ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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31.7.05
EARLY MORNING BLOGS 565 Bom dia!
Reginaldo - «Reginaldo, Reginaldo, Pajem de el-rei tão querido, Não sei porque, Reginaldo, Te chamam o atrevido.» - «Porque me atrevi, senhora, A querer o defendido.» - «Não foras tu tão cobarde Que já dormiras comigo.» - «Senhora zombais de mim Porque sou vosso cativo.» - «Eu não no digo zombando, Que deveras te lo digo.» - «Pois quando quereis, infanta, Que vá pelo prometido?» - «Entre las dez e las onze Que el-rei não seja sentido.» Inda não era sol-posto, Reginaldo adormecido; As dez não eram bem dadas, Reginaldo já erguido. Calçou sapato de pano, Que de el-rei não fosse ouvido, Foi-se à câmara da infanta, Deu-lhe um ai, deu-lhe um gemido. - «Quem suspira a essa porta, Quem será o atrevido?» - «É Reginaldo, senhora, Que vem pelo prometido.» - «Levantai-vos minhas aias, Que assim Deus vos dê marido! E ide abrir mansinho a porta Que el-rei não seja sentido.» Vela o pajem toda a noite... Por manhã é adormecido; Chamava o rei que chamava Que lhe desse o seu vestido: - «Reginaldo não responde, Alguma tem sucedido! Ou está morto o meu pajem Ou grande traição há sido.» Responderam os vassalos Que tudo tinham sentido: - «Morto não é Reginaldo, De sono estará perdido.» Vestiu-se el-rei muito à pressa, E leva um punhal consigo. Vai correndo sala e sala, Abrindo porta e postigo, Chega ao camarim da infanta, Entrou sem fazer ruído. Dormiam tão sossegados Como mulher e marido. De nada do que se passava De nada davam sentido. Acudiram os vassalos, Que viram a el-rei perdido: - «Nunca Vossa Magestade Mate um homem adormecido.» Tira el-rei seu punhal de oiro, Deixa-o entre os dois metido, O cabo para a princesa, Para Reginaldo o bico. Ia-se a virar o pajem, Sentiu cortar-se no fio: - «Acorda já, bela infanta, Triste sono tens dormido! Olha o punhal de teu pai Que entre nós está metido.» - «Cal'te daí, Reginaldo, Não sejas tão dolorido; Vai já deitar-te a seus pés, Que el-rei é bom e sofrido. Para o mal que temos feito Não há senão um castigo; Mas se el-rei mandar matar-te, Eu hei-de morrer contigo.» - «Donde vens, ó Reginaldo?» - «Senhor, de caçar sou vindo.» - «Que é da caça que caçaste, Reginaldo o atrevido?» - «Senhor rei, da caça venho, Mas não a trago comigo; Que o trazer caça real A vassalo é defendido. Só vos trago uma cabeça, A minha: dai-lhe o castigo.» - «Tua sentença está dada, Morrerás por atrevido.» Vedes ora o bom do rei Dando voltas ao sentido: - «Se mato a bela infanta, Fica o meu reino perdido... Para matar Reginaldo, Criei-o de pequenino... Metê-lo-ei numa torre Por princípio de castigo. - «Dizei-me vós, meus vassalos, Pois tudo tendes ouvido, Que mais justiça faremos Neste pajem atrevido?» Respondem os condes todos, E muito bem respondido: - «Pajem de rei que tal faz, Tem a cabeça perdido.» Já o metem numa torre, Já o vão encarcerar. Mas ano e dia é passado, E a sentença por dar. Veio a mãe de Reginaldo O seu filho a visitar: - «Filho, quando te pari Com tanta dor e pesar, Era um dia como este, Teu pai estava a expirar. Eu coas lágrimas nos olhos, Filho, te estava a lavar; Cabelos desta cabeça Com eles te fui limpar. E teu pai já na agonia, Que me estava a encomendar: Enquanto fosses pequeno De bom ensino te dar, E depois que fosses grande A bom senhor te entregar. Ai de mim, triste viúva, Que te não soube criar! A el-rei te dei por amo, Que melhor não pude achar: Tu vais dormir coa infanta De teu senhor natural! Perdeste a cabeça, filho, Que el-rei ta manda cortar!... Ai! meu filho, antes que morras, Quero ouvir o teu cantar.» - «Como hei-de cantar, mi madre, Se me sinto já finar?» - «Canta, meu filhinho canta, Para haver minha bênção, Que me estou lembrando agora De teu pai nesta prisão. Canta-me o que ele cantava Na noite de São João; Que tantas vezes mo ouviste Cantar co meu coração.» - «Um dia antes do dia Que é dia de São João, Me encerraram nestas grades Para fazer penação. E aqui estou, pobre coitado, Metido nesta prisão, Que não sei onde o Sol nasce, Quando a Lua faz serão.» De suas varandas altas El-rei andava a escutar; Já se vai onde a princesa, Pela mão a foi buscar: - «Anda ouvir, ó minha filha, Este tão lindo cantar, Que ou são os anjos no Céu, Ou as sereias no mar.» - «Não são os anjos no Céu, Nem as sereias no mar, Mas o triste sem-ventura A quem mandais degolar.» - «Pois já revogo a sentença, E já o mando soltar; Prende-o tu, infanta, agora, Pois contigo há-de casar.» (Almeida Garrett) * (url)
© José Pacheco Pereira
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