ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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28.6.08
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POEIRA DE 28 DE JUNHO
![]() Aponius ficou perturbado pela frase e é com ela que começa a sua carta. A carta é considerada por alguns autores alemães que estudaram a literatura neo-latina como um dos mais dolorosos textos sobre a amizade perdida. Aponius, que vivia isolado no seu mosteiro, mantinha há anos uma cumplicidade activa com o seu amigo saxão mais versado nos movimentos da corte. Ele era a sua companhia. Partilhavam pontos de doutrina, discussões teóricas, fúrias, amizades e inimizades, como se o seu destinho fosse comum. Não era. Por razões que desconhecia, mas que imaginava serem as piores, Aponius tinha perdido o seu amigo. Não se conseguia acomodar à sua nova realidade mais solitária porque povoada pelas memórias do passado. Na carta, conta como a memória infeliz se pega às coisas. Molhava a pena num tinteiro de prata e recordava-se da altura em que um pequeno embrulho lhe chegara, caminhava por uma vereda do mosteiro e ao lado dele seguia a sombra que com ele descera o caminho. Aponius sentia agora o seu amigo como um estranho, alguém que nunca tinha conhecido e não conseguia conviver com o contraste entre a tristeza do presente e a alegria do passado. Não se sabe se a carta chegou a ser enviada ou, se foi enviada, chegou ao destinatário. Havia uma guerra civil entre eles, dois mundos. De Aponius nada mais se sabe. *
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© José Pacheco Pereira
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