A medida governamental sobre a limpeza coerciva das matas é neste momento uma típica manobra de desresponsabilização do estado, mostrando um governo que, não tendo coragem política nem vontade de fazer o que pode fazer, nos distrai prometendo o que não pode fazer. Só quem desconheça a realidade do nosso país é que pode acreditar que a limpeza coerciva da mata tem um átomo de realismo e não é puro engano, só eficaz para quem nunca saiu da cidade.
A legislação portuguesa está cheia destas medidas feitas nos gabinetes de Lisboa, ou por engenharia utópica e perfeccionismo jurídico, ou, como é o caso, para dar uma falsa resposta desresponsabilizadora a um problema que entra pelos olhos dentro - em Portugal, não há capacidade, por múltiplas razões, umas estruturais outras conjunturais, para controlar incêndios no Verão. Entre essas razões muitas exigiriam a atenção e medidas do estado, certamente mais realistas e eficazes, mas estas não são tomadas porque afectam interesses instalados.
Não me venham dizer que a limpeza coerciva das matas atinge qualquer “interesse”, ou que apenas se lhe resiste por uma visão da defesa da propriedade privada, naturalmente maléfica dada a natureza da dita “propriedade”. Não há nenhum “interesse” atingido na medida, porque pura e simplesmente ela é, insisto, completamente abstracta e irrealista e, como é obvio, não é aplicável, nem para aplicar. Como milhares de outras, como seja a legislação que obriga as Juntas de Freguesias a fazer um cadastro e a controlar a vacinação dos animais domésticos. Alguém imagina um Presidente da Junta a ter que andar atrás dos seus vizinhos para eles registarem os gatos e os cães, num meio rural, pequeno e denso de conflitos como são as aldeias?
Alguém acredita que um estado, um governo, que assiste indiferente ao lançamento proibido de foguetes, com completa impunidade, uma actividade pela sua natureza impossível de esconder, em distritos com risco máximo de incêndios, e com quarenta graus de temperatura, pode obrigar alguém a uma actividade tão cara, - sim meus senhores, porque é cara, - como seja ter as matas limpas? Alguém acredita que um estado, um governo, que permite, de uma ponta à outra do país, a actividades ilegais na exploração de inertes, e que não fecha uma pedreira, pode obrigar á “limpeza coerciva”, sem ter uma polícia própria para os matos e brigadas de limpeza com mais gente do que todo o pessoal municipal hoje existente? Sem outra economia, sem outro ordenamento, sem outra política local?
Só para se perceber porque razão é que o problema é em primeiro lugar de autoridade do estado, podemos ir aos exemplos do que podia ser feito e não se faz. Já algum director de um Parque Natural foi demitido porque o seu Parque não estava limpo? Não, por duas simples razões: uma, porque em muitos casos a sua nomeação é política e é intocável pelo partido que lá o colocou; noutra, porque ele dirá que não tem meios, nem dinheiro para o fazer e provavelmente está certo. Já alguma Comissão de festas foi responsabilizada pelo lançamento proibido de foguetes, apesar de isso ter acontecido por todo o lado nas festas deste Verão? Não, porque o lançamento de foguetes é popular, estamos em vésperas de autárquicas, e sem foguetes, dezenas de fabriquetas de pirotecnia entrariam na falência na nossa frágil economia. Fecha-se os olhos. Todos sabem, ninguém actua.
Vamos ter mais legislação perfeita e inaplicável, para boa consciência dos governantes. Somos o país da legislação perfeita (já leram a legislação sobre pedreiras? É aplicada nalgum sítio? Onde está uma pedreira recuperada depois do fim do período de extracção? Onde o estado (e o governo) não faz o que já pode fazer, para nos enganar, promete o que não pode fazer.
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Segundo o Presidente da República, deveria haver uma lei que obrigasse à limpeza coerciva das matas (a qual, segundo António Costa, até já existe...), à semelhança do que acontece com os prédios nos meios urbanos(?). Existe uma lei que obriga à realização de obras de conservação nos prédios urbanos, com um intervalo mínimo de dez anos. Desde logo, esta lei esbarra na dificuldade de se definir o que são obras de conservação. Basta pintar o prédio? Ou lavar a fachada? É obrigatório intervir no telhado?
Mais importante, basta alguém passear-se pelo centro de qualquer cidade do país (nem é preciso falar do Porto ou de Lisboa), para se perceber a ineficácia dessa lei. É assustadora a quantidade de prédios devolutos que se podem encontrar, os quais manifestamente não cumprem essa lei. São por todos conhecidas as notícias de derrocadas em alguns desses prédios.
Ao fazer esta analogia feliz, o Presidente da República deu logo a perceber qual será a eficácia dessa lei. Se não há fiscalização sobre o estado de conservação de prédios urbanos, à vista de toda a gente, que fiscalização haverá em relação às matas?
Adicionalmente, muito se tem falado da limpeza das matas privadas. Segundo o Presidente, estas serão 90% da nossa floresta. No entanto, este ano arderam zonas de reserva natural, como na Serra da Estrela, no Alvão ou Montezinho (apenas para dar alguns exemplos). De toda a área ardida, que percentagem pertence ao Estado? Este só poderá dar-se como exemplo se essa percentagem for muito menor do que a proporção que detém da nossa floresta. Gostaria de conhecer esse número, que ainda não vi na comunicação social.
(Ricardo Prata)
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Lê-se no EXPRESSO-online: «O Presidente da República, Jorge Sampaio, defendeu hoje (...) a possibilidade de tornar coerciva a limpeza das florestas»
Lê-se na TSF-online: «O ministro da Administração Interna afirmou, esta quarta-feira, que já existe legislação sobre limpeza coerciva de matas»
II
NO fim-de-semana passado visitei algumas aldeias em zonas pobres, flageladas pelo fogo. A propósito da limpeza das matas, aqui fica um apontamento para reflexão, que vem no seguimento de uma demorada conversa que tive com uma pessoa que está longe de ser caso-único:
Uma senhora de 82 anos (a média de idades, nessa e noutras aldeias em redor, é superior a 70), viúva, vive sozinha e tem 18 pequenas parcelas espalhadas por MUITOS quilómetros em redor: cinco oliveiras aqui, 20 pinheiros ali...
Dantes, só para ir e vir, de burro, a algumas delas, demorava um dia inteiro. Hoje, nem sequer lá vai, pois não tem carro, nem burro, nem idade nem saúde para isso. Ou seja: se, neste momento, arderem essas propriedades (e a maioria já ardeu), ela só sabe disso um ou dois dias mais tarde... e se souber.
Pessoas como ela (a maioria das quais vive sozinha) não têm forças nem dinheiro para fazer limpezas nenhumas - e garanto que bem gostariam, não precisariam de as obrigar!
Mesmo que pudessem pagar (com ou sem subsídios), não há, na região, gente para isso, como também não há para as vindimas, para a apanha-da-azeitona, para o pastoreio, etc.
Entretanto, Governo e PR hão-de, talvez, chegar a acordo sobre as leis... que já existem.
(C. Medina Ribeiro)
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É a fuga em frente.Já se estava á espera desta imputação.É fácil, é indistinta, porque os proprietários são muitos, desorganizados,sem voz,são pessoas idosas abandonadas nas suas aldeias...uma imputação vergonhosa do PR e do Governo...mas já se estava á espera,aliás já se tinha antecipado em muitos blogs, ( ver Blasfémias ) o caldo de cultura de resresponsabilização, e a preparação para as perseguições fiscais, as inevitáveis penhoras e as expropriações de terrenos para outros usos que não os agricolas. Vergonhosa também a colagem do comentador Vitorino á versão governamental dos malandros proprietários Aliás é muito português esta tendência, de perseguir os malandros dos proprietários, quando dá jeito, só manifesta a inveja e a mesquinhez , já foi assim em 75, e está outra vez na ordem do dia, levanta os piores instintos daqueles que adoram ver o sofrimento dos outros...e que vivem confinados um T1 enrrascados com o emprestimo a 40 anos...e o Governo sabe jogar bem com isso ...aliás o PS sempre foi genial a gerir essa coisa tão portuguesa da inveja. Uma questão de falta de prevenção e vigilância ferréa das florestas degenera em processos de intenção desresponsabilizantes por parte de alguem que esteve ausente, algures, a ouvir os U2, enquanto os portugueses sofriam...é uma lástima. É preciso pois estar muito atento ao futuro , nada surge por acaso.As queimadas de 2003 e 2004 deve ter servido no interior para o desbaste das matas,para a plantação de ventoinhas em condições mais favoraveis de preço para compra ou arrendamento dos prédios rústicos, devem ter servido também para intervenções especulativas em zonas de grande potencial turistico , como o interior algarvio, ou o litoral alentejano...sim porque lá no interior a agricultura é só para vinha, e o resto são potenciais resort`s e spa`s para velhos europeus a fugir á Turquia ou ao Califado de Hamburgo ( ver Visão da semana passada).São as tais "window oportunitys". Ainda devem ter servido para enriquecer os vendedores e prestadores de serviços de combate a fogos. Já existe disposição legal para limpeza á volta dos aglomerados urbanos e isso é perfeitamente exequivel e razoável (50 metros). Agora querem que os velhotes, sem posses, vão dentro das courelas ,limpar os matos ( se calhar arrestar lebres e melros), é coisa de um irrealismo que brada aos ceús. Como se isso resolvesse o problema.Então se a esmagadora maioria dos incêndios ocorrem ás 2 ou 3 horas da manhã , em locais ermos e em 5 ou 6 sítios distintos ??. Há sim uma manifesta incapacidade e bom senso na analise e prevenção da situações.E também uma falta de competencia...bastou ver o ar dos nativos quando os policias-bombeiros da Germania chegaram lá e arregaçaram as mangas e apagaram os fogos, tipica atitude de basbaque tuga. Não há é real interesse em resolver o problema pelos meios mais correctos da prevenção e vigilância mais adequada humana e tecnologica.
(António Carrilho)
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De acordo…as medidas apresentadas relativamente à limpeza coerciva das matas são irrealistas no contexto actual e ficarão encerradas no capitulo das boas intenções em que somos todos tão pródigos a produzir!
E então? Quer dizer que isto é uma questão insolúvel?
Fala-se da necessidade da mobilização da sociedade civil, da exigência de medidas exequíveis por parte dos responsáveis. Diz-se que é tempo de deixarmos de ter esta visão dos incêndios como uma fatalidade natural de periodicidade anual. Mas...e os técnicos desta área já se pronunciaram? Inquieta-me saber que os experts florestais, associados à gestão e conservação, controle de fogos e afins, não tenham nada para dizer!...temos várias escolas de engenharia florestal, criaram-se agências, fazem-se estudos sobre as zonas em risco, fazem-se inventários do coberto vegetal e nada se conclui sobre a possibilidade de medidas preventivas? que tipo de informação produzem estes técnicos? Qual a sua validade? Não deveriam ser estes estudos a base para qualquer acção a tomar?