ABRUPTO

21.3.04


POBREZA E FOME


Não tenho qualquer dúvida sobre a realidade e importância da pobreza em Portugal. Não tenho qualquer dúvida sobre o carácter “escondido” de parte dessa pobreza, embora a maior parte dela esteja à vista de quem a quer ver. Não tenho qualquer dúvida quanto ao agravamento dessa situação nos últimos anos, em particular pelo aumento do desemprego e do custo de vida. Não tenho qualquer dúvida sobre a maior importância que a pobreza tem que ter no discurso social e político, muitas vezes dominado por trivialidades secundárias que nos escondem a realidade social do país em que vivemos. Mas tenho todas as dúvidas sobre o número de “200 mil pessoas a passar fome em Portugal” referido em títulos no Público de hoje.

Fui procurar as fontes e encontrei conjecturas.

“A cifra de 200 mil pessoas com fome é avançada por Alfredo Bruto da Costa, (…) Nestas contas entram realidades de pessoas apoiadas por instituições como os bancos alimentares, a Misericórdia de Lisboa, os valores das pensões de reforma ou o número de sem-abrigo, entre outros. “

Aqui misturam-se dados de carácter absolutamente diferente, como é o caso dos “valores das pensões de reforma” com o “ número de sem-abrigo”. Mas nem sequer ficamos pelos duzentos mil, chegamos ao milhão.

O número, coincidem investigadores e pessoas que trabalham no terreno, poderá ser muito superior e chegar a um milhão, mas, à falta de estatísticas, cruzam-se dados para poder tirar conclusões sobre a realidade.”

Um milhão de pessoas com fome em Portugal. Não é um milhão de pobres, é um milhão de pessoas com fome. Fome. Duvido que “coincidam investigadores e pessoas que trabalham no terreno” ; duvido do “cruzamento de dados”. Em todo o extenso dossier do Público procurei fontes precisas para o número do título, que, como acontece muitas vezes nos jornais, é logo a seguir tomado como seguríssimo, e incluído como constatação de uma evidência nos artigos auxiliares.

Não penso que este tipo de exageros favoreça o combate à miséria, tendo, bem pelo contrário, efeitos contraproducentes.

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© José Pacheco Pereira
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