ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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29.7.05
CANDIDATOS PRESIDENCIAIS E FUNÇÃO PRESIDENCIAL
(Artigo do Pùblico de ontem.) Quando soube que Mário Soares se preparava para ser candidato presidencial, a notícia surpreendeu-me. Não devia. Várias vezes perguntado, durante o período de activismo anti-Bush mais agudo de Soares, sobre se “será que ele quer mesmo ser Presidente outra vez?”, eu respondia qualquer coisa como isto: “se achar que pode ter um papel decisivo, como seja tirar agora a GNR do Iraque, ele concorre de certeza”. Agora vejo que me enganei não na possibilidade mas sim no “decisivo”. Ou seja, Soares concorre não porque haja qualquer coisa “decisiva” que justifique a sua candidatura, mas para servir uma vontade de poder e pretensões intervencionistas, que deviam incomodar em primeiro lugar Sócrates e o seu governo. Soares concorre porque não lhe passa pela cabeça qualquer partilha do poder socialista. Ele é um homem de partido, com uma cultura jacobina do poder, quer no estado, quer no partido, e pouco propício a partilha-la com quem acha que não é da família ou da tribo. Nesta pulsão reconhece-se o mesmo Soares que empurrou o grupo socialista do Parlamento Europeu para uma estratégia do “tudo ou nada”, e que o levou ao “nada”. Depois, quando perdeu, chamou com despeito “dona de casa” à sua concorrente, que ainda por cima era uma mulher. O mesmo tipo de atitude existe para um Cavaco que ele achará sempre que é um parvenu na “sua” democracia. Para ele seria uma quase afronta que Cavaco fosse Presidente, no lugar que foi o seu, e “mandasse” no PS. Irritava-o o que achava ser uma complacência dos socialistas perante a inevitabilidade de Cavaco. Convenceu-se que só ele o pode impedir, e não desdenha mostrar essa capacidade salvífica combatendo para o evitar, o que aliás é mérito seu, porque combativo será sempre. Mas, se este factor, quase de repulsa por poder ter um estranho na “sua” casa, o motiva, ainda mais o motiva poder pôr na ordem o PS e encaminha-lo para uma esquerda mais radical, “social” no sentido anti-capitalista, anti-globalizadora, anti-americana e gaullista-europeista extremada, que é o núcleo duro do seu pensamento actual. Ironicamente, para quem meteu o socialismo na “gaveta”, o seu pensamento económico, ou melhor, a sua ideologia económica, é hoje claramente anti capitalista e o apoio que dá aos movimentos anti-globalização, simbolizados no fórum de Porto Alegre, e que representam hoje o “socialismo terceiro-mundista” que combateu no passado, tem poucas nuances. Soares é hostil às políticas de liberalização da OMC, combateria aquilo a que chama “capitalismo selvagem” e a “dominação” do globo pelo “pensamento único”, pelo “neo-liberalismo”, ou seja, a mundialização da economia de mercado que o fim do “socialismo real” permitiu. Soares apoiaria um eixo Paris-Berlim-Moscovo e deseja uma Europa federada, uns Estados Unidos da Europa mesmo que sem este nome, uma Europa que se dotasse dos meios de defesa e intervenção que lhe dessem capacidade para se medir com a super potência americana. O seu ideal seria uma Europa armada que substituiria o lugar da URSS como a outra super potência, e com uma política externa essencialmente de contenção anti-americana. Faria tudo para combater o “império”, ou seja os EUA, e para o isolar e condenar sob todas as formas nas instituições internacionais, apoiaria a retirada imediata ou quase das tropas da coligação e da NATO do Afeganistão e no Iraque. Por aí adiante. Ora, quem tem este programa em Portugal é o Bloco de Esquerda e não o PS e se isso não soa o alarme no governo, é porque perderam qualquer capacidade analítica e não têm ouvido e lido Mário Soares nos últimos anos. Nestes anos, Soares não tem feito outra coisa que não seja tentar influenciar o PS com todos os meios ao seu alcance. Apoiou a candidatura de João Soares, elogiou Alegre, atacou Guterres, Gama e Sócrates, manifestou múltiplas vezes o seu descontentamento com todas as políticas seguidas que lhe pareciam ir noutro sentido diferente do seu. Os elogios ao BE não foram circunstanciais, mas substantivos. Não é concebível, a não ser por fraqueza ou por má fé, a convicção da derrota de Soares, que Sócrates não tema um Soares intervencionista, como o será mais que nunca, na Presidência. Contrariamente ao que se ouve por aí, penso que a candidatura de Mário Soares é uma boa notícia para Cavaco Silva, saiba este e os seus perceberem que a dicotomia que a candidatura do PS suscita é a da estabilidade / instabilidade. Cavaco Silva pode ser, de forma bem mais credível, o referencial de estabilidade para a Presidência que Soares não será. Para o ser não precisa de abdicar nem de um átomo, do seu pensamento sobre a função presidencial, formado exactamente em resposta ao intervencionismo de Soares. Quando Soares, no seu segundo mandato, se comportou como Eanes, fazendo tudo para derrubar o governo e para criar um ambiente de usura e hostilidade, Cavaco reagiu falando de “forças de bloqueio”. A expressão tinha ambiguidades, mas a verdade é que tudo aquilo que na altura o PSD apontou como “forças de bloqueio” veio mais tarde a ser entendido por todos, a começar pelo PS e pelos seus governos, como sendo de facto “forças de bloqueio”, embora nunca as nomeando como tal. Cavaco Silva, sendo o primeiro a governar Portugal com um governo de maioria, e pelo seu perfil executivo, desenvolveu uma compreensão dos problemas de governabilidade de que ele foi sempre um defensor activo, contra as contínuas perturbações que Soares instigava todos os dias. A sua frase, às vezes incompreendida e mal interpretada, de que a ganhar as eleições preferia que um partido qualquer, o PS inclusive, o fizesse com maioria absoluta, vai nesse sentido. Ele sempre defendeu governos de maioria parlamentar, que cumprissem os tempos plenos do seu mandato e que pudessem, no respeito da lei e das instituições equilibradoras, cumprir os seus programas eleitorais. Num momento de crise económica e social como o que atravessamos, será sempre avesso a introduzir factores de perturbação, mesmo que não concorde com as políticas do governo socialista. Ele sabe, melhor do que ninguém e certamente melhor do que Soares, que nesse teste já chumbou, que na Presidência não se governa. Duvido que o seu pensamento quanto ao exercício das funções presidenciais seja diferente destas suas posições no passado, e que as suas posturas mais recentes só o confirmam. Se tivermos Soares versus Cavaco, será este o dilema central das eleições. (url)
© José Pacheco Pereira
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