ABRUPTO

30.3.04


NOTAS SOBRE O ACTUAL USO ABUNDANTE DAS EXPRESSÕES "ESQUERDA" E "DIREITA"

Nota prévia: utilizo as expressões "esquerda" e "direita" com aspas para precisar que as utilizo pelo seu uso corrente. Mais à frente falarei daquilo que me parecem ser as enormes ambiguidades do seu uso corrente na actualidade.

Nunca como agora se tornou tão habitual em Portugal o uso generalizado das classificações "esquerda" e "direita". Mais significativo ainda, o seu uso em auto-classificações, com muita gente a dizer "eu sou de direita", "eu sou de esquerda", e mais nada.

Como temos pouca memória, nem sequer nos lembramos de que este uso generalizado é relativamente recente. Nas duas últimas décadas do século XX, as pessoas em Portugal identificavam-se politicamente pelas grandes correntes ideológicas e partidárias: diziam-se "comunistas", "socialistas" , "centristas", "sociais-democratas". Utilizavam também designações qualificadoras da sua postura política: "reformistas", "independentes", "basistas", etc. .

Foi uma vitória ideológica dos partidos extremistas à direita e à esquerda, do PP de Paulo Portas e do Bloco de Esquerda, o retorno a essas formas de designação. Os efeitos do seu uso são-lhes vantajosos porque ajudam a integrar esses pequenos grupos radicais no mainstream político: o PP na "direita", para onde empurra o PSD, para lhe fazer companhia; o BE na "esquerda", onde se acolhe do seu passado maoísta e trotsquista, para fazer parte de um grupo respeitável, onde está o PS. A designação serve igualmente o frentismo histórico do PCP.

Devido à história portuguesa do século XX e à longa ditadura, a auto-qualificação "eu sou de esquerda" era mais aceitável e dizível do que "eu sou de direita". Com um sistema político todo puxado à "esquerda", onde o partido mais à "direita" era do "centro", a legitimação da "esquerda" era mais forte do que a da "direita". O problema da legitimidade é mais vasto e tem raízes no pós-II Guerra, nos derrotados e nos vencedores. Essa situação criou uma assimetria de legitimação que sempre permaneceu subjacente na vida política democrática: enquanto toda a gente à "esquerda" usava com à vontade o termo para se auto-classificar, a relação não era espelhar à "direita", onde dizer "eu sou de direita" significava quase sempre ser-se "muito" de "direita".

(Continua)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]