nos sossegados. Tirem lá o alvo das nossas costas, que a gente vai correr com o Blair, com o Barroso, com os belicistas da “nova Europa”, e voltar, como disse Prodi, à diplomacia.

Quem entende que se está em guerra, quem sente que se está em guerra, tem que ser agora mais firme do que nunca.


*

É tal e qual como diz, mas eu, pela minha parte, sendo um dos tais que me “sinto em guerra”, perante esta avalanche de pacifismo, sinto também que, para já, não é viável invertê-la. Por outro lado, vejo cada vez mais claro que houve por parte dos EUA tremendos erros tácticos que estão sendo determinantes – como se vai sair daquele atoleiro do Iraque? Vejo também nos seus aliados erros e mais erros. Dei por mim a rejubilar com o castigo eleitoral da estupidez autista de Aznar no pós-atentado, como se o resultado desse facto não fosse, necessariamente, aturar o inominável frouxismo deste Zapatero (horror dos horrores: homem sem vícios e de um anunciado “politicamente correcto” que augura o pior). Até que ponto essa incapacidade do PP em gerir o pós-atentado facilitou e magnificou o medo do eleitorado? Agora aqui temos o “anjo querubim” que se apressa a anunciar o regresso dos soldados espanhóis. É abjecta esta pressa, mas, ao fim e ao cabo, não se prepara Bush para fazer algo de equivalente em prol de interesses eleitorais?

Enfim, inquietações e dúvidas sem fim e um mal-estar indizível é o que sinto.


(Edmundo Tavares)

*
O seu “TODAS AS PIORES IDEIAS” é polémico, diria um pouco radical. Diria quase em desespero de causa. A sua habitual ponderação parece ter desaparecido. Concordo com a sua análise dos sinais que aparecem, agora mais que nunca, pela Europa.

Mas a “ guerra”? Será que elimina o problema? Foi ela que minimizou os problemas criados pelo IRA, pela ETA, pelos bombistas suicidas em nome da Palestina, pelas Brigadas Vermelhas, pelo grupo Baader Meinhof, pelas Al Qaida, etc? Não será antes a inteligência baseada numa nova diplomacia, no vigor e rigor das Instituições Judiciais e policiais nacionais e internacionais?

Será certamente pouco, dir-se-à. Será um processo lento, dir-se-à. É verdade, a morte anda à solta, gratuita, sem sentido, ontem ali, amanhã acolá. Mas não é a dúvida que aguça o engenho? À força bruta, dura e crua, deve responder-se com rigor, inteligência e argúcia. A classe política dirigente, à escala planetária, deve, tem obrigação de encontrar a solução. Para isso tiveram o nosso voto, já que se dispuseram a fazê-lo e, portanto, deverão ser de entre nós os mais competentes e habilitados para o concretizar.

(Rui Silva)

*

Este repentino frenesim com a segurança vem demonstrar que a maioria dos europeus não realizaram de facto o que foi o 9/11 e o que representou. Que as suas opiniões foram formadas no conforto dum sentimento de segurança e com o à vontade de quem admira uma imagem do deserto sem lhe sentir o calor.
Não admira por isso que considerem Israel uma das maiores ameaças à paz mundial. Nem admira que agora cidadãos reclamem medidas e que governantes se desmultipliquem em reuniões de emergência como se tudo não devesse ter estado à muito acautelado.


(João Santos Lima)




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EARLY MORNING BLOGS 162

Não Canto

Não canto a noite porque no meu canto
O sol que canto acabara em noite.
Não ignoro o que esqueço.
Canto por esquecê-lo.

Pudesse eu suspender, inda que em sonho,
O Apolíneo curso, e conhecer-me,
Inda que louco, gêmeo
De uma hora imperecível!


(Ricardo Reis)

*

Bom dia!

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15.3.04


PARA SE ANDAR PARA A FRENTE



Parece que estou sossegando

Parece que estou sossegando
'Starei talvez para morrer.
Há um cansaço novo e brando
De tudo quanto quis querer.

Há uma surpresa de me achar
Tão conformado com sentir.
Súbito vejo um rio
Entre arvoredo a luzir.

E são uma presença certa
O rio, as árvores e a luz.


(Fernando Pessoa)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ESPANHA E O TERROR 2


"Concordo com sua "lembrança", penso que a viragem política que ocorreu ontem em Espanha, com o regresso dos socialistas ao poder, só poderá surpreender os mais distraídos, depois de analisados friamente todos os acontecimentos ocorridos nos últimos três dias, a contar desde o dia do terrível atentado que abalou Madrid e todo o mundo civilizado.
A verdade é que este acto terrorista fez com que muitos milhares de espanhóis esquecessem os quatro anos de governação da direita em Espanha e centrassem toda a sua atenção na forma possível de exprimir o seu medo em relação ao terrorismo perpetrado por diversos grupos islâmicos, que lutam contra o mundo desenvolvido, democrático e livre.

Esses espanhóis (calcula-se em mais de 2 milhões) que estavam a pensar abster-se, por não terem preferência entre o PP e o PSOE, resolveram, a partir do dia do massacre, não ficar em casa e exercer o seu dever cívico, mostrando um cartão vermelho ao Governo que, segundo eles, "abriu" as fronteiras de Espanha aos grupos terroristas islâmicos... Claro que esta é uma visão muito redutora de como se combate o terrorismo, mas o povo é soberano e, só é pena que, tal como acontece em Portugal, muitos cidadãos apenas se lembrem de exercer o seu dever democrático de eleger um Governo, quando o terror e o medo os aflige.
Estas foram umas eleições longe da normalidade, dominadas, não pela razão, mas sim pela emoção e pelo medo. Desta vez, os terroristas ganharam a sua batalha e concretizaram, por agora, os seus objectivos. Mas, certamente, que irão perder a guerra que iniciaram contra os valores do mundo democrático e livre...
"

(Pedro Peixoto)

"As sondagens anteriores não validam a política externa do PP. Havia, se bem me lembro, sondagens que mostravam que a maioria dos espanhóis estava contra a intervenção no Iraque. Sucede que o que os espanhóis aprovavam, na sua maioria, era a política interna do PP, que em duas legislaturas mudou a face de Espanha. E isso permitia que tolerassem o resto (o Prestige e a intervenção no Iraque) porque era a boa política interna que lhes punha na mesa o pão e na alma o orgulho de, independentemente da nação a pertencessem, comungarem da identidade de cidadãos do reino de Espanha.
E é por isso também que a vitória do PSOE me enche de tristeza: ela prova como, em três dias, a cedência ao apelo da demagogia e do ilusionismo político pode malbaratar o património de confiança acumulado em duas legislaturas.
Quando ouvi, na sexta-feira, que Ana de Palácio tinha enviado circulares aos embaixadores a atribuir a responsabilidade à ETA, fiquei perplexo. Quando ouvi Rajoy falar de convicção moral da paternidade etarra dos atentados, temi o pior, pois a imputação de crimes depende de juízos sobre provas e não de convicções morais. E ontem...
Acho que em Portugal temos também de retirar algumas lições do desastre eleitoral. O capital de prestígio do governo reformista pode ser desperdiçado se, em momentos cruciais, ele também ceder à tentação simplificadora. Tenho algum receio, confesso. "


(Fazenda Martins)

A Al Qaida ontem, pela primeira vez, ganhou eleições na Europa. Temo que não seja a última. A cobardia pega-se; o sentimento de honra, tal como o de vergonha, não está na moda; a maior parte da esquerda, especializada no apelo ao que de mais baixo e mesquinho existe na natureza humana, brilhantemente secundada, apoiada e distribuída pela chamada comunicação social, cria o ambiente óptimo para a cultura e proliferação da bactéria - se assim posso chamar a uma federação de grupos terroristas.

As pessoas vão acordar? A Europa vai acordar? Vamos proteger a nossa boa e velha civilização europeia ou, tal como a Espanha fez ontem, pensando salvar a pele já perdemos o instinto de sobrevivência?”



(Maria Helena Lares)

“Para muitos Espanhóis foi-lhes impossível suportar ao mesmo tempo um atentado terrorista e um governo mentiroso. Foi como se um médico lhes dissesse que afinal não iam morrer de cancro mas de negligência médica.

Como muito bem diz, o povo vota, o povo decide, é simples. Não percebo é que depois diga que outros olhos nos vêem. Parece que quer dizer que era simples o povo votar no PP mas é tão burro que foi a correr a votar no PSOE.

Por outro lado, e infelizmente, José Luis Zapatero ao anunciar que a Espanha vai retirar do Iraque não podia começar da PIOR (não sei como hei-de escrever isto a piscar) maneira. É como se dissesse "Bin, tens razão. Ao contrário do que andei a dizer, a Espanha está mesmo no Iraque para combater a Al-Qaeda, como dizia o Aznar e diz o Bush, mas não te preocupes que a gente vem já embora". Se Aznar passou por mentiroso no fim, Zapatero começa a passar por fraco logo no 1º dia.”



(Mário Almeida)

O voto dos Espanhóis foi decepcionante e horrivel. Foi o mesmo que dizer - "Não nos importa o que se passa no Mundo, desde que não nos caiam bombas em cima" - e isto depois de lhes ter acontecido isso mesmo! Deve ter sido a atitude mais egoísta e fechada que se podia ter. É uma visão nacionalista (porque a guerra dos outros não nos interessa, e a culpa é do nosso governo que não nos manteve longe dela - como fez Salazar por aqui) e cega (porque ao mesmo tempo facilita o trabalho aos terroristas, e é o tipo de coisa que a continuar trará mais violência e terror). A primeira acção do novo PM foi de retirar as tropas do Iraque, chamando à intervencão um "desastre" - que evidentemente se agravará com atitudes destas, que enfraquecem a coligação e ironicamente vão fazer a vida mais difîcil áqueles que a guerra visava proteger, os iraquianos (alem disso é uma vitória moral e total para os terroristas - não só conseguem matar 200 pessoas como vêem a sua posição reforçada). Um choque.”

(Alexandre Gamelas)

"Queremos saber a verdade!" exigiam os manifestantes espanhóis entrevistados em véspera de eleições. E quem não quereria? Até o próprio Governo PP, diríamos.
Mas analisando melhor, talvez a pergunta ocultasse uma outra subliminarmente mais autêntica e dramática: " Como nos pode acontecer isto?".
Para esta questão, nem o Governo, nem a "media", nem os votos encontrarão facilmente a resposta.”


(FFMachado).


No post intitulado "Para combater a Má Fé" (julgo que a de Sartre, via Fernando Gil) transfere - presumo que com boa fé - o ónus da prova em relação à autoria dos atentados de Madrid para o PSOE e para o novo Presidente do Governo, aproveitando a boleia para deixar mais algumas das suas habituais críticas à meditatização da política e ao papel dos meios de comunicação social - vá lá que não chegou à história do empolamento da manifestação de Sábado à noite pelas câmaras de televisão, como fizeram alguns.

Parece uma má estratégia argumentativa. Parece-me que a boa fé aconselharia a que procurasse as respostas às interrogações subjacentes na própria conduta pública do Governo espanhol e do partido que o apoia. Não é preciso irmos ao "como e quando foram decididas as conferências de imprensa e outras declarações de responsáveis governativos", basta que nos fiquemos pelo respectivo conteúdo. Não é preciso irmos ao "que instruções foram dadas à investigação, que certezas ou incertezas foram transmitidas pelos serviços de informação", basta que nos fiquemos pelas conferências de imprensa do Ministro do Interior.

A boa fé, caro JPP, é bem menos rebuscada do que o contrário da má fé.”


(André Bradford)

É inacreditável! O que aconteceu em Espanha deixou-me verdadeiramente assustado. A Europa, que infantilmente pensa que está fora do perigo terrorista, nem depois de um ataque como o de Madrid acorda e percebe que esta atitude reactiva é o convite para a repetição da matança dos inocentes. A minha pergunta é esta: quando o terror psicológico a que estamos cada vez mais sujeitos atingir os píncaros da loucura e do descontrolo, quando a vida se tornar verdadeiramente insustentável e insuportável pela pressão do medo, o que é que vai acontecer ao Mundo?
Terceira Guerra Mundial? Mas contra quem? Aonde?
Os terroristas não vão parar. Os E.U.A não vão parar. Enquanto isso pelo continente sul americano, africano e asiático a pobreza e a fome e a falta de motivos para se viver chicoteiam populações inteiras. Aonde é que tudo isto vai parar?
Cada vez mais penso naquela que é, por essência, a questão derradeira da filosofia:
(...) não há senão um único problema filosófico verdadeiramente sério: o problema do suicídio. Julgar que a vida vale ou não vale a pena ser vivida, é responder à questão fundamental da filosofia. (Albert Camus, Le Mythe de Sisyphe, Paris, Galimard, 1942)


(Ivo Monteiro)

Agora sabemos que até da valentia, bravado e orgulho espanhóis pode vir o voto do medo. Sim, eu ponho os vossos adversários na rua. Sim, eu saio já do Iraque ou de outra qualquer justificação com que me ameacem. Sim, eu não me importo com o vosso ideário e prática, desde que as acções pedagógicas sejam feitas com os comboios de outros, não com os meus. E assim os Estados Unidos ficam mais isolados, até na compreensão dessa coisa básica de que é numa guerra que estamos. Europa cobarde. E assim apagadamente suicida.”

(José Mendonça da Cruz)

“Quando os americanos quiserem resolver o problema palestiniano a sério e não com falsas promessas. Quando acabar o fomento do ódio fundamentalista, haverá verdadeira luta ao terrorismo. Tudo o resto por muito que nos queiram “mentir” apenas fomenta cada vez mais ódio e terror.
Julgo que os eleitores espanhóis ao derrotar o PP e a sua política de guerra, também querem uma política verdadeira, pela paz e não pela escalada do ódio e da violência.
E isso é mais importante que os olhos da Al Qaida, pois que a luta contra aquela é com o afastamento dos motivos que leva os árabes a acreditar naqueles fanáticos.”

(Carlos Teles)

Em relação às eleições espanholas, a TSF, com toda a imparcialidade, apresenta online o titulo "Rebelião Democrática". Mas a única rebelião que vi, foi a da inacreditável e provocadora manifestação ilegal à porta do PP em pleno dia de reflexão. E que a ver pelos lenços se percebia perfeitamente de onde vinha. Democrática e com sentido de estado foi a atitude do governo de Aznar, que se limitou a conter uma manifestação ilegal e hostil em prejuizo do seu partido.

(João Santos Lima)

Desconheço, tal como JPP presumo, as "fontes cirúrgicas” da Cadena Ser, não defendo o recurso sistemático a fontes anónimas, mas de algumas coisas sei, porque ouvi, li e vi durante os últimos dias:

- O mesmo governo espanhol que desmentiu todas as informações avançadas em primeira-mão pela Cadena Ser foi o mesmo que, mais tarde e paradoxalmente, as confirmou nas conferências de imprensa.

- A Cadena Ser foi um dos poucos meios de comunicação social espanhóis que foi isento na cobertura dos atentados porque nunca descartou nenhuma das duas hipóteses sobre a autoria dos atentados. Olhou sempre para os dois lados, nunca pendeu só para a ETA ou só para a Al-Qaeda. Não foi permeável às pressões e manipulações do governo espanhol sobre os media espanhóis, preferiu transmitir os factos e recusou retransmitir a “verdade oficial” do governo espanhol que insistia na tese da ETA cego aos indícios e factos que, aos poucos, surgiam. Por tudo isto foi acusada de ser “suspeita”.

A cobertura dos acontecimentos entre os canais que acompanhei – a pública e controlada TVE (TVE 1 e 2 e o Canal de informação 24 Horas), a privada e próxima do PP Antena 3 e o canal autonómico Canal Sur - foi claramente tendenciosa relativamente à cobertura do jornal El Pais, da rádio Cadena Ser e das televisões Tele 5 e CNN+.

O esforço de isenção da Cadena Ser, e dos outros meios, deveria ser aplaudido por JPP que sempre olha com desconfiança para os media e para os jornalistas. Ou será que a necessidade de “incubação” da informação deveria ter falado mais alto?”



Ourives-da-coroa

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LEMBRANÇA A TEMPO POR CAUSA DO TEMPO

Se a rejeição da política externa espanhola de apoio à coligação no Iraque fosse determinante no sentido de voto, o PP não estaria à frente das sondagens, antes dos atentados.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ESPANHA E O TERROR (Actualizado)

Artigos e referências que me foram enviados:

Nota de Afonso Neves em Razão das Coisas

Artigo colocado no Estaleiro

Miguel Alves aconselha artigo de Luís Meana “La furia de la Historia”, em La Opinion, A Coruña Digital

Nota de Luis Novais Weblog

"Achei oportuno e interessante o excerto que publicou do livro "Impasses". Parece-me que descreve um sentimento, ou será mais correcto falar em atitude, subjacente à nossa vida no Ocidente e que não é fácil nem de perceber nem de descrever. Ao tentar "agarrá-lo" levantam uma questão que deve já estar (quanto mais não seja desde o 11 de Setembro) na cabeça de algumas pessoas: avaliar-se-á o que significaria o Ocidente desaparecer?.

Esta pergunta, face aos acontecimentos recentes em Madrid, e a todos os outros que o antecederam, merece atenção e ponderação. Será que o desaparecimento da nossa sociedade Ocidental é, a mais ou menos longo prazo, e sem que o desejemos, provável ou possível? Só perante uma séria reflexão sobre as nossas fragilidades (que por vezes e paradoxalmente são também a nossa força) poderemos encontrar a garantia da sobrevivência, a longo prazo, das democracias.

Há quem considere que estamos em guerra. Uma guerra não convencional, que requer uma renovação na forma de pensar, na estratégia, na formação e nos meios para defender e eventualmente atacar. O leitor Rui Silva (ver texto do post das 13h11m) consciente desta necessidade de reflexão propõe inteligencia, vigor e uma nova ideia de universalidade. Estes instrumentos, sem querer negar a sua importância, parecem-me um pouco e difíceis de concretizar. O que será uma nova ideia de universalidade num mundo em que, e só para dar um exemplo, A Declaração Universal dos Direitos Humanos, está longe de ser aceite no terreno, é contestada e posta em causa por se dizer servir os interesses do Ocidente? "


(Joana Pereira de Castro)


"Antes de mais, quero afirmar que tenho pelo JPP uma grande consideração pessoal e intelectual. Dito isto, num recente artigo no Abrupto, JPP refere: “Mas há outros olhos a ver o que aconteceu e esses olhos não vêem o mesmo que eu vejo. Esses olhos são os da Al Qaida, quer tenham sido eles a fazer o atentado ou não. E o que eles vêem é inquietante e perigoso. Vêem a bomba ter resultados que lhes convém, vêem o terror a dar resultados políticos. Eles não vão fazer a distinção entre as culpas do PP e os méritos da bomba. Eles são gente mais pragmática do que parece, ponderam as vantagens e inconvenientes de repetir a bomba, onde e como. É só uma questão de tempo.”

Sempre me ensinaram, que em Democracia, o povo tem sempre razão. Não fica muito bem ao JPP arranjar desculpas. O que, aliás, é contraditório com a sua escola de esquerda."


(Humberto Coelho)


"Se os espanhois votassem em massa no PP para contrariar aquilo que se pensa ser a vontade dos terroristas (e, consequentemente, para evitar que estes repitam a "fórmula" por a acharem resultar), não seria também uma forma de condicionamento, de cedência?; devemos votar à direita por, à partida, isso incomodar mais os terroristas? O dr. Pacheco Pereira denuncia muito a má fé de alguma esquerda -- que concordo que existe --, mas, de caminho, vai colando todos os interesses terroristas a ela, insistindo em associá-los, comentário após comentário: não é também uma forma de má fé? Assim de repente, vem-me à memória a primeira eleição do presidente Sampaio e as ameaças do dr Pacheco Pererira, durante a campanha: que, caso a esquerda ganhasse, seria a chegada da intolerância, carregando em tom alarmista e trágico as suspeitas, como se o dr. Sampaio fosse algum desconhecido de curriculo sinistro, desviado e desviante -- até os políticos são pessoas e merecem ser tratados como tal. Ninguém tem o monopólio da má fé nem da independência política; e o dr. Pacheco Pereira, naturalmente, apesar de ter um bocadinho de uma e doutra, também não."

(António G.)


A grande questão é a de saber se houve ou não manipulação da informação, ou gestão abusiva da mesma, por parte do PP.
É que, se não houve, o poder de influenciar as eleições não foi tanto das bombas mas sobretudo dos media que construíram e sustentaram essa ideia.
E, sinceramente, não sei qual das hipóteses é a pior. Já se sabia que os media tinham o poder de influenciar o voto, mas, a ser falsa a ideia de manipulação da informação, nunca até ontem tinham ido tão longe
.”

(Eduardo Nogueira Pinto)


Se percebo a lógica da sua preocupação, em "Olhos", os eleitores deveriam ter votado maioritariamente no PP, de modo a que os resultados não tivessem sido os que a Al Qaeda pretendia. Bom, mas se tivessem votado no PP por esse motivo, não deixariam de ter tomado uma opção condicionados pelos terroristas, não é verdade? Ou será que o único voto livre só poderia ter sido no PP?”

(Pedro Soares)


Não…Não.., é horrível e angustiante saber que os terroristas venceram e eles têm consciência disso e isto é realmente a bola de neve que lhe referi ontem. O problema central e mais pernicioso é a sede de poder, do governo espanhol, querer manter o poder, escondendo fontes e deu um atestado de infantilidade ao povo espanhol, já o tinha feito com a Guerra do Iraque. Se fosse o governo espanhol que fosse para a guerra, óptimo, eram eles que sofriam as consequências, mas é o povo que têm que escolher se o governo vai para a guerra, porque são eles as vitimas dessa escolha. Têm de haver união para combater o terrorismo, o jogo de poder, só vem provocar mais sede de poder e esta sede doentia gera violência. Além disso, não haverá estratégias inteligentes de combater o terrorismo que não a guerra?!!!!... deve haver de certeza, quando os homens tiverem uma alma superior aos dos terroristas, e esquecerem a vitória como um fim em si mesmo, e se convencerem que o mais importante é ajudaram a criar um mundo melhor.”

(Irene)

A propósito da afirmação de Zapatero sobre a retirada de tropas espanholas do Iraque - Muito mais que o horror de 200 mortos e 1400 feridos assusta-me que a actuação terrorista decida eleições legislativas, opções políticas e decisões estratégicas.”

(João Melo)

"O seu “posted” Olhos é muito curioso. É curioso porque deixa uma dúvida no ar. Como devem as Democracias do tipo Ocidental, representadas pelos Governos legítimos, comportar-se na sua Gestão da “coisa pública”?

- Governar para evitar as “bombas”, cedendo nos seus declarados princípios, para não provocar a “ira” dos terroristas?

- Governar para evitar as “bombas”, não cedendo nos seus declarados princípios, arriscando-se a provocar a “ira” dos terroristas?

- Governar para evitar as “bombas”, analisando friamente todas as situações e procurando a melhor solução para o país, esquecendo talvez, os restantes membros da comunidade internacional?

O terrorismo está aí, como de resto sempre esteve, tenham os seus autores o nome que tiverem. Agora talvez mais à escala planetária. Li, algures, que “Estamos em guerra” relativamente a esta dita nova situação. Não concordo. A guerra, no seu aspecto bélico de armas, movimentações maciças de homens e materiais, num confronto entre estados parece, nada leva a lado nenhum.

Estamos sim no início dum grande período de reflexão universal (nomeadamente no Ocidente), de como fazer face a este problema. Se será com guerra, duvido. Mas será, isso sim, com inteligência, com vigor e, mais importante com uma nova ideia de universalidade e, porque não de ecumenismo. Cumpre aos poderes instituídos descobri-la. Este é o desafio às sociedades modernas. Saberemos encontrar a resposta?"


(Rui Silva)


"A guerra civil espanhola, que antecedeu a II Guerra Mundial, foi utilizada por algumas das facções que viriam a estar em confronto - com grande destaque para a Alemanha - como um laboratório de ensaio para o confronto que se avizinhava.

Nela, foram experimentadas algumas estratégias inéditas na altura, como o bombardeamento massivo de cidades, de que Guernica foi um exemplo tristemente célebre imortalizado por uma obra-prima de Picasso. A vitória das tropas leais a Franco, fortemente apoiadas por forças aérea alemãs, serviu para aumentar a moral dos exércitos desse país, em vésperas de se lançarem num conflito em grande escala.

A Al-Qaida, ao que tudo indica, executou um espectacular atentado em Madrid em vésperas de eleições, do qual resultaram 200 mortos. Dias depois, a população acorreu em massa às urnas, tendo derrotado o partido do governo (que sempre teve um discurso duro perante o terrorismo) e elegendo um partido com uma postura mais branda.

Numa primeira leitura, é compreensível esta atitude da população. Há a percepção de que, quanto maior a firmeza demonstrada, mais facilmente nos convertemos em alvo. E ninguém gosta de ser alvo do terrorismo. O problema é que não estamos nesta guerra porque queremos. Não fomos nós que a começamos. Veio ter connosco. E tenho dúvidas de que a possamos evitar, ignorando-a. Passe as distâncias, e as diferenças entre os tipos de conflito, faz lembrar os anos que antecederam a segunda guerra mundial. Quando ninguém se preocupava muito por Hitler estar a armar-se até aos dentes e a opinião pública inglesa considerava Churchill um perigoso militarista. E quando Chamberlain assinava acordos de paz com Hitler, que garantiam a "paz no nosso tempo". Foi o que se viu.

Desta vez, com um brutal atentado realizado em vésperas de eleições, poderemos ser levados a pensar que a Al-Qaida influenciou o seu resultado, dando a vitória a uma força política que lhe é menos hostil. Fica-se, desde logo, a recear o pior para as eleições presidenciais americanas, que terão lugar no final do ano. E a sensação de que as eleições em Espanha marcaram um ponto de viragem na guerra contra o terrorismo, de consequências imprevisíveis.
"

(Ricardo Prata)

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PARA COMBATER A “MÁ FÉ”

Seria bom que o novo governo do PSOE, ou o novo parlamento, esclarecesse a sequência fidedigna de informações que chegavam ao governo, se houve ou não razões operacionais para não divulgar algumas, se houve ou não manipulação política na utilização ou sonegação de dados pelo governo, que informações foram dadas e em que tempo real ao líder da oposição, qual o grau de consultas mútuas, como e quando foram decididas as conferências de imprensa e outras declarações de responsáveis governativos, que instruções foram dadas à investigação, que certezas ou incertezas foram transmitidas pelos serviços de informação e pela polícia ao governo. Se não, ficamos com as "fontes" cirúrgicas da Cadena Ser, ou com a sensação de manipulação do PP. Esclarecer, para o ar ficar mais limpo.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Por razões que facilmente se compreendem, estou a receber muitos textos para publicação. É minha intenção fazê-lo, com ampla variedade de pontos de vista, com o critério habitual: ajudarem à discussão. Mas, quanto mais curtos os textos, mais provável é a publicação.


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OLHOS

Aos meus olhos, as eleições espanholas são eleições, momentos em que se materializa a vontade última de quem manda em democracia. Mandaram embora o PP, deram a vitória ao PSOE, penalizaram o que quiseram penalizar, premiaram o que quiseram premiar. Essa vontade é, para um democrata, sempre impoluta, desde que haja liberdade nas eleições, como houve.

Mas há outros olhos a ver o que aconteceu, e esses olhos não vêem o mesmo que eu vejo. Esses olhos são os da Al Qaida, quer tenham sido eles a fazer o atentado ou não. E o que eles vêem é inquietante e perigoso. Vêem a bomba ter resultados que lhes convêm, vêem o terror a dar resultados políticos. Eles não vão fazer a distinção entre as culpas do PP e os méritos da bomba. Eles são gente mais pragmática do que parece, ponderam as vantagens e inconvenientes de repetir a bomba, onde e como. É só uma questão de tempo.

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POEIRA DE 15 DE MARÇO

Hoje, há dois mil e quarenta e oito anos, cumpriram-se os Idos de Março. Os conspiradores, dirigidos por Marcus Junius Brutus, Caius Cassius Longinus, Publius Servilius Casca e Lucius Tillius Cimber, mataram à punhalada Caius Julius Cæsar. Supostamente um crime de estado, pelo estado, contra o ditador.

A um deles, seu dilecto, César, caindo, falou em grego: “Também tu”. Também ele.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)

"o povo é quem mais ordena. É tão simples como isto e, antes de ficar complicado, deve continuar assim simples."

Mas não é assim tão simples. A não ser num estado permanentemente revolucionário. Porque a democracia não é a vontade das massas, antes o voto de todos os cidadãos.

A vontade expressa, para ser soberana, tem de ter regras, que nos livrem dos populismos de extrema-direita e extrema-esquerda. Sem essas regras porque não governar por sondagens, ou pela força de manifestações de rua?

O voto foi feito e o novo governo eleito. Tudo legitimamente. Mas não foi simples, nem sequer normal.


DBH (No Quinto dos Impérios)


A inesperada vitória do PSOE foi, em certa medida, um facto bom para Democracia. Já dizia, salvo erro, Salazar: em política o que parece é. Ora, o que pareceu no pós-atentado é que houve uma “gestão dos mortos” por parte do PP. Certamente isto é muito injusto, pelo menos, para muitos dos seus dirigentes. Mas foi o que efectivamente pareceu. Se num primeiríssimo momento era lógica a pista ETA, insistir nela, nos moldes em que foi feito desde então, até pareceu um “acto falhado” da expressão de um inconfessável desejo mórbido (passe o terrível exagero…). Só que, perante a selvagem tragédia, as gentes perceberam que uma coisa era a ameaça do “terrorismo paroquial” etarra, outra a ameaça do “mega-terrorismo” global da Al-Qaeda. Instintivamente, saber esta verdade tornou-se-lhes crucial. Preso aos seus inimigos de estimação, o PP não soube ter o rasgo estratégico: detectar a nova ameaça e dispor-se na primeira linha para o combate – era, aliás, quem estava em melhores condições para o fazer! (É nestas e noutras que se notam ainda alguns tiques de lastro “franquista”). Sob este ponto de vista, o castigo eleitoral a que acabou por ser submetido é uma vitória da cidadania e da vivência democrática – se quem nos poderia garantir mais segurança perante esta ameaça, cobardemente, não a reconhece, nem a assume, pois, vamos dar oportunidade a quem nos diz ter podido evitá-la. Porém, o poder nas mãos da esquerda, sobretudo, desta esquerda “dialogante” e politicamente correcta é assustador por muitas razões … a começar pela economia. Lá vem a “marcha à ré” num saudável e equilibrado processo de liberalização e competitividade. Para o mundo é péssimo. Retirados os soldados espanhóis do Iraque, fica dada o mote … para o resto da Europa. Em vez da mobilização para a guerra ao mega-terrorismo, o que temos, é a ignóbil cobardia. Os “barbudos “ de Carachi e quejandos anotarão devidamente o êxito da coisa, ou seja, do êxito da chantagem do terror e o crescente isolamento dos EUA. O eleitorado espanhol imagina, por agora, que uma inflexão pacifista pode evitar futuras barbáries. Deus queira que esteja certo, embora a História nos diga que não.

(Edmundo Tavares)

O resultado das eleições em Espanha vieram demonstrar o perigo que há em pôr no mesmo plano o combate político interno nas democráticas e a discussão sobre como melhor combater o fenómeno do terrorismo a nível global.
Assiste-se assim a uma estranha e involuntária aliança entre correntes políticas de matriz Marxista que persistem numa boa parte da esquerda, e o fundamentalismo Islâmico.

Segundo a doutrina Marxista, uma visão do homem assente na ideia de que à nascença arrancamos dum zero, sendo por isso ele essencialmente um produto da sociedade – aliada à ideia de que o mundo pós revolução francesa se divide basicamente entre exploradores e explorados, assumindo como verdade “cientifica” que se há pobres e fracos, é por culpa de haver outros que são ricos e fortes, conduz logicamente à conclusão de que se há males no mundo – e nisso todos estamos de acordo – eles são uma consequência directa do sistema político em vigor. O que actualmente e à escala global significa a total responsabilidade dos países ricos, com os EU à cabeça, perante as desgraças do mundo.

É neste contexto que a referida esquerda, mesmo condenando o método terrorista, a entende como uma reacção desesperada de pobres e oprimidos contra os seus exploradores. E é neste contexto que essa esquerda entende uma política activa em relação ao terrorismo como uma manifestação oportunista do “explorador”.

Bin-Laden não é um desesperado. Bin-Laden, lucidamente procura forçar o devir do “seu” mundo, independentemente da vontade daqueles que diz representar e legitimando-se na miséria do “seu” povo e na sua natural aspiração a uma existência digna. E nesta última parte encontra ressonância no sentimento da referida esquerda.

Por outro lado, supondo que ainda está no prazo a profecia marxista, a esquerda em questão não pode deixar de ver no fenómeno Al-Qaeda um agente da História, gerado pelo próprio Capitalismo e conducente à sua auto-destruição tal como estava escrito.

Não estou a sugerir de forma alguma a existência de uma qualquer estratégia concertada entre a esquerda e o fundamentalismo islãmico. Mas não tenho dúvida que ambos beneficiam com as acções um do outro, pela simples razão de que o inimigo é em muitos aspectos o mesmo. E se no caso da esquerda acredito que a coisa seja puramente acidental, já no caso dos fundamentalistas desconfio fazer parte de uma estratégia que instrumentaliza esta esquerda, como parece indicar o timing do atentado de Madrid.

Em termos operacionais, uma retira espanhola do Iraque não tem qualquer peso. O perigo aqui é que os terroristas se convençam de que com outros 3/11 conseguem determinar decisões políticas em benefício próprio. Ou seja, que o terrorismo funciona, e que a esquerda na sua obsessão anti-capitalista e anti-americana ajude à festa.


(João Santos Lima)

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A LUMP OF DEATH - A CHAOS OF HARD CLAY


Roy Lichtenstein, as I opened fire

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EARLY MORNING BLOGS 161

Poucos poemas vão mais longe na visão, no sentido divinatório de um mundo dominado pelas trevas, as trevas ancestrais, as trevas da morte. Foi-me sugerido por João Costa, na sequência do terror espanhol, e eu hesitei em publicá-lo, quer pela sua extensão, quer pelo facto de estar em inglês. Não sei se existe uma tradução portuguesa, mas tentarei encontrar uma, ou procurar que haja uma, para quem não lê inglês. Mas, ao relê-lo outra vez, no seu fôlego quase metafísico, pareceu-me impossível não o publicar: “Darkness had no need / Of aid from them--She was the Universe.”

Darkness

I had a dream, which was not all a dream.
The bright sun was extinguish'd, and the stars
Did wander darkling in the eternal space,
Rayless, and pathless, and the icy earth
Swung blind and blackening in the moonless air;
Morn came and went--and came, and brought no day,
And men forgot their passions in the dread
Of this their desolation; and all hearts
Were chill'd into a selfish prayer for light:
And they did live by watchfires--and the thrones,
The palaces of crowned kings--the huts,
The habitations of all things which dwell,
Were burnt for beacons; cities were consum'd,
And men were gather'd round their blazing homes
To look once more into each other's face;
Happy were those who dwelt within the eye
Of the volcanos, and their mountain-torch:
A fearful hope was all the world contain'd;
Forests were set on fire--but hour by hour
They fell and faded--and the crackling trunks
Extinguish'd with a crash--and all was black.
The brows of men by the despairing light
Wore an unearthly aspect, as by fits
The flashes fell upon them; some lay down
And hid their eyes and wept; and some did rest
Their chins upon their clenched hands, and smil'd;
And others hurried to and fro, and fed
Their funeral piles with fuel, and look'd up
With mad disquietude on the dull sky,
The pall of a past world; and then again
With curses cast them down upon the dust,
And gnash'd their teeth and howl'd: the wild birds shriek'd
And, terrified, did flutter on the ground,
And flap their useless wings; the wildest brutes
Came tame and tremulous; and vipers crawl'd
And twin'd themselves among the multitude,
Hissing, but stingless--they were slain for food.
And War, which for a moment was no more,
Did glut himself again: a meal was bought
With blood, and each sate sullenly apart
Gorging himself in gloom: no love was left;
All earth was but one thought--and that was death
Immediate and inglorious; and the pang
Of famine fed upon all entrails--men
Died, and their bones were tombless as their flesh;
The meagre by the meagre were devour'd,
Even dogs assail'd their masters, all save one,
And he was faithful to a corse, and kept
The birds and beasts and famish'd men at bay,
Till hunger clung them, or the dropping dead
Lur'd their lank jaws; himself sought out no food,
But with a piteous and perpetual moan,
And a quick desolate cry, licking the hand
Which answer'd not with a caress--he died.
The crowd was famish'd by degrees; but two
Of an enormous city did survive,
And they were enemies: they met beside
The dying embers of an altar-place
Where had been heap'd a mass of holy things
For an unholy usage; they rak'd up,
And shivering scrap'd with their cold skeleton hands
The feeble ashes, and their feeble breath
Blew for a little life, and made a flame
Which was a mockery; then they lifted up
Their eyes as it grew lighter, and beheld
Each other's aspects--saw, and shriek'd, and died--
Even of their mutual hideousness they died,
Unknowing who he was upon whose brow
Famine had written Fiend. The world was void,
The populous and the powerful was a lump,
Seasonless, herbless, treeless, manless, lifeless--
A lump of death--a chaos of hard clay.
The rivers, lakes and ocean all stood still,
And nothing stirr'd within their silent depths;
Ships sailorless lay rotting on the sea,
And their masts fell down piecemeal: as they dropp'd
They slept on the abyss without a surge--
The waves were dead; the tides were in their grave,
The moon, their mistress, had expir'd before;
The winds were wither'd in the stagnant air,
And the clouds perish'd; Darkness had no need
Of aid from them--She was the Universe.


(George Gordon, Lord Byron)

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EM DEMOCRACIA

o povo é quem mais ordena. É tão simples como isto e, antes de ficar complicado, deve continuar assim simples.

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14.3.04


POEIRA DE 14 DE MARÇO

Hoje, há oitenta e três anos, Virgínia Woolf acordava com a mesma dúvida de ontem: tornar-se-ia Eliot, T.S. ,“Tom”, uma figura amigável e familiar? Jantara com ele na véspera e Eliot estava sozinho porque a sua mulher estava doente.

O que é que acontece com as amizades iniciadas aos quarenta anos? Será que se desenvolvem e duram? “

Talvez. Ela tinha uma “good mind” e “Tom” também. Mas “Tom” não gostava do que ela escrevia. “Damn him”. Nada que duas colunas laudatórias sobre The Years no Observer não curassem.

(Continua)

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Michail Larionow

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EARLY MORNING BLOGS 160

Epitalamio Bárbaro

A Lugones.

El alba aún no aparece en su gloria de oro.
Canta el mar con la música de sus ninfas en coro
y el aliento del campo se va cuajando en bruma.
Teje la náyade el encaje de su espuma
y el bosque inicia el himno de sus flautas de pluma.
Es el momento en que el salvaje caballero
se ve pasar. La tribu aúlla y el ligero
caballo es un relámpago, veloz como una idea.
A su paso, asustada, se para la marea.
La náyade interrumpe la labor que ejecuta
y el director del bosque detiene la batuta.
—¿Qué pasa?—desde el lecho pregunta Venus bella.
Y Apolo: —Es Sagitario que ha robado una estrella.


(Rubén Darío)

*

Bom dia!

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13.3.04


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: “ESTAMOS EM GUERRA”

O facto de ser a Al-Qaeda é, em termos de cálculo político imediato, embaraçoso para o PP. Contudo, só lhe vem dar razão quanto a uma corajosa opção estratégica, em contra-corrente com o sentir da opinião pública: a de se ter posto decididamente ao lado dos EUA. Aliás, mesmo, em relação à ETA, ao fim e ao cabo, ninguém poderá negar a validade e consistência da política que o PP tem sustentado, pelos resultados que estão à vista (desarticulação e crescente inoperância). Mas o que agora se apresenta como dado político relevante transcende a Espanha e diz respeito também a todos nós: a confirmação da (incómoda) evidência de que “Estamos em Guerra!” (naturalmente, um diferente tipo de guerra). Isto é o essencial – tudo o mais é acessório. Ou seja, se posso ter (e tenho… e tenho!) divergências tácticas em relação à “Operação Iraque”, não tenho divergências em relação à opção estratégica. Os EUA e o mundo democrático estão em guerra com “Eles”, quer queiramos ou não…. Pelo menos “Eles “ estão em guerra connosco e, pelo menos também, os EUA já perceberam que estão em guerra… Esta barbárie de Madrid vai fazer sentir, finalmente, este dilema à Europa.

(Edmundo Tavares)

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PARA SE PERCEBER

Para se perceber tanta e tanta coisa, para se perceber o papel da “má fé” na argumentação dos dias de hoje (podia ter sido o governo do PP a pôr a bomba para ganhar as eleições; o governo espanhol sabe que o atentado foi feito pela Al Qaida, mas só o vai dizer depois das eleições; a ETA não mata civis indiscriminadamente, muito menos trabalhadores e estudantes; a ETA avisa sempre; esta é um punição a Espanha por ter entrado na guerra do Iraque, a culpa é de Aznar, Blair e Bush que chamaram o terrorismo para as suas portas, etc., etc.) há um livro obrigatório: o de Fernando Gil / Paulo Tunhas / Danièle Cohn, intitulado Impasses. É o mais importante livro de filosofia publicado no ano passado em Portugal, e ,no entanto, tem sido silenciado sistematicamente. Leia-se o capítulo sobre a “má fé”, entre outros, e a conclusão, entre o “pasmo e exasperação”:

O livro que aqui chega ao fim respondeu a um sentimento de pasmo e exasperação, provocado pela má-fé e a sem cerimónia com a verdade que nos é dado presenciar desde o 11 de Setembro e singularmente a propósito da guerra do Iraque. Com relentos de fealdades que se poderia esperar estarem definitivamente para trás de nós, tal um requentado anti-semitismo popular cujas raízes vão ate a Idade Media católica. Foi-nos dado perceber que o judeu ainda é o povo deicida, os deuses é que mudaram. Julgamos compreender também que as reacções epidérmicas a actualidade encobrem outras coisas, ou uma só coisa, que Nietzsche diagnosticou com o nome de niilismo, e que temos chamado falta de confiança. A nossa convicção é de que o niilismo e seus efeitos letais não têm razão de ser. Uma personalidade mediática pôde anunciar, lemo-lo, que o mundo está farto do Ocidente e, pior, o Ocidente está farto de si. A definição do niilismo é isto mesmo. Ao escrever este livro, damo-nos conta de que esta proposição é meio-errada, meio-verdadeira. E certo que uma parte da intelligentzia europeia e suas relés rnediáticas, e alguma juventude, estão fatigadas, não se sabe bem de quê (avaliar-se-á o que significaria o Ocidente desaparecer?), nem porquê (conhece-se melhor?). Nâo se percebe sequer o que se tem em vista (que é estar farto?). Mas, seja como for, estão cansadas, manifestamente. Felizmente, um abismo separa o discurso mediático do homem da rua, que nao é o manifestante pacifista, e do planeta, que quer sobreviver e desenvolver-se.

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CADERNOS DE CAMUS

Em actualização.

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ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Um jornalista da SIC, há instantes, entrevistava em Madrid os participantes na mega-manifestação, dizendo-lhes que a ETA tinha acabado de desmentir, através de um comunicado, a sua responsabilidade no atentado. Em seguida, perguntava-lhes se essa informação alterava a sua opinião sobre o sucedido. A generalidade das pessoas entevistadas - ou mesmo todas - foram muito claras em dizer que não, que não alteravam em nada a sua opinião sobre os autores do atentado. Que lhes era indiferente saber se tinha sido ou não a ETA, o facto é que alguém tinha sido.

Na conclusão da peça, e apesar das afirmações dos populares, o jornalista conclui que era importante para o resultado das eleições de Domingo saber se o atentado tinha sido perpetrado pela ETA ou pela Al-Qaida, supostamente em retaliação da participação espanhola na guerra contra o terror ao lado de George W. Bush.

Infelizmente - segundo afirmou com uma certa ironia -, provavelmente não se saberá a resposta a esta questão antes das eleições.

Só fico satisfeito por os resultados das eleições espanholas, ou noutros cantos do globo, não serem decididas pelos jornalistas portugueses...


(Ricardo Prata)

Não me deixa de parecer incrível toda a politização que se seguiu ao atentado entre ETA vs Al Qaeda e PP vs PSOE, como se de um jogo de futebol se tratasse, sem que haja uma clara objectividade na análise dos factos. (o que desde já lhe felicito por ter sido dos únicos a tê-la e ter criticado um pseudo terrorismo de primeira e um de segunda, um aceitável e outro não aceitável)

Factos:

1) Neste últimos 4 meses a ETA tentou provocar 2 atentados em Madrid; no dia 24 de Dezembro a policia espanhola interceptou um etarra que entrava num comboio com destino a Madrid com 25kg de explosivos; logo após um segundo etarra foi preso por ter deixado 20kg de explosivos no mesmo comboio (ambas preparadas para serem detonadas 20 minutos após a chegada do comboio)

2) No dia 26 de Dezembro, 2 bombas foram descobertas em linhas-férreas graças a detenção de “susper”, um dos líderes da organização.

3) Em Fevereiro de 2004 uma camioneta com 500kg de clorato, 50kg de dinamite e 90 metros de cabo detonador foi encontrada a 200km de Madrid; Dias antes outra camioneta com 35 kg de explosivos e vários detonadores foi encontrada no sul de França juntamente com dois “prestigiosos” etarras.

4) 13 de Maio atentado em Casablanca provoca 41 mortos, um dos alvos principais é a prestigiada casa de españa. Especialistas dos serviços de inteligência Francesa e Espanhola declararam que um atentado em Marrocos teria por significado que a Europa estaria na primeira linha de um próximo atentado.

5) O CESID (equivalente ao nosso SIEDM) da conta da infiltração de vários grupos islamicos em Espanha, que beneficiam da especial atenção dada a ETA, para prosperarem e criarem extruturas na área da pequena criminalidade, propaganda e recrutamento.

6) Em alguns textos ameaçadores atríbuidos a Al-Qaeda a Espanha fora citada, tal como outros aliados dos Estados Unidos da America.

7) O canal TF1, no jornal da noite após o atentado, dá como noticia a existência de contactos nos ultimos dois anos entre a Al-Qaeda, a ETA e o IRA. Especulação? Possivel realidade?


(Philippe Raingeard de La Blétière)


O caso de Madrid, o drama terrível vivido, tem suscitado um debate apaixonado mas não isento dum certo ar tendencioso.

Sobre quem foi o autor(s) ou organização(s) do hediondo acto tem, naturalmente, interesse para a investigação e, eventuais tomadas de medidas que permitam punir e prevenir repetições, se tal for possível.

Contudo, extrapolar essa especulação para considerandos políticos, parece-me, um desrespeito completo pelas consequências do acto. Estamos a falar de pessoas, que morreram ou ficaram feridos, sem saber porquê, sem descortinarem o motivo porque foram tão barbaramente punidos.

Aqui e agora, como no 11 de Setembro de Nova Iorque, como nos ataques suicidas em Jerusalém ou em Telavive, como no Holocausto, como no Quénia, como em Moscovo, como em qualquer outro lado.

A morte parece ser, nestes casos um acto gratuito, sem consequências que não sejam a dor de quem os sofre.

Fale-se, isso sim, das pessoas que foram vitimas, do que está e vai ser feito em relação a elas.


(Rui Silva)

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