ABRUPTO

13.3.04


PARA SE PERCEBER

Para se perceber tanta e tanta coisa, para se perceber o papel da “má fé” na argumentação dos dias de hoje (podia ter sido o governo do PP a pôr a bomba para ganhar as eleições; o governo espanhol sabe que o atentado foi feito pela Al Qaida, mas só o vai dizer depois das eleições; a ETA não mata civis indiscriminadamente, muito menos trabalhadores e estudantes; a ETA avisa sempre; esta é um punição a Espanha por ter entrado na guerra do Iraque, a culpa é de Aznar, Blair e Bush que chamaram o terrorismo para as suas portas, etc., etc.) há um livro obrigatório: o de Fernando Gil / Paulo Tunhas / Danièle Cohn, intitulado Impasses. É o mais importante livro de filosofia publicado no ano passado em Portugal, e ,no entanto, tem sido silenciado sistematicamente. Leia-se o capítulo sobre a “má fé”, entre outros, e a conclusão, entre o “pasmo e exasperação”:

O livro que aqui chega ao fim respondeu a um sentimento de pasmo e exasperação, provocado pela má-fé e a sem cerimónia com a verdade que nos é dado presenciar desde o 11 de Setembro e singularmente a propósito da guerra do Iraque. Com relentos de fealdades que se poderia esperar estarem definitivamente para trás de nós, tal um requentado anti-semitismo popular cujas raízes vão ate a Idade Media católica. Foi-nos dado perceber que o judeu ainda é o povo deicida, os deuses é que mudaram. Julgamos compreender também que as reacções epidérmicas a actualidade encobrem outras coisas, ou uma só coisa, que Nietzsche diagnosticou com o nome de niilismo, e que temos chamado falta de confiança. A nossa convicção é de que o niilismo e seus efeitos letais não têm razão de ser. Uma personalidade mediática pôde anunciar, lemo-lo, que o mundo está farto do Ocidente e, pior, o Ocidente está farto de si. A definição do niilismo é isto mesmo. Ao escrever este livro, damo-nos conta de que esta proposição é meio-errada, meio-verdadeira. E certo que uma parte da intelligentzia europeia e suas relés rnediáticas, e alguma juventude, estão fatigadas, não se sabe bem de quê (avaliar-se-á o que significaria o Ocidente desaparecer?), nem porquê (conhece-se melhor?). Nâo se percebe sequer o que se tem em vista (que é estar farto?). Mas, seja como for, estão cansadas, manifestamente. Felizmente, um abismo separa o discurso mediático do homem da rua, que nao é o manifestante pacifista, e do planeta, que quer sobreviver e desenvolver-se.

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© José Pacheco Pereira
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