ABRUPTO

30.6.08


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CAÇA E RECOLECÇÃO (8)







Tempo de inocência: livro de autógrafos de uma rapariga, anos cinquenta.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (7)



Grupo de rapazes no Parque da Ponte, Braga, em 4 de Agosto de 1946.

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CAÇA E RECOLECÇÃO (6)



Publicidade antiga.

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EXTERIORES: CORES DESTES DIAS



Ria de Aveiro. (José Carlos Santos)



Entre o Porto e Matosinhos.



Figueira da Foz, reconstituição da tomada do Forte de Sta. Catarina pelos ingleses nos 200 anos das Invasões francesas. Como é sabido, o desembarque dos ingleses fez-se na margem sul da Figueira, na costa de Lavos. (Gabriel Falcão e Guida Cândido)



Mulher em pijama na ponte romana de Tavira. (VG Cardeira)

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EARLY MORNING BLOGS


1328 - Seth Compton

When I died, the circulating library
Which I built up for Spoon River,
And managed for the good of inquiring minds,
Was sold at auction on the public square,
As if to destroy the last vestige
Of my memory and influence.
For those of you who could not see the virtue
Of knowing Volney's "Ruins" as well as Butler's "Analogy"
And "Faust" as well as "Evangeline,"
Were really the power in the village,
And often you asked me,
"What is the use of knowing the evil in the world?"
I am out of your way now, Spoon River,
Choose your own good and call it good.
For I could never make you see
That no one knows what is good
Who knows not what is evil;
And no one knows what is true
Who knows not what is false.

(Edgar Lee Masters, The Spoon River Anthology)

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29.6.08


COISAS DA SÁBADO: SEM GOVERNO JÁ HÁ ALGUM TEMPO



Já o ouvi, já o disse e agora repito-o: se repararem bem, verão que Portugal nesta altura não tem governo. Não é sequer aquela pergunta cíclica dos jornais, onde é que está o governo, como se o governo fosse o Wally. O corpo físico do governo sei bem onde está, só que não exerce, não governa. Desde que os powerpoint e as sessões de casting começaram a ter efeitos contraproducentes; desde que o calendário de pau e cenoura, tão bem urdido pelo Primeiro-ministro para esta legislatura, encravou na crise internacional e nos erros nacionais; desde que a certeza de nova maioria absoluta se evaporou; desde que o PS percebeu que podia ter um PCP e BE com 20%, comendo-lhe a sua própria esquerda mais Manuel Alegre; desde que acabou a mistura de narcisismo e de turbulência psicótica que passava por ser oposição e apareceu oposição, o governo não sabe o que fazer e está em estado de estupor. Não há governo, está ali parado diante de uma parede, como no Blair Witch Project.

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POEIRA DE 29 DE JUNHO


Hoje, há setenta e um anos, o coronel John de Multon, que servira de forma distinta na Índia, apareceu na consulta de Fritz Wittels, no Bellevue Hospital em New York. Wittels, um discipulo de Freud, que foi também o analista de E. E. Cummings, deixou uma série de notas para as suas memórias sobre este caso. O coronel sofria de alethia, a incapacidade de esquecer. Era incapaz de fazer a mais pequena e trivial das coisas sem se lembrar das mesmas coisas que já tinha feito. Não eram as memórias longínquas que o atormentavam, mas as próximas. Hoje, lembrava-se de ontem, ontem lembrava-se de anteontem.

As memórias cobriam todo o quotidiano e todos os sentidos, tacto, olfacto, audição, visão. As memórias tinham-se tornado obsessivas e levado o coronel, um homem muito reservado, àquilo que ele considerava uma vergonha: contá-las. Via uma estrebaria, lembrava-se onde costumava deixar o cavalo. Via a rua, lembrava-se do lado do ouvido. Via o relógio, lembrava-se das horas. Via as horas, lembrava-se do relógio. Via pornografia, lembrava-se das cenas. Via o gin, lembrava-se do limão. Via um jornal inglês, lembrava-se de Londres. Via uma casa, lembrava-se da casa. Via Brighton. lembrava-se do casino. Via uma gravura, lembrava-se das gravuras que recebia, numa assinatura que tinha expirado. Via um melro, lembrava-se das gralhas. Ouvia "é hoje" e não era hoje. Via tudo com toda a nitidez como se as memórias fossem dele e não eram. Não estava bem do lado de cá e sabia que o lado de lá estava estragado irremediavelmente. Desejava esquecer, mas tinha ao mesmo tempo receio que as suas memórias já se estivessem a dispersar, que deixassem de lhe pertencer, que estivessem a ser contadas, a perderem-se numa voz nocturna que o assaltava hoje e de que também se lembrava ontem. Sabia que essa voz estava a falar algures. Imaginava um narração detalhada, comparações, distâncias, fugas, novas alegrias, repetições. Queria e não queria as suas memórias de volta.

O coronel estava cansado, abúlico, perdera o interesse. Andava com pouco destino. Perdera a reserva, sentia-se ridículo. Imaginava os vizinhos, que sabiam da sua doença, a rirem-se dele que fora sempre um homem digno. Ele ria-se dele, o que era pior, contava ao grave doutor freudiano. Wittels anotou: "obsessive detail, cristal memory, pain, confusion."

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EM TEMPOS DE SÍNDROMA DE ABSTINÊNCIA DO FRENESIM



A função dos agulheiros era mudar as linhas nos eléctricos e nos comboios. Tinham um ferro com uma cunha e viravam a agulha, a linha, de uma direcção para outra. Neste caso, o agulheiro é uma senhora que virou várias agulhas nos últimos meses. A primeira foi ao dizer que havia uma "questão social grave" e mais tarde, uma "emergência social" no Portugal de hoje. O comboio na altura ia na direcção do deslumbramento tecnológico, do tout va très bien Madame la Marquise. Virou a agulha. Depois, foi ao falar do empobrecimento num múltiplo sentido: pauperização da classe média, agravamento da pobreza tradicional e aparição de novas bolsas de pobreza. Falou em classe média, lugar maldito da esquerda. Falou nas pequenas e médias empresas e não nos grandes grupos económicos ou nos projectos PIN negociados nos gabinetes governamentais. O comboio ia para a glória do nosso crescimento, para a troca de interesses entre o PS e aquilo que o PCP chama o "grande capital", misturado com o "quão de esquerda que nós somos" e outros locais de vaidade ideológica. Virou a agulha. Depois disse que muitos dos investimentos públicos previstos ou não eram necessários ou o país não os podia pagar. O comboio seguia para a alta velocidade, para mais de vinte concessões de auto-estradas, para mil e uma obras públicas, para a hegemonia tradicional do betão para dar emprego e injectar dinheiro na nossa economia. Virou a agulha.

Virou muitas outras agulhas, umas mais outras menos, outras ainda não virou e outras não vai virar como eu o desejaria, virou a do PSD, onde fez uma revolução nos quadros dirigentes, virou a do estilo, etc., etc., mas nem que virasse tudo ao contrário, nunca bastaria. A resposta a essas viragens foi um clamor pedindo que dissesse já qual a cor do comboio, qual a decoração dos lugares, o que é que o bar servia, e se o apito da locomotiva tocava música ou não. Excelente distracção, essencialmente para que não se discutisse a viragem da agulha, ou seja, o caminho diferente do comboio e qual o seu objectivo. Alguns disseram que o problema era que o comboio continuava a ir para norte, embora fosse para oeste quando antes ia para este, em vez de virar radicalmente a sul. É um ponto de discussão, a seu tempo, mas a dominância foi o clamor pela cor do comboio. Ou seja, diga lá que obras públicas, diga lá que medidas para os pobres, faça lá o catálogo como o Don Giovanni.

Percebe-se bem porquê: quanto mais rápido a discussão passar para a casuística, mais ela perde a dimensão geral que precisa de ter antes, que ela deve ter antes, que ela deve ter como alternativa política. A senhora tinha dito que não ia fazer oposição "por casos", mas sim por "políticas" e pelos vistos toda a gente quer é "casos". E disse, a seu tempo, que as coisas têm de ser estudadas e não se podem mandar "bocas". Isto não disse assim porque é elegante, mas digo eu que sou mais bruto. Insistem: escreva no joelho, porque é isso a que estamos habituados, no fundo, quem é que quer saber da espuma de hoje na espuma de amanhã? Escreva no joelho senão vamos dizer que não tem nem uma ideia dentro da cabeça, que não sabe o que quer. Olhem que sabe... Na verdade quando José Sócrates, na campanha interna do PS, disse umas coisas sobre as novas tecnologias, ninguém lhe apareceu no dia seguinte a dizer: como é, vai colocar quadros interactivos nas escolas? Vai aliar-se com a Microsoft ou pôr o Governo a trabalhar com software "livre"? Diga lá já qual a cor do seu comboio, qual a cor dos estofos, qual o apito da buzina. Mas os tempos mudaram e o lado mudou. Logo, duplicidade de critérios.

O domínio do "caso" desgasta o poder mas não serve para construir uma alternativa séria. Veja-se o ciclo habitual do "caso", dos "casos" actuais como o do Tribunal de Vila da Feira, ou o das fardas das polícias, dois dos "casos" correntes na altura em que escrevo, ou de quaisquer outros. Aparece o "caso", numa rádio logo de manhã - o mais provável. À noite, o "caso" chega à televisão e no dia seguinte aos jornais. Amplia-se o "caso", todos falam do "caso", somam-se declarações sobre o "caso", falam os actores habituais, falam os sindicatos, falam os juízes, indignam-se os "populares", falam os comentadores (o "caso" chega à Quadratura, falo eu também), e fala o Governo. O "caso" chega ao Parlamento pela mão da oposição, chama-se o ministro. Quando chega a esta fase já o "caso" está a morrer. Aparece o novo "caso" que desvia todas as atenções do anterior. Repete-se o ciclo. Tudo fica na mesma.

Tudo isto tem a ver com a entrada na vida política portuguesa de um tempo antifrenesim, e da síndroma de abstinência que existe com o dito frenesim que acabou. O teórico do frenesim foi Luís Filipe Menezes. Ele explicou que, minuto a minuto, como diz o RCP, ia haver oposição, nas entradas das fábricas, nas saídas da Assembleia, nos passeios do "líder" pelo interior, com propostas todos os dias, todas as horas, todos os minutos. Na verdade, o frenesim já era regra da vida política portuguesa muitos anos antes, quando o tempo comunicacional se acelerou e os jornais e televisões precisam de novidade diária. O frenesim é bom para a comunicação social, que precisa de um tempo rapidíssimo e de soundbites em cada noticiário, mas não é bom para a política, pelo menos para a que se pretende ainda política e não apenas marketing. A comunicação social gosta de "casos", que são rápidos e perecíveis e lida mal com as políticas que não cabem nos soundbites no intervalo da logomaquia do futebol. Aliás, pensando bem, alguma comunicação social gostaria que a política fosse como o futebol, proclamações ribombantes, contratações e traições, queixas e processos de intenção, injúrias e bater no peito, milhões de palavras à volta de excitações. Muito pathos e nenhum logos. Alguns políticos também gostariam que fosse assim, porque é a atmosfera onde vivem por aí. A senhora em causa não é deste mundo, logo transporta consigo o "ar do frigorífico", não é? Pois é, mas lá vai virando as agulhas, pouco a pouco mas de forma segura, e segurança em tempos de crise é como pão para a boca.

Eles sabem, eu sei que eles sabem, por isso este clamor. Que passará quando houver outro clamor, e outro e outro. Se no meio do clamor, se ouvir uma voz, tudo está bem. Mas não é garantido, isso também eu sei, porque o ruído é já a regra.

(Publicado no Público em 28 de Junho de 2008.)

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INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão em actualização.

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EARLY MORNING BLOGS


1327 - Inventario

Hay que arrimar una escalera para subir. Un tramo le falta.
¿Qué podemos buscar en el altillo
Sino lo que amontona el desorden?
Hay olor a humedad.
El atardecer entra por la pieza de plancha.
Las vigas del cielo raso están cerca y el piso está vencido.
Nadie se atreve a poner el pie.
Hay un catre de tijera desvencijado.
Hay unas herramientas inútiles.
Está el sillón de ruedas del muerto.
Hay un pie de lámpara.
Hay una hamaca paraguaya con borlas, deshilachada.
Hay aparejos y papeles.
Hay una lámina del estado mayor de Aparicio Saravia.
Hay una vieja plancha a carbón.
Hay un reloj de tiempo detenido, con el péndulo roto.
Hay un marco desdorado, sin tela.
Hay un tablero de cartón y unas piezas descabaladas.
Hay un brasero de dos patas.
Hay una petaca de cuero.
Hay un ejemplar enmohecido del Libro de los Mártires de Foxe, en intrincada letra gótica.
Hay una fotografía que ya puede ser de cualquiera.
Hay una piel gastada que fue de tigre.
Hay una llave que ha perdido su puerta.
¿Qué podemos buscar en el altillo
Sino lo que amontona el desorden?
Al olvido, a las cosas del olvido, acabo de erigir este monumento,
Sin duda menos perdurable que el bronce y que se confunde con ellas.

(Jorge Luis Borges)

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28.6.08


COISAS DA SÁBADO: O S. JOÃO NO PORTO



Não estamos a falar de uma aldeia esquimó, nem do Mali. Nem numa tribo amazónia completa, nem sequer num pequeno povoado da Nova Inglaterra, estamos a falar numa cidade média europeia. Pegar na população de uma cidade, umas largas centenas de milhares de pessoas se juntarmos Porto e Gaia, que neste caso são miscíveis, e fazê-la sair ao mesmo tempo de casa, do espaço privado para a rua, o espaço público, é tão raro, inabitual, que devia vir no Guiness. Se somarmos que o faz para uma actividade tão improvável como seja andar quilómetros a bater na cabeça uns dos outros por amabilidade e partilha e que “faz” o S. João, mesmo que não faça mais nada, então ainda é mais raro porque nos dá esperança quanto ao crescimento da solidão urbana. Pelo menos numa noite, numa cidade do Norte no Sul da Europa, isto ainda não acontece. Estamos todos na rua.

*
Concordo totalmente com a sua análise, mas em paralelo, poucos minutos (3 ou 4) faltavam para a meia-noite na Ribeira, quando assisti à maior cena de pancadaria que algum dia tinha visto. À boa *western* eram cadeiras, garrafas e 30 ou 40 envolvidos. Não sei qual o motivo, se é que existiu motivo.

As luzes apagaram-se para o fogo de artificio, cujo ribombar só era cortado pelo barulho de garrafas a partirem-se. Demorou cerca de 15 minutos a chegarem algumas dezenas de agentes do Corpo de Intervenção, mas momentos antes da sua chegada tudo se tinha extinguido.

Isto tudo na Praça da Ribeira (também conhecida pela Praça do Cubo) infestada de gente a comemorar o S. João. Assim vão os brandos costumes.

(Luis Carvalho)

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POEIRA DE 28 DE JUNHO

Hoje, há quatrocentos e setenta e oito anos, o monge Aponius, um obscuro consultor do Imperador Carlos V do Sacro Império Romano, escreveu uma longa carta a um seu amigo cujo nome não está referido na cópia que chegou até nós, mas que se percebe que pertencia à corte de João Frederico, Duque da Saxónia. Aponius tinha acabado de assistir na Dieta de Augsburg a um espectáculo inusitado: contra a vontade do Imperador, dois representantes dos Príncipes evangélicos leram em latim e em alemão o documento que viria a ser conhecido como a "Confissão de Augsburg", de seu nome Confessio Augustana. No texto tinham trabalhado Lutero e Melanchton e um dos signatários era o Duque da Saxónia. Uma frase do texto, num ponto aparentemente menor sobre a confissão, repetia a pergunta do salmo: Delicta quis intelligit?

Aponius ficou perturbado pela frase e é com ela que começa a sua carta. A carta é considerada por alguns autores alemães que estudaram a literatura neo-latina como um dos mais dolorosos textos sobre a amizade perdida. Aponius, que vivia isolado no seu mosteiro, mantinha há anos uma cumplicidade activa com o seu amigo saxão mais versado nos movimentos da corte. Ele era a sua companhia. Partilhavam pontos de doutrina, discussões teóricas, fúrias, amizades e inimizades, como se o seu destinho fosse comum. Não era. Por razões que desconhecia, mas que imaginava serem as piores, Aponius tinha perdido o seu amigo. Não se conseguia acomodar à sua nova realidade mais solitária porque povoada pelas memórias do passado. Na carta, conta como a memória infeliz se pega às coisas. Molhava a pena num tinteiro de prata e recordava-se da altura em que um pequeno embrulho lhe chegara, caminhava por uma vereda do mosteiro e ao lado dele seguia a sombra que com ele descera o caminho. Aponius sentia agora o seu amigo como um estranho, alguém que nunca tinha conhecido e não conseguia conviver com o contraste entre a tristeza do presente e a alegria do passado. Não se sabe se a carta chegou a ser enviada ou, se foi enviada, chegou ao destinatário. Havia uma guerra civil entre eles, dois mundos. De Aponius nada mais se sabe.

*



Convento dos Capuchos. (MJ)

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: 272 PALAVRAS DITAS NUM CEMITÉRIO RURAL (4)

Garry Wills, Lincoln at Gettysburg: The Words that Remade America, Simon & Schuster, 2006.

Para Lincoln (e muitos dos Transcendentalistas seus contemporâneos) os EUA não eram uma nação como as outras, mas a encarnação de um "sentido" (a propositon). Exactamente por isso, Lincoln valorizava e muito as palavras, interessava-se pelas palavras de uma forma precisa, estudava gramática, a que atribuia uma exactidão semelhante à das demonstrações de Euclides. O outro orador, Everett , tinha estudado filologia na Europa, na tradição alemã. Por isso, um homem que considerava importante "preparing the public mind" deu todo o sentido à sua breve intervenção no cemitério quando falou da luta dos que tinham morrido por "a new nation, conceived in Liberty, and dedicated to the proposition that all men are created equal." A chave do discurso de Gettysburg não é a "liberdade", nem a "emancipação", é a "igualdade". É à "igualdade" que é dedicada a "nova nação",- os EUA não tinham ainda cem anos, - e esta reinterpretação histórica, política, constitucional, presa à Declaração da Independência
We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.
Ditas num momento de grave crise nacional, elas escolhem um caminho e excluem outros. Nas suas 272 palavras, Lincoln "fez" os EUA num segundo acto fundador e, como o primeiro, em guerra.

*
Há um aspecto do discurso de Lincoln em Gettysburg que julgo que merece ser mencionado. É considerado um dos grandes discursos da história e, tendo esta opinião sido repetido há muito tempo e por muita gente qualificada para tal, poder-se-ia pensar que sempre foi assim considerado. Por isso, vale a pena ler o comentário que o Chicago Times fez ao discurso: «A face de cada americano deve estremecer de vergonha à medida que ele lê estas afirmações patetas, banais e entediantes vindas do homem que é descrito a estrangeiros inteligentes como o Presidente dos Estados Unidos da América.» Estas unanimidades surgem sempre depois, não na época em que os eventos têm lugar.

(José Carlos Santos)

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EARLY MORNING BLOGS


1326 - Masks

These tales of old disguisings, are they not
Strange myths of souls that found themselves among
Unwonted folk that spake an hostile tongue,
Some soul from all the rest who'd not forgot
The star-span acres of a former lot
Where boundless mid the clouds his course he swung,
Or carnate with his elder brothers sung
Ere ballad-makers lisped of Camelot?

Old singers half-forgetful of their tunes,
Old painters color-blind come back once more,
Old poets skill-less in the wind-heart runes,
Old wizards lacking in their wonder-lore:

All they that with strange sadness in their eyes
Ponder in silence o'er earth's queynt devyse?

(Ezra Pound)

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25.6.08


EXTREMÓFILOS - O PRIMEIRO



Sairá em breve.

EXTREMÓFILOS são uma categoria de organismos que vivem nos extremos: lagoas alcalinas, águas tóxicas ou ácidas, no fundo dos mares, debaixo de enormes pressões, nos vulcões, em sítios muito quentes ou muito frios. EXTREMÓFILOS é uma colecção de livros, (dirigida por mim, editada pela Alêtheia) com histórias, estudos, memórias sobre os extremos, na política, na sociedade, na vida.

O Um Divide-se em Dois é o primeiro livro da colecção EXTREMÓFILOS e é um estudo sobre o movimento marxista-leninista nos países ocidentais (de cultura política e instituições "ocidentais", da Europa à Nova Zelândia) na sua fase genética, antes sequer de se poder falar de "maoísmo" propriamente dito, antes da Revolução Cultural. Nele se analisa o modo como o conflito sino-soviético foi evoluindo para a cisão do movimento comunista mundial, a política dos chineses e albaneses face aos Partidos Comunistas, e o impacto das teses chinesas no seu interior. Embora o conflito sino-soviético tenha sido muito estudado, este aspecto do conflito, as cisões marxistas-leninistas, praticamente não o foram, pelo que se trata de um estudo pioneiro, com as vantagens e inconvenientes dessa condição. Pude no entanto beneficiar de material só agora disponível quer dos arquivos albaneses, quer dos serviços de informação, já desclassificado, e de instituições que acompanhavam com muito proximidade este processo como a Radio Free Europe. O estudo versa igualmente o impacto do conflito sino-soviético no PCP e a cisão que dá origem à FAP /CMLP, assim como o papel de Francisco Martins Rodrigues.

Agradeço a quem me ajudou neste trabalho.

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: 272 PALAVRAS DITAS NUM CEMITÉRIO RURAL (3)

Garry Wills, Lincoln at Gettysburg: The Words that Remade America, Simon & Schuster, 2006.

Nos três dias que durou a batalha, travada nos arredores de Gettysburg, houve apenas uma vítima civil, Ginnie Wade, uma rapariga com vinte anos que estava a preparar pão para os soldados em casa da irmã, atingida por uma bala perdida. A batalha foi um confronto entre militares profissionais e milícias, mais de cento e cinquenta mil, que opôs o Exército do Potomac (do lado da União, chefiado pelo major-general Meade) e o Exército da Virgínia do Norte (do lado confederado, chefiado pelo general Lee). Meade era uma escolha de Lincoln feita três dias antes, Lee era a "alma" militar do Sul, considerado invencível e que chegava à nova batalha com uma vitória recente obtida em Chancellorsville em Maio.

Ao fim de três dias havia quase oito mil mortos, distribuídos pelos dois exércitos, um número elevadíssimo para os conflitos da época, prenúncio das batalhas futuras da I Guerra Mundial. O campo de batalha estava cheio de cadáveres de soldados e de cavalos e era Julho, estava calor. Os "meninos de sua mãe" jaziam mortos e apodreciam. O ar em Gettysburg tornou-se irrespirável.



Os cavalos tiveram prioridade e foram queimados numa pira. Os soldados foram enterrados à pressa, com identificações mínimas, sem grandes cuidados. Cães e porcos foram vistos a rondar as campas e alguns túmulos do lado confederado tinham sido tão mal feitos que os esqueletos ficavam visíveis. A situação era tão má que os notáveis da cidade se organizaram para fazer um novo cemitério e, em Novembro, estava em condições para ser inaugurado, ainda a guerra civil continuava. Foi convidado um dos mais famosos oradores americanos Edward Everett, figura chave do "Greek revival", e pedido ao Presidente Lincoln que proferisse algumas palavras. Everett falou duas horas, Lincoln dois minutos.

(Continua.)

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: 272 PALAVRAS DITAS NUM CEMITÉRIO RURAL (2)

Garry Wills, Lincoln at Gettysburg: The Words that Remade America, Simon & Schuster, 2006.

Quando Lincoln proferiu o seu epitaphion eram os gregos que estavam na moda e não os romanos. Enquanto os fundadores da República, os autores da Declaração da Independência e da Constituição, olhavam para a Roma que se defendia dos tiranos, abominavam Júlio César e queriam emular as virtudes severas dos tribunos romanos, os homens da geração de Lincoln estavam em pleno "greek revival". Era para Atenas e para o discurso funebre que Péricles proferiu, segundo Tucídides, que olhavam com a sua sensibilidade romântica. E enquanto Jefferson desenhava a sua casa em Monticello seguindo as simetrias arquitectónicas clássicas que foi buscar a Palladio, os intelectuais (e os militares) "lincolnianos" gostavam da nova vaga de cemitérios rurais, lagos, sombras, árvores, veredas, longos relvados, locais para onde se organizavam excursões escolares e se ia passear aos domingos. Dois mundos.


Se havia terra que precisava de um novo cemitério era Gettysburg.

(Continua.)

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INTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE



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EARLY MORNING BLOGS


1325 - Parting at Morning

Round the cape of a sudden came the sea,
And the sun looked over the mountain's rim:
And straight was a path of gold for him,
And the need of a world of men for me.

(Robert Browning)

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24.6.08


POEIRA DE 24 DE JUNHO

Hoje, há 45 anos, um jornalista de Córdoba, Juan Paris, publicou um artigo sobre Enrique Cadicamo intitulado Tango Gris. Estudou o poema Nostalgias, escrito em 1936, e descobriu um manuscrito de um outro poema, escrito muitos anos depois, sobre a nostalgia de deixar de ter alguém a quem dar as boas noites. Na sua opinião, é a primeira letra de tango que se refere ao telefone.

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ICONOGRAFIA ESQUERDISTA PORTUGUESA 3

Ver 1 e 2 .



Influenciado pelo uso da banda desenhada pelos situacionistas, o grupo editor do Jornal do Emigrante, (na verdade um dos grupos editores visto que o título do jornal era usado por dois distintos sectores políticos na emigração, competindo pela legitimidade do seu uso, pelo que há dois jornais com o mesmo título), publicou várias tiras aos quadradinhos, desenhos e caricaturas usando as imagens e personagens originais acrescentando-lhe frases e enredo revolucionário.

(Jornal do Emigrante, 10-11, Maio-Junho 1971.)

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: 272 PALAVRAS DITAS NUM CEMITÉRIO RURAL

Garry Wills, Lincoln at Gettysburg: The Words that Remade America, Simon & Schuster, 2006.

Mark Twain disse uma vez que a diferença entre a palavra certa e a palavra quase certa era a mesma que distinguia um relâmpago de um pirilampo. O Presidente Lincoln, falando na inauguração de um cemitério para os mortos da batalha de Gettysburg, oito mil para um total de cerca de 50000 baixas, o combate com mais custos humanos na guerra civil, proferiu 272 palavras que tiveram o efeito de 272 relâmpagos:
Four score and seven years ago our fathers brought forth on this continent, a new nation, conceived in Liberty, and dedicated to the proposition that all men are created equal.

Now we are engaged in a great civil war, testing whether that nation, or any nation so conceived and so dedicated, can long endure. We are met on a great battle-field of that war. We have come to dedicate a portion of that field, as a final resting place for those who here gave their lives that that nation might live. It is altogether fitting and proper that we should do this.

But, in a larger sense, we can not dedicate -- we can not consecrate -- we can not hallow -- this ground. The brave men, living and dead, who struggled here, have consecrated it, far above our poor power to add or detract. The world will little note, nor long remember what we say here, but it can never forget what they did here. It is for us the living, rather, to be dedicated here to the unfinished work which they who fought here have thus far so nobly advanced. It is rather for us to be here dedicated to the great task remaining before us -- that from these honored dead we take increased devotion to that cause for which they gave the last full measure of devotion -- that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain -- that this nation, under God, shall have a new birth of freedom -- and that government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth.
O livro de Garry Wills, que ganhou um Prémio Pulitzer, é um notável, notabilíssimo estudo, sobre essas 272 palavras e o modo como mudaram a percepção dos americanos sobre o que eram os Estados Unidos. Mais: não só forneceram um "sentido" à América, como mudaram a maneira como a retórica política se desenvolveu desde aí (as palavras de Lincoln não foram o discurso oficial, mas sim o do primeiro PhD. americano e professor de grego de Harvard, Edward Everett , e que demoraram duas horas a proferir), e estavam, palavra a palavra, cheias de uma história cultural e política, não só americana (ligadas à Declaração da Independência), mas também clássica, grega em particular.
(Continua.)

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INTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE



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O JOGO QUE PERDEMOS SEMPRE



Os portugueses regressam a casa do mais improvável dos países, a Suíça. Numa atitude típica da excitação patriótica à portuguesa, sempre ao lado do mais importante, a Selecção Nacional perdeu o único jogo que não podia perder. Não, não foi com a Alemanha, foi com a Suíça. O único jogo que tinha importância, para além da venal importância de qualquer jogo, aquele que dizia muito aos nossos emigrantes para além do palavreado sobre como os suíços nos adoram e "adoptaram" a Selecção nacional como a sua Selecção B, quando não a A. É destas ilusões que vivemos e, negligentes connosco próprios, fomos perder com a equipa dos patrões dos nossos emigrantes, dando a todos uma pequena humilhação com que voltaram no dia seguinte às obras, aos restaurantes, às limpezas, à Suíça real que olha para nós lá com a sobranceria com que nós olhamos para os moldavos cá.

Os portugueses regressam a casa sem vontade nenhuma de a ver não só porque a festa acabou mais uma vez - é sina das festas estarem sempre a acabar -, mas porque esta festa já tinha alguns ingredientes de última festa, aquela que nos filmes americanos antigos fazia voltar a casa o herói de smoking amarrotado e a rapariga do herói com os laços de organdi do vestido deslassados. Cada um para o seu lado. E não cantam à chuva. Entregam-se ao ciclo das estações, para não se entregarem ao muito mais cruel ciclo do fim do mês. A Primavera acabou, com o seu cortejo de traições, e o Verão implanta-se agora com a modorra dos sentidos e a estabilidade dos hábitos. O Outono está ainda longe mas ninguém quer pensar nele. Mas há, há Outono e há Inverno e lá se irá chegar.

Estes ciclos das estações são importantes, as pessoas agarram-se a eles porque as fazem ultrapassar o ciclo do ordenado no fim do mês. Os taxistas não se enganam e olham sempre para os meses de forma sábia. Há mais trânsito, chegou o fim do mês, há pouco trânsito, as pessoas já gastaram o dinheiro. Nas conversas surge sempre o lugar da crise: há mais espaços de estacionamento pago vazios, há menos gente a comprar peixe nos supermercados, há menos de tudo. É certo que o Sol brilha lá fora e já falta pouco tempo para o Algarve, mas, nos nossos dias, não é a Lua que é enganadora, mas o Sol.

Os nossos bons portugueses que voltam do seu conto de fadas suíço na abóbora e com os ratinhos, e sem qualquer esperança de que o príncipe os vá buscar a casa com o sapatinho certo, regressam ao mundo das más notícias, que lhes foram poupadas por essas "notícias" mais importantes, como seja perguntar à senhora pintada de índia na rua: "Então quem acha que vai ganhar"? "E por quantos vai ser"? Etc., etc. Tudo coisas de profundo conteúdo noticioso. Agora, em casa, lá têm que penosamente aparecer notícias nos noticiários, feitos em redacções que já não sabem fazer muita coisa para além do futebol e têm que lidar com o quotidiano aumento do petróleo, com o aumento dos bens essenciais, entrecortados pela dose habitual de doenças e "casos humanos", quase sempre pouco felizes. O escapismo atira-nos muito para cima, depois a queda é mais brutal.

Os nossos bons portugueses a quem foi dito que o seu Portugal tinha a glória de uma "marca" de sucesso e que, como "marca", estava entre as melhores do mundo, percebem agora como é fácil passar da glória à desagregação, à recriminação, ao quotidiano exercício de maledicência. A culpa entra pela porta grande e nunca é nossa, é sempre dos outros.

Os nossos bons portugueses regressam também a um país que não tem governo. Já há algum tempo que o Governo não governa, embora ainda muita gente não se tenha apercebido isso. Algures no meio das primeiras dificuldades, desistiu, passou a fazer de conta. Não é que tivesse tido vida fácil, mas a "vulnerabilidade" de que falava Sócrates é em primeiro lugar a sua. Enquanto podia fazer de "menino de ouro", como diz o título da sua hagiografia, tudo bem. Com tudo a seu favor, maioria absoluta, cooperação institucional do Presidente, oposição paralisada e descredibilizada, o Governo Sócrates vai chegar a 2009 com os mesmos (ou piores) indicadores que recebeu em 2005. Com excepção do controlo das contas públicas, que, frágil que seja, é mérito do Governo, tudo o resto está pior: desemprego, crescimento económico, inflação, empobrecimento. E não só está pior como a inacção do Governo o vai tornar pior, porque não são só os factores externos que se agravaram. As causas internas contam muito, porque, como Barroso disse da União Europeia depois do "não" irlandês, não há Plano B. Também cá não há Plano B e ficamos na dúvida se chegou a haver Plano A. Os portugueses, após anos de dificuldades, perderam toda a esperança e este é o eleitorado mais difícil de todos, para o Governo e para a oposição.

Lá está o pessimista, pode-se ouvir em fundo, embora um fundo cada vez mais desmaiado. Claro que está, tem que estar, é obrigado a estar, porque só no Olimpo é que se pode ignorar o estado de perplexidade dos portugueses, um caldo de cultura que tende a dar asneira. Sem o identificarmos estamos condenados a ficar manietados dentro daquilo a que alguns chamam o "sistema" e que, numa análise mais fina, se percebe que é a democracia. E, no entanto, só ela nos salva, a democracia, só o voto é a "arma do povo" para usar uma velha fórmula, mesmo que o usemos sem grandes esperanças.

(No Público de 21 de Junho de 2008.)

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EARLY MORNING BLOGS


1324 - Nicholas Bindle

Were you not ashamed, fellow citizens,
When my estate was probated and everyone knew
How small a fortune I left?--
You who hounded me in life,
To give, give, give to the churches, to the poor,
To the village!--me who had already given much.
And think you not I did not know
That the pipe-organ, which I gave to the church,
Played its christening songs when Deacon Rhodes,
Who broke and all but ruined me,
Worshipped for the first time after his acquittal?

(Edgar Lee Masters, The Spoon River Anthology)

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EXTERIORES: COR DA NOITE DE HOJE









S. João no Porto.

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23.6.08


CAFÉS

No Norte há cafés, no Sul há pastelarias, mas são tudo lanchonetes. Chegados à hora do almoço, expulsam toda a gente para pôr as toalhas de papel e servir coisas inenarráveis. Num café junto ao mar, onde estou agora, há muitos anos vi José Régio, encarquilhado, implodido na sua pequenez, a ler um jornal e a tomar um café. Tudo era hábito, tudo normal. Eu gostava pouco de José Régio. Tinha um grande título, Davam Grandes Passeios ao Domingo, e quase mais nada. Tinha lido alguma coisa dele e sempre com um enorme enfado, como a Benilde ou a Virgem Mãe. A presunção ataca muito a certas idades. Tinha (e tenho) um carta dele a elogiar o jornal do meu liceu, o Prelúdio, com aquela letra inconfundível, aberta, redonda, de homem, mas pouco máscula, o contrário da de Vergílio Ferreira, ilegível. Anos mais tarde voltei a Régio por causa do "umbiguismo" de Cunhal. Mas agora vejo-o no mesmo sítio com nitidez, sóbrio e sombrio. Será que alguém me está a ver com os mesmos olhos? Talvez, por piores razões. Antes era pela leitura, agora é pela televisão. "É o senhor da SIC?" Sou, sou o "senhor da SIC" como se fosse dos Anéis.

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SETE, TRÊS E OITO

No casino o croupier, contente com o reconhecimento, disse-me: "aqui é que está a quadratura do círculo", apontando para o círculo da roleta e para os quadrados dos números. É. Ao meu lado, os jogadores conhecidos da mesa, o sr. João, o sr. Martins, deixavam as fichas e mudavam de mesa para jogar em duas ao mesmo tempo. "Estes cinquenta euros são do sr. Martins?". Uma mulher de meia idade escondia notas no soutien. Os jogadores compulsivos jogam sempre da mesma maneira: concentram grupos de duas ou três fichas num espaço muito pequeno, quase sempre nos números mais baixos. Não sei porquê. Se as fichas são azuis, fica um mar de azul. Uma rapariga ucraniana jogava assim. Ouve-se uma voz atrás: "às vezes sai daqui sem ter dinheiro sequer para pagar o estacionamento". Joguei no sete, no três, no oito. Sete e trinta e oito. Sabia que ia ganhar, porque é sempre ao contrário.

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SEMPER IDEM



O meu mar. Sempre o meu mar que vem dum rio. O local onde tudo começou e onde tudo vai acabar. Nada mais me interessa. A luz varia, entre o cruel e a neblina. Cada vez menos gente.

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21.6.08


EXTERIORES: COR DO DIA DE HOJE



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EARLY MORNING BLOGS


1323

hirugane ya waka take soyogu yama zutai

Sinos da tarde —
Na passagem da montanha
Tremula o bambu novo.

(Jôsô, tradução de Edson Kenji Iura)

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20.6.08


COISAS DA SÁBADO: A EUROPA TEM TODAS AS SAÍDAS


Deixa o “não” irlandês a Europa sem saída? É disso que nos querem convencer, também por razões que ninguém põe preto no branco no papel. O que fica sem saída é o projecto de instituir um esquema de poder interior na UE que sirva a França e a Alemanha e que assegure determinadas políticas, usando as maiorias nas votações que antes eram por unanimidade. Porque se não for para isto, há muita e muita coisa que se pode fazer com os Tratados actuais, haja vontade política para a fazer e esforço de negociação. Foi uma Europa de “pequenos passos” que sempre teve sucesso, não a de passos de gigante com pés de barro que é o caminho falhado dos últimos dez anos. Falhado. Falhado.

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EXTERIORES: COR DO DIA DE HOJE



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COISAS DA SÁBADO:
OS ÚNICOS EUROPEUS QUE PUDERAM VOTAR DISSERAM NÃO


O Tratado de Lisboa é uma versão da Constituição Europeia, que não ousa dizer o seu nome. Foi feito disfarçadamente para parecer tão complicado que não lembra o original. Está cheio de truques e de subterfúgios. No ano passado só houve um fio condutor na preparação do novo tratado, e esse fio condutor foi usar todos os artifícios inclusive o dolo, a pressão, a chantagem, para evitar que o Tratado fosse a votos em qualquer sítio na Europa. Sobrava a arcaica Irlanda que ainda tinha a obrigação referendária na sua Constituição. Mas não devia haver problema, como se atreveria esse povo de beatos, freiras, proto-nazis, bêbados, brigões, e comedores de batata, a por em causa o projecto iluminista do nosso tempo, a Europa? Se tivessem lido Joyce, Yeats ou J. M. Synge saberiam que eles não são de fiar.

Agora querem-nos expulsar da Europa, querem tornar um fardo para o governo irlandês o voto democrático dos seus concidadãos e dizem-lhe com arrogância: consertem lá o brinquedo senão vamos brincar para outro lado. Em Portugal também isto foi dito, sem sequer o temor de perceber que esta violência verbal ressabiada ter sido apenas dirigida a um pequeno país e nunca ter sido usada para, por exemplo, a França que votou um sonoro “não” à refulgente Constituição. Quando do “não” na Holanda e na França ninguém disse aos dois países para não empecilharem a Europa e saírem pela porta da rua da União.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: UMAS VEZES ESTÃO, OUTRAS NÃO ESTÃO



Pedras de gelo, depois vaporizam-se. Fragilidades.

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COISAS DA SÁBADO: O DOLO


A palavra é usada pelos juristas e significa má fé, actuação com intenção de enganar, de defraudar, de induzir o outro em erro. Foi o dolo deste Tratado de Lisboa que foi recusado pelos irlandeses. É a crescente sensação de que estão a ser enganados, de que estão a ser usurpados de um poder qualquer, por engano e conduta sub-reptícia, que levará os povos europeus, seja na Suécia, seja na Itália, seja no Reino Unido, seja na França, a “nãos” sucessivos a qualquer Tratado europeu que seja feito com as habilidades com que este foi feito. Os irlandeses disseram “não” por eles e por todos os europeus. Os irlandeses disseram “não” nas urnas a uma Europa a que só se pode dizer “sim”.

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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: AS PRIMEIRAS PALAVRAS (3)

Frederico Lourenço (Organização, tradução e notas), Poesia Grega de Álcman a Teócrito, Lisboa, Livros Cotovia, 2006.

É quando escrevem (falam, cantam) sobre o corpo, o amor, o sexo, a velhice, que as palavras gregas parecem mais puras e cristalinas, menos inquinadas por séculos de repetições e variantes, menos poluídas. Elas estão a ser ditas pela primeira vez e têm a força das palavras ditas pela primeira vez. E como já não as podemos dizer nunca mais pela primeira vez, a primeira vez tem a maldição de ser irrepetível. Veja-se Safo em Tecer é Impossível:
Doce mãe, não sou capaz de urdir esta trama! Estou subjugada
pelo desejo por um rapaz, graças à esbelta Afrodite.
Catorze palavras e está lá tudo. A rapariga ainda conta à mãe, - deve ser muito nova - , do presente da "esbelta Afrodite".
Γλύκεια μᾶτερ, οὔ τοι δύναμαι κρέκην τὸν ἴστον,
πόθῳ δάμεισα παῖδοσ βραδίναν δἰ Ἀφρόδιταν.
Frederico Lourenço escolheu "subjugada" na tradução, podia ter escolhido "quebrada", mas a ideia do "jugo" do desejo, no sentido de ter perdido a vontade própria, reforça a perturbação sentida pelo "rapaz". A rapariga já não consegue tecer, mudou de vida.

Anacreonte não fala de "jugo" fala de uma "machadada":
Como um ferreiro de novo o Amor me golpeou
com um grande machado e banhou-me na corrente invernosa.
A imagem está de novo muito presa a uma simplicidade quotidiana, a uma cena que foi comum no passado, que quem passasse podia ver: um ferreiro golpeia o ferro em brasa numa bigorna e arrefece-o numa tina de água. Mas a água tornou-se uma "corrente invernosa" e, de novo, sem sair da natureza, - estamos num mundo em que há muito poucas coisas artificiais, para além das roupas, das armas, da cerâmica, de meia dúzia de utensílios - , emerge a perturbação.

(Continua, em breve.)

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© José Pacheco Pereira
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