ABRUPTO

31.3.04


NOTAS SOBRE O ACTUAL USO ABUNDANTE DAS EXPRESSÕES "ESQUERDA" E "DIREITA"

(Continuação)

Há, em termos filosóficos, um último núcleo interpretativo, uma ultima ratio, que separa a esquerda da direita: a questão do optimismo ou do pessimismo antropológico. Tudo o resto pode emanar daí. Mas, num certo sentido, também nós optamos por um ou por outro. Escolhemos, como uma background assumption, o que desejamos, em função das consequências previsíveis e da visão do mundo que transporta.

Mas, nos dias de hoje, em que o mundo, duplamente criado pela revolução francesa e pela evolução industrial, está ultrapassado, em que não é o lugar da produção que define o olhar sobre a sociedade, mas sim o lugar do consumo, em que as teleologias da história ( a História hegeliana com H grande) perderam o sentido, o que significa a esquerda e a direita, para além de tudo isso?

Significa, primeiro, um lugar afectivo, uma pertença. A enunciação do "eu sou de ..." continua a ser poderosa. Entra-se numa família com sinais de reconhecimento. É talvez a mais forte sentido das palavras, uma escolha de pertença.

Mas pertença a quê? Aqui é mais complicado (hoje) manter a distinção. Se se analisarem os issues, a distinção perde toda a nitidez, e perderá cada vez mais. Entrei uma vez na Laissez Faire Books em Nova Iorque , onde Friedmann e Bakunine estão nas mesmas estantes, como "libertarians", e percebe-se como se começam a dissolver as barreiras tradicionais. Droga? Há gente à direita e à esquerda que defende a liberalização ou a repressão (é verdade, no entanto, que sempre se pode dizer que há mais gente à esquerda a defender a liberalização...). Aborto, a mesma coisa. O corporativismo? Ninguém defende melhor o closed shop do que os sindicatos. Modelo económico? O capitalismo, com mais ou menos adjectivação social, serve hoje a esquerda e a direita. Sensibilidade, as "pessoas" ? É pouco, e sobretudo não diz nada.

(Continua)

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© José Pacheco Pereira
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