ABRUPTO

28.8.05


NUM CEMITÉRIO ALENTEJANO AO CAIR DA TARDE

Um primeiro vento fresco anuncia levemente o Outono. Só um pouco fresco, tornando o ar tépido, ligeiro. O cemitério é muito pequeno, à volta de uma capela com portas de madeira carcomidas, a pintura já se foi há muito. O muro de trás foi derrubado para ampliar o cemitério para o dobro. Quantas campas? Cinquenta, oitenta? Não mais.

Silêncio. O vento. Os muros caiados com aquele branco obsessivo do Alentejo, parecem ter sido feitos uma mão abaixo dos campos em volta, uma planície ondulada, castanha, com as árvores solitárias aqui e ali. Junto às campas o muro não deixa ver mais do que o traço castanho, o verde-escuro das copas. Os mortos não podem ver nada, deitados. Devem ter desejado ser assim, descansarem da terra que os roeu em vida e comeu em mortos. Não querem ver nada. Ficam com o Sol de dia e com aquelas estrelas que brilham com cores nos céus intactos de luz.

Nos cemitérios pensam-se coisas estranhas. Nos cemitérios, nos quartos de hotel. Pensamentos de planície, neste caso, diferentes dos pensamentos de montanha, mais agressivos. Pensei: estão aqui enterrados aqueles sobre os quais tanto escrevi. Estavam, com nomes que não enganam ninguém: Cardador, Pisco, Bicho, Salsinha, Piteira, Ganhão. Trabalhadores. Trabalhadores rurais. Trabalhadores rurais alentejanos. Gente dura, fechada, teimosa, perigosa. Bons soldados na guerra colonial, corajosos e cruéis. Gente de quem os patrões desconfia. Gente de navalha. Poucas falas, canto em coro. Compactos pela fome ancestral e pelo trabalho pouco e duro. Gente que anda a pé, pensa poemas, que dita aos outros para escrever. Coisas simples.

Pensei: estão aqui enterrados aqueles sobre os quais tanto escrevi. Será que os mereço?

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© José Pacheco Pereira
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