ABRUPTO

23.8.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VISTO / NÃO VISTO NA TELEVISÃO




O HOMEM DO PIANO

Sinceramente, todos as noites vou fazendo zapping pelos telejornais e interrogo-me, todas as noites, se o problema é dos jornalistas, ou se é dos editores, ou dos directores de informação. Ou simplesmente duma sociedade completamente estupidificada. É verdadeiramente lamentável e ridícula a quantidade de disparates por minuto que se consegue dizer em horário nobre. Os incêndios não são caso único.

Ainda ontem, a RTP 1 anunciava que o misterioso "homem do piano" encontrado numa praia do sul de Inglaterra era afinal de nacionalidade alemã, afinal vivia em França onde perdera o emprego, afinal não tinha sido vítima de naufrágio, afinal tinha as roupas molhadas porque tinha tentado o suicídio no mar, afinal tinha apanhado o TGV e afinal estaria no mínimo deprimido, no máximo talvez perturbado. Até aqui, a situação é sofrível.

Pois, qual não é o meu espanto quando vejo na SIC que foi finalmente desvendado o mistério do mesmo misterioso "homem do piano". Pergunto-me se será o mesmo. Senão veja-se, segundo a SIC: o jovem homem de 20 anos (também alemão, por sinal) é afinal homossexual e foi expulso de casa pelos pais (!); afinal trabalhou com doentes mentais e devido a essa experiência conseguiu imitar na perfeição (!) certos sintomas de perturbações psicológicas e enganar os psiquiatras e psicólogos (!); estes últimos, afinal, estão muitos indignados por o jovem homem os ter enganado (!) e vão processá-lo (!) de forma a serem reembolsados (!) das despesas que tiveram com a enxurrada de exames que lhe tiveram de fazer (quando, pobre homem, era apenas um pianista perdido); o jovem afinal não sabe tocar piano - afinal tocou umas notas avulsas (!) que foram mal interpretadas (!) pelo pessoal do hospital que o acolheu (semanas depois de termos ouvido como ficaram extasiasados com uma longa peça executada magistralmente quando, pobre homem, era apenas um pianista perdido); por último, o jovem homem que afinal não toca piano, afinal desenhou um piano porque afinal quando lhe deram papel e lápis para a mão foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça (!).

A peça dita "jornalística" acaba com um lacónico "finalmente, foi assim desvendado o mistério". É a última peça do alinhamento do Primeiro Jornal da SIC. Maria João Ruela despede-se e oferece-nos um sorriso rasgado, feliz mesmo, de dever cumprido. Eu olho para a minha irmã e estupefactas, exclamamos quase ao mesmo tempo: "O que é isto?". E não é só que Jornalismo é este, que Televisão é esta, que País é este (?). É mais: que mundo é este?

Não aconselharia a prudência e a experiência a não dar o mistério por desvendado com tão estapafúrdias revelações? Não aconselharia uma atitude reflectida a não propagandear essas mesmas revelações estapafúrdias com tanto alarde e um incompreensível sentido de dever cumprido, com a alegria tão jovial de quem acaba um puzzle do Morillo?

VITORINO NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Ontem à noite a RTP 1 abre o alinhamento do Telejornal, inevitavelmente, com o País a Arder. António Vitorino abre o seu espaço de comentário com: o Papa !!!! Deus me perdoe (se exixtir) e os católicos também. Senti-me tão indignada que mudei imeditamente de canal. Quando lá voltei para espreitar se a coisa desenvolvia para o País a Arder, acertei, mas foi sol de pouca dura. Vitorino disse umas patacuadas banais sobre eucaliptos e pinheiros, sobre a necessidade de as pessoas limparem as matas. A única coisa que me animou foi que, segundo este senhor, ainda não chegámos ao número desastroso de hectares ardidos em 2003. Em 2003, sim, é que foi.

Pergunto-me como se terá sentido Alguém que perdeu a sua casa, os seus animais, ou até uma pessoa que amava, ao ouvir tal análise dos acontecimentos. Pergunto-me quem valerá a estes Alguéns? Deus? o Papa?

DESILUSÕES

Se aprendi alguma coisa com o que tenho lido no curso de ciências de comunicação foi que o esquema circular dos processos comunicacionais faz com que os valores de uma determinada sociedade sejam assimilados, de forma natural, pelos indivíduos que serão mais tarde produtores de informação. Para aí os voltarem a dessiminar. E perpetuar. Com pouca ou quase nenhuma resistência por parte de facções minoritárias, mais periféricas ou vanguardistas. Como a blogosfera. Porque não interessa ouvir essas facções. É melhor ignorá-las. Para todos os efeitos não existem. Porque a comunicação social não deixa nunca de ser um negócio. E para alimentar este negócio, é preciso conformidade, é preciso chegar ao maior número de pessoas possível. Não fazer muitas ondas. Para que o maior número de pessoas compre aquela pasta de dentes. Que não patrocina (por imposição legal) o telejornal, mas patrocina a novela que vem a seguir.

Antes de pensar a sério nestes assuntos e de ler bastante sobre eles, imaginava eu, ingenuamente, que a comunicação social era o quarto poder e tinha o grande alcance de transformar mentalidades e fazer alguma diferença nas nossas sociedades. Mudei muito a maneira de ver a caixinha mágica. Mudei muito a maneira com que olho para uma profissão que sempre ambicionei desempenhar. Desiludi-me.

Mas uma coisa posso afirmar: a nossa televisão diz muito sobre a sociedade que somos.

(Claúdia Silva)

*
Ao ler o comentario achei que ja tinha lido aquilo nalgum lado. Aqui esta a noticia do Spiegel-online de 22.08.05.

Ao que parece, a reportagem na SIC e assim uma encenacao deste artigo da AFP, que se baseia em dados publicados do Daily Mirror. Sera que a SIC avisou qual era a fonte do que estava a contar, ou apresentou a noticia como resultado de uma sua investigacao?

Tambem me assusta a AFP fazer noticias baseando-se no Daily Mirror...

Por coisas destas, o mundo inteiro, excepto talvez alguns portugueses atentos, acha que 500 jovens gangsters assaltaram em massa os banhistas na praia de Carcavelos no dia 10 de Junho...

(Ana Aguiar)

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