ABRUPTO

31.8.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
SOARES VISTO POR ALEGRE
IN ILLO TEMPORE




A propósito de candidaturas presidenciais, não deixa de ser interessante o retrato de Mário Soares por Manuel Alegre no livro Retrato, da Livraria Clássica Editora, 1990. Passo a citar os últimos três parágrafos do artigo com o título "RETRATO DE MÁRIO ENQUANTO MÁRIO":

" E talvez seja a grande revolução que ele fez num país cansado de crispação: trazer a afectividade para a política. É, a par da coragem, a sua arma mais eficaz. E por isso ele é de facto, irresistível. E também imprevisto. Com o Mário, o inesperado pode sempre acontecer. Desenganem-se os que o julgam sentado sobre uma por vezes aparente lassidão. De repente ele salta. Para sacudir o marasmo e de novo forçar o destino. Sempre que tal acontece, o telefone toca em casa de alguns amigos. Fica-se então a saber que há uma nova caravela e uma nova partida. Às vezes um combate. Às vezes um desígnio, um sonho, uma inquietação, o que é também uma forma de poesia."

(Pedro Souto)

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PAISAGEM ELECTRIFICADA



Num arco de visão de 60º, cobrindo um horizonte de cerca de vinte quilómetros, à vista, não contando o que está escondido pela ondulação dos montes: catorze candeeiros de iluminação pública, banhando parte de um aldeia com luz que dá para se ver em Marte; nove ou dez postes de retransmissores de telemóveis, colina sim, colina sim; centenas de postes para as linhas eléctricas e telefónicas; e, ao longe, quase cinquenta ventoinhas eólicas em fila.

Cada vez menos árvores, um ou dois campos de cultivo com tomate, a pouca terra agrícola abandonada às ervas, restos do que foram vinhas, e marcas de terrenos esventrados à espera não se sabe de quê, porque estão classificados como terrenos agrícolas, mas sou capaz de jurar que vão produzir casas e armazéns e não tomates, vinho ou frutas. Tudo isto, naquilo que um citadino chamaria “campo”.

*
É a voragem do "desenvolvimento" para as zonas rurais , desoladoramente um mundo que acaba.Um outro que começa selváticamente fundado na miséria, na destruição , e na ilusão das novas oportunidades de negócio... apenas para alguns...um País a saque , uma Alma que acaba.

Reduzidos a viver em T1`s,nas grandes cidades os portugueses tornaram-se escravos dos encargos dos seus empréstimos a 40 anos.Calmamente sem alaridos assistimos á destruição de um País profundo, pela ilusão das luzes da cidade.

(António Carrilho)
*
Só pode ser cinismo, ou se é brincadeira é de mau gosto. É daquele tipo de mau gosto que faz com que boas ideias como a que soube aqui há tempos de se aproveitar a lenha da limpeza das florestas para gerar energia através da biomassa e assim diminuir-se a factura energética e criar emprego, ou de por exemplo a de convencer os construtores por norma a colocar circuitos duplos de águas nos prédios para aproveitamento das águas de limpeza, que vão logo pelo cano abaixo no cinismo de quem, como você, pode determinar inicitivas e politicas. Então preferia que as aldeias não tivessem iluminação pública, telemóveis ou qualquer tipo de energia eléctrica? Deve estar a brincar. Só pode. Se não está agradecia que pelo menos, como seu leitor, que publicasse esta mensagem.

(António Fonseca)

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PERGUNTA



Eu tenho a maior das simpatias pelo projecto do Ciberdúvidas, seu mérito, seu interesse, seu valor. Mas escapa-me de todo por que razão é que tem que ser subsidiado pelo estado. Não há um grupo mínimo de voluntários que o possam fazer? Não há meios para particulares, que usam o serviço, ajudarem aos seus custos, mesmo que de uma forma quase simbólica? Não é possível contratar com jornais, rádios e televisões um pagamento que sustente o lugar? É assim tão caro?

*
Vê-se bem que não teve experiência de procurar vender serviços ou obter patrocínios privados para projectos online que não sejam encabeçados por figuras públicas ou por "boys" do poder na altura. O povo português é pobre e/ou invejoso e/ou desinteressado. Tudo o que seja pagar por serviços é considerado mau à partida, especialmente se "uns pagarem e outros não".

O 7arte.net, por exemplo, já teve online a programação actualizada diariamente de cerca de 500 salas de cinema em todo o país. Não conseguimos vender conteúdos a quem os comprava mais caros e de pior qualidade noutras fontes (ou os roubava do nosso site). Não conseguimos parcerias que evitavam duplicação de esforços mesmo quando os nossos interlocutores reconheciam que o nosso produto era melhor e lhes trazia poupanças. Não conseguimos que os utilizadores contribuissem em montantes minimamente significativos, mesmo sabendo que os visitantes regulares do site eram muitos milhares. Não conseguimos vender publicidade a quem sabemos que pagava muito mais caro em locais com menor visibilidade e muito menor prestígio. Como este caso há vários outros.

Porquê este insucesso? Não sei. Nunca cheguei a perceber. Acho que faltou subornar alguém ou encontrar algum gestor competente que decidisse sem ser em função das "conveniências" nublosas que só se verificam porque a nossa (micro-)economia é pouco saudável. E que decidisse em tempo útil: tivemos decisões (todas "não") que os nossos ex-potenciais parceiros demoraram vários anos a tomar, isto quando acabaram por decidir. Ainda há agora quem nos diga que "está a pensar"...

Subsídios ao Estado nunca pedimos. Nem vamos pedir.

(Tiago Azevedo Fernandes)
*

Desde que existe (vai fazer nove anos em Janeiro), nunca o Ciberdúvidas contou senão com apoios residuais do Estado. O último, se de apoio se tratou, foi (e graças à intervenção directa do então primeiro-ministro Durão Barroso) a habilitação ao POSI, durante um ano, que, ao abrigo do relançamento do Ciberdúvidas, depois do falecimento do saudoso João Carreira Bom, financiou em 80% parte das despesas, pagas sempre a más e tardias horas (a última "tranche", veja lá, há um a ano que estou à espera!..).Ou seja: o Ciberdúvidas existe, primeiro, por via da generosidade do João Carreira Bom (que tinha bolsa para isso) e, depois, por via do meu endividamento até ao limite do insustentável.
Refiro-lhe isto para dizer que um projecto da natureza do Ciberdúvidas – como não há outro no espaço da lusofonia, no seu âmbito e concepção, e que faz o que o Estado não faz nem nunca fará (o Estado nem nenhuma outra entidade de espécie nenhuma em Portugal, a começar pelas universidades, públicas ou privadas) – nunca viveu da subsidiodependência, para fazer o que faz. Com a qualidade, o prestígio e a notoriedade reconhecidos unanimemente (a começar no Brasil que, como sabe, olha-nos bem por cima, e com razão, em tudo que seja matéria de língua em geral, e de dicionários, gramáticas, glossários e livros de toda a ordem, em particular).
Como não vale a pena argumentar consigo sobre serviço público e os deveres correlativos do Estado para quem, na sociedade civil, o faz por ele – e muito menos contrapor-lhe o que aqui ao lado, em Espanha, se acaba de fazer com a criação da Fundação para o Espanhol Urgente, envolvendo entidades públicas (a Academia Real de Espanha, o Instituto Cervantes, a agência Efe, a rádio e televisão nacionais) e privadas (o BBVA, como patrocinador), qualquer delas entendendo a importância estratégica da sua língua oficial no mundo actual –, termino dando-lhe a lista de empresas e bancos de quem tenho levado sistematicamente com a porta na cara: Portugal Telecom, Galp Energia, CTT, Caixa Geral de Depósitos, Câmara Municipal de Lisboa (a quem em vão propus conteúdos de língua portuguesa nos seus painéis que passam coisas da noite e informações afins), "Jornal de Notícias" (não viu interesse numa coluna sobre língua portuguesa, olhe, como qualquer jornal brasileiro tem...), Readers Digest, Círculo de Leitores, Montepio Geral, Millenium, BPI, Banesto, etc., etc., etc. E escuso-me de lhe referir as várias propostas que tive para vender o Ciberdúvidas a interesses meramente comerciais – via verde, obviamente, para sua descaracterização.
Portanto, se lhe ocorrer uma qualquer outra entidade das que mencionou, que troque os milhares que dá pelo patrocínio do futebol ou de um concerto de "rock" pela insignificância que eu preciso para manter o Ciberdúvidas, fico-lhe imensamente grato. Ah!, a insignificância que o Ciberdúvidas precisa (os custos da manutenção são na ordem dos cinco mil euros mensais) viria sempre ao abrigo da lei do mecenato, com as inerentes facilidade fiscais e, já agora, a associação pública a um projecto, repito a imodéstia, como não há outro no espaço que fala a língua portuguesa.

(José Mário Costa)

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COISAS SIMPLES


Joahim Patinir, Paisagem com S. Jerónimo





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EARLY MORNING BLOGS 591:
" I WONDER HOW WE LOOK TO HIM"


THE HIPPOPOTAMUS

Behold the hippopotamus!
We laugh at how he looks to us,
And yet in moments dank and grim,
I wonder how we look to him.
Peace, peace, thou hippopotamus!
We really look all right to us,
As you no doubt delight the eye
Of other hippopotami.

(Ogden Nash)

*

Bom dia!

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30.8.05


QUANDO NÓS FAZEMOS DE CHINESES PARA OS OPERÁRIOS ALEMÃES



De uma notícia da Lusa:

A comissão de estratégia de produto da alemã Volkswagen recomendou que o novo modelo da gama Golf seja produzido na fábrica de Palmela, em Portugal, a partir de 2007, anunciou hoje a marca. Em comunicado, o construtor germânico diz que a comissão estima que, nas actuais condições, a empresa poderá poupar mais de mil euros por veículo se produzir o automóvel em Portugal comparado com a produção em Wolfsburg.

Por que razão é mais barato? Salários mais baixos. Será interessante ouvir a nossa "esquerda" anti-globalizadora sobre esta deslocalização. E os operários de Wolfsburg.

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COISAS COMPLICADAS / FICÇÃO CIENTÍFICA


Sylvie Fleury, Nail Note

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EARLY MORNING BLOGS 590:
"MAS NISTO, COMO EM MUITAS OUTRAS COISAS, ME ENGANEI EU."


Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras; qual fosse então a causa daquela minha levada, era pequena, não na soube. Agora não lhe ponha outra, senão que já então parece havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui eu naquela terra; mas coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que longo tempo buscou e para longo tempo buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste, ou que pela ventura me fez ser leda. Mas depois que eu vi tantas cousas trocadas per outros e o prazer feito mágoa maior, a tanta paixão vim, que mais me pesava do bem que tive que do mal que tinha.

Escolhi para meu contentamento (se entre tristezas e saudades há algum) vir-me viver a esta monte, onde a lugar e míngua da conversação da gente fosse como para meu cuidado cumpria – porque grande erro fora depois de tantos nojos, quantos eu com estes meus olhos vi, venturar-me ainda esperarar do mundo o descanso, que ele nunca deu a ninguém – estando eu aqui só, tão longe de toda a outra gente, e de mim ainda mais longe, donde não vejo senão serras de um cabo, que se não mudam nunca, e de outro águas do mar, que nunca estão quedas, onde cuidava eu já que esquecia à desaventura, porque ela e depois eu, a todo poder que ambas pudemos, não leixamos em mim nada em que pudesse nova mágoa ter lugar.

*Antes havia muito tempo que é povoado de tristezas, e com razão. Mas parece que em desaventuras há mudanças para outras desaventuras, porque do bem não na havia para outra bem. E foi assim que, por caso estranho, fui levada em parte onde me foram ante os meus olhos apresentadas em cousas alheias todas mes angústias; e o meu sentido de ouvir não ficou sem sua parte de dor. Ali vi então na piedade que houve doutrem, tamanha a devera ter de mim, se não fora tão demasiadamente mais amiga de minha dor do que parece que foi de mim quem me é causa dela; mas tamanha é a razão porque sou triste, que nunca me veio mal nenhum, que eu não andasse em busca dele. Daqui me vem a mim a paracer que esta mudança, em que eu vi, já então começava a buscar, quando me este terra, onde me ela aconteceu, aprouve mais que outra nenhuma para vir aqui acabar os poucos dias de vida que eu cuidei me sobejavam,

Mas nisto, como em outras cousas muitos, me enganei eu. "

(Bernardim Ribeiro)

*

Bom dia!

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29.8.05


SERÁ QUE VAMOS DEIXAR DE TER HORIZONTES QUE NÃO SEJAM ARTIFICIAIS?



Este documento, a EUROPA NOSTRA DECLARATION ON THE IMPACT OF WIND POWER ON THE COUNTRYSIDE é de leitura obrigatória para quem assiste à proliferação rápida, rapidíssima, e bastante indiscriminada de eólicas por tudo quanto é monte, serra , cumeada. É ainda de leitura mais obrigatória porque muitos ecologistas estão hoje no negócio das eólicas e fazem pressão para que não se cumpram as determinações ambientais. Nada tenho contra as eólicas, tenho até quase tudo a favor, só que vejo todos os dias o que se está passar nos restos de paisagem que ainda havia. Não me custa também perceber que se passou de colocar todos os entraves, para abrir todas as facilidades. Sei também que muita gente, no poder local, nos grupos ecologistas, nas grandes empresas, percebeu que as eólicas são hoje um dos grandes negócios em curso em Portugal e isso é uma combinação explosiva.

Por isso vale a pena ler (cito em inglês, mas o texto existe em português na revista Pedra e Cal nº 26, 2005) :

7. Whilst the Council fully supported the drive for renewables, including wind-power, it considered that wind-turbines must be sited in appropriate places.

8. The Council also considered that many countries have so far tended to focus too heavily on wind-power, whether on or off shore. They have provided heavy incentives for its development, relaxed planning legislation, and failed to make a balanced assessment of its merits and demerits, with the consequence that vast areas of beautiful landscape throughout Europe are now dominated by groups of ever larger wind-turbines - every one of which constitutes a small power station - and are thus being effectively industrialised, with consequent serious damage to the natural heritage.

9. The Council held that, in many European countries, a situation is being created in which social, economic, tourism, historical, cultural, wildlife and landscape impacts are being insufficiently addressed in the decision making process relating to wind-power.


Mais:

c) The degree of visual intrusion, relating this to the character and quality of the surroundings, bearing in mind that modern wind-turbines are eye-catching because they are very large (over 100 metres high and growing), usually prominently placed.

d) The supplementary damage to the landscape, sensitive habitats, water courses, and other aspects of the environment, caused by the construction process, including the provision of access roads, additions to electricity networks, pylons, and buildings necessary for electricity generation and transmission.

e) The degree to which restoration of the site to its original condition at the end of the working life of the wind-turbines can be guaranteed.

f) The impact on, and proximity to, sites designated internationally, nationally, regionally or locally as protected areas.

g) The impact, on communities in the vicinity of wind-turbines, of noise and infra-sound nuisance, light interception, and/or reduction of property values.


E se evitássemos, desde o início, pelo menos uma vez, fazer uma coisa mal, por ganância e desleixo?

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A LER

João de Almeida Santos, A política ‘online’, no Diário Económico.

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AR PURO / COISAS SIMPLES


Alfred Stieglitz, Icy Night

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EARLY MORNING BLOGS 589: VOICI LE TEMPS DES ASSASSINS

Matinée d'ivresse


Ô mon Bien ! ô mon Beau ! Fanfare atroce où je ne trébuche point ! Chevalet féerique ! Hourra pour l'oeuvre inouïe et pour Ie corps merveilleux, pour la première fois ! Cela commença sous les rires des enfants, cela finira par eux. Ce poison va rester dans toutes nos veines même quand, la fanfare tournant, nous serons rendus à l'ancienne inharmonie. ô maintenant nous si digne de ces tortures ! rassemblons fervemment cette promesse surhumaine faite à notre corps et à notre âme créés: cette promesse, cette démence ! L'élégance, la science, la violence ! On nous a promis d'enterrer dans l'ombre l'arbre du bien et du mal, de déporter les honnêtetés tyranniques, afin que nous amenions notre très pur amour. Cela commença par quelques dégoûts et cela finit, - ne pouvant nous saisir sur-le-champ de cette éternité, - cela finit par une débandade de parfums. Rire des enfants, discrétion des esclaves, austérité des vierges, horreur des figures et des objets d'ici, sacrés soyez-vous par le souvenir de cette veille. Cela commençait par toute la rustrerie, voici que cela finit par des anges de flamme et de glace. Petite veille d'ivresse, sainte ! quand ce ne serait que pour le masque dont tu as gratifié. Nous t'affirmons, méthode ! Nous n'oublions pas que tu as glorifié hier chacun de nos âges. Nous avons foi au poison. Nous savons donner notre vie tout entière tous les jours. Voici le temps des Assassins.

Arthur Rimbaud

*

Bom dia!

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28.8.05


NUM CEMITÉRIO ALENTEJANO AO CAIR DA TARDE

Um primeiro vento fresco anuncia levemente o Outono. Só um pouco fresco, tornando o ar tépido, ligeiro. O cemitério é muito pequeno, à volta de uma capela com portas de madeira carcomidas, a pintura já se foi há muito. O muro de trás foi derrubado para ampliar o cemitério para o dobro. Quantas campas? Cinquenta, oitenta? Não mais.

Silêncio. O vento. Os muros caiados com aquele branco obsessivo do Alentejo, parecem ter sido feitos uma mão abaixo dos campos em volta, uma planície ondulada, castanha, com as árvores solitárias aqui e ali. Junto às campas o muro não deixa ver mais do que o traço castanho, o verde-escuro das copas. Os mortos não podem ver nada, deitados. Devem ter desejado ser assim, descansarem da terra que os roeu em vida e comeu em mortos. Não querem ver nada. Ficam com o Sol de dia e com aquelas estrelas que brilham com cores nos céus intactos de luz.

Nos cemitérios pensam-se coisas estranhas. Nos cemitérios, nos quartos de hotel. Pensamentos de planície, neste caso, diferentes dos pensamentos de montanha, mais agressivos. Pensei: estão aqui enterrados aqueles sobre os quais tanto escrevi. Estavam, com nomes que não enganam ninguém: Cardador, Pisco, Bicho, Salsinha, Piteira, Ganhão. Trabalhadores. Trabalhadores rurais. Trabalhadores rurais alentejanos. Gente dura, fechada, teimosa, perigosa. Bons soldados na guerra colonial, corajosos e cruéis. Gente de quem os patrões desconfia. Gente de navalha. Poucas falas, canto em coro. Compactos pela fome ancestral e pelo trabalho pouco e duro. Gente que anda a pé, pensa poemas, que dita aos outros para escrever. Coisas simples.

Pensei: estão aqui enterrados aqueles sobre os quais tanto escrevi. Será que os mereço?

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O ESTADO ORDENADOR DO MUNDO:
CÃES E GATOS CLASSIFICADOS EM FUNÇÃO DAS TAXAS, IMPOSTOS E LICENÇAS




De uma TABELA DE TAXAS PARA ANO 2004 duma autarquia, igual a tantas outras:

Designação Valor

1 Registo e licenciamento de Cães e Gatos
1.1 Registo 2,50€
1.2 Licenças
1.2.1 A – Cão de Companhia 5,00€
1.2.2 B – Cão com fins económicos 7,00€
1.2.3 C – Cão para fins militares, policiais e de segurança pública Isentos
1.2.4 D – Cão para investigação científica Isentos
1.2.5 E – Cão de Caça 7,00€
1.2.6 F – Cão-guia Isento
1.2.7 G – Cão potencialmente perigoso 11,00€
1.2.8 H – Cão perigoso 11,00€
1.2.9 I - Gato Isento

1.3 Imposto de selo

1.3.1 A – Cão de Companhia 1,00€
1.3.2 B – Cão com fins económicos 1,40€
1.3.3 E – Cão de Caça 1,40€
1.3.4 G – Cão potencialmente perigoso 2,20€
1.3.5 H – Cão perigoso 2,20€

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
INCÊNDIO / FLORESTAÇÃO / INCÊNDIO




Lembram-se dos fogos que em 2003 devastaram o concelho de Vila de Rei deixando- o coberto de negro? Lembram-se dos discursos sofridos de autarcas locais e governantes cheios de urgências interventivas e condenações consensuais à praga da eucalipização? Se não se lembram, não faz mal, eram iguaizinhos aos que se ouvem agora. Mas, hoje, já viram Vila de Rei? Está de matos renascidos, e até já tem áreas reflorestadas: De eucaliptos, pois então. Com um bocado de sorte, só arderão daqui a cinco ou seis anos.

(Alice Fernandes)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
PROPRIEDADE




"Eu faço parte do vasto grupo de pequenos proprietários florestais que jamais irá limpar as suas propriedades, mesmo com leis sobre limpeza coerciva. Vivo a muitos quilómetros de distância de nem-sei-quantas pequenas propriedades que herdei. Possuo 1 não-sei-quantos-avos dessas propriedades das quais não retiro qualquer benefício económico." Cito um post de um outro leitor aqui no Abrupto.

E muitos perguntarão: Sendo assim, porque não vende, ou dá, enfim se desfaz do que não lhe interessa ter e conservar? Não está explícita no post, mas a resposta é simples: Porque não consegue. Pode aparecer-lhe um promitente interessado em lá se instalar e adquirir courelas adjacentes a outros fragmentados proprietários, de modo a obter uma área mínima viável em termos de saúde florestal. Mas então uma fiada de óbices, desacertos de registos e matrizes, requisitos notariais, bitolas de conservadores e ajudantes, enquadramentos legais contraditórios se juntarão ás dificuldades de entendimento dos detentores dos avos, herdeiros e procuradores... quando se encontram. Nem com recurso a tribunal, pois a coisa prescreve sem grande espaço para reclamações: Ao fim ao cabo, se processos por crimes de sangue prescrevem, que lata tem um cidadão para se queixar de ser proprietário à força?

(Mário J. Heleno)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
LISBOA EM CAMISA




Lisboa, Sábado, Agosto, final da manhã. Saio de uma loja e decido descer a Avenida da Liberdade, que se apresenta calma e prazenteira, a pé. (...) A avenida até é bem bonita apesar de haver ali um cidadão a aliviar-se junto de uma árvore. E pode-se dar um salto à Loja dos Museus no Palácio Foz a ver se se arranja um presente (...) . Descendo, chega-se ao Palácio Foz, aquele que tem várias montras, viradas para uma das principais praças de Lisboa, onde passeiam os turistas, sabes? Em Agosto, ao Sábado, em Lisboa? Pois bem, nessas “janelas/montras” poderás observar o mais fino pó lisboeta em quantidades admiráveis, inúmeros insectos mortos e os efeitos do sol no papel que forra as paredes. Tudo vazio. Mas estou a ser injusta: uma das montras não está vazia, tem uma fotografia encarquilhada de um dos salões do Palácio. Não me interessa, quero é a Loja. Que, por acaso, Estimado Cliente, lamentamos o incómodo, mas hoje Sábado, mês de Agosto, Lisboa cheia de turistas, excepcionalmente, estamos fechados entre as 12 e as 14. Por outro lado, se olhar para as nossas montras, Estimado Cliente, rapidamente perceberá que não estamos interessados em lhe vender nada. Vire-se e olhe antes para a Praça dos Restauradores, uma das maiores e mais importantes de Lisboa, e aprecie os prédios em decomposição.

Ou desça mais um pouco e aprecie o Éden que, na sua forma original não tinha as portas todas fechadas e os degraus imundos que hoje apresenta. Não, não parecia uma lixeira, que aliás se estende ao chão do restaurante contíguo e às portas fechadas da Estação do Rossio.

Recomecemos, nada de irritações, vamos até ao Chiado. O Rossio até nem está nada mal. Já no meio da Rua do Carmo um estaleiro de obras (já nem me lembro da Rua do Carmo sem estaleiro de obras...) e lojas fechadas. Um homem sem metade da pernas deitado no chão pede esmola.

Páro a ver a montra de uma livraria, a única que tem apenas obras de autores portugueses (Eça, Pessoa, Cesário) e vejo um livro que me faz sorrir: de Gervásio Lobato, Lisboa em Camisa.

São sempre os livros que nos salvam.

(RM)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FALTA DE RESPEITO PELO TRABALHO DOS OUTROS.

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26.8.05


AR PURO


Ivan Shishkin

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EARLY MORNING BLOGS 588

LÍMITES


De estas calles que ahondan el poniente,
una habrá (no sé cuál) que he recorrido
ya por última vez, indiferente
y sin adivinarlo, sometido

a quien prefija omnipotentes normas
y una secreta y rígida medida
a las sombras, los sueños y las formas
que destejen y tejen esta vida.

Si para todo hay término y hay tasa
y última vez y nunca más y olvido
¿Quién nos dirá de quién, en esta casa,
sin saberlo, nos hemos despedido?

Tras el cristal ya gris la noche cesa
y del alto de libros que una trunca
sombra dilata por la vaga mesa,
alguno habrá que no leeremos nunca.

Hay en el Sur más de un portón gastado
con sus jarrones de mampostería
y tunas, que a mi paso está vedado
como si fuera una litografía.

Para siempre cerraste alguna puerta
y hay un espejo que te aguarda en vano;
la encrucijada te parece abierta
y la vigila, cuadrifonte, Jano.

Hay, entre todas tus memorias,
una que se ha perdido irreparablemente;
no te verán bajar a aquella fuente
ni el blanco sol ni la amarilla luna.

No volverá tu voz a lo que el persa
dijo en su lengua de aves y de rosas,
cuando al ocaso, ante la luz dispersa,
quieras decir inolvidables cosas.

¿Y el incesante Ródano y el lago,
todo ese ayer sobre el cual hoy me inclino?
Tan perdido estará como Cartago
que con fuego y con sal borró el latino.

Creo en el alba oír un atareado
rumor de multitudes que se alejan;
son los que me ha querido y olvidado;
espacio, tiempo y Borges ya me dejan.


(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!

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25.8.05


A PROPÓSITO



Acaso se tem reparado na enorme dificuldade que as pessoas que são entrevistadas na rua pela televisão, seja sobre que matéria for, mostram em enunciar um fragmento de uma ideia, uma resposta com os verbos certos, com sentido, que tenha a ver com a pergunta? Não me refiro a ocasionais lapsos, ou ao mau português. Refiro-me a falar, dizer, explicar.

E não são os velhos encurralados pelos fogos, mas os veraneantes num carro para o Algarve entrevistados numa portagem, umas senhoras nuns saldos, uns jovens num festival entre a música e a cerveja.

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GRANDES CAPAS: A LOUCURA DA EUROPA


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APRENDENDO COM EUGÉNIO DE CASTRO

"Com duas ou três luminosas excepções, a Poesia portuguesa contemporânea assenta sobre algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares-comuns.

Tais são:

olhos cor do céu, olhos comparados a estrelas, lábios de rosa, cabelos de ouro e de sol, crianças tímidas, tímidas gazelas, brancura de luar e de neve, mãos patrícias, dentes que são fios de pérolas, colos de alabastro e de cisne, pés chineses, rouxinóis medrosos, brisas esfolhando rosas, risos de cristal, cotovias soltando notas também de cristal, luas de marfim, luas de prata, searas ondulantes, melros farçolas assobiando, pombos arrulhadoras, andorinhas que vão para o exílio, madrigais dos ninhos, borboletas violando rosas, sebes orvalhados, árvores esqueléticas, etc..

No tocante a rimas, uma pobreza franciscana: lábios rimando sempre com sábios, pérolas com cérulas, sol com rouxinol, caminhos com ninhos, nuvens com Rubens (?),noite com açoite; um imperdoável abuso de rimas em ada, ado, oso, osa, ente, ante, ão, ar, etc..

No tocante a vocabulário, uma não menos franciscana pobreza: talvez dois terços das palavras que formam a língua portuguesa, jazem absconsos, desconhecidos, inertes, ao longo dos dicionários, como tarecos sem valor em lojas de arrumação.

Tais os rails por onde segue, num monótono andamento de procissão, o comboio misto que leva os Poetas portugueses da actualidade à gare da POSTERIDADE,
"

(Do prefácio a Oaristos, 1899)

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OUVINDO MILES DAVIS


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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
UMA "PEQUENA" (R)EVOLUÇÃO ...


A solução para o problema da limpeza das matas é simples. Basta uma "pequena" (r)evolução na mentalidade dos portugueses.

A EDP possui, em Mortágua, uma central termoeléctrica de resíduos florestais. A descrição que se segue foi retirada do sítio da Ciência Viva:

" A floresta foi e será sempre uma grande fonte de energia. Desde os primórdios da humanidade que é ela que fornece lenha para o Homem se aquecer e cozinhar os seus alimentos. Hoje em dia, esta energia que provêm das florestas, a biomassa, representa 15% da energia primária consumida no mundo inteiro. Em Portugal, existe apenas uma instalação de produção de electricidade utilizando como principal combustível a biomassa. Esta central é a Central Termoeléctrica de Mortágua, localizada na zona Centro do País, na margem direita da albufeira da Aguieira.

Esta central utiliza os resíduos florestais, muito abundantes naquela zona, para produzir electricidade, criando assim, além da energia que nos é indispensável no nosso dia-a-dia, condições que permitam aos proprietários florestais sentirem-se motivados para manterem as matas e florestas limpas. Desta forma, a Central de Mortágua contribui para a diminuiçãou do número de incêndios e para o ordenamento florestal da zona Centro do País, que produz anualmente um valor estimado de perto de 500 mil toneladas de resíduos florestais (biomassa).

A Central Termoeléctrica de Mortágua começou a operar em Agosto de 1999 e permite o escoamento de 100 000 toneladas ano resíduos florestais queimados numa caldeira de 33MWth. A Central tem uma potência instalada de 10MVA – 9MW e foi projectada para entregar à rede de distribuição de energia eléctrica cerca de 63GWh por Ano. "

Ou seja: o aproveitamento da biomassa não só é desejável, como rentável. E se o era com o petróleo a 20 dólares o barril, obviamente que também o é com o petróleo a 65 dólares por barril e mais será quando o petróleo atingir, brevemente, os 100 dólares o barril.

Eu faço parte do vasto grupo de pequenos proprietários florestais que jamais irá limpar as suas propriedades, mesmo com leis sobre limpeza coerciva. Vivo a muitos quilómetros de distância de nem-sei-quantas pequenas propriedades que herdei. Possuo 1 não-sei-quantos-avos dessas propriedades das quais não retiro qualquer benefício económico. Se alguém quiser limpar, desbastar, ordenar e disso retirar algum benefício económico, por mim óptimo.

A solução: deixarmos de idolatrar a propriedade privada como algo intocável, na qual ninguém tem o direito de entrar nem interferir. É uma questão de cidadania, de colocar o interesse público, comunitário, acima do interesse privado, beneficiando por consequência também o que é privado. Lembram-se do filme "Mentes brilhantes", sobre a obra e vida de John Nash, que ganhou o prémio Nobel da Economia? Ele acrescentou a uma teoria que já existia algo que os portugueses precisam de interiorizar: o interesse do grupo. À teoria que dizia "Numa organização, o benefício máximo é atingido quando todos os membros trabalham em prol dos seus objectivos particulares", John Nash acrescentou: " e dos do grupo".

A solução: legislar no sentido de atribuir poder e responsabilidade (à EDP, às autarquias, a quem quiser) para limpar, desbastar, ordenar (no sentido de abrir caminhos e corta-fogos, não no sentido de cortar a direito e replantar) toda e qualquer propriedade florestal, privada ou do estado (exceptuando aquelas cujos proprietários declarassem que o fariam por sua conta). O aproveitamento da biomassa para produção de electricidade tornaria a actividade rentável e mais centrais como a de Mortágua poderiam ser construidas. Limpavam-se as matas e florestas, produzia-se emprego e riqueza, diminuia-se a importação de petróleo para a produção de electricidade. Haja coragem política.

(Jorge Carvalho Silva)

*
Há alguns anos, mais precisamente, 2002, no âmbito de uma visita de estudo á referida central termoelectrica, a certo ponto, somos informados dos longos e frequentes tempos de paragem na producão de energia electrica.

Pelo que nos explicaram, o processo era simples: Camiões carregados com bio-massa eram pesados á entrada, descarregavam o seu material, e recebiam o pagamento correspondente. Infelizmente, a grande maioria, talvez por omissão, não limpava o carregamento dos inúmeros pregos e outros materiais pesados como barras de ferro que se encontram frquentemente em florestas.

Ironias á parte, estes materiais, utilizados pela valorizada "esperteza saloia" do português, bloqueavam obviamente a producão, estragavam algumas máquinas, enfim, trucidavam o valor da própria central.

É o enraizamento destas atitudes que mata o progresso. E é uma atitude que não se resolve com financiamentos público ou privados, com uma organizacão social ou liberal. Como resolver, não sei. Mas creio que a desmistificacão de alguns valores como a ética e a honra, e o incentivo diário da bocalidade e êxito fácil nos meios de comunicacao social, é o que mais tem impedido a inversão destas mesmas atitudes.
(Daniel Rodrigues)

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INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas UMA MEDIDA COMPLETAMENTE IRREALISTA E INAPLICÁVEL e O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VISTO / NÃO VISTO NA TELEVISÃO.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: DEMÓNIOS PASSANDO


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COMO PORTUGAL ERA


Mário Vasconcelos e Sá, Geografia Primária, Porto, Livraria Chaddon, 1931


António Branco, Geografia, Porto Editora, s.d.

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UMA MEDIDA COMPLETAMENTE IRREALISTA E INAPLICÁVEL



A medida governamental sobre a limpeza coerciva das matas é neste momento uma típica manobra de desresponsabilização do estado, mostrando um governo que, não tendo coragem política nem vontade de fazer o que pode fazer, nos distrai prometendo o que não pode fazer. Só quem desconheça a realidade do nosso país é que pode acreditar que a limpeza coerciva da mata tem um átomo de realismo e não é puro engano, só eficaz para quem nunca saiu da cidade.

A legislação portuguesa está cheia destas medidas feitas nos gabinetes de Lisboa, ou por engenharia utópica e perfeccionismo jurídico, ou, como é o caso, para dar uma falsa resposta desresponsabilizadora a um problema que entra pelos olhos dentro - em Portugal, não há capacidade, por múltiplas razões, umas estruturais outras conjunturais, para controlar incêndios no Verão. Entre essas razões muitas exigiriam a atenção e medidas do estado, certamente mais realistas e eficazes, mas estas não são tomadas porque afectam interesses instalados.

Não me venham dizer que a limpeza coerciva das matas atinge qualquer “interesse”, ou que apenas se lhe resiste por uma visão da defesa da propriedade privada, naturalmente maléfica dada a natureza da dita “propriedade”. Não há nenhum “interesse” atingido na medida, porque pura e simplesmente ela é, insisto, completamente abstracta e irrealista e, como é obvio, não é aplicável, nem para aplicar. Como milhares de outras, como seja a legislação que obriga as Juntas de Freguesias a fazer um cadastro e a controlar a vacinação dos animais domésticos. Alguém imagina um Presidente da Junta a ter que andar atrás dos seus vizinhos para eles registarem os gatos e os cães, num meio rural, pequeno e denso de conflitos como são as aldeias?

Alguém acredita que um estado, um governo, que assiste indiferente ao lançamento proibido de foguetes, com completa impunidade, uma actividade pela sua natureza impossível de esconder, em distritos com risco máximo de incêndios, e com quarenta graus de temperatura, pode obrigar alguém a uma actividade tão cara, - sim meus senhores, porque é cara, - como seja ter as matas limpas? Alguém acredita que um estado, um governo, que permite, de uma ponta à outra do país, a actividades ilegais na exploração de inertes, e que não fecha uma pedreira, pode obrigar á “limpeza coerciva”, sem ter uma polícia própria para os matos e brigadas de limpeza com mais gente do que todo o pessoal municipal hoje existente? Sem outra economia, sem outro ordenamento, sem outra política local?

Só para se perceber porque razão é que o problema é em primeiro lugar de autoridade do estado, podemos ir aos exemplos do que podia ser feito e não se faz. Já algum director de um Parque Natural foi demitido porque o seu Parque não estava limpo? Não, por duas simples razões: uma, porque em muitos casos a sua nomeação é política e é intocável pelo partido que lá o colocou; noutra, porque ele dirá que não tem meios, nem dinheiro para o fazer e provavelmente está certo. Já alguma Comissão de festas foi responsabilizada pelo lançamento proibido de foguetes, apesar de isso ter acontecido por todo o lado nas festas deste Verão? Não, porque o lançamento de foguetes é popular, estamos em vésperas de autárquicas, e sem foguetes, dezenas de fabriquetas de pirotecnia entrariam na falência na nossa frágil economia. Fecha-se os olhos. Todos sabem, ninguém actua.

Vamos ter mais legislação perfeita e inaplicável, para boa consciência dos governantes. Somos o país da legislação perfeita (já leram a legislação sobre pedreiras? É aplicada nalgum sítio? Onde está uma pedreira recuperada depois do fim do período de extracção? Onde o estado (e o governo) não faz o que já pode fazer, para nos enganar, promete o que não pode fazer.

*
Segundo o Presidente da República, deveria haver uma lei que obrigasse à limpeza coerciva das matas (a qual, segundo António Costa, até já existe...), à semelhança do que acontece com os prédios nos meios urbanos(?). Existe uma lei que obriga à realização de obras de conservação nos prédios urbanos, com um intervalo mínimo de dez anos. Desde logo, esta lei esbarra na dificuldade de se definir o que são obras de conservação. Basta pintar o prédio? Ou lavar a fachada? É obrigatório intervir no telhado?

Mais importante, basta alguém passear-se pelo centro de qualquer cidade do país (nem é preciso falar do Porto ou de Lisboa), para se perceber a ineficácia dessa lei. É assustadora a quantidade de prédios devolutos que se podem encontrar, os quais manifestamente não cumprem essa lei. São por todos conhecidas as notícias de derrocadas em alguns desses prédios.

Ao fazer esta analogia feliz, o Presidente da República deu logo a perceber qual será a eficácia dessa lei. Se não há fiscalização sobre o estado de conservação de prédios urbanos, à vista de toda a gente, que fiscalização haverá em relação às matas?

Adicionalmente, muito se tem falado da limpeza das matas privadas. Segundo o Presidente, estas serão 90% da nossa floresta. No entanto, este ano arderam zonas de reserva natural, como na Serra da Estrela, no Alvão ou Montezinho (apenas para dar alguns exemplos). De toda a área ardida, que percentagem pertence ao Estado? Este só poderá dar-se como exemplo se essa percentagem for muito menor do que a proporção que detém da nossa floresta. Gostaria de conhecer esse número, que ainda não vi na comunicação social.
(Ricardo Prata)
*

Lê-se no EXPRESSO-online: «O Presidente da República, Jorge Sampaio, defendeu hoje (...) a possibilidade de tornar coerciva a limpeza das florestas»

Lê-se na TSF-online: «O ministro da Administração Interna afirmou, esta quarta-feira, que já existe legislação sobre limpeza coerciva de matas»

II

NO fim-de-semana passado visitei algumas aldeias em zonas pobres, flageladas pelo fogo. A propósito da limpeza das matas, aqui fica um apontamento para reflexão, que vem no seguimento de uma demorada conversa que tive com uma pessoa que está longe de ser caso-único:

Uma senhora de 82 anos (a média de idades, nessa e noutras aldeias em redor, é superior a 70), viúva, vive sozinha e tem 18 pequenas parcelas espalhadas por MUITOS quilómetros em redor: cinco oliveiras aqui, 20 pinheiros ali...

Dantes, só para ir e vir, de burro, a algumas delas, demorava um dia inteiro. Hoje, nem sequer lá vai, pois não tem carro, nem burro, nem idade nem saúde para isso.
Ou seja: se, neste momento, arderem essas propriedades (e a maioria já ardeu), ela só sabe disso um ou dois dias mais tarde... e se souber.

Pessoas como ela (a maioria das quais vive sozinha) não têm forças nem dinheiro para fazer limpezas nenhumas - e garanto que bem gostariam, não precisariam de as obrigar!

Mesmo que pudessem pagar (com ou sem subsídios), não há, na região, gente para isso, como também não há para as vindimas, para a apanha-da-azeitona, para o pastoreio, etc.

Entretanto, Governo e PR hão-de, talvez, chegar a acordo sobre as leis... que já existem.
(C. Medina Ribeiro)
*

É a fuga em frente.Já se estava á espera desta imputação.É fácil, é indistinta, porque os proprietários são muitos, desorganizados,sem voz,são pessoas idosas abandonadas nas suas aldeias...uma imputação vergonhosa do PR e do Governo...mas já se estava á espera,aliás já se tinha antecipado em muitos blogs, ( ver Blasfémias ) o caldo de cultura de resresponsabilização, e a preparação para as perseguições fiscais, as inevitáveis penhoras e as expropriações de terrenos para outros usos que não os agricolas.
Vergonhosa também a colagem do comentador Vitorino á versão governamental dos malandros proprietários
Aliás é muito português esta tendência, de perseguir os malandros dos proprietários, quando dá jeito, só manifesta a inveja e a mesquinhez , já foi assim em 75, e está outra vez na ordem do dia, levanta os piores instintos daqueles que adoram ver o sofrimento dos outros...e que vivem confinados um T1 enrrascados com o emprestimo a 40 anos...e o Governo sabe jogar bem com isso ...aliás o PS sempre foi genial a gerir essa coisa tão portuguesa da inveja.
Uma questão de falta de prevenção e vigilância ferréa das florestas degenera em processos de intenção desresponsabilizantes por parte de alguem que esteve ausente, algures, a ouvir os U2, enquanto os portugueses sofriam...é uma lástima.
É preciso pois estar muito atento ao futuro , nada surge por acaso.As queimadas de 2003 e 2004 deve ter servido no interior para o desbaste das matas,para a plantação de ventoinhas em condições mais favoraveis de preço para compra ou arrendamento dos prédios rústicos, devem ter servido também para intervenções especulativas em zonas de grande potencial turistico , como o interior algarvio, ou o litoral alentejano...sim porque lá no interior a agricultura é só para vinha, e o resto são potenciais resort`s e spa`s para velhos europeus a fugir á Turquia ou ao Califado de Hamburgo ( ver Visão da semana passada).São as tais "window oportunitys".
Ainda devem ter servido para enriquecer os vendedores e prestadores de serviços de combate a fogos.
Já existe disposição legal para limpeza á volta dos aglomerados urbanos e isso é perfeitamente exequivel e razoável (50 metros). Agora querem que os velhotes, sem posses, vão dentro das courelas ,limpar os matos ( se calhar arrestar lebres e melros), é coisa de um irrealismo que brada aos ceús.
Como se isso resolvesse o problema.Então se a esmagadora maioria dos incêndios ocorrem ás 2 ou 3 horas da manhã , em locais ermos e em 5 ou 6 sítios distintos ??.
Há sim uma manifesta incapacidade e bom senso na analise e prevenção da situações.E também uma falta de competencia...bastou ver o ar dos nativos quando os policias-bombeiros da Germania chegaram lá e arregaçaram as mangas e apagaram os fogos, tipica atitude de basbaque tuga.
Não há é real interesse em resolver o problema pelos meios mais correctos da prevenção e vigilância mais adequada humana e tecnologica.

(António Carrilho)
*
De acordo…as medidas apresentadas relativamente à limpeza coerciva das matas são irrealistas no contexto actual e ficarão encerradas no capitulo das boas intenções em que somos todos tão pródigos a produzir!

E então? Quer dizer que isto é uma questão insolúvel?

Fala-se da necessidade da mobilização da sociedade civil, da exigência de medidas exequíveis por parte dos responsáveis. Diz-se que é tempo de deixarmos de ter esta visão dos incêndios como uma fatalidade natural de periodicidade anual. Mas...e os técnicos desta área já se pronunciaram? Inquieta-me saber que os experts florestais, associados à gestão e conservação, controle de fogos e afins, não tenham nada para dizer!...temos várias escolas de engenharia florestal, criaram-se agências, fazem-se estudos sobre as zonas em risco, fazem-se inventários do coberto vegetal e nada se conclui sobre a possibilidade de medidas preventivas? que tipo de informação produzem estes técnicos? Qual a sua validade? Não deveriam ser estes estudos a base para qualquer acção a tomar?
(SMF)

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EARLY MORNING BLOGS 587:
"POR AQUELE CAMINHO CUJA IDEIA SE NÃO PODE ENCARAR DE FRENTE"


Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades
E a mão de mistério que abafa o bulício,
E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe
Para uma sensação exacta e precisa e activa da Vida!
Cada rua é um canal de uma Veneza de tédios
E que misterioso o fundo unânime das ruas,
Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde, ó Mestre,
Ó do "Sentimento de um Ocidental"!

Que inquietação profunda, que desejo de outras cousas,
Que nem são países, nem momentos, nem vidas,
Que desejo talvez de outros modos de estados de alma
Humedece interiormente o instante lento e longínquo!

Um horror sonâmbulo entre luzes que se acendem,
Um pavor terno e líquido, encostado às esquinas
Como um mendigo de sensações impossíveis
Que não sabe quem lhas possa dar...

Quando eu morrer,
Quando me for, ignobilmente, como toda a gente,
Por aquele caminho cuja ideia se não pode encarar de frente,
Por aquela porta a que, se pudéssemos assomar, não assomaríamos
Para aquele porto que o capitão do Navio não conhece,
Seja por esta hora condigna dos tédios que tive,
Por esta hora mística e espiritual e antiquíssima,
Por esta hora em que talvez, há muito mais tempo do que parece,
Platão sonhando viu a ideia de Deus
Esculpir corpo e existência nitidamente plausível
Dentro do seu pensamento exteriorizado como um campo.

Seja por esta hora que me leveis a enterrar,
Por esta hora que eu não sei como viver,
Em que não sei que sensações ter ou fingir que tenho,
Por esta hora cuja misericórdia é torturada e excessiva,
Cujas sombras vêm de qualquer outra cousa que não as cousas,
Cuja passagem não roça vestes no chão da Vida Sensível
Nem deixa perfume nos caminhos do Olhar.

Cruza as mãos sobre o joelho, ó companheira que eu não tenho nem quero ter.
Cruza as mãos sobre o joelho e olha-me em silêncio
A esta hora em que eu não posso ver que tu me olhas,
Olha-me em silêncio e em segredo e pergunta a ti própria
— Tu que me conheces — quem eu sou...

(Álvaro de Campos)

*

Bom dia!

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24.8.05


EARLY MORNING BLOGS 586

THE OCTOPUS


Tell me, O Octopus, I begs
Is those things arms, or is they legs?
I marvel at thee, Octopus;
If I were thou, I'd call me Us.


(Ogden Nash)

*

Bom dia!

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23.8.05


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS:
PANDORA PASSA COM A SUA SINISTRA MAJESTADE



por cima de um anel fino.

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A LER

No Cuidado de Si notas e fotos sobre os incêndios em Coimbra.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VISTO / NÃO VISTO NA TELEVISÃO




O HOMEM DO PIANO

Sinceramente, todos as noites vou fazendo zapping pelos telejornais e interrogo-me, todas as noites, se o problema é dos jornalistas, ou se é dos editores, ou dos directores de informação. Ou simplesmente duma sociedade completamente estupidificada. É verdadeiramente lamentável e ridícula a quantidade de disparates por minuto que se consegue dizer em horário nobre. Os incêndios não são caso único.

Ainda ontem, a RTP 1 anunciava que o misterioso "homem do piano" encontrado numa praia do sul de Inglaterra era afinal de nacionalidade alemã, afinal vivia em França onde perdera o emprego, afinal não tinha sido vítima de naufrágio, afinal tinha as roupas molhadas porque tinha tentado o suicídio no mar, afinal tinha apanhado o TGV e afinal estaria no mínimo deprimido, no máximo talvez perturbado. Até aqui, a situação é sofrível.

Pois, qual não é o meu espanto quando vejo na SIC que foi finalmente desvendado o mistério do mesmo misterioso "homem do piano". Pergunto-me se será o mesmo. Senão veja-se, segundo a SIC: o jovem homem de 20 anos (também alemão, por sinal) é afinal homossexual e foi expulso de casa pelos pais (!); afinal trabalhou com doentes mentais e devido a essa experiência conseguiu imitar na perfeição (!) certos sintomas de perturbações psicológicas e enganar os psiquiatras e psicólogos (!); estes últimos, afinal, estão muitos indignados por o jovem homem os ter enganado (!) e vão processá-lo (!) de forma a serem reembolsados (!) das despesas que tiveram com a enxurrada de exames que lhe tiveram de fazer (quando, pobre homem, era apenas um pianista perdido); o jovem afinal não sabe tocar piano - afinal tocou umas notas avulsas (!) que foram mal interpretadas (!) pelo pessoal do hospital que o acolheu (semanas depois de termos ouvido como ficaram extasiasados com uma longa peça executada magistralmente quando, pobre homem, era apenas um pianista perdido); por último, o jovem homem que afinal não toca piano, afinal desenhou um piano porque afinal quando lhe deram papel e lápis para a mão foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça (!).

A peça dita "jornalística" acaba com um lacónico "finalmente, foi assim desvendado o mistério". É a última peça do alinhamento do Primeiro Jornal da SIC. Maria João Ruela despede-se e oferece-nos um sorriso rasgado, feliz mesmo, de dever cumprido. Eu olho para a minha irmã e estupefactas, exclamamos quase ao mesmo tempo: "O que é isto?". E não é só que Jornalismo é este, que Televisão é esta, que País é este (?). É mais: que mundo é este?

Não aconselharia a prudência e a experiência a não dar o mistério por desvendado com tão estapafúrdias revelações? Não aconselharia uma atitude reflectida a não propagandear essas mesmas revelações estapafúrdias com tanto alarde e um incompreensível sentido de dever cumprido, com a alegria tão jovial de quem acaba um puzzle do Morillo?

VITORINO NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Ontem à noite a RTP 1 abre o alinhamento do Telejornal, inevitavelmente, com o País a Arder. António Vitorino abre o seu espaço de comentário com: o Papa !!!! Deus me perdoe (se exixtir) e os católicos também. Senti-me tão indignada que mudei imeditamente de canal. Quando lá voltei para espreitar se a coisa desenvolvia para o País a Arder, acertei, mas foi sol de pouca dura. Vitorino disse umas patacuadas banais sobre eucaliptos e pinheiros, sobre a necessidade de as pessoas limparem as matas. A única coisa que me animou foi que, segundo este senhor, ainda não chegámos ao número desastroso de hectares ardidos em 2003. Em 2003, sim, é que foi.

Pergunto-me como se terá sentido Alguém que perdeu a sua casa, os seus animais, ou até uma pessoa que amava, ao ouvir tal análise dos acontecimentos. Pergunto-me quem valerá a estes Alguéns? Deus? o Papa?

DESILUSÕES

Se aprendi alguma coisa com o que tenho lido no curso de ciências de comunicação foi que o esquema circular dos processos comunicacionais faz com que os valores de uma determinada sociedade sejam assimilados, de forma natural, pelos indivíduos que serão mais tarde produtores de informação. Para aí os voltarem a dessiminar. E perpetuar. Com pouca ou quase nenhuma resistência por parte de facções minoritárias, mais periféricas ou vanguardistas. Como a blogosfera. Porque não interessa ouvir essas facções. É melhor ignorá-las. Para todos os efeitos não existem. Porque a comunicação social não deixa nunca de ser um negócio. E para alimentar este negócio, é preciso conformidade, é preciso chegar ao maior número de pessoas possível. Não fazer muitas ondas. Para que o maior número de pessoas compre aquela pasta de dentes. Que não patrocina (por imposição legal) o telejornal, mas patrocina a novela que vem a seguir.

Antes de pensar a sério nestes assuntos e de ler bastante sobre eles, imaginava eu, ingenuamente, que a comunicação social era o quarto poder e tinha o grande alcance de transformar mentalidades e fazer alguma diferença nas nossas sociedades. Mudei muito a maneira de ver a caixinha mágica. Mudei muito a maneira com que olho para uma profissão que sempre ambicionei desempenhar. Desiludi-me.

Mas uma coisa posso afirmar: a nossa televisão diz muito sobre a sociedade que somos.

(Claúdia Silva)

*
Ao ler o comentario achei que ja tinha lido aquilo nalgum lado. Aqui esta a noticia do Spiegel-online de 22.08.05.

Ao que parece, a reportagem na SIC e assim uma encenacao deste artigo da AFP, que se baseia em dados publicados do Daily Mirror. Sera que a SIC avisou qual era a fonte do que estava a contar, ou apresentou a noticia como resultado de uma sua investigacao?

Tambem me assusta a AFP fazer noticias baseando-se no Daily Mirror...

Por coisas destas, o mundo inteiro, excepto talvez alguns portugueses atentos, acha que 500 jovens gangsters assaltaram em massa os banhistas na praia de Carcavelos no dia 10 de Junho...

(Ana Aguiar)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
QUANDO TUDO CONTINUA A ARDER




Em visita recente a Espanha, numa incursão de pouco mais de 100 km, é evidente o contraste verificado no que respeita a incêndios florestais. No nosso país são por demais evidentes os sinais de fogo: mata ardida, floresta destruída, cheiro a queimado, horizonte enegrecido. A paisagem portuguesa revela na sua maior extensão montes despidos de vegetação, desordenamento na pouca florestação existente, matas compostas na sua maioria de pinhais, que cresceram à lei da natureza, sem corta-fogos, sujos de arbustos e vegetação rasteira e apresentando sinais de abandono e de desorganização.

O primeiro sinal de diferença foi-me dado à saída de Portugal na fronteira de Quintanilha. Vestígios recentes de um incêndio que lavrou no local e devastou uma grande área. Este quadro constitui, logo à entrada, um cartão de visita pouco digno para quem nos visita.

Nas dezenas de kms que percorri no país vizinho, em direcção a Zamora, a vegetação é constituída ainda por abundantes conjuntos de carvalhos, árvore autóctone, abrigo e sustento de variadas espécies cinegéticas, muito menos propícias à deflagração de fogos de Verão. Só a alguns kms das vias rodoviárias se podem ver, de quando em quando, e, preferencialmente nas encostas das colinas, matas de pinheiros, perfeitamente alinhados, todos do mesmo calibre, denotando uma clara organização e predisposição para a sua rentabilização, com largos corredores sem vegetação, de modo a haver limitações a possíveis incêndios. Afastados e protegidos da presença humana. Tudo denota uma organização e um planeamento que contrasta de forma gritante com o nosso caos.

No regresso e a cerca de trinta km do nosso país, vislumbro uma coluna de fumo que indiciava um incêndio florestal. Tive uma leve esperança que seria no país vizinho. Acelerei um pouco mais, na ânsia de saber a sua exacta localização. Pouco depois saíram-me frustradas as expectativas. O fogo era novamente em Portugal. Tinha tudo voltado à normalidade!

(José Alegre Mesquita, Carrazeda de Ansiães)

*

Há efectivamente um aproveitamento feito pelos meios de comunicação social (sobretudo da televisão - onde o sentimento tem mais peso do que a razão e a explicação) dos sentimentos da população afectada pelos incêndios (desespero, raiva, angústia, dor...).
Porém, a selecção dos sentimentos tem sido feita de forma bastante interessante. Na noite de ontem estive (porque moro em Coimbra) também a ajudar pessoas amigas que procuravam travar o avanço das chamas. Uma multidão subia e descia a rua, corria com baldes, pedia mangueiras, e ajuda, gritava, chorava... E criticava o governo e a actuação das entidades públicas responsáveis. Várias vezes o faziam. Não queriam com isto tirar as culpas que muitos proprietários têm por não cuidarem das suas terras, mantendo-as limpas, ou que recusam a ajuda de funcionários de limpeza das juntas de freguesia que para isso se disponibilizam (porque também disso se falou, já que estava presente um elemento da junta de freguesia em questão). Mas não esqueciam as responsabilidades que entidades estatais têm.
Assim sendo, não percebo por que motivo nunca se ouve na televisão, no meio de tantos desabafos da população, críticas ao governo. Só porque são desabafos sem fundamento? Porque são injustos? Porque são apenas isso, desabafos? Mas o Primeiro Ministro também teve um desabafo quando se sentiu prejudicado pelas críticas que sofreu por não ter interrompido as suas férias. E esse desabafo (esse sim, sem fundamento) passou na televisão.

Nota positiva para a TSF, que às 4h da manhã dava notícias actualizadas sobre a situação dos fogos em Coimbra (entre outras regiões), e para o Presidente da Câmara, Carlos Encarnação, que falou a essa hora em directo e mostrou um interesse pela situação que o Primeiro Ministro tardou em mostrar.

(Paulo Agostinho)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
FALTA DE RESPEITO PELO TRABALHO DOS OUTROS

Vivo em Coimbra. Numa cidade engolida em fumo e cinza, há, para a maior parte das pessoas, assuntos justamente mais prementes que aquele que hoje aqui me traz.

Contudo não consigo deixar de pensar que é importante discutir-se uma questão que surgiu recentemente e que não me parece estar a ter o desenvolvimento que merece. Uma companhia de teatro, "Fatias de Cá" terá feito uma utilização abusiva ou pouco acautelada, do texto de Miguel Sousa Tavares. A ser verdade, não me surpreende pois houve uma ocasião em que uma outra companhia de teatro pretendia encenar "Constantim, guardador de vacas e de sonhos" e no lugar do autor aparecia não o nome de Alves Redol, mas da pessoa responsável pela adaptação... a qual não acolheu a minha crítica, quando confrontado com ela!

Esta falta de respeito pelo trabalho dos outros - e na blogoesfera não faltam reparos ao modo como, por exemplo, a imprensa escrita omite as fontes, nomeadamente blogs, onde encontra a informação ou sugestão dos temas que depois desenvolve e publica - não será o outro lado daqueles que só falam, só escrevem, só se exprimem a coberto do anonimato? Dito de outro modo, quando tanta gente não se respeita o suficiente para ter a dignidade de dar a cara por aquilo que pensa, como esperar que possa respeitar o que pertence aos outros?

O que faz a Sociedade Portuguesa de Autores? e a Comissão dos Direitos de Autor?

(Ana Pires)

*

Foi tal o entusiasmo com que li o livro "Equador", que, logo aquando da sua publicação, senti um irreprimível impulso a divulgá-lo, recomendando-o a todos como uma obra imperdível. Miguel Sousa Tavares tem todos os motivos para sentir orgulho do seu trabalho e pretender preservá-lo.

A companhia de teatro "Fatias de Cá" (criado em Tomar em 1979), grupo de grande humildade, onde "todos fazem de tudo", utilizando de uma forma interactiva o património construído (de que é exemplo o Convento de Cristo) e paisagístico, tem já uma longa história de labor em prol da descentralização de acções culturais, tendo levado à cena, entre muitos outros espectáculos, obras como O Nome da Rosa, T de Lempicka, Rapariga com brinco de pérola, Diálogo das Compensadas, Tempestade, Sonho de uma noite de Verão e A Flauta Mágica, de autores que vão de Umberto Eco a Mozart, passando por Karl Valentim, Dario Fo, Frati, Gil Vicente, Yourcenar, Lorca e Shakespeare.

Desde há meses que o grupo desenvolvia o projecto de levar à cena a obra "Equador", teatralização da obra de Miguel Sousa Tavares, o que, necessariamente, seria do conhecimento do autor.

Um mês antes da estreia, o autor não permitiu a adaptação teatral do seu romance.

Dado o investimento já realizado, nomeadamente em adereços e guarda-roupa de época, decidiu o grupo criar uma nova história, passada no mesmo local e época – e, obviamente, com uma temática comum à do livro – a que deu o título "EQUADOR passa em S. Tomé e Príncipe", em cena de 19 de Agosto a 4 de Setembro, às Sextas, Sábados e Domingos, às 19h18, no Parque Ambiental de Constância.

Sendo admirador do trabalho de ambas as partes, não poderia deixar de expressar o meu sincero lamento por esta situação.

É pena que Miguel Sousa Tavares não tenha permitido a adaptação teatral da sua obra; é minha firme convicção que todos teríamos a ganhar com isso: autor, leitores, companhia de teatro e espectadores.

Não terá agido correctamente o "Fatias de Cá"; a adaptação "forçada" a que recorreu não deixará de ser apercebida como uma forma de oportunismo, eventualmente com consequências a nível jurídico, dada a possível alegação de plágio.

Mas tal como considero que o "Fatias de Cá" não tomou a decisão correcta, não posso também concordar com aqueles que, ignorando o percurso da companhia e o seu notável papel ao nível da promoção do desenvolvimento cultural de uma região, pretendam, mesmo que involuntariamente, arrastar o seu nome para a "lama".

(Leonel Vicente)

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COISAS SIMPLES / COMPLICADAS


Georgia O'Keeffe, Abstraction

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EARLY MORNING BLOGS 585

Un lever de soleil


L'Orient jaillit comme un fleuve,
La lumière coule à long flot,
La terre lui sourit et le ciel s'en abreuve
Et de ces cieux vieillis, l'aube sort aussi neuve
Que l'aurore du jour, qui sortit du Très Haut.

Et des pleurs de la nuit, le sillon boit la pluie,
Et les lèvres de fleurs distillent leur encens,
Et d'un sein plus léger l'homme aspire à la vie
Quand un esprit divin vient englober ses sens.

Notre terre éblouie du rayon qui la dore,
Nage plus mollement dans l'élastique éther,
Comme un léger nuage enlevé par l'aurore
Plane avec majesté sur les vagues de l'air.

Les pointes des forêts que les brises agitent,
Bercent l'ombre et la fraîcheur pour le choeur des oiseaux ;
Et le souffle léger des ondes pures qui palpitent
Parfume en s'exhalant le lit voilé des eaux.

Celui qui sait d'où vient l'aurore qui se lève,
Ouvre ses yeux noyés d'allégresse et d'amour,
Il reprend son fardeau que la vertu soulève
S'élance, et dit " Marchons à la clarté du jour ! "


(Alphonse Lamartine)

*

Bom dia!

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22.8.05


AINDA BEM! - A TIRINHA QUE PASSA EM BAIXO

"Como seja usar-se a tirinha em baixo, [nos noticiários] (...) para informar sobre os incêndios (...) pelo menos com a identificação do concelho e das freguesias, para ser útil às pessoas que lá vivem. Porque , convém lembrar, os incêndios são mais do que notícia, para quem vive perto deles, ao lado deles." escreveu-se aqui.

A RTP está a fazê-lo no seu noticiário das 20 horas. Ainda bem! Mérito da RTP.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O FOGO QUE ARDE SEM SE VER / O FOGO QUE ARDE PARA SE VER




É de estranhar, ou talvez não. Onde estou a ter uma noção mais real dos incêndios que assolam Portugal, é nos meios de comunicação internacionais - El Pais, CNN, BBC, O Estado de São Paulo. Por cá, uma notícia ou outra, sempre tarde, sempre depois dos jornais online estrangeiros. Faço um esforço enorme para tentar não comparar este caso com um que se passou há bem pouco tempo: o do Prestige, em Espanha. Tudo o que se sabia, sabia-se primeiro "lá fora". Porquê?

(Rodrigo Reis)

*

Li o seu post, compreendo a indignação mas estou em paz em relação ao fenómeno que descreve pelo simples facto de que não é suposto haver notícias nos orgãos de informação, em especial nos notíciários da televisão, apenas espectáculo. Infelizmente nem como espectáculo é bom.

A metodologia é sempre a mesma. Está tudo a arder numa povoação da qual nunca ninguém ouviu falar, e logo o jornalista repete à exaustão o nome da povoação por si descoberta (aquele lugar literalmente apareceu no mapa com a chegada do jornalista, supõe-se).

Depois há que filmar muita chama. O que ardeu, onde ardeu, quando ardeu, porque ardeu interessa apenas como fundo sonoro às chamas, e na medida em que possa ser expresso sobre a forma de lamentos pela riqueza ardida, dos trabalhos de vidas perdidos num segundo, das casas cercadas de chamas.
Meter a câmara dentro do fogo ou debaixo dos baldes dos helicópteros. Isso é o mais importante.

Os jornalistas de serviço aos incêndios repetem-se. A sua voz cansa mais que as imagens do incêndio. Fazem-me lembrar o Rufino a discursar no Teatro da Trindade, em Os Maias. Tudo muito palavroso, arte nenhuma. Assim os incêndios têm sempre origem criminosa (o jornalista consegue sempre encontrar alguém disposto a afirmá-lo), os meios nunca chegam (pois se está tudo a arder!), perdeu-se sempre imensa riqueza, (a mata estava ao abandono, por limpar, prevenção não se fez, planos de emparcelamento nunca houve, mas foi o trabalho de uma vida que desapareceu, assim se trata a riqueza em Portugal). Análise crítica da situação, do âmbiente, das causas, zero.

As emoções de quem chora a perda do que era seu são exploradas até ao tutano. Velhinhos a chorar, homens feitos de voz embargada, mulheres estéricas, o povo a correr de um lado para o outro, alguém que não perdeu nada e só viu arder a pedir a pena de morte para os incendiários! É impressão minha ou existe preconceito social nas representações mediáticas destes pobres rurais?

Que tenhamos de viver com o infotainment, deverá ser uma daquelas fatalidades geradas pela sociedade em que vivemos. Mas será que as televisões consideram o seu público tão formatado, tão igualizado, tão despersonalizado, a ponto de, em plena época de marketing directo, em que as fábricas de automóveis não produzem dois carros iguais seguidos, os noticiários sejam todos ... modelo T.

(Mário Almeida)

*

Se calhar era uma boa altura para através dos blogs se referenciarem os fogos e sua gravidade. Desde ontem que através da rádio ouço falar em um grande incêndio em Viana do Castelo, na mata junto ao monte de Santa Luzia (correm as festas da Agonia…) pela Renascença sei que já foi evacuado um hotel e foi mesma considerada a hipótese de evacuar o Hospital de Viana (a acontecer creio ser caso raro no nosso país).

Vivo em Braga, da minha janela, há mais de 24 horas que ao longe tenho um fogo imenso entre os concelhos de Braga e Barcelos… ninguém dá conta nas notícias.

Quanto a ministros… um que disse que não se passearia junto ao fogo para aparecer na TV (deve haver um registo disso numa qualquer acta da Assembleia da República), aparece agora, qual emplastro, no ombro de um primeiro ministro que pelo segundo dia está na região centro… Creio que muitas leituras políticas se poderiam fazer destes actos…

(Emanuel Ferreira)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota A LER / VER.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O KURSK DE JOSÉ SÓCRATES




RECENTEMENTE, quando um pequeno submarino russo esteve em dificuldades, foi feito um apelo à ajuda internacional e, mesmo em cima da hora, a tripulação foi salva. Quando o drama se iniciou, todos se recordaram do desastre do Kursk, cujos marinheiros, muito possívelmente, foram vítimas da arrogância do Poder.

Lembro-me bem de, nessa altura, ter estranhado que Putin, de férias nas praias do Mar Negro, não as tenha interrompido. Claro que ele não era mergulhador (como Sócrates não é bombeiro) mas, dada a sua posição, talvez tivesse podido tomar algumas iniciativas que salvassem as vidas daqueles homens. De qualquer forma, a sua atitude de continuar as férias como se não fosse nada, foi um «sinal» de frieza e de insensibilidade que caiu mal.

Ora, é nessa «gestão dos sinais» que os políticos, rodeados de assessores e yes-men que os isolam do mundo-real, são muitas vezes extremamente desastrados.

Eles não conseguem, pura e simplesmente, aperceber-se de como são vistos pelos outros. No nosso caso, só assim se compreende a displicência com que, ultimamente, o governo de Sócrates e ele em pessoa têm dado sucessivos tiros-nos-pés como se fosse a coisa mais natural deste mundo. A expressão brasileira «eles não se enxergam» tem outro significado, eu sei. Mas às vezes apetece usá-la, aqui e agora...

(C. Medina Ribeiro)

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OUVINDO BOB DYLAN


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COISAS SIMPLES


Alfred Stieglitz, Lake George, Grasses, New York

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EARLY MORNING BLOGS 584


Une lice étant sur son terme,
Et ne sachant où mettre un fardeau si pressant,
Fait si bien qu'à la fin sa compagne consent
De lui prêter sa hutte, où la lice s'enferme.
Au bout de quelque temps sa compagne revient.
La lice lui demande encore une quinzaine ;
Ses petits ne marchaient, disait-elle, qu'à peine.
Pour faire court, elle l'obtient.
Ce second terme échu, l'autre lui redemande
Sa maison, sa chambre, son lit.
La lice cette fois montre les dents, et dit :
« Je suis prête à sortir avec toute ma bande,
Si vous pouvez nous mettre hors. »
Ses enfants étaient déjà forts.


Ce qu'on donne aux méchants, toujours on le regrette.
Pour tirer d'eux ce qu'on leur prête,
Il faut que l'on en vienne aux coups ;
Il faut plaider, il faut combattre.
Laissez-leur prendre un pied chez vous,
Ils en auront bientôt pris quatre.


(La Fontaine)

*

Bom dia!

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21.8.05


O PRIMEIRO-MINISTRO E OS FOGOS



Quem disse que ele não fazia diferença, não tem reparado nos detalhes: pela primeira vez, o pedido à UE de meios suplementares; o uso mais intensivo de militares. Mas as “férias” vão sempre inquinar esta questão, porque o PM está inibido de alguma vez admitir a gravidade dos incêndios sem se pôr em causa. Vai tentar remediar, mas é tarde. O governo vai sempre minimizar os fogos e a falta de meios, para se justificar.

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AR PURO


Karl Pierre Daubigny

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS 583

She sat at the window watching the evening invade the avenue. Her head was leaned against the window curtains, and in her nostrils was the odour of dusty cretonne. She was tired.

Few people passed. The man out of the last house passed on his way home; she heard his footsteps clacking along the concrete pavement and afterwards crunching on the cinder path before the new red houses. One time there used to be a field there in which they used to play every evening with other people's children. Then a man from Belfast bought the field and built houses in it - not like their little brown houses, but bright brick houses with shining roofs. The children of the avenue used to play together in that field - the Devines, the Waters, the Dunns, little Keogh the cripple, she and her brothers and sisters. Ernest, however, never played: he was too grown up. Her father used often to hunt them in out of the field with his blackthorn stick; but usually little Keogh used to keep nix and call out when he saw her father coming. Still they seemed to have been rather happy then. Her father was not so bad then; and besides, her mother was alive. That was a long time ago; she and her brothers and sisters were all grown up; her mother was dead. Tizzie Dunn was dead, too, and the Waters had gone back to England. Everything changes. Now she was going to go away like the others, to leave her home.


(James Joyce, "Eveline", Dubliners)

*

Bom dia!

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A LER / VER




Na Bomba Inteligente a utilização pioneira em blogues portugueses do som e imagem. Só que talvez fosse bom dar-nos a opção de ver e ouvir, porque abre-se um blogue e, de repente, o computador está a cantar ou a falar e a gente só a querer ler...

No Bloguitica AGENDA-SETTING e WATCHDOGS, UMA VEZ MAIS..., SOBRE O ANONIMATO NA BLOGOSFERA, AINDA OS WATCHDOGS/WATCH BLOGUES, etc.



Acrescento o meu inteiro acordo com tudo o que ali vem escrito, e duas pequenas observações (se tiver tempo voltarei a estes assuntos com mais extensão, em particular à questão do anonimato): uma, é que, como era previsível, a ocultação deliberada do movimento dos blogues a favor da divulgação dos estudos da OTA - e quase nenhum jornal noticiou a sua existência a não ser a posteriori, quase duas semanas depois, e não foi porque não soubessem ou porque não era notícia - não resultou; a outra, é que se o autor do Bloguitica (e por extensão o leitor habitual de blogues) dá por ela de casos como o do estudo de Marvão Pereira, no Abrupto abundam múltiplos exemplos, muito para além das vezes que é citado. Já para não falar de quase plágios e utilização abusiva do trabalho alheio, sem citação. Passemos adiante.

O problema é que até agora isto escapava ao conhecimento público, e hoje é mais difícil fazê-lo pela calada, daí a irritação e a tentativa de minimização dos blogues, evidente no caso OTA e noutros casos.

O papel da citação nos blogues também permite perceber o erro fundamental de análises como a que Querido faz no Expresso e que mais do que uma verdadeira análise é uma opinião pessoal (ou um desejo) para a qual se procuram frágeis dados de suporte. Aliás nem sequer é nova a opinião, já foi repetida várias vezes no passado como uma espécie de wishful thinking. Será repetida tantas vezes quantas for preciso até, um dia, se verificar. Talvez.

É que qualquer análise dos blogues, principalmente dos que escrevem sobre política, que não são necessariamente blogues políticos, não pode deixar de ter em conta outro elemento fundamental para além das “audiências”, o sistema de referências cruzadas de citação. É aí que se pode medir melhor a influência e não é por acaso que a Technorati o usa para fazer as suas listas. É por isso que o Bloguitica, o Causa Nossa, o Blasfémias, ou o Blogue de esquerda, do mesmo modo que os blogues de Mexia e Francisco José Viegas que tem (tinham, terão) também conteúdo político, podem (podiam) ter menos leitores do que o Barnabé, mas são (e foram) mais influentes do que este. Essa influência é tanto mais importante quanto ultrapassa os grupos de afinidade, as coteries de elogio mútuo, que abundam na blogosfera.

A dependência estrita da agenda comunicacional, que normalmente traduz a intencionalidade política, não é nos blogues uma boa maneira de ter influência, porque não é aqui competitiva nem com a opinião escrita na comunicação social, nem com o jornalismo. Os autores de blogues deste tipo,que emigraram para a comunicação social tradicional, fazem o caminho normal e é natural que se desinteressem dos blogues. Há excepções como é da regra.

É tão evidente que este é um elemento crucial na análise de qualquer influência na blogosfera que parece absurdo pretender que blogues que nunca aparecem citados na blogosfera possam ser recordistas de audiência. Não há na blogosfera blogues secretos, onde toda a gente vai e ninguém fala, (nem mesmo os eróticos e pornográficos), e muito menos o seriam blogues como Poemas de Amor e Dor , – alguém já lá foi para ver que é? Vale a pena para se ver o absurdo das conclusões do Expresso - ou o GatasQB , que não é um verdadeiro blogue (como o Belle de Jour é) , mas uma colecção de fotos de mulheres, que tanto podia ser uma página pessoal ou um site, e usar estes "dados" para argumentar qualquer tese. Já para não falar do Hollywood, que tem (até ontem) uma média de visitas de 258 (46º no Blogómetro), e possa ser apresentado como “o blogue mais lido do espaço português”.

O trabalho de Querido não tem por isso qualquer valor como análise.

*
Acabo de ler (...) uma referência ao blog Bomba-Inteligente, atribuindo-lhe a "utilização pioneira em blogues portugueses do som e imagem". Porque tal não corresponde à verdade, gostaria de deixar aqui o meu reparo. Não se trata duma questão importante, porque de facto não o é, mas porque sei que é dado aos rigores próprios da ciência histórica e porque a autora do Bomba inteligente também não se deu à maçada de desfazer essa imprecisão, eis a razão deste meu mail.

Se procurar nos arquivos dos blogues portugueses fundados em 2001 e 2002, talvez encontrará neles vários exemplos de som e imagem. Sem prejuízo de casos mais antigos, a título de exemplo, deixo-lhe estes links, aqui, aqui e aqui.

Os dois primeiros links são relativos a dois posts, onde na época, hoje já não, se podia escutar os grupos Adiafa e Da Weasel. O terceiro link, diz respeito a imagem e ainda está a funcionar. Nos três casos, o processo informático utilizado é diferente daquele que utiliza a autora do Bomba Inteligente, no entanto trata-se duma diferença meramente formal, o resultado final traduzia-se em escutar música e ver imagens a partir dum blog.

A grande diferença reside no tempo, é que os exemplos que agora dou a conhecer são duma época anterior à própria fundação do Bomba Inteligente.

(Bino)

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LER OS JORNAIS / VER A TELEVISÃO E NÃO ENCONTRAR AS NOTÍCIAS



1. Experimentem procurar nos órgãos de informação uma notícia. Uma notícia necessária, útil, para quem está rodeado pelo fumo e lhe cai cinza em cima. Onde é que há incêndios, qual a sua gravidade? Bem podem procurar que não encontram.

Experimentem procurar na televisão, nos noticiários, que não encontram. Nos noticiários a informação depende das imagens e as imagens são quase sempre obtidas sobre os fogos como estavam, quando foram recolhidas as imagens e não como estão. Como estão, depende da presença de jornalistas nos locais para haver directos. Ora os jornalistas quase sempre vão (foram) para os fogos mais antigos, e não para os mais recentes. Por isso, várias horas depois de se ver um grande fogo na serra ao lado, ele, quando muito, está no noticiário do dia seguinte, a não ser que haja mortos e feridos.

2. Com as tecnologias modernas de informação ao dispor de uma redacção e mesmo com meios humanos mais escassos devido às férias, isto é um mau trabalho, um trabalho feito de rotinas que não se adaptam a informar, a informar a tempo, para que as notícias sirvam as pessoas. Os jornais também não são muito úteis, mesmo os que têm actualizações em linha, porque as notícias da Lusa são demasiado genéricas.

PARA O FUTEBOL TODOS OS MEIOS, PARA OS INCÊNDIOS O QUE SOBRA

3. Isto é mau trabalho, porque se aos incêndios fossem aplicadas as tecnologias e a vontade, esta é que é a questão, a vontade, que se dedica ao futebol, onde o mínimo sobressalto de um jogador ou treinador, é extensivamente coberto em tempo quase real, já para não falar dos golos, talvez houvesse melhor informação sobre uma matéria de mais relevante interesse público.

A TIRINHA QUE PASSA EM BAIXO

4. Como seja usar-se a tirinha em baixo, que agora serve para manter a boa consciência editorial de que sempre se dão as notícias importantes, pelo menos na tirinha, para informar sobre os incêndios, perdão, as “ignições”, que não estão “circunscritas”. Pelo menos com a identificação do concelho e das freguesias, para ser útil às pessoas que lá vivem. Porque , convém lembrar, os incêndios são mais do que notícia, para quem vive perto deles, ao lado deles.

O USO ESCASSO E RUDIMENTAR DE MAPAS

5. Ou rever de vez o uso arqueológico dos mapas nos noticiários, um bom exemplo do desleixo das redacções na utilização de tecnologias mais que disponíveis. Os mapas que aparecem nas notícias para além de muito escassos, - mapear informação sobre incêndios é um upgrade importante no conteúdo informativo – são rudimentares, e imprecisos. Acaso a sobreposição sobre esses mapas de figurinhas com chamas por cima das capitais de distrito é informação? As redacções lisboetas acham que os lisboetas sabem onde é a Pampilhosa da Serra? Ou Valongo? Ou os portuenses sabem onde é Ourém?

NO PÚBLICO NADA ACONTECEU ONTEM

6. Não sei se isso se deve a faltas de texto na edição digital ( a única que consultei), ou a uma sua arrumação inesperada, mas não encontro no Público de hoje qualquer notícia relevante sobre o que aconteceu ontem, quando o país teve uma das séries mais graves de incêndios. No “Nacional”, nada; na “Sociedade” (o Público noticia habitualmente os incêndios na “sociedade”, deve ser uma metáfora), nada. Alguma coisa apenas nos suplementos locais, mas sem actualização.

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Para ter notícias em tempo real sobre os incêndios, o melhor meio é ainda a rádio. Tenho ouvido a Antena 1 nos últimos tempos, e costumam referir os locais dos incêndios. Há depois as fotografias de satélite do dia anterior (nem sempre encontro a fotografia da Península Ibérica, pelo que deduzo que a cobertura não é completa). A fotografia de ontem mostra um impressionante "enxame" de incêndios, especialmente no norte de Portugal.
(A.)
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À falta de informação mais precisa e consistente na comunicação social sobre a grave situação que actualmente devasta o país, julgo que os dois links que abaixo transcrevo poderão deixar uma imagem clara da tragédia que actualmente nos atinge, aqui e aqui.

(Leonel Silva)

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