ABRUPTO

31.7.05


COISAS DA SÁBADO

UM OLHAR ÚNICO

Há já algum tempo li um comentário num blogue muito de direita sobre o escândalo que seria haver um Museu do Neo-Realismo. Para além do facto, evidentemente desprezível, de terras como Vila Franca de Xira terem construído muita da sua identidade na imagem que delas deram os autores e a mundividência do neo-realismo, ou, se quiserem, da condição operária, ou mesmo da experiência do comunismo, (no caso de Vila Franca de Xira, comunismo mais touros) e que por isso seja natural ter um Museu do dito, o que pesava nesse comentário era muita ignorância e a displicência que essa ignorância dá à política transformada em anátema..

A maioria da nossa poesia, ficção, pintura, etc, neo-realista é má, como é má a maioria da nossa escrita romântica, o nosso teatro em geral, a nossa música nacionalista, por aí adiante. Sobre a qualidade e os dilemas estéticos do neo-realismo português escreveu melhor do que ninguém e no tempo certo, insisto no tempo certo, Eduardo Lourenço.

Mas não é esse o ponto. O ponto é soberbamente demonstrado pela notável série televisiva que tem passado na 2, em que Scorsese, um realizador ianque de Hollywood, tão naturalmente anticomunista que não precisa de o enunciar, fala do cinema neo-realista italiano, com um "afecto" que deixaria possessos os nossos sectários políticos. O ponto é que há no neo-realismo, português também, um olhar único, um momento de revelação de um Portugal real em que a maioria dos portugueses viviam, mas que não existia para o Portugal nacionalista. Não existia e pelos vistos não existe. Se não tivesse encontrado o olhar de Pomar, ou de Carlos de Oliveira, ou de Lopes Graça, olhar esse muito para lá dos cânones estreitos da estética oficial do próprio neo-realismo, não existiria. Como os pescadores da A Terra Treme de Visconti ou os "inúteis" de Fellini, ou os derrotados alemães da Alemanha, Ano Zero de Rossellini.

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OUVINDO JIM REEVES


Put your sweet lips a little closer to the phone
Let's pretend that we're together all alone.
I'll tell the man to turn the jukebox way down low.
And you can tell your friend there with you, he'll have to go.

Whisper to me, tell me do you love me true
Or is he holding you the way I do.
Though love is blind, make up your mind
I've got to know.
Should I hang up or will you tell him he'll have to go.

You can't say the words I want to hear
While you're with another man
Do you want me answer yes or no
Darlin' I will understand.

Put your sweet lips a little closer to the phone
Let's pretend that we're together all alone.
I'll tell the man to turn the jukebox way down low.
And you can tell your friend there with you, he'll have to go.

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COISAS SIMPLES


Robert Morris, Canvas Back

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EARLY MORNING BLOGS 565

Reginaldo

- «Reginaldo, Reginaldo,
Pajem de el-rei tão querido,
Não sei porque, Reginaldo,
Te chamam o atrevido.»
- «Porque me atrevi, senhora,
A querer o defendido.»
- «Não foras tu tão cobarde
Que já dormiras comigo.»
- «Senhora zombais de mim
Porque sou vosso cativo.»
- «Eu não no digo zombando,
Que deveras te lo digo.»
- «Pois quando quereis, infanta,
Que vá pelo prometido?»
- «Entre las dez e las onze
Que el-rei não seja sentido.»
Inda não era sol-posto,
Reginaldo adormecido;
As dez não eram bem dadas,
Reginaldo já erguido.
Calçou sapato de pano,
Que de el-rei não fosse ouvido,
Foi-se à câmara da infanta,
Deu-lhe um ai, deu-lhe um gemido.
- «Quem suspira a essa porta,
Quem será o atrevido?»
- «É Reginaldo, senhora,
Que vem pelo prometido.»
- «Levantai-vos minhas aias,
Que assim Deus vos dê marido!
E ide abrir mansinho a porta
Que el-rei não seja sentido.»
Vela o pajem toda a noite...
Por manhã é adormecido;
Chamava o rei que chamava
Que lhe desse o seu vestido:
- «Reginaldo não responde,
Alguma tem sucedido!
Ou está morto o meu pajem
Ou grande traição há sido.»
Responderam os vassalos
Que tudo tinham sentido:
- «Morto não é Reginaldo,
De sono estará perdido.»

Vestiu-se el-rei muito à pressa,
E leva um punhal consigo.
Vai correndo sala e sala,
Abrindo porta e postigo,
Chega ao camarim da infanta,
Entrou sem fazer ruído.
Dormiam tão sossegados
Como mulher e marido.
De nada do que se passava
De nada davam sentido.
Acudiram os vassalos,
Que viram a el-rei perdido:
- «Nunca Vossa Magestade
Mate um homem adormecido.»
Tira el-rei seu punhal de oiro,
Deixa-o entre os dois metido,
O cabo para a princesa,
Para Reginaldo o bico.
Ia-se a virar o pajem,
Sentiu cortar-se no fio:
- «Acorda já, bela infanta,
Triste sono tens dormido!
Olha o punhal de teu pai
Que entre nós está metido.»
- «Cal'te daí, Reginaldo,
Não sejas tão dolorido;
Vai já deitar-te a seus pés,
Que el-rei é bom e sofrido.
Para o mal que temos feito
Não há senão um castigo;
Mas se el-rei mandar matar-te,
Eu hei-de morrer contigo.»
- «Donde vens, ó Reginaldo?»
- «Senhor, de caçar sou vindo.»
- «Que é da caça que caçaste,
Reginaldo o atrevido?»
- «Senhor rei, da caça venho,
Mas não a trago comigo;
Que o trazer caça real
A vassalo é defendido.
Só vos trago uma cabeça,
A minha: dai-lhe o castigo.»
- «Tua sentença está dada,
Morrerás por atrevido.»
Vedes ora o bom do rei
Dando voltas ao sentido:
- «Se mato a bela infanta,
Fica o meu reino perdido...
Para matar Reginaldo,
Criei-o de pequenino...
Metê-lo-ei numa torre
Por princípio de castigo.
- «Dizei-me vós, meus vassalos,
Pois tudo tendes ouvido,
Que mais justiça faremos
Neste pajem atrevido?»
Respondem os condes todos,
E muito bem respondido:
- «Pajem de rei que tal faz,
Tem a cabeça perdido.»

Já o metem numa torre,
Já o vão encarcerar.
Mas ano e dia é passado,
E a sentença por dar.
Veio a mãe de Reginaldo
O seu filho a visitar:
- «Filho, quando te pari
Com tanta dor e pesar,
Era um dia como este,
Teu pai estava a expirar.
Eu coas lágrimas nos olhos,
Filho, te estava a lavar;
Cabelos desta cabeça
Com eles te fui limpar.
E teu pai já na agonia,
Que me estava a encomendar:
Enquanto fosses pequeno
De bom ensino te dar,
E depois que fosses grande
A bom senhor te entregar.
Ai de mim, triste viúva,
Que te não soube criar!
A el-rei te dei por amo,
Que melhor não pude achar:
Tu vais dormir coa infanta
De teu senhor natural!
Perdeste a cabeça, filho,
Que el-rei ta manda cortar!...
Ai! meu filho, antes que morras,
Quero ouvir o teu cantar.»
- «Como hei-de cantar, mi madre,
Se me sinto já finar?»
- «Canta, meu filhinho canta,
Para haver minha bênção,
Que me estou lembrando agora
De teu pai nesta prisão.
Canta-me o que ele cantava
Na noite de São João;
Que tantas vezes mo ouviste
Cantar co meu coração.»

- «Um dia antes do dia
Que é dia de São João,
Me encerraram nestas grades
Para fazer penação.
E aqui estou, pobre coitado,
Metido nesta prisão,
Que não sei onde o Sol nasce,
Quando a Lua faz serão.»
De suas varandas altas
El-rei andava a escutar;
Já se vai onde a princesa,
Pela mão a foi buscar:
- «Anda ouvir, ó minha filha,
Este tão lindo cantar,
Que ou são os anjos no Céu,
Ou as sereias no mar.»
- «Não são os anjos no Céu,
Nem as sereias no mar,
Mas o triste sem-ventura
A quem mandais degolar.»
- «Pois já revogo a sentença,
E já o mando soltar;
Prende-o tu, infanta, agora,
Pois contigo há-de casar.»

(Almeida Garrett)

*
Bom dia!

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30.7.05


NATUREZA MORTA DE NOITE COM VENTO

À esquerda, pela primeira vez um espaço vazio. Havia as folhas de um capítulo de um livro, mas estão a ser corrigidas noutro sítio. Ficou um vazio inabitável, arrumado. Quase arrumado. Por baixo, havia pouca coisa: um post-it com uma morada, duas agendas antigas que vieram num espólio. Uma de 1967 está vazia e com excepção da assinatura do dono não parece ter nada escrita. Na capa diz licores Mala Posta.

A outra é vermelha e tem um nome estranho: “Agenda Quadrimensal de Medicina Internacional” e é de 1931. Não sei como foi parar a este espólio em que não encaixa. Encontrei-a no chão, entre recortes quase a desfazerem-se e revistas Sinal. Na agenda, escritas em tinta castanha e numa letra muito pequena estão números de telefone, recados, datas. Uma agenda de um médico? Talvez. Entre os nomes, quase todos os grandes médicos portugueses. Todos mortos. Uma tesoura, um agrafador, uma lupa, cinco zips, uma máquina fotográfica, três canetas. Um ecrã com este texto. Um espelho côncavo. Um azulejo de Delft. Uma mão. Duas mãos. Um rato sobre azul. Mais simplicidade do que o costume. Menos caos. Um ramo de flores secas. Um ponto de luz que brilha ao longe. Mais um Agosto, o mês menos interessante. Vento.

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INTENDÊNCIA

Actualização dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

Actualizado
MICRO-CAUSAS:
PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MAIS UM! MAIS UM!


planeta da nossa família próxima.

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DOIS SUPLEMENTOS LITERÁRIOS

À memória de O Comércio do Porto

Os materiais preciosos que estão dispersos, esquecidos e ignorados nos Suplementos Culturais dos jornais diários, dariam uma luz nova à nossa tão ignorada história cultural do século XX. Eu cresci com eles e é hoje difícil perceber a ansiedade com que se esperava em cada número a continuação de uma polémica, ou um outro artigo de uma série, ou uma crítica de um autor que se lia sempre. Nas características de um mundo dominado pela censura, eram uma das raras formas vivas de acompanhar o que se passava e ter uma actualização quanto a ideias, livros, autores e pintores. Esses suplementos eram exigentes quanto às colaborações e os textos publicados eram de grande qualidade. Um verdadeiro “quem é quem” da nossa cultura por lá passou.

Eu lia regularmente (e coleccionava, ainda os tenho) os Suplementos do Diário de Lisboa, do Diário Popular, e no Porto, os de O Comércio do Porto e do Primeiro de Janeiro. No dia em que acaba O Comércio do Porto, recordo o seu suplemento cultural, parcialmente editado em vários volumes sob o título de Estrada Larga, dirigido por Costa Barreto, uma daquelas personagens que não merecia o esquecimento. Nele colaborei em parceria com Óscar Lopes, uma semana um, uma semana outro, fazendo “crítica” fugaz a vários ensaios de história, filosofia, e “ideias”. Depois, a censura e a vida atribulada levaram-me a romper essa colaboração, como também a do Jornal de Notícias. O que eu queria dizer, era impossível já escrevê-lo.

Os Suplementos do Porto, em particular os do Comércio e do Janeiro, estão cheios de excelentes críticas, notas, artigos, o do Comércio excessivamente sisudo com a sua paginação antiga, as letras góticas a pesarem. O do Janeiro era pelo contrário alegre, com uma rara mancha de cor amarela e vermelha nos jornais de então. Os dois jornais eram pilares da burguesia ilustrada do Porto, a única em Portugal que parecia vir das páginas da “ética protestante” de Weber

Sem O Comércio do Porto, o Porto é menos Porto.

*

(Para se ter uma ideia do que foi o jornal vejam-se estas fotos no Vilacondense,)

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MICRO-CAUSAS:
PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?

No Bloguítica. no Blasfémias , no Ciberjus , no Von Freud , na Grande Loja do Queijo Limiano, no [ai-dia], no A destreza das dúvidas , no crackdown, no ContraFactos & Argumentos , n' A Esquina do Rio , no Almocreve das Petas, no Um prego no sapato, no ...bl-g- -x-st-, no sorumbático, no Portuense, no ABnose, no Portugal dos Pequeninos, no Teoria da Suspiração, no A Baixa do Porto, e noutros que não pude recensear, também se apoia esta divulgação. Alguém informe os senhores ministros, Primeiro-ministro, da Economia e das Obras Públicas, que estes blogues são, no seu conjunto, mais lidos do que alguns jornais, e que mais cedo do que tarde, o mesmo pedido SFF chegará aos jornais, porque os movimentos na blogosfera são notícia, e porque é da mais límpida exigência democrática saber quais os fundamentos de tão importantes decisões.

Acresce que o pedido está longe de ser apenas para os documentos eventualmente produzidos por este governo, mas também para os anteriores, porque o melhor é mesmo conhecer o processo de decisão ou de não-decisão, completo. Torno a lembrar que não concebo que estes documentos não estejam a não ser em suportes digitais, pelo que a sua colocação em linha pode ser quase imediata, nas boas práticas de uma administração aberta.

Também é útil saber se há razões para que os documentos não sejam divulgados. Dou o benefício da dúvida, mas gostava de as conhecer, e esse é o esclarecimento mínimo que é exígivel.

Por último, o Abrupto não é o sítio ideal para se discutirem as razões técnicas sobre a OTA (e outros investimentos como o TGV, Sines, etc.). Existem já blogues com essa intenção, tomando partido na questão, e , a julgar pelas sugestões de leitores como Rogério Paulo Matos do Insustentável, outros surgirão.

*

Um documento , entre muitos, já disponível, de autoria de Miguel Geraldes Cardoso:
Em 2003 foi posta a Consulta Pública um documento de impacto ambiental do aeroporto aos munícipes do Concelho de Alenquer. Como engenheiro tinha estado no grupo de trabalho de estudo prévio do aeroporto e respondi à Consulta, resposta que anexo ( aeroporto.DOC.) A resposta é datada mas talvez tenha interesse.
*

Alguns estudos que já estão em linha referenciados aqui.

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COISAS COMPLICADAS


Lucian Freud, The Egyptian Book

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EARLY MORNING BLOGS 564

Portugal


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...


(Alexandre O'Neill)

*

Bom dia!

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29.7.05


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: ÁGUA, ÁGUA, ÁGUA EM MARTE


(Vale a pena alargar a imagem aqui.)

Ainda iremos lá bebe-la. Fresca e pura. Quando cá faltar. Já não falta muito.

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MICRO-CAUSAS:
PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?

No Bloguítica.no Blasfémias , no Ciberjus , no Von Freud , na Grande Loja do Queijo Limiano, no [ai-dia], no A destreza das dúvidas , no crackdown, no ContraFactos & Argumentos , n' A Esquina do Rio , no Almocreve das Petas, no Um prego no sapato, no ...bl-g- -x-st-, no sorumbático, no Portuense, e noutros que não pude recensear, também se apoia esta divulgação. A causa é micro, mas é mais que justa e não pode ser considerada "contra" o governo. Bem pelo contrário, se o fizer, e podermos perceber melhor como se formou a decisão do governo nos seus aspectos técnicos, este sai reforçado.

O Ministro da Economia, que acompanha a blogosfera, tem aqui uma oportunidade para concretizar um dos aspectos desejáveis do "plano tecnológico": uma melhor democracia, mais esclarecida, usando as possibilidades de audiência, acessibilidade e livre análise da rede.

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MICRO-CAUSAS:
PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?

"Respeito muito os signatários, mas há sociedades que valorizam mais a especulação e a análise, enquanto outras valorizam mais a busca de soluções." (Manuel Pinho, Diário Económico, 28-07-07)

Todos nós ficaríamos mais informados e poderíamos discutir melhor, aceitando inclusive as razões do governo para tão vultuoso e controverso investimento. Não há nada a temer pois não? Não há segredos de estado, pois não? Não há razões para não se conhecerem, pois não? Até já deviam estar na rede. Eles devem estar feitos em suporte digital, é suposto. Por isso, ainda hoje podem ficar em linha, ou este fim-de-semana. Não há razões para demora.

Sugiro também, para no governo se ouvir melhor, que outros blogues e mesmo os meios de comunicação social possam todos os dias repetir a pergunta, o pedido, até ele ter a única resposta razoável. SFF.

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COLECCIONADOR DE EFEMERA:
FRAGMENTOS DE PORTUGAL NO SEU MELHOR


A esperança em estado impuro. As longas filas soviéticas nas tabacarias para entregar os papelinhos para ganhar o Euromilhões. Sofrimento do comprador dos jornais.



A vingança em estado puro. O tanque dos piranhas do Circo Cardinale onde “uma jovem mergulhadora dará de comer carne crua aos terríveis peixes piranhas”. Cuidado, inimigos do Circo Cardinale!



A simplicidade em estado puro. Uma das partes da “palavra” que penso ter sempre percebido bem é a da “simplicidade” que leva ao Reino dos Céus. Mas ainda me espanto quando a vejo em acto, quando alguém me chama para saber qual é o “plano de Deus para a tua vida” e o faz a sério. A sério, mesmo, e com estacionamento gratuito.

(Continua)

*

Relativamente ao texto «FRAGMENTOS DE PORTUGAL NO SEU MELHOR», mais precisamente no que se refere ao euromilhões: sabe o que é que o biólogo francês Albert Jacquard chama a este tipo de coisas? Imposto sobre o desespero.
(José Carlos Santos)
*

Tomando como referencial da mensagem acerca de um Culto Evangélico, um folheto de convite, JPP viu o «invisível» – que é do domínio da Fé . A simplicidade em estado puro. E muito bem fez um comentário «hermenêutico» sobre a dita simplicidade que leva ao Reino dos Céus. E é verdade. Foi o próprio Senhor Jesus Cristo que o afirmou.
Relativamente ainda ao evento anunciado no folheto «Está Convidado», uma nota apenas. Trata-se de um convite para assistir ao Culto Evangélico de domingo à tarde na Assembleia de Deus do Funchal. Na Madeira, afinal, não há défice democrático em relação aos Evangélicos, eles não são com certeza considerados próximos dos «talibans», nem dos «fundamentalistas» que em nome de um ícone islâmico ( não de Deus ou de Allá) espalham o terror. Nunca ouvi o Alberto dizer isso, mas já ouvi o Mário dizê-lo. Por isso receio que se o Mário ganhar as presidenciais, folhetos como aquele possam estar sob suspeita.
(João Tomaz Parreira)

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COISAS SIMPLES / COISAS COMPLICADAS


Nan Goldin, Twilight at the Arena (Arles)

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CANDIDATOS PRESIDENCIAIS E FUNÇÃO PRESIDENCIAL

(Artigo do Pùblico de ontem.)

Quando soube que Mário Soares se preparava para ser candidato presidencial, a notícia surpreendeu-me. Não devia. Várias vezes perguntado, durante o período de activismo anti-Bush mais agudo de Soares, sobre se “será que ele quer mesmo ser Presidente outra vez?”, eu respondia qualquer coisa como isto: “se achar que pode ter um papel decisivo, como seja tirar agora a GNR do Iraque, ele concorre de certeza”. Agora vejo que me enganei não na possibilidade mas sim no “decisivo”. Ou seja, Soares concorre não porque haja qualquer coisa “decisiva” que justifique a sua candidatura, mas para servir uma vontade de poder e pretensões intervencionistas, que deviam incomodar em primeiro lugar Sócrates e o seu governo.

Soares concorre porque não lhe passa pela cabeça qualquer partilha do poder socialista. Ele é um homem de partido, com uma cultura jacobina do poder, quer no estado, quer no partido, e pouco propício a partilha-la com quem acha que não é da família ou da tribo. Nesta pulsão reconhece-se o mesmo Soares que empurrou o grupo socialista do Parlamento Europeu para uma estratégia do “tudo ou nada”, e que o levou ao “nada”. Depois, quando perdeu, chamou com despeito “dona de casa” à sua concorrente, que ainda por cima era uma mulher. O mesmo tipo de atitude existe para um Cavaco que ele achará sempre que é um parvenu na “sua” democracia. Para ele seria uma quase afronta que Cavaco fosse Presidente, no lugar que foi o seu, e “mandasse” no PS. Irritava-o o que achava ser uma complacência dos socialistas perante a inevitabilidade de Cavaco. Convenceu-se que só ele o pode impedir, e não desdenha mostrar essa capacidade salvífica combatendo para o evitar, o que aliás é mérito seu, porque combativo será sempre.

Mas, se este factor, quase de repulsa por poder ter um estranho na “sua” casa, o motiva, ainda mais o motiva poder pôr na ordem o PS e encaminha-lo para uma esquerda mais radical, “social” no sentido anti-capitalista, anti-globalizadora, anti-americana e gaullista-europeista extremada, que é o núcleo duro do seu pensamento actual. Ironicamente, para quem meteu o socialismo na “gaveta”, o seu pensamento económico, ou melhor, a sua ideologia económica, é hoje claramente anti capitalista e o apoio que dá aos movimentos anti-globalização, simbolizados no fórum de Porto Alegre, e que representam hoje o “socialismo terceiro-mundista” que combateu no passado, tem poucas nuances. Soares é hostil às políticas de liberalização da OMC, combateria aquilo a que chama “capitalismo selvagem” e a “dominação” do globo pelo “pensamento único”, pelo “neo-liberalismo”, ou seja, a mundialização da economia de mercado que o fim do “socialismo real” permitiu.

Soares apoiaria um eixo Paris-Berlim-Moscovo e deseja uma Europa federada, uns Estados Unidos da Europa mesmo que sem este nome, uma Europa que se dotasse dos meios de defesa e intervenção que lhe dessem capacidade para se medir com a super potência americana. O seu ideal seria uma Europa armada que substituiria o lugar da URSS como a outra super potência, e com uma política externa essencialmente de contenção anti-americana. Faria tudo para combater o “império”, ou seja os EUA, e para o isolar e condenar sob todas as formas nas instituições internacionais, apoiaria a retirada imediata ou quase das tropas da coligação e da NATO do Afeganistão e no Iraque. Por aí adiante.

Ora, quem tem este programa em Portugal é o Bloco de Esquerda e não o PS e se isso não soa o alarme no governo, é porque perderam qualquer capacidade analítica e não têm ouvido e lido Mário Soares nos últimos anos. Nestes anos, Soares não tem feito outra coisa que não seja tentar influenciar o PS com todos os meios ao seu alcance. Apoiou a candidatura de João Soares, elogiou Alegre, atacou Guterres, Gama e Sócrates, manifestou múltiplas vezes o seu descontentamento com todas as políticas seguidas que lhe pareciam ir noutro sentido diferente do seu. Os elogios ao BE não foram circunstanciais, mas substantivos. Não é concebível, a não ser por fraqueza ou por má fé, a convicção da derrota de Soares, que Sócrates não tema um Soares intervencionista, como o será mais que nunca, na Presidência.

Contrariamente ao que se ouve por aí, penso que a candidatura de Mário Soares é uma boa notícia para Cavaco Silva, saiba este e os seus perceberem que a dicotomia que a candidatura do PS suscita é a da estabilidade / instabilidade. Cavaco Silva pode ser, de forma bem mais credível, o referencial de estabilidade para a Presidência que Soares não será. Para o ser não precisa de abdicar nem de um átomo, do seu pensamento sobre a função presidencial, formado exactamente em resposta ao intervencionismo de Soares. Quando Soares, no seu segundo mandato, se comportou como Eanes, fazendo tudo para derrubar o governo e para criar um ambiente de usura e hostilidade, Cavaco reagiu falando de “forças de bloqueio”. A expressão tinha ambiguidades, mas a verdade é que tudo aquilo que na altura o PSD apontou como “forças de bloqueio” veio mais tarde a ser entendido por todos, a começar pelo PS e pelos seus governos, como sendo de facto “forças de bloqueio”, embora nunca as nomeando como tal.

Cavaco Silva, sendo o primeiro a governar Portugal com um governo de maioria, e pelo seu perfil executivo, desenvolveu uma compreensão dos problemas de governabilidade de que ele foi sempre um defensor activo, contra as contínuas perturbações que Soares instigava todos os dias. A sua frase, às vezes incompreendida e mal interpretada, de que a ganhar as eleições preferia que um partido qualquer, o PS inclusive, o fizesse com maioria absoluta, vai nesse sentido. Ele sempre defendeu governos de maioria parlamentar, que cumprissem os tempos plenos do seu mandato e que pudessem, no respeito da lei e das instituições equilibradoras, cumprir os seus programas eleitorais. Num momento de crise económica e social como o que atravessamos, será sempre avesso a introduzir factores de perturbação, mesmo que não concorde com as políticas do governo socialista. Ele sabe, melhor do que ninguém e certamente melhor do que Soares, que nesse teste já chumbou, que na Presidência não se governa.
Duvido que o seu pensamento quanto ao exercício das funções presidenciais seja diferente destas suas posições no passado, e que as suas posturas mais recentes só o confirmam. Se tivermos Soares versus Cavaco, será este o dilema central das eleições.

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EARLY MORNING BLOGS 563

Table de sagesse



Pierre cachée dans les broussailles, mangée de limon, profanée de fientes, assaillie par les vers et les mouches, inconnue de ceux qui vont vite, méprisée de qui s'arrête là,

Pierre élevée à l'honneur de ce Modèle des Sages, que le Prince fit chercher partout sur la foi d'un rêve, mais qu'on ne découvrit nulle part

Sauf en ce lieu, séjour des malfaisants : (fils oublieux, sujets rebelles, insulteurs à toute vertu)

Parmi lesquels il habitait modestement afin de mieux cacher la sienne.

(Victor Segalen)

*

Bom dia!

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28.7.05


COISAS COMPLICADAS


André Kertész, Praça Bocskay, Budapeste

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EARLY MORNING BLOGS 562

Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.

Simplesmente não há palavras.


(Clarice Lispector)

*

Bom dia!

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27.7.05


COISAS SIMPLES


Georgia O'Keeffe, Barn Rooftops

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EARLY MORNING BLOGS 561

Scrambled Eggs and Whiskey

Scrambled eggs and whiskey
in the false-dawn light. Chicago,
a sweet town, bleak, God knows,
but sweet. Sometimes. And
weren't we fine tonight?
When Hank set up that limping
treble roll behind me
my horn just growled and I
thought my heart would burst.
And Brad M. pressing with the
soft stick and Joe-Anne
singing low. Here we are now
in the White Tower, leaning
on one another, too tired
to go home. But don't say a word,
don't tell a soul, they wouldn't
understand, they couldn't, never
in a million years, how fine,
how magnificent we were
in that old club tonight.

(Hayden Carruth)

*

Bom dia!

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26.7.05


CANDIDATURAS PRESIDENCIAIS - A IDADE

O mais estúpido dos argumentos contra Soares é a idade (será que a apologia publicitária e mediática da juventude nos faz esquecer que vivemos numa sociedade de velhos?). Não é a idade, é a política!

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LENDO OS JORNAIS: FINALMENTE SEI O QUE É A SOCIEDADE CIVIL

Segundo o Público, que consultou a dita "sociedade", esta é constituída por: Pedro Abrunhosa, a piloto todo-terreno Elisabete Jacinto, o fadista Camané, a professora Eduarda Dionísio, Eduardo Prado Coelho, Margarida Martins, Presidente da Abraço, Lúcia Sigalho, actriz, Pedro Mexia, publicista, Luís Represas, cantor e compositor, Julião Sarmento, pintor, Sobrinho Simões, médico e professor, Joaquim Gomes, director da Volta.

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COISAS SIMPLES


Nobuyoshi Araki

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EARLY MORNING BLOGS 560

MONSTRUOS


Qué vergüenza
carezco de monstruos interiores
no fumo en pipa frente al horizonte
en todo caso creo que mis hueso
son importantes para mí y mi sombra
los sábados de noche me lleno de coraje
mi nariz qué vergüenza no es como la de Goethe
no puedo arrepentirme de mi melancolía
y olvido casi siempre que el suicidio es gratuito
qué vergüenza me encantan las mujeres
sobre todo si son consecuentes y flacas
y no confunden sed con paroxismo
qué vergüenza diosmío no me gusta Ionesco
sin embargo estoy falto de monstruos interiores
quisiera prometer como Dios manda
y vacilar como la gente en prosa
qué vergüenza en las tardes qué vergüenza
en las tardes más oscuras de invierno
me gusta acomodarme en la ventana
ver cómo corre la llovizna corre a mis acreedores
y ponerme a esperar quizás a esperarte
tal como si la muerte fuera una falsa alarma.

(Mario Benedetti)

*

Bom dia!

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25.7.05


INTENDÊNCIA

Alimente o geógrafo que há em si, na actualização da nota BIBLIOFILIA: GRANDES CAPAS.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O SOM DE SATURNO



O som de Saturno pode ser ouvido aqui. Não é só cá que as coisas andam estranhas.

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CANDIDATURAS PRESIDENCIAIS – ALGUMAS OBSERVAÇÕES

Este vosso autor foi o último a confrontar eleitoralmente Mário Soares, nas eleições europeias de 1999. Não serve de argumento de autoridade, mas talvez convenha lembrar que, quando Soares anunciou a candidatura, se previu um cataclismo para o PSD. Marcelo Rebelo de Sousa tinha iniciado uma AD com Paulo Portas e tinha escolhido Leonor Beleza para estar à frente da lista das europeias.

Depois tudo mudou, rompeu-se a coligação, Marcelo foi-se embora e fui eu o candidato contra Soares, quando as sondagens davam 18% ao PSD mais o PP e uma mais que maioria absoluta a Soares. O PP avançou com Paulo Portas na sua fase mais radical da palmeta e da pêra-rocha. Soares esgrimiu na campanha a sua quase inevitável ascensão à Presidência do Parlamento Europeu, e apelou a que os portugueses votassem no “Presidente” do Parlamento Europeu.

No fim, o PS ganhou, mas se houve “efeito Soares” como toda a gente antecipava, foi no roubar de votos e deputados ao PP e ao PCP, porque ao PSD não tirou nenhum. O PSD manteve o mesmo número de deputados e esta foi a única eleição, entre várias nesses anos guterristas, em que o PSD não perdeu nem lugares, nem posições. A seguir Mário Soares empurrou o grupo socialista do Parlamento Europeu para uma estratégia suicidária de ou tudo ou nada, que conduziu ao nada.

Digo isto para lembrar que serei certamente o último a “aterrorizar-me” (ridícula expressão) com a candidatura de Mário Soares.

Acrescento que fiz parte do MASP I e II, ou seja que apoiei sempre as candidaturas presidenciais de Mário Soares e há para mim uma diferença essencial entre essas candidaturas e a actual: Soares está hoje longe de ser um candidato que mobilize o mesmo espaço político das suas anteriores candidaturas. Se quisermos utilizar os posicionamentos clássicos, Soares ia buscar votos essencialmente ao centro-esquerda e ao centro-direita e tinha dificuldades entre os comunistas e na direita. Tinha aliás mesmo dificuldades no PS, que só por arrastamento apoiou a candidatura na segunda volta de 1986. Hoje Soares tem mais entusiasmos no BE e nos sectores mais à esquerda do PS (embora Soares se tenha portado mal nestes dias com Alegre), do que no próprio eleitorado moderado do PS.

Quando vierem para cima da mesa as posições ultra-radicais de Soares, expressas nos últimos anos, em directa contradição com as posições do PS, perceber-se-á porque razão digo que Soares é a certeza, insisto, a certeza, da instabilidade política para o governo actual. Não é só a natureza das posições de Soares, é o dogmatismo e a irritabilidade com que as defende. Soares na Presidência não actuará contra o PS, porque tem uma cultura jacobina de partido, mas será frontalmente contra “este” PS. Só não vê quem não quer ver.

(Continua)

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COISAS SIMPLES / AR PURO


André Kertész, Snow Covered Bench, Washington Square Park, Dec. 21

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EARLY MORNING BLOGS 459

The Snow Man


One must have a mind of winter
To regard the frost and the boughs
Of the pine-trees crusted with snow;

And have been cold a long time
To behold the junipers shagged with ice,
The spruces rough in the distant glitter

Of the January sun; and not to think
Of any misery in the sound of the wind,
In the sound of a few leaves,

Which is the sound of the land
Full of the same wind
That is blowing in the same bare place

For the listener, who listens in the snow,
And, nothing himself, beholds
Nothing that is not there and the nothing that is.


(Wallace Stevens)

*

Bom dia!

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24.7.05


CANDIDATURAS PRESIDENCIAIS

Se se confirmar uma candidatura de Mário Soares ela dará de imediato todo sentido a uma eventual candidatura de Cavaco Silva. A candidatura de Soares será o protótipo do intervencionismo presidencial, ao modelo do seu segundo mandato, dominado pela utilização do lugar presidencial para derrubar a todo o custo o governo. Este intervencionismo será agravado pelas posições extremistas de Mário Soares em matérias tão importantes como a política externa, onde Soares está mais próximo do BE do que do PS, ou na economia, onde Soares tem hoje teses anti-capitalistas próximas dos movimentos anti-globalizadores, ou em matéria europeia, em que é um europeísta radical. Com Soares, mesmo para o PS e sobretudo para o governo do PS, a sua candidatura é sinónimo de instabilidade. Cavaco Silva, pelo contrário, é mais sensível ao que é meritório na actual situação: possibilidade de estabilidade política, governo de legislatura, política com elementos de austeridade (ver-se-á se continua...), moderação na política externa.

Soares será o candidato da instabilidade e Cavaco da estabilidade.

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23.7.05


COISAS SIMPLES


P. Caulfield, A Ah! this Life is so everyday

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EARLY MORNING BLOGS 548

Dutch Mistress


A hotel in whose ledgers departures are more prominent than arrivals.
With wet Koh-i-noors the October rain
strokes what's left of the naked brain.
In this country laid flat for the sake of rivers,
beer smells of Germany and the seaguls are
in the air like a page's soiled corners.
Morning enters the premises with a coroner's
punctuality, puts its ear
to the ribs of a cold radiator, detects sub-zero:
the afterlife has to start somewhere.
Correspondingly, the angelic curls
grow more blond, the skin gains its distant, lordly
white, while the bedding already coils
desperately in the basement laundry.


(Joseph Brodsky)

*

Bom dia!

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22.7.05


BIBLIOFILIA: GRANDES CAPAS




É uma grande capa, embora haja qualquer coisa de errado na orientação ou da moça ou do Sol, mas também os astros nunca orientaram ninguém. Parece que orientam, mas não é na geografia de Portugal, deve ser na de lá de fora. Ou então é por ser muito cedo e o Sol a nascer é só para alguns. Mas se é a nascer, não devia estar amarelo em vez de vermelho? Estão a ver por que é que os intelectuais não vão a lado nenhum? E a moçoila - que raio de palavra - vai?

*
A propósito da capa da Geografia Primária não me parece que haja qualquer erro. O nascer e o por do sol são fenómenos semelhantes em que a dispersão de Rayleigh gera aqueles tons avermelhados. Da minha janela virada a nascente vejo frequentemente o sol a nascer sobre a ria e digo-me sempre que o nascer do sol é tão belo quanto o por do sol, só que há poucas pessoas àquela hora com disposição para dar por isso… Além disso a pequena camponesa já no campo ao nascer do sol está bem dentro da ideologia da época….
(João AP Coutinho)
*

Pelo que vejo, "por cima" do Sol, aparece a Lua cheia.
Ora a Lua só está nessa fase quando, no céu, está do lado oposto ao Sol.
(CMR)
*
Além da cor do sol (erro menor), há outro erro: a Lua, estando próximo do Sol (na abóbada celeste) não poderia estar em Lua cheia mas em Lua nova.

Quanto ao resto, pela posições relativas da rosa dos ventos e do sol, pode concluir-se que se está no período em que as noites são maiores que os dias. De outra forma o sol, ao nascer, no horizonte não muito acima da altitude da moçoila, nunca estaria entre leste e sul.

Esta "sapiência", nada tem de especial. É pena que tenha sido aprendida antes do 25 de Abril, algures entre o que hoje são os 5 e 7º anos, e hoje já não o possa ser.
(Henrique Martins)

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A LER

para quem "goste" de informação e do seu tratamento - e sem tratamento não é "informação" -, o a Informação.... Vale a pena, mesmo quando tem no subtítulo uma citação do mais assustador que há.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
POR QUE É QUE MUDOU O TOM?

No ano passado, apesar da situação bem menos grave em matéria de incêndios, não se via reportagem televisiva sobre os mesmos em que não se perguntasse aos bombeiros se achavam que tinham meios suficientes ou às populações afectadas se achavam que o combate estava a ser eficaz (sim, mesmo aos desgraçados que viam as suas propriedades a arder perante os próprios olhos). O resultado destas perguntas era sempre o esperado: um longo desfiar de críticas ao governo.

Este ano, apesar do maior número de incêndios e área ardida, nem uma pergunta sobre "meios". Quando muito, questiona-se a limpeza das matas. Não critico o jornalismo que está a ser feito - pelo contrário, eliminaram-se excessos que eram cometidos sem qualquer conteúdo jornalístico. Mas ficam as dúvidas quanto à bondade das razões que levaram à alteração de registo - que, aliás, é visível em muitas outras matérias.

Ricardo Prata

*

Estava a ver os telejornais e aflige-me o sofrimento das pessoas no interior devido aos fogos.Acho que se abandonou o País, discute-se as ventoinhas, a Ota e Tgv e o país arde.São pessoas humildes que vêm o pouco que têm , consumido em minutos ou horas.É muito triste.Não me lembro de ver coisa assim nesta dimensão ...e um País tão pequeno.Há teorias para justificar a situação que têm que ver com o abandono, a desertificação do interior, a limpeza de matas inexistente ... mas não acredito que uma boa prevenção não podia afastar tanto incêndio.

Pergunto se uma forte vigilância florestal pelas autoridades do Estado, a adequação de politicas de insersão com trabalho comunitário de limpeza das florestas para beneficiários do RSM ou de substituição de penas de prisão por trabalho comunitário, não era mais adequada do que remediar com mais meios EUREUREUREUR para bombeiros , mais EUREUREUREUR negocios de aviões, mais especulação imobiliária EUREUREUREUR nessas zonas ( A Estrela qq dia é resort de neve artificial... e que morram os pastores ). Afinal onde está o Estado que deve proteger as pessoas e seus bens ?

(António Carrilho)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota COISAS IMPORTANTES A QUE NÃO SE LIGA NENHUMA.

Em actualização a bibliografia de 2005 dos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.

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A NOSTALGIA DO “AR LAVADO”


Hockney, Praça Vermelha
(Artigo do Público de ontem, a que acrescentei algumas ligações. O poema "Termidor errado" da ligação não é o citado, que não está em linha, mas um da mesma série.)
As antologias dos “poemas da minha vida” publicadas pelo Público, têm sido pouco comentadas em relação a um dos seus aspectos mais interessantes: a de serem espelhos procurados e faces construídas dos seus autores. Nessas antologias há dois tipos de pessoas: as que são escritores, ou ensaístas e que por isso têm um contacto natural e quase quotidiano com a poesia, como Vasco Graça Moura, Alzira Seixo, Urbano Tavares Rodrigues ou mesmo Miguel Veiga, e as daqueles que são figuras públicas essencialmente pela sua acção política. Neste último caso, o que mais me interessa para este artigo, a escolha não é apenas a dos “poemas da minha vida” mas também as dos “poemas que eu quero enumerar como sendo da minha vida”. Dependendo de uns ou outros casos pessoais, leituras, condição social e habitus, e do sentido de intencionalidade política, essas escolhas oscilam entre a primeira e a segunda fórmula.

Uma das antologias que eu esperava com mais interesse era a de Jerónimo de Sousa (JS), o tipo de pessoas a quem habitualmente não se pergunta quais são os poemas da sua vida, inclusive por racismo social e intelectual, muito mais poderoso na nossa sociedade do que se pensa. As escolhas de JS tinham especial interesse porque da lista dos autores era o único que vinha de outra condição social, um antigo operário industrial, tipo de escolaridade – é o único que não é “doutor” - e com uma vida não muito distinta da sua condição social de origem, ou seja, para usar o eufemismo do costume, “modesta”. As minhas expectativas não saíram goradas e a sua antologia é das mais interessantes quanto não só ao “vivido” dos poemas, como àquilo que ele nos quer dizer ao escolher aqueles poemas e não outros.

Claro que eu não sei até que ponto cada autor em particular é o genuíno “autor” dos “poemas da minha vida”. E digo isto não por causa de ser a antologia de JS que estou a comentar, digo-o em geral. Não tenho dúvidas que JS leu muito mais do que muitos arrogantes senhoritos a quem ninguém questiona a sua evidente ignorância e pouca leitura e que no entanto passam por ser mais cultos pelo divino privilégio da classe social e do “Dr.” no início do nome. Mas, como responsável político muito profissionalizado, não sei se pediu sugestões para a realizar, o mesmo se podendo dizer de outras destas antologias.

Seja como for, as escolhas de JS encaixam como uma luva, e com uma consistência maior do que noutras antologias mais politicamente correctas e por isso artificiosas, como é por exemplo a de Marcelo Rebelo de Sousa. Este tem como poemas da sua vida demasiados poemas escritos nos últimos dez anos para suspeitarmos se forjou de facto a sua “vida” apenas nesta última década, lendo Rui Namorado, Lobo Antunes, Ana Luisa Amaral, Maria do Rosário Pedreira, Fernando Pinto do Amaral, Ana Marques Gastão, Francisco José Viegas, Gonçalo M. Tavares, Daniel Faria, Mário Rui de Oliveira, José Luis Peixoto e muitos mais, vivos, publicando ontem, mas ainda votando hoje. Eu duvido sempre de uma antologia de “poemas da minha vida” que não tem os “poemas da vida” de muito mais gente do mesmo meio social e cultural e que evita os poemas que estavam nos manuais escolares e nos livros da “primária”.

Pelo contrário, no livro de Jerónimo de Sousa está aquilo que um operário, autodidacta em grande parte, comunista tanto como anti-clerical, vivendo nos meios associativos populares da Margem Sul, assistindo por obrigação de partido, dedicação ideológica e solidariedade política, à “cultura” que outros intelectuais comunistas traziam a esse mundo muito peculiar, sobrevivência de um Portugal muito pouco conhecido nas classes “altas”, podia “gostar”. E, por isso, a maioria dos poemas escolhidos mais do que poemas da revolução são-no da revolta, da injustiça, do ideal prometaico, da utopia do “sonho”, e muito portuguesmente, de uma apologia racionalista, quase maçónica, do vitalismo da natureza versus as perversões da sociedade. É a nostalgia de um mundo natural ideal, a nostalgia do “ar lavado” que perpassa no “sonho” dessas poemas. E isso é, de há muitos anos, a “cultura” tradicional da aristocracia operária portuguesa, fosse anarquista, republicana, carbonária, radical ou comunista. Poema atrás de poema no livro de JS falam-nos da força da natureza impoluta, panteísta quanto baste, de onde emerge uma pureza que se perde nas desigualdades sociais, na opressão, na violência dos “de cima” contra os “de baixo”.

JS tem no livro alguns poemas de Camões (inclusive o “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” talvez o mais citado por todos), algum Bocage da “liberdade querida e suspirada” mas nunca teria o Bocage obsceno que Soares cita com o à vontade dos “de cima”, mas que ofende o moralismo tradicional dos meios em que filhas e irmãs fornecem o contingente para a devassidão “dos de cima”, mas para além destes quase tudo o resto são só escolhas que nenhuma outra antologia reproduz, ou o reproduz de forma tão consistente. É o caso de João de Deus e Antero, de Guerra Junqueiro, que eu seria capaz de apostar dobrado contra singelo que teria que estar na antologia de JS, como aliás apostaria, antes de a ler, em Manuel da Fonseca.

Só que na antologia de JS o que está em João de Deus, é o mesmo que está em Antero (daí a escolha de “Luz do Sol. Luz da Razão”), o que está em Guerra Junqueiro, em Cesário Verde, em Florbela, em António Nobre, em Pessoa / Caeiro (nunca esperaria Ricardo Reis, nem lá está). Nestes dois últimos casos, JS mostra o poder de apropriação que consegue ter esta antologia mesmo em relação a autores que podiam estar distanciados da linha vitalista que percorre todo o livro.

Depois, com José Gomes Ferreira, dá-se uma ruptura com esse fundo panteísta da natureza, versus um Divino mau e desnecessário, uma linha anticlerical muito popular, para se enunciar, em termos mais claros, a revolta. E na sua explicitude que pode parecer ingénua, mas que tem a ver com a persona, o grau de frontalidade poética é maior do que o da política. JS publica um poema de José Gomes Ferreira “Termidor errado” claramente contra a democracia parlamentar e dois poemas de nostalgia do “socialismo real”, da URSS revolucionária, de Maiakovski. Á medida que o livro avança, JS não tem problemas em escolher quase só poetas comunistas ou antigos comunistas como Neruda, Brecht, Guillén, Eluard, Agostinho Neto, e os portugueses, Armindo Rodrigues, Carlos de Oliveira, Egito Gonçalves, Arquimedes da Silva Santos, Castrim, Saramago, Ary dos Santos. Maria Velho da Costa, Joaquim Pessoa. Os que o não são ou escreveram poesia de resistência, como Sena, Sophia, Alegre, ou O’Neill, ou são as vozes que se ouviriam, mais do que se leriam, em qualquer recital popular de poesia, como a “Pedra Filosofal” de Gedeão, ou em letras de fado, como o “Maria Lisboa” de David Mourão-Ferreira (quem cita o “Fado Peniche” é Cadilhe…).

Em suma, esta antologia é mesmo de “poemas da vida”, da que se tem e da que se constrói, com uma grande e reveladora consistência:

Em baixo! O que é em baixo?
Em baixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! Ninguém!


Disse Jerónimo de Sousa através de Antero. E é verdade.

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AR PURO / COISAS SIMPLES


A. Wyeth

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EARLY MORNING BLOGS 547

Bankers Are Just Like Anybody Else, Except Richer


This is a song to celebrate banks,
Because they are full of money and you go into them and all
you hear is clinks and clanks,
Or maybe a sound like the wind in the trees on the hills,
Which is the rustling of the thousand dollar bills.
Most bankers dwell in marble halls,
Which they get to dwell in because they encourage deposits
and discourage withdrawals,
And particularly because they all observe one rule which woe
betides the banker who fails to heed it,
Which is you must never lend any money to anybody unless
they don't need it.
I know you, you cautious conservative banks!
If people are worried about their rent it is your duty to deny
them the loan of one nickel, yes, even one copper engraving
of the martyred son of the late Nancy Hanks;
Yes, if they request fifty dollars to pay for a baby you must
look at them like Tarzan looking at an uppity ape in the
jungle,
And tell them what do they think a bank is, anyhow, they had
better go get the money from their wife's aunt or ungle.
But suppose people come in and they have a million and they
want another million to pile on top of it,
Why, you brim with the milk of human kindness and you
urge them to accept every drop of it,
And you lend them the million so then they have two million
and this gives them the idea that they would be better off
with four,
So they already have two million as security so you have no
hesitation in lending them two more,
And all the vice-presidents nod their heads in rhythm,
And the only question asked is do the borrowers want the
money sent or do they want to take it withm.
Because I think they deserve our appreciation and thanks,
the jackasses who go around saying that health and happi-
ness are everything and money isn't essential,
Because as soon as they have to borrow some unimportant
money to maintain their health and happiness they starve
to death so they can't go around any more sneering at good
old money, which is nothing short of providential.


(Ogden Nash)

*

Bom dia!

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21.7.05


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: QUIETUDE


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COISAS IMPORTANTES A QUE NÃO SE LIGA NENHUMA

A decisão do Tribunal Constitucional alemão considerando que o mandado de captura europeu viola a Constituição Alemã, pelo que não é aceite a sua validade para a Alemanha.

*
Acho que o que escreveu pode ser interpretado incorrectamente como se tivesse o TC alemão decidido sobre o mandato de captura europeu em geral e definitivamente, por isso lhe envio o link para o artigo. O que o TC Alemão decidiu foi que a lei alemã que "implementa" a directiva comunitária sobre extradição dentro da UE e inconstitucional, referindo ainda que a decisão se deve em grande parte a falta de possibilidade de recurso para os arguidos. A decisão não é contra a directiva comunitária, mas contra a lei que o Bundestag aprovou. Ou seja, e preciso ter cuidado em como se fazem as leis e certos direitos tem de ser garantidos. A ministra alema da Justica ja anunciou que pretende propor rapidamente nova lei (já o problema da que foi considerada inconstitucional foi por ser também rápida...) e a CDU ja falou em alterar a constituição (mas políticos). Por isso, ainda nada está perdido. Mas tem razão, e importante e, como disse a ministra da Justiça, dificulta o combate ao terrorismo na Europa...
Ana Aguiar (Berlim)

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LENDO OS JORNAIS: DIGAM ADEUS AOS REFERENDOS

"Ao contrário de alguns, a moral que eu tiro destas respostas é que não se deve fazer referendos em alturas de crise económica." (José Sócrates no American Club, citado pelo Público).

Com este novo critério para os referendos, digam-lhes adeus por muito, muito tempo.

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OUVINDO USTAD ALI AKBAR KHAN


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LENDO OS JORNAIS: O CAPITAL INTELIGENTE

Medeiros Ferreira: "Tenho a impressão que, se o dr. Mário Soares fosse candidato, ganhava à primeira volta, com a esquerda unida, o centro, os empresários inteligentes." (Público)

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LENDO OS JORNAIS: PORQUE É QUE É INÚTIL ENTREVISTAR ASSIM LOUÇÃ

(Transcrito do Público de hoje. Perguntas a bold, respostas de Louçã em itálico, comentários meus entre parêntesis rectos)

Pelo que diz concluo que já não é trotskista.

O Trotsky teve um papel fundamental na luta contra o estalinismo, contra a estalinização, contra o que veio a ser o modelo soviético. Não só ele mas muitos outros.

[Não respondeu, o que dá a resposta.]

Ainda se define como trotskista?

Eu nunca me defini como trotskista. Defini-me sempre como marxista.

[Langue de bois. Os maoistas também não diziam que eram maoistas e os estalinistas idem.]

Integrou uma organização trotskista...
[Não “integrou”, dirigiu e não se sabe bem se dirige. Não se percebe porque razão a organização, o PSR, não é nomeada.]

Mas foi uma organização que nunca se definiu como tal, embora, e eu assumo isso por inteiro, o contributo do Trotsky tenha sido fundamental para pensar o socialismo de hoje. Como foi o de outros, como Rosa Luxemburgo ou Gramsci e alguns outros marxistas. A nossa herança é exactamente essa e vivia sempre da mesma forma.

[Langue de bois.]

Entre o Trotsky e a Rosa Luxemburgo há diferenças substanciais...
[Pergunta irrelevante. Seria bom que o leitor soubesse a que diferenças se está a pergunta a referir.]

Com certeza. Mas eu creio que o socialismo aprendeu com essas diferenças.

[Resposta inútil. O que era decisivo nesta conversa fica sempre vago e não nomeado. Trotsky e Rosa Luxemburgo defendiam a violência revolucionária e a versão da Internacional Comunista da revolução e da ditadura do proletariado. Aqui não há diferenças.]

No BE ainda há marxistas-leninistas?

Depende do que quer dizer com o conceito marxista-leninista.
[Esta frase traduzida significa sim.] Há leninistas certamente, há leninistas que são marxistas. Agora o marxismo-leninismo foi entendido muitas vezes como uma representação do estalinismo e isso não há. Como há não marxistas.

Mas o BE como movimento identifica-se com o leninismo?

Não, o BE não tem que se identificar com o leninismo.

[Resposta ambígua, este "não tem que" é mais que dúbio.]

Portanto, não há ideologia única?

Não há nem vai haver. Como sabe, aliás, o BE nasceu e só podia ter nascido assim não por uma fusão ideológica que reinterpretasse o passado, mas por uma definição da agenda política e do programa. O programa constrói-se na luta social, nas alternativas políticas para o país, para a Europa. E foi isso que nos permitiu aprender um nível de política completamente distinto do que a esquerda radical tinha feito em Portugal durante 30 anos. Nós mudámos completamente a capacidade de actuação política e social, tornando-nos uma força política influente

[Fuga em frente, nada é concreto. Um novo conceito aqui se aplica: enguiismo ideológico.]

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AR PURO


Edward Hopper

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EARLY MORNING BLOGS 546

Quem já encontrou uma cabra
que tivesse ritmos domésticos?
O grosso derrame do porco,
da vaca, do sono e de tédio?

Quem encontrou cabra que fosse
animal de sociedade?
Tal o cão, o gato, o cavalo,
diletos do homem e da arte?

A cabra guarda todo o arisco,
rebelde, do animal selvagem,
viva demais que é para ser
animal dos de luxo ou pajem.

Viva demais para não ser,
quando colaboracionista,
o reduzido irredutível,
o inconformado conformista.


(João Cabral de Melo Neto)

*

Bom dia!

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20.7.05


APRENDENDO COM GUIMARÃES ROSA: AQUILO QUE NÃO HAVIA, ACONTECIA.

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia.

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COISAS SIMPLES


Laurence Stephen Lowry

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
UMA BIBLIOGRAFIA MUITO ESPECIAL

Sobre o comentário ao ciclone em Cancun, recomenda-se a leitura do Eça (as catástrofes e as lei da emoção - e o pé desmanchado da Luizinha Carneiro).

Também sobre a política, as quedas dos Governos e os impostos, a crónica das Farpas (crónica II, 1º volume, «os 4 partidos políticos»: “… Na acção governamental as dissensões são perpétuas...” “Como assim?! Mais impostos?!...”

Idem, sobre o estado da Nação, a crónica XI do 2º volume “Autorizadas opiniões sobre o estado da Administração Pública (“… O Sr, Luciano de Castro, chefe da oposição…”)

E nas duas crónicas sobre o exército e a marinha (crónicas XVII e XVIII), onde está tudo dito e (na XVIII) onde se pode ler o que, para mim, é uma das mais belas e mais corrosivas frases do Eça: “… todavia, a nossa marinha, ausente dos mares, sulca profundamente o orçamento!”.

(Luis Rodrigues)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
EUFORIA EÓLICA

Quando o Eng. Carlos Pimenta e outros falam em acabar com as burocracias da expansão eólica, infelizmente e talvez sem saberem, referem-se à supressão dos pareceres do ICN que à falta de dinheiro não pode ser mais célere, mas que é a única instituição capaz de prever a amplitude do impacto a vários níveis (paisagístico, geológico, ambiental). Há alguns meses atrás estava em reunião com uma pessoa do ICN, que me informa ter acabado de receber um despacho para os pareceres de parques eólicos receberem aprovação imediata, e só depois se estudariam os impactes. Isto quando as empresas que fazem os estudos de impacte ambiental nem sequer verificam se o monte em que vão construir é oco por dentro e desaba com o primeiro camião que por lá passar (como pode acontecer com frequência na Serra de Aire e Candeeiros).

(Jorge Gomes)


Neste último caso (eólica), (post Montes, Cumeadas, Cimo dos Montes), as suas preocupações são também as minhas preocupações. Infelizmente não existe uma cartografia (feita, por exemplo, pelo Instituto de Conservação da Natureza) sobre as áreas non edificandi (chamamos-lhe assim) para a instalação de aerogeradores. Quando estamos a falar de 2500 MW de potência, significa, pelo menos, 1250 ventoinhas e qualquer coisa como 125 parques eólicos (regra geral, cada parque tem 10 aerogeradores). Fácil é imaginar que a maior parte das serranias mais apetecíveis para a energia eólica são área protegidas (não apenas do ponto de vista ecológico, mas sobretudo cénico). Ou seja, adeus paisagem como a conhecemos... E não são apenas os aerogeradores: vamos começar a ter serras rasgadas com caminhos, linhas de alta tensão, etc., etc..

No entanto, nesta euforia (ontem parecia que a crise seria levada qual "e tudo o vento levou") a favor dos parques eólicos, esquece o Governo (e não sabe este país tão pouco atreito à matemática) que o problema energético (e o crescimento das importações de combustíveis fósseis) se deve sobretudo à ineficiência energética.

Sobre qual será o verdadeiro impacte destes 2500 MW de eólica perante o alucinante crescimento do consumo de electricidade em Portugal (quem nos dera que o PIB tivesse igual crescimento...), veja-se o Estrago da Nação, onde abordo num último post esta questão de uma forma que penso ser bastante acessível.

(Pedro Almeida Vieira)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
SERRA DA ESTRELA (EM TEMPO REAL)





É assim pela Serra da Estrela, uma Área Protegida. Na semana passada, em dois dias arderam para cima de 1500 hectares.Ficam as imagens. Até já nem são novidade.

(Angelina)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
A GUERRA DOS MUNDOS OU VEM AÍ OS MARCIANOS (EM TEMPO REAL)




Este rio Tejo anda doido: ele é luar, ele é porta-aviões… eu bem tento ter uma vida tranquila, mas não consigo. Chego a casa minding my own business e dou de caras com o porta-aviões. É a primeira vez que vejo um “ao vivo”. Só os conhecia ou de telejornais, ou, ainda melhor de filmes (“Batalha de Middway”, etc) Andamos excitadíssimos a de telescópio e binóculo de longo alcance em punho (quem vive onde eu vivo tem que estar devidamente equipado!), mas ele está em contra luz, e hoje há canícula o que não torna a tarefa fácil, mas já percebemos que: é enorme, comprido e alto, é dos EUA, a bandeira vê-se bem, tem largas dezenas de aviões, há barcos, tipo cacilheiros, a transportar gente para terra, para poderem dizer que visitaram Lisboa. Está também uma fragata portuguesa (uma das maiores, mas não consegui ver o nome) estacionada perto com alguns homens na proa também de binóculo em punho (pudera, muitos deles nunca devem ter visto tal cidade bélica flutuante).

(J.)

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19.7.05


AR PURO


Ansel Adams, Rain, Beartrack Cove, Glacier Bay National Monument, Alaska

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EARLY MORNING BLOGS 545

"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."

Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.

— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."


(João Guimarães Rosa)

*

Bom dia!

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18.7.05


COM QUE ENTÃO O MUNDO NÃO MUDA?

Um cidadão vai aos Frescos e verifica que, na última hora, actualizou-se um O céu sobre Lisboa, uma Grande Loja do Queijo Limiano, um ou uma BLOGUITICA,um afixe, um Diário da República, uma Semiramis, um O Acidental, o Quartzo, Feldspato &; Mica, um desBlogueador de conversa, um Miniscente, um Insurgente, as Blasfémias, um Bicho Carpinteiro, um Casmurro, uma Linha dos Nodos e um Abrupto, pouco antes. Onde é que estão os adultos?

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DILEMAS

Como é que um disciplinado amador da história, que estes dias se preocupa (sempre para acabar o malfadado volume terceiro) com minudências sobre saber se o dirigente X do PC da Africa do Sul estava matriculado em 1946 na Universidade de Witvatersrand, Wits para os conhecedores, – sim, chega-se aí da prisão de Peniche, pelo V Congresso do PCP, para os comunistas moçambicanos e destes para a terra do ouro e dos diamantes… - e cai na asneira de ligar o Mezzo e ver um magnifico programa sobre Ustad Gulam Hassan Shagan, e se tornar, por uma hora, num puro multiculturalista?

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SILLY SEASON

O nosso centro do mundo noticioso são as férias em Cancun prejudicadas por um malvado ciclone. "Tão pequeno burguês!", diria o tenebroso subversivo que há em mim.

*
Abjecto! É o mínimo que se pode dizer da forma como os canais nacionais tratam a tragédia que assola o México. Sim, porque quero acreditar que um furacão que assola uma zona em que a população vive em estado de pobreza, muitas vezes extrema, ainda cabe na designação de tragédia. É que nos nossos telejornais, a coisa aparece sob a forma de "Furacão estraga as férias a milhares de turistas". Portanto, qualquer turista é mais importante que a população local que fica para apanhar os cacos da catástrofe.... As mesmas pessoas que há uns dias se uniam à dor londrina, ultrapassam os dramas frequentes do 3º mundo e lastimam apenas as férias estragadas. Já na semana passada, o atentado que vitimou 24 crianças no Iraque passou para segundo plano nos nossos telejornais face, por exemplo, à novela Miguel vs Benfica. Enfim, parece que para muita gente o sofrimento é inerente à condição de 3º mundo, não merecendo por isso grande comiseração por parte do mundo ocidental. Triste, no mínimo... não?
(Rita Amado)

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MONTES, CUMEADAS, CIMO DOS MONTES

caminham para ser uma espécie em extinção. Eu sou inteiramente a favor da energia eólica e reconheço-lhe todos os méritos. Mas qualquer coisa do que conheço do meu país, me diz que daqui a anos não haverá cumeadas livres de ventoinhas. Já começou e vai a toda a velocidade, porque parece que é um excelente negócio. Não deve aqui também haver um esforço de ordenamento antes de ser tarde de mais? Ou já é tarde de mais?

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COISAS COMPLICADAS


George Segal, Street Crossing

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EARLY MORNING BLOGS 544

Before Sleep


The lateral vibrations caress me,
They leap and caress me,
They work pathetically in my favour,
They seek my financial good.

She of the spear stands present.
The gods of the underworld attend me, O Annubis,
These are they of thy company.
With a pathetic solicitude they attend me;
Undulant,
Their realm is the lateral courses.


Light!
I am up to follow thee, Pallas.
Up and out of their caresses.
You were gone up as a rocket,
Bending your passages from right to left and from left to right
In the flat projection of a spiral.
The gods of drugged sleep attend me,
Wishing me well;
I am up to follow thee, Pallas.


(Ezra Pound)

*

Bom dia!

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17.7.05


COISAS COMPLICADAS


Joseph Kosuth

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EARLY MORNING BLOGS 543

Todo estará en sus ciegos volúmenes. Todo: la historia minuciosa del porvenir, Los egipcios de Esquilo, el número preciso de veces que las aguas de Ganges han reflejado el vuelo de un halcón, el secreto y verdadero nombre de Roma, la enciclopedia que hubiera edificado Novalis, mis sueños y entresueños en el alba del catorce de agosto de 1934, la demostración del teorema de Pierre Fermat, los no escritos capítulos de Edwin Drood, esos mismos capítulos traducidos al idioma que hablaron los garamantas, las paradojas que ideó Berkeley acerca del Tiempo y que no publicó, los libros de hierro de Urizen, las prematuras epifanías de Stephen Dedalus que antes de un ciclo de mil años nada querrán decir, el evangelio gnóstico de Basílides, el cantar que cantaron las sirenas, el catálogo fiel de la Biblioteca, la demostración de la falacia de ese catálogo. Todo, pero por una línea razonable o una justa noticia habrá millones de insensatas cacofonías, de fárragos verbales y de incoherencias. Todo, pero las generaciones de los hombres pueden pasar sin que los anaqueles vertiginosos -los anaqueles que obliteran el día y en los que habita el caos- les hayan otorgado una página tolerable.

(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!

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16.7.05


COISAS SIMPLES / AR PURO


Andrew Wyeth

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EARLY MORNING BLOGS 542

Stopping By Woods On A Snowy Evening


Whose woods these are I think I know.
His house is in the village, though;
He will not see me stopping here
To watch his woods fill up with snow.

My little horse must think it's queer
To stop without a farmhouse near
Between the woods and frozen lake
The darkest evening of the year.

He gives his harness bells a shake
To ask if there's some mistake.
The only other sound's the sweep
Of easy wind and downy flake.

The woods are lovely, dark, and deep,
But I have promises to keep,
And miles to go before I sleep,
And miles to go before I sleep.


(Robert Lee Frost)

*

Bom dia!

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15.7.05


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO com dois estudos de Júlia Coutinho sobre o escultor e militante comunista José Dias Coelho, morto pela PIDE em 1961.

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ALGURES, PERTO DE SI


Watteau, Tempestade

(Como houve alguma discussão sobre este artigo nos blogues e ele está indisponível no Público de ontem, reproduzo-o aqui por uns dias e depois vai para a "verdade filha do tempo".)


Algures, perto de si, acabará por explodir uma bomba, flutuar uma doença, fluir um veneno. Tão certo como dois e dois serem quatro, o que não é absolutamente certo, mas é quase certo. Um dia alguém perceberá que é mais simples atacar no aeroporto de Lisboa, do que em Londres, pesará os prós e os contras do impacto publicitário, e escolherá Lisboa, ou um evento lisboeta, para dar uma lição aos “novos cruzados”, ou seja nós. É só, parafraseando a frase certeira sobre Londres, uma questão de “quando”.

É por isso que não basta bater no peito e dizer que “somos todos londrinos” e na volta da esquina já estar a discutir as tenebrosas propostas do Sr. Blair para limitar direitos de privacidade das mensagens porque isso facilita a vida aos terroristas. Na volta da memória, escarnecer o Patriot Act, essa “fascização da América” como já lhe ouvi falar, atacada por tudo que é burocracia bruxelense e suas extensões nacionais, como se, sobre a dupla pressão dos autocarros que explodem, e da insegurança popular, não se tenha também que ir por aí, com a prudência e as cautelas que as democracias tem que ter por tal caminho. Já o disse e repito, a separação cada vez maior entre elites europeias e americanas nesta questão do terrorismo, vem dos segundos se acharem em guerra e os primeiros não. Será apenas uma questão de tempo, até esta ser apenas uma questão de termos, não de substância, porque, falando como um sábio da Guerra das Estrelas, “em guerra estamos”.

É também por isso que poucas vezes como nos dias de hoje se vê o grau de demissão do pensamento ocidental como nestes momentos. Mário Soares é entre nós o principal “justificador”, introduzindo com displicência, dele, e complacência de muitos, todos os temas dessa culpa auto-punitiva e demissionista: valorização das “causas” pelo combate inevitável da “pobreza” contra a “opressão globalizadora” e a “superpotência única”, necessidade de retirada total do mundo ocidental dos locais da “humilhação”, Palestina e Iraque, “negociação” com o terrorismo e ramificações várias destas posições mais radicais.

Olhamos para o homem da bomba e tentamos percebe-lo e explica-lo, quase sempre projectando a nossa visão e os nossos combates políticos caseiros para um dimensão que nada tem com eles. Encontramos nos velhos e errados quadros interpretativos do nosso marxismo vulgar, uma explicação causal subsidiária da contradição exploradores-oprimidos. Fora dessa banalidade interpretativa, factualmente falsa, não conseguimos pensar.
A tradição da nossa cultura foi sempre colocar-nos dentro dos olhos dos outros, quanto mais Outro os outros forem. E num certo sentido este é um sinal da vitalidade da cultura ocidental, que vem da sua dupla génese quer na tradição greco-latina, quer cristã. Mas se é assim que fazemos, não o fazemos (ou não o fazíamos) para encontrar-nos no Outro, quando a face do Outro era a da nossa morte, a da nossa destruição. Nietzsche diria que isto era inevitável após dois mil anos de cultura de culpa judaico-cristã, outros diriam que mais cedo ou mais tarde o Dr. Freud nos traria esta versão de Thanatos, onde Sade, Netchaiev e Bin Laden estão unidos numa mesma negação. Duvido, até porque nem Bin Laden, nem Hitler, nem Staline são vozes da culpa que eles nos dizem termos.

Eu acho que tem todo o sentido “metermo-nos na cabeça” de Hitler hoje, e ler o que de interessante disse sobre a Europa face à Rússia e aos EUA, ele que era um percursor, ao modo ariano, de uma Europa unida, contra os imperialismos americano e soviético. Mas nunca me pareceria razoável, acharia até mesmo uma traição, querer “meter-me na cabeça” de Hitler entre 1933 e 1945, quando os “meus” o combatiam e ele os queria matar. As únicas explicações que me interessavam, as únicas “causas” que eu queria perceber, eram aquelas que me permitiam derrotá-lo funcionalmente, as que eram instrumentais para acabar com ele e com os seus.

È importante perceber que, mesmo nas questões onde o meu pensamento lhe admitia “razão”, essa razão só pode ser defrontada depois da eliminação dele - válido para Hitler, ou Staline, ou Bin Laden. Não há causalidade que me interesse porque ela institui uma nobreza de pensamento qualquer, mesmo residual, que o ajuda a matar-me e que institui verdadeiramente o niilismo. E da falência do pensamento ocidental, da sua dificuldade e complexo em lidar com as suas fronteiras culturais e civilizacionais, está a nascer o niilismo e a face do niilismo actual é a justificação do terrorismo da Al-Qaida. Uma coisa é o movimento livre do pensamento, o voo crepuscular da coruja, que não conhece limites ao “pensável”, outra é a incorporação, quase sempre como culpa, da vontade de morte (a minha) pelo alheio. Aí a boa tradição do pensamento ocidental é outra: o combate frontal e directo.

Essa também é (era?) a nossa tradição: quando se está em guerra corre-se para a frente. Vem na Ilíada. Foi assim que Alexandre combateu em Gaugamela, os marinheiros gregos em Salamina, os cristãos coligados em Lepanto, os ingleses contra os zulus. Combate duro, directo, na primeira linha, frontal com o inimigo, é uma velha tradição da forma de lutar do Ocidente. Uma das consequências desta frontalidade do combate, está expressa na velha máxima militar e civil de que “em tempo de guerra não se limpam armas”, o que não é bem verdade, mas percebe-se o que se quer dizer.

Voltemos à questão da guerra. Eu bem sei que há quem ache que não está em guerra, e que a expressão “guerra” para caracterizar o que se está passar é enganadora. Talvez valha a pena discutir a terminologia, porque ela tem claras desadequações, como aliás, o quadro legal no direito internacional da guerra, para defrontar este tipo de combate. Mas a mim não me choca chamar guerra a um conflito que tem as características de ser global, da Indonésia, à Índia, á China, às antigas republicas soviéticas da Ásia Central, da Europa toda, aos EUA, que tem objectivos “não negociáveis” por incompatibilidade total de visões do mundo culturais e civilizacionais.

Acima de tudo, não compreendo porque razão um terrorismo apocalíptico, que tenta por todos os meios ter as armas mais pesadas, nucleares, químicas e bacteriológicas, para garantir o seu Armagedão sacrificial, que tem como objectivo a guerra total, ou seja a aniquilação de milhões dos seus adversários, haja os meios para isso, não tem que ser combatido com tudo o que tenho á mão: tropas, polícias, agentes de informações, à dentada diria um velho inglês da Home Guard, daqueles que esperava a invasão da sua ilha e achava que sempre podia levar um “boche” consigo. E aí o “não se limpam armas”, é de um simplicidade brutal. Ou nós ou eles.

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