ABRUPTO

5.3.05


A CAMINHO

"A boca de um vulcão. Sim, boca; e língua de lava. Um corpo, um monstruoso corpo com vida, macho e fêmea ao mesmo tempo. expele, ejecta. É também um interior, um abismo. Uma coisa viva, que pode morrer. Algo inerte que de vez em quando se agita. Que apenas existe de modo intermitente. Uma ameaça permanente. Ainda que previsível, geralmente imprevista. Caprichosa, insubmissa, malcheirosa. (...).
Claro que o podemos ver como um grande fogo-de-artifício. É tudo uma questão de meios. Vê-lo de bastante longe. Há belezas que são para admirar apenas de longe, diz o dr. Johnson; não há espectáculo mais grandioso qaue o das chamas. A prudente distância, é o espectáculo supremo, tão instrutivo quanto emocionante. Depois de um repasto na villa de Sir***, vamos para o terraço, armados de telescópios, para observar. Um penacho de fumo branco, o ressoar tantas vezes comparado ao rolar distante dos timbales: abertura. E começa então o colossal espectáculo, o penacho inflama-se, intumesce, eleva-se, uma árvore de cinza que sobe cada vez mais alto até se achatar sob o peso da estratosfera (com alguma sorte veremos como que sulcos de esqui laranja e rubros correr pela encosta abaixo) - horas, dias disto. Depois, calando, acalma. Mas de perto, o medo convulsiona as tripas. Este ruído, um ruído abafado, é uma coisa que nunca poderíamos imaginar, impossível de conceber. Um contínuo fluir de um som áspero, de um estrondear titânico que parece estar sempre a aumentar de volume e no entanto é impossível ser mais ruidoso do que já é; um vómito fragoroso e ensurdecedor que enche o espaço, que nos deixa sem pinga de sangue e nos revira a alma. Mesmo os que se consideram apenas espectadores não conseguem furtar-se à investida de aversão e terror, nunca antes experimentado. Numa aldeia no sopé da montanha - poderemos aventurar-nos até lá -, o que de longe parecia um caudal torrencial revela-se a massa rastejante de escórias viscosas pretas e vermelhas, paredes tenteantes que se sustêm ainda um momento para logo cederem trementes aspiradas com um plop pela frente dessa lama palpitante; forçando, aspirando, devorando, deslassando os átomos das casas, dos carros, vagões, árvores, umas a seguir às outras. É então isto o inexorável.
"

Susan Sontag, O Amante do Vulcão, Lisboa, Quetzal Editores, 1998.

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OUVINDO LUIGI NONO / GRANDE NOMES : LA LONTANANZA NOSTALGICA UTOPICA FUTURA


La lontananza nostalgica utopica futura, Madrigale per più “caminantes” con Gidon Kremer.

*
Grandes nomes/títulos e grandes obras musicais. O último ciclo de obras de Nono foram motivados por uma inscrição visto pelo compositor numa parede de Toledo, "Caminantes, no hay caminos, hay que caminar", na qual surpreendentemente o compositor não reconheceu o conhecido mote de Antonio Machado, poeta que todavia já tinha abordado em música. O título completo da primeira desta obra é "La lontaneza utopica futura, Madrigale per piú 'caminantes'" e do ciclo fazem parte ainda "Caminantes...Ayacucho" e "No hay caminos hay que caminar ... Andrei Tarkovski", derradeira obra de Nono. Se nestas obras o compositor retomou a errância do Wanderer de Nieztche, toda a sua fase final da sua obra, de alguém que foi também o autor mais politicamente comprometido da geração da "vanguarda" e membro do Comité Central do PC Italiano, sempre muito crítico do sistema soviético, toda essa final é atravessada pelo horizonte do silêncio mas também, creio, por um diálogo com o Anjo da História de Benjamin; daí também "La lontananza nostalgica utopica futura". Outros grandes títulos são "À Pierre, del azurro silenzio, inquietum", dedicado a Pierre Boulez, e o mais importante de todos, a obra crucial da última poética de Nono, "Prometeo, la tragedia dell'ascolto".

(Augusto M. Seabra)

*
Há falhas no texto de Augusto M. Seabra que publicou:

1) O título completo da obra é la lontananza nostalgica utopica futura, madrigale per piú caminantes con Gidon Kremer. Ou seja, lontananza e não lontaneza, e falta a A.M.S. as palavras nostalgica e ainda con Gidon Kremer
2) No conjunto de obras mencionadas por A.M.S., falta «Hay que caminar» soñando, para dois violinos, 55ª obra do catálogo do Nono, composta em 1989
3) essa sim, a última obra terminada por Nono, e não No hay caminos, hay que caminar (obra de 1987 e 52ª do catálogo), como afirmou A.M.S.

De um ponto de vista meramente pessoal, permita-me que lhe recomende ...sofferte onde serene... (36ª obra, piano e banda magnética, 1974-1976) bem como Quando stanno morendo, diario polacco nº 2 (41ª obra, 1982).

Permita-me ainda que lhe recomende algo para engordar a sua bibliofilia: Luigi Nono - Écrits, Christian Bourgois Editeur (livro no qual poderá fazer um fact check das correcções que apontei)
(César de Oliveira)

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MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (3ª série)


Arcimboldo

Nasci e cresci numa casa de cujo jardim se avistavam as palmeiras do jardim traseiro da Biblioteca [Pública Municipal do Porto]. A casa lá permanece (a minha mãe ainda lá vive) mas a maior parte das árvores imponentes já não existe, o jardim foi destruído há já alguns anos sob um pretexto qualquer. Também frequentei com muita assiduidade a sala de leitura e lembro-me bem do professor Cruz Malpique lá sentado, rodeado de livros e de fichas. Embora nunca tivesse sido sua aluna, também o conhecia bem do Alexandre Herculano, onde era uma das vinte ou trinta "meninas" destinadas às Letras e ao Direito, que por lá passaram no fim dos anos cinquenta por falta de espaço nos liceus femininos.
Cedo adquiri o hábito de ir para lá estudar ou requisitar livros para leitura domiciliária, pois o hábito manteve-se depois do fim do liceu, quando já era estudante em Coimbra.

Os claustros que era preciso contornar, ventosos e gelados no Inverno e frescos no Verão, onde se esquecia o barulho da rua e só se ouvia o arrulhar dos pombos, antes de se ganhar o acesso por uma escada de pedra de degraus muito gastos. A sala de leitura, como é retratada na fotografia enviada , era à direita, ao cimo das escadas, à esquerda ficava o mistério dos arquivos, onde os funcionários por vezes se deslocavam à procura dos livros.

(Maria Emília Malta)

*

Como tive a sorte de nascer numa casa cheia de livros - os meus pais derretiam as poupanças de empregados de escritório nos alfarrabistas -, só no então Liceu Normal de Pedro Nunes tive oportunidade de viver a aventura de explorar uma biblioteca bem organizada.
E tive outra sorte, quando isto aconteceu, que foi a de a referida biblioteca ser dirigida pelo prof. Rómulo de Carvalho, que nos fazia o favor de ser na sua outra vida, como sabe, o António Gedeão. Muito antipático, nas aulas, nos intervalos, na direcção de ciclo e nos cruzamentos com alunos no Jardim da Estrela, perfeitamente integrado na disciplina vigente do come e cala, magister dixit, o poeta-profe era outro, dentro da biblioteca do Pedro Nunes, mesmo que mantivesse vestida a ameaçadora bata branca das fisico-químicas: afável, solícito, quase amigo. Deixava as preocupações do regime a cargo da sinistra D. Teresa, a contínua-vigilante, e mergulhava nos livros.
Ao longo dos três anos em que contactámos, orientou as minhas leituras com esperteza e sensibilidade, apresentou-me a ficção científica, que substituiu os Cinco e o Verne, e até "discutiu" comigo O Mundo dos Outros do José Gomes Ferreira, que foi meu livro de cabeceira num ano qualquer da adolescência.
Dentro da biblioteca, só regressou à sua concha de professor metodólogo do sistema educativo da ditadura em duas ocasiões: uma, quando eu, espertinho, tentei requisitar a Dolicocéfala Loira de Pitigrilli, que os meus pais, em casa, tinham retirado da circulação ("Tenha juízo e ponha-se lá fora"); outra, quando Manuel Freire cantou no Zip Zip a "Pedra Filosofal" e eu, pretendendo criar uma ponte, outra vez espertinho, fui requisitar a Poesia Completa do sôtor Gedeão, mesmo tendo o livro à disposição em casa ("Se pretende bajular-me, olhe que eu sou pouco permeável a graxa").
O resto é só boas recordações.

(ACS)

*


Foto de Margarida Monteiro tirada no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, "que visitei em 2003".

*

Em minha casa tenho a biblioteca dividida em três áreas: ficção, não ficção e banda desenhada. Estão todas razoavelmente organizadas, com as duas primeiras ordenadas por autor. A de banda desenhada é diferente, porque mais complicada de estruturar: optei por ‘personagens’, ‘colecções’ e ‘autores’.
A minha paixão por esta área começou porque me tentaram proibir de ler “quadradinhos”. Pelo lado da minha mãe, sou filho e neto de professores primários, daqueles que, normalmente, se rotulam de “clássicos”. Para o meu avô, a BD era vista como “fonte do mal” porque não estimulava o leitor no desenvolvimento da escrita, nomeadamente no que às descrições dizia respeito. Paradoxalmente, comecei a ler BD por influência dele. É que, para entreter a minha mãe, o meu avô recortava as diversas histórias publicadas no lendário suplemento juvenil dominical do Primeiro de Janeiro, e compilava-as em “livro”. Pouco depois, descobri que uns vizinhos tinham a colecção completa da revista ‘Tintin’, devidamente encadernada. Esse Verão, o de 1978, foi fantástico...
O primeiro álbum que adquiri foi do Michel Vaillant, “Os Cavaleiros de Koenigsfeld”, de Jean Graton. Comprei-o numa livraria, cheia de pó, que existia mesmo ao lado da entrada do cinema Trindade, no Porto, onde o meu pai comprava os livros jurídicos que hoje tenho no meu escritório. A partir daí nunca mais parei. Tenho milhares de livros de BD, de todas as proveniências, cobrindo todas as "escolas" e tendências, mas, como não há amor como o primeiro, continuo fiel à área franco-belga.
Hoje, claro, debato-me com a inevitável falta de espaço. Mas já vislumbro a solução. Tenho um tio, professor na Universidade do Minho, que fez uma coisa fantástica: debatendo-se com falta de espaço, comprou um apartamento. Mandou retirar a cozinha pré-instalada e apenas colocou luz, uma mesa, uma cadeira e desumidificadores. As paredes, essas, estão completamente forradas de livros. Tem 70 anos e, eu, metade. Estou certo que chegarei ao "Paraíso" mais depressa do que ele.


(Pedro Brás Marques)


*

(...) não resisto a falar-lhe de uma biblioteca que, não sendo particularmente rica, preencheu, no entanto, muitas tardes e muitos invernos da minha juventude. Refiro-me à Biblioteca do Museu dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais. Situada em pleno parque, num jardim magnífico, verde e húmido, que eu era obrigado a atravessar de cada vez que lá ia. Logo no percurso me cruzava com os patos e as aves residentes que por ali deambulavam e chilreavam indiferentes à minha passagem, sentindo o cheiro dos pinheiros e de alguns eucaliptos.
Conheci-a por recomendação de um dos meus professores, quando em determinada altura necessitei de realizar um pequeno trabalho- Rapidamente me tornei seu leitor assíduo.
Era uma casinha pequena, um anexo do palácio, com uma sala aconchegante, com duas mesas, havendo quatro lugares em cada uma delas e mais dois pequenos sofás junto a uma lareira onde durante todo o Inverno o fogo crepitava. O pessoal era extremamente atencioso e logo à segunda ou terceira visita, assim que me tornei familiar, deixou-me à vontade. Passei então a circular livremente pelo meio das estantes, a sentir o cheiro do papel velho misturado com o dos pinheiros e da humidade, agarrando em todos os livros e mais alguns, devorando uns a seguir aos outros. De Eça a Camilo, de Baudelaire a Balzac, de Maupassant a Malraux, tudo me interessava. Ao fim do dia requisitava dois ou três livros para levar para casa, livros que religiosamente devolvia dois ou três dias depois. Cada um desses livros tinha uma ficha na contracapa onde a funcionária de serviço anotava o dia em que o livro era entregue e a data prevista para a devolução. Ali passei muitas tardes de Inverno (eu tinha aulas de manhã) e muitos dias de Verão quando o calor apertava e a praia se tornava insuportável devido aos magotes de gente que a enchiam. Nesse tempo só podia ir ao Guincho, a minha praia de eleição, quando alguém me dava boleia. Não tinha idade para ter carta de condução, não tinha carro nem mota e detestava ir sozinho no autocarro que saía da estação de Cascais. A biblioteca foi muitas vezes o refúgio das minha paixões juvenis quando eu, desesperado, procurava nos livros as respostas que não encontrava nas minhas amadas. A liberdade e o conforto que gozava dentro daquela bilbioteca e a inexistência de qualquer burocracia na requisição dos livros faziam daquele espaço um oásis.
Aquilo que eu ali não tinha - burocracia - passei a ter quando entrei para a Faculdade e comecei a frequentar outras bibliotecas. As idas à Biblioteca Nacional, à Gulbenkian ou mesmo à biblioteca da minha faculdade tornavam-se um suplício. Não sei porquê mas tinha a sensação de que chegava sempre na hora de fechar tal a desconfiança com que me olhavam. O cerimonial do preenchimento da requisição, a distância entre mim e os funcionários, a necessidade da exibição do bilhete de identidade, do cartão de estudante, o tempo de espera até que o livro chegasse, sentado no meu lugar, olhando o tempo a passar enquanto o livro não chegava, vagaroso, no carrinho da distribuição. O que mais me aborrecia então era ter de me limitar a procurar os livros, que eu muitas vezes nem sabia que existiam, nas fichas, sem poder manuseá-los antes de os requisitar. E quantas vezes, no fim, chegava a desilusão. Não era nada daquilo que eu queria. O título não tinha correspondência com o texto, a ficha estava mal preenchida, o autor era afinal o editor. Uma tristeza. Tanto tempo a preencher a requisição e à espera do livro para passados cinco minutos já estar a devolvê-lo e a preencher nova requisição, logo seguida de nova espera.
Talvez tenha sido tudo isso que mais tarde me fez detestar Lisboa. Sentia tudo aquilo muito distante, demasiado rígido para o meu gosto. Para quem se tinha habituado a frequentar a Biblioteca do Museu dos Condes de Castro Guimarães, com todas as suas limitações, era muito difícil aceitar as regras das outras bilbiotecas. Ainda fui algumas vezes a uma biblioteca municipal, creio eu, ali para os lados do Campo Pequeno, mas já não havia nada a fazer.
Algumas anos volvidos voltei a encontrar duas bibliotecas muito agradáveis, já não em Portugal, mas em Macau. A velhinha bilbioteca do Leal Senado de Macau e a pequena bilbioteca chinesa, junto ao Clube Militar. Mas o tempo já era outro, eu já não era o mesmo e os meus interesses também tinham mudado.
Durante o meu mestrado frequentei com indiscritível prazer as bibliotecas do ICS e do ISCTE. Só que mudando as preocupações e os interesses também mudam os livros. De todas elas guardo boas recordações, pese embora o barulho da última, mas até hoje nunca encontrei outra biblioteca como a do Museu dos Condes de Castro Guimarães. Não sei como ela está nos dias que correm, mas espero que continuem a cuidar dela, com o mesmo pessoal atento e simpático que me transportou para uma outra dimensão do prazer da leitura e do convívio com os livros. Foi um tempo doce e sereno o que passei nessa bilbioteca, tempo que hoje recordo com uma imensa saudade.

(Sérgio de Almeida Correia)

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EARLY MORNING BLOGS 443


Hopper

Filling Station


Oh, but it is dirty!
--this little filling station,
oil-soaked, oil-permeated
to a disturbing, over-all
black translucency.
Be careful with that match!

Father wears a dirty,
oil-soaked monkey suit
that cuts him under the arms,
and several quick and saucy
and greasy sons assist him
(it's a family filling station),
all quite thoroughly dirty.

Do they live in the station?
It has a cement porch
behind the pumps, and on it
a set of crushed and grease-
impregnated wickerwork;
on the wicker sofa
a dirty dog, quite comfy.

Some comic books provide
the only note of color--
of certain color. They lie
upon a big dim doily
draping a taboret
(part of the set), beside
a big hirsute begonia.

Why the extraneous plant?
Why the taboret?
Why, oh why, the doily?
(Embroidered in daisy stitch
with marguerites, I think,
and heavy with gray crochet.)

Somebody embroidered the doily.
Somebody waters the plant,
or oils it, maybe. Somebody
arranges the rows of cans
so that they softly say:
ESSO--SO--SO--SO

to high-strung automobiles.
Somebody loves us all.


(Elizabeth Bishop)

*

Bom dia!

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4.3.05


BIBLIOFILIA: TEMPOS DUROS, BOAS CAPAS



Pois é. O grafismo dos anos trinta era vigoroso e ainda pareceria mais forte se o comparássemos com as capas das décadas anteriores. Isto era verdade para publicações nacionalistas e fascistas como estas, mas também para as comunistas que, como eram clandestinas, são menos conhecidas e tinham menos meios ao seu dispor. Entre as coisas que são a outra (ou a mesma face?) das matanças espanholas, que apareciam na última “bibliofilia”, está esta vitalidade da arte em momentos duros. E, registe-se, sem lado.

A arte, a bem dizer, vende-se barato.

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MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (2ª série)



E. Ruscha

Tenho gravado na memória o registo de um ambiente muito português, mas pouco conhecido pelos que nasceram em Portugal. Trata-se do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro . Lembro de ter passado muitas manhãs neste ambiente fantástico, feito exclusivamente para privilegiar a leitura, pensado ao pormenor para oferecer conforto aos leitores. Principalmente quanto a utilidade e beleza impar de seu imenso tecto de vidro, que confere ao ambiente uma luminosidade indescritível nos ensolarados dias tropicais do RJ.

O acervo, segundo anunciam, é o maior de autores portugueses fora de Portugal. Foi ali que conheci Eça de Queirós, Gil Vicente, Jaime Cortesão, António Sérgio, Damião Peres e, até mesmo, Vitorino Magalhães Godinho.

Eu fazia, à noite, o curso de História na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e durante os meus dias, me dedicava à leitura. Quase sempre na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, mas muitas vezes no adorável Real Gabinete Português de Leitura.

(Edgard Costa)

*

Fico impressionada com a quantidade de pessoas que lhe escrevem a contar as suas histórias e a relação estreita que tem com os livros. Surge muitas vezes referência às bibliotecas itenerantes da Gulbenkian. Havia uma em Mogadouro que a minha mãe frequentava e que eu ainda cheguei a ver. Quando era criança passava às vezes por uma outra, já residente e também da Gulbenkian, onde o meu tio J. ainda é bibliotecário. Foi lá que descobri os livros do elefante Babar. Mais tarde, numa biblioteca onde haveria de descobrir outros mundos, a do Instituto Britânico no Porto, devorei revistas de cinema e enciclopédias de arte. Encontrei lá Kazuo Ishiguro e William Golding.

Devo em grande parte à minha mãe esse prazer da leitura que trago hoje comigo e que espero passar adiante. Devo-o também a alguns amigos. Mais que da leitura, o prazer dos livros. Um dos presentes que mais gozo me deu receber foi a biblioteca que herdei do meu tio D. Modesta, acompanhou-o numa vida celibatária passada entre uma África imensa e uma Trás-os-Montes fechada. Descobri lá Salgari e a Agatha Christie. A leitura de tantos livros policiais na adolescência devo-lha a ele. Ficou-me talvez o fascínio pelo chá desses ambientes interiores do countryside inglês. E também das estórias dos colégios ingleses da Enid Blyton, onde os pic nics a meio da noite e as escapadelas à disciplina austera eram frequentes. A relação mais afectuosa com os livros da infância e da adolescência.

(PPM)

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Sinto um misto de saudade e carinho muito especiais, sempre que passo em frente ao edifício da Câmara de Leiria – belo exemplar da vasta obra do ilustre Arq. "naturalizado” Leiriense Ernesto Korrodi - e recordo aquela sala do 1º andar que albergava no início dos anos setenta a velha biblioteca Afonso Lopes Vieira. Era pequena e escura, com estantes em madeira de mogno atafulhadas de livros, revistas, enciclopédias e manuscritos. Havia ainda alguns bancos também em madeira, 3 ou 4 secretárias para estudo individual e um candeeiro de luz amarela que, naquelas noites invernosas ou tardes de canícula , me proporcionavam um conforto acolhedor e um ambiente de grande recolhimento, propício ao estudo e reflexão.

Mas o que retenho ainda mais agudamente na memória é a figura da funcionária da biblioteca, uma senhora à beira da reforma que nunca mais vi nem nome não recordo, sempre solícita, de bom trato e que me ajudou também na gramática e nas traduções do Alemão. A Senhora tinha na sua juventude aprendido a língua teutónica e ficava entusiasmada sempre que lhe falava em alemão ou lhe solicitava ajuda! Reconheci depois que algum desse entusiasmo me foi transmitido e incentivou as minhas leituras. Até hoje!

(Manuel Oliveira)

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Na inauguração da nova Biblioteca Municipal de Odemira (baptizada de "José Saramago"...), disse o vereador da cultura:
"Todo este espaço sucede na sua função cultural, à velha mas tão querida Biblioteca da Gulbenkian, a quem, nunca será demais agradecer o trabalho desenvolvido tantos e tantos anos no país e também em Odemira, bem como a doação total do acervo com cerca de sete mil exemplares à Biblioteca Municipal."

No site da Câmara Municipal de Odemira, faz-se a apresentação da Biblioteca Municipal e da importância da Fundação Gulbenkian. Curiosamente, também o presidente da CMO, autor do texto, cita logo à cabeça, o Emílio Salgari:
"Eram as carrinhas-biblioteca da Gulbenkian que à sexta à tarde chegavam, enquanto a malta de olhos esbugalhados e não sem alguns empurrões à mistura para assegurar um melhor lugar, ficava na bicha. À espera…Eram os Cinco, as aventuras de Emílio Salgari, de Júlio Verne, eram Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis…Poucos e sempre os mesmos, os livros eram disputados ao palmo. A sua "raridade"
levava a que frequentemente houvesse lugar a segunda ou terceira leitura. Inacreditavelmente havia sempre algo de novo…Depois foi a biblioteca fixa em Odemira. Pequenina, escura e desconfortável, mas extraordinariamente rica de conteúdo, de cumplicidades, de amizades e de sonhos. Depois, um pouco a nossa utopia. "
A nova Biblioteca mantém um serviço de "Bibliomóvel ", um veículo que transporta uma biblioteca pelas freguesias do interior do maior concelho do país.

(Luis Silva)

*

Na nossa família, as bibliotecas vão passando de pais para filhos… Mas com o incurtar das casas, as coisas vão-se tornando difíceis. Lembro-me de casa dos meus avós onde havia armários repletos de livros: os de exposição na sala, eram os permitidos por quem mandava nessas coisas (havia mesmo o Índex, onde estava determinados os autores que podiam ou não ser lidos): livros para toda a família, adolescentes, senhoras. Por exemplo, livros de autores franceses, alguns até galardoados mas com prémios talvez um pouco duvidosos, pois os conteúdos… E nas salas menos expostas estavam os livros mais “intelectuais” onde era preciso pedir licença para serem lidos – principalmente sendo eu uma miúda, pois nem tudo era lisível.

A minha mãe, senhora considerada intelectual para a altura pois até tinha um curso superior, era uma amante de livros e toda a vida gastou, desde que começou a ganhar dinheiro, o que podia em livros. Havia primeiras edições de Vergílio Ferreira, Mário Dionísio, Vitorino Nemésio, e livros proscritos como os de Eça, Zola, André Malraux, Mário de Sá Carneiro, etc. A cultura era mais franco-portuguesa, era houvessem livros de escritores ingleses, Hemingway, Huxley, Maugham, Shaw.

Do meu pai herdei o gosto pelos livros de aventuras: Dumas, Verne, quilos de livros de aventuras de cowboys, a colecção dos livros de Simões Muller sobre as biografias de pessoas célebres como Florence Nitthingale, Camões, os Pony Express, etc. e, é claro, a banda desenhada: o Mundo de Aventuras, mais tarde o Tintin e ainda o jornal da Mocidade Portuguesa para meninas: A Fagulha.

E ainda, graças à falta de televisão, comecei a ler tudo o mais que apanhava. Trocavam-se livros com toda a gente: entre primos, amigos.

Lembro-me uma vez de uma tia ter ganho um prémio de um concurso do Diário Popular cujo prémio era 20 contos em livros (uma fortuna!) em diversas editoras. E como não era muito dada a essas coisas, convidou-me para partilhar com ela o prémio: fomos à Sá da Costa, à Bertrand e outras editoras de que não me lembro o nome, mas que me deram bons livros. Foi um regalo.

Agora na minha casa, tenho beneficiado das heranças: o espólio da minha mãe foi dividido entre os irmãos mais “intelectuais” e reconheço ter-me aproveitar do desconhecimento de alguns para ficar com uma biblioteca razoável. E as tias velhinhas a morrer têm-me permitido alargar o leque de livros, com os livros de Poche, embora a falta de espaço seja aterradora. Tenho alguns milhares, uns que li, outros que não e alguns que gostaria de reler. Estou à espera da reforma, cada vez mais longe, para passar 10 anos seguidos sem sair do sofá. Nos intervalos vou lendo como posso. Todos os dias um pouco.

Gostaria que os meus filhos também lessem: mas fazem-no pouco, muito pouco. Hoje lêem-se outras coisas. Tenho uma neta a quem vou passando os Condessa de Ségur que li quando tinha a sua idade. Poderá ser a minha esperança.

(B. Nolasco)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota BIBLIOFILIA: EFÉMERA DOS TEMPOS DA PESTE com a história de uma terrível pergunta: "É um grande espectáculo assistir à morte de um homem, verdade?"

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EARLY MORNING BLOGS 442

Breakfast


Rush hour, and the short order cook lobs breakfast
sandwiches, silverfoil softballs, up and down the line.
We stand until someone says, Yes? The next person behind
breathes hungrily. The cashier's hands never stop. He shouts:
Where's my double double? We help. We eliminate all verbs.
The superfluous want, need, give they already know. Nothing's left
but stay or go, and a few things like bread. No one can stay long,
not even the stolid man in blue-hooded sweats, head down, eating,
his work boots powdered with cement dust like snow that never melts.


(Minnie Bruce Pratt)

*

Bom dia!

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MAIS MEMÓRIAS DA BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO

Enviadas por Sílvio Costa estas fotografias que são o exacto retrato da Biblioteca que ainda conheci:

Biblioteca Pública Municipal do Porto - Anos 60

Todos voltados para o mesmo lado, de frente para o vigilante da sala (o seu amigo só podia desenhar desta perspectiva), as mulheres a um lado, os homens ao outro…



… e ao fundo a estante de coro e os mais novos, mais irrequietos.



Fotografias de Platão Mendes em MARJAY, Frederic P. Porto : capital do norte origem de Portugal. Lisboa : Bertrand, 1963.

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BIBLIOFILIA: EFÉMERA DOS TEMPOS DA PESTE



Num arquivo, que recentemente obtive, estão um conjunto de documentos, jornais, panfletos, fotos, cartazes e livros muito interessantes, todos eles retratando a tumultuosa vida da Península Ibérica no século XX. Um deles é esta edição falsa do Avante! feita pela PIDE ou pela Legião em 1962 e destinada a caluniar Delgado e a usar o seu passado anti-comunista contra o PCP. Conhecem-se vários casos de números falsos do Avante!, mas este é mais perfeito na sua cópia do grafismo do jornal verdadeiro.


No arquivo está também uma série de fotografias mostrando uma realidade mais trágica. É um conjunto de fotos tiradas durante a guerra civil espanhola e que desconheço se são total ou parcialmente inéditas pelo menos em Portugal. Todas retratam cenas de violência e morte, fuzilamentos, cadáveres no chão, campos e ruas com mortos. Algumas estão legendadas à mão em português, como esta série que retrata a prisão interrogatório e fuzilamento de "comunistas" em Llerena, na Estremadura, na circunscrição de Badajoz. Sabe-se que Llerena foi tomada pelos nacionalistas em princípios de Agosto de 1936 e que logo a seguir houve centenas de fuzilamentos. É provável que estas fotos testemunhem esses fuzilamentos de 5 e 6 de Agosto. Como neste mesmo período de tempo, o jornalista português Mário Neves se encontrava na região e foi uma das raras testemunhas do chamado "massacre de Badajoz", é provável que estas fotografias tenham sido por ele tiradas ou trazidas.

*
A propósito das fotos dos fuzilamentos em Badajoz, lembrei-me de uma história contada por um tio-avô, que foi testemunha desse trágico momento. Naqueles anos 30, a guerra civil espanhola era seguida com toda a atenção, e após a queda de Badajoz, organizaram-se excursões para assistir a esses fuzilamentos naquela cidade.

Presumo que a maioria das pessoas que estava nessas excursões alinhava pelas ideias do Estado Novo. O objectivo da viagem era assistir à punição dos agressores da sociedade, daqueles que atentavam contra o nosso modo de vida, a "tranquilidade social" defendida pelo antigo regime. A viagem a Badajoz era uma manifestação da solidariedade aos franquistas e uma afirmação da ideologia política de cada um dos excursionistas.

Numa dessas excursões, os anfitriões espanhóis cederam uns lugares especiais aos convidados portugueses para que pudessem apreciar todos os pormenores das execuções. Aconteceu que os homens que iam ser fuzilados pararam por uns instantes em frente aos convidados portugueses.

Um desses homens percebeu que estavam ali estrangeiros para assistir à sua morte. Olhou alguns deles nos olhos e perguntou-lhes "Sois portugueses, verdade?" Alguns responderam que sim. "É um grande espectáculo assistir à morte de um homem, verdade?" perguntou-lhes o condenado.

Esta pergunta deixou profundamente transtornados vários portugueses. Alguns perceberam imediatamente que tinham levado o seu combate político longe demais. Sentiram-se profundamente envergonhados por presenciar aquele “espectáculo”; apenas queriam sair dali o mais rapidamente possível. Aquela pergunta de um homem condenado à morte fê-los perceber que nenhum combate político podia justificar a morte de uma pessoa. Passadas algumas décadas, alguns ainda recordavam o rosto e a expressão daquele homem ao dirigir-lhes aquelas últimas palavras.

(Marco Oliveira)

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3.3.05


MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS

Em Odemira, no ínicio dos anos 80, a biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian era visita diária para mim e para mais alguns miúdos que não tinham muito mais onde ocupar o tempo que sobrava da escola. O ínicio da adolescência pedia a leitura de aventuras fantásticas, de bandas desenhadas que não da Disney, de autores e mundos ainda não visitados. O Sr. Gilberto era o guardião de duas pequenas salas com estantes a toda a volta, do chão ao tecto, repletas de livros devidamente identificados com tiras de côr diferentes. No seu interior um cartão listava os leitores e as datas de em que tinham sido entregues ao seu cuidado. O velho Sr.Gilberto tinha sempre uma inesperada rispidez para os jovens frequentadores das duas salas e era imperdoável com os retardatários nas devoluções. Ao mesmo tempo, quando chegava nova remessa de livros era com um ar de quem oferecia um doce às escondidas, que nos indicava a sala do fundo. "Chegou uma nova remessa. Vai lá ver se encontras alguma coisa". Encontrei como encontrava sempre. Encontrei o Sandokan do Salgari, encontrei a BD do Alix, do Blake & Mortimer... Encontrei a Agatha Christie e Conan Doyle. Encontrei muitos que agora não lembro. Mais tarde encontrei um outro livro. Tinha doze ou treze anos, quando decidi levar para casa um livro de que tinha ouvido falar na televisão. O "1984" é coisa para marcar um adolescente.
Nunca agradeci à Gulbenkian e ao Sr. Gilberto o ter viajado e aprendido tanto.

(Luís Silva)

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Por razões de vida raramente tive acesso a bibliotecas publicas até ao fim da adolescência. Contudo, o meu pai, fez uma excelente biblioteca ao longo da vida, e de tudo e todos, portugueses, brasileiros, ingleses, americanos, russos,etc.,romances, biografias, poesia, teatro, aos franceses é que numca se chegou por aí além. Como na minha infãncia viviamos numa pequena ilha do Indico que fez o meu pai quando ainda tinha 3/4 anos. No meu quarto, na "sala de estar", tinha sempre á mão de semear, estava cercado de livros, revistas, jornais, volumes de inciclopédias e quadradinhos. E de aí veio meu prazer pela leitura e pelos livros, a capa, o papel, a letra.Li a biografia de Talleyrand aí com 12 anos, quase nada percebi. Estou agora a reler porque os tempos aconselham. Mas é porque na adolescência o tive na mão !
A paixão do meu pai pela literatura vei de que em criança, de pais humildes, que trabalhavam na terra, teve a oportunidade de em criança passar dias na biblioteca particular de Homem Cristo(Pai), que me disse ter sido de ctegoria excepcional para o país e para a época.
É nessa idade que se tem desenvolver a curiosidade pelo pensamento dos outros e saber da existência das coisas.

(C. Indico)

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O fascínio pelos livros nasceu na consulta de bilbliotecas familiares. A edição completa do Arquivo dos Açores, editada por Ernesto do Canto, exerceu sobre mim um enorme fascínio. Recordo-me de, enquanto a minha prima tocava piano, eu, então com 14 anos, consultava, deliciado, aquele magnifíco amontoado de documentos sobre a História dos Açores.
O passo seguinte foi a então Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Ponta Delgada, onde, nas férias, devorava livros de História e Literatura. Aos 15 anos, ganhei a reputação de leitor assíduo, onde com Hugo Moreira, um cinquentão investigador da História Açoriana, ocupávamos diariamente os nossos lugares cativados pelo uso. Ganhei direito a que o Sr. Silvestre, um bibliotecário profundamente conhecedor do espólio micaelense, me conduzisse numa visita guiada às preciosidades bibliográficas do Largo da Graça, onde, no antigo Convento dos Gracianos, se encontrava alojada a instituição. Tive o privilégio de percorrer demoradamente as estantes onde se encontravam conservadas as bibliotecas particulares de Antero de Quental, de Teófilo Braga, dos irmãos Ernesto [a preciosa AÇORIANA] e José do Canto [A PRECIOSA CAMONIANA], do marquês de Jácome Correia, de José Bensaúde, de Bruno Tavares Carreiro [A PRECIOSA ANTERIANA] e de aluns outros mecenas.
Jamais esquecerei o amor e o carinho que os probos funcionários daquela casa dedicavam às preciosidades a seu cargo, mas, também, a atenção que prestavam a todos os jovens que então frequentavam a biblioteca, entre os quais me incluí.
Mesmo nas férias de Verão, podíamos frequentar a sala de leitura até às 22H00. Só depois íamos passear para a Avenida Marginal, um dos diverimentos favoritos dos pontadelgadenses nos meses de Estio.

(Jorge Couto)

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A minha primeira memória de leitura é da minha mãe a ler a Branca de Neve, à noite, no quarto que eu partihava com os meus três irmãos, e da sua exclamação involuntária (”Que disparate!”) ao ler que a princesa tinha “ombros diáfanos”. A minha mãe, cientista, gostava de rigor e exactidão em tudo. Mais tarde, começaram as disputas sobre quem seria o primeiro a ler o Tintin, que às vezes acabavam com a revista rasgada em dois.
Quando tinha 10 anos, a professora de um dos meus irmãos mais novos emprestou-me o Diário de Anne Frank. Foi a primeira vez que um adulto me emprestou um livro. Nunca mais me esqueci dela, do gesto e do livro, e da imensa tristeza pela sorte daquela menina que gostava de ler e de escrever e que não pôde crescer. Foi também o primeiro livro que li que não acabava bem.
Depois, a espera pela próxima visita da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian, e o receio de que o senhor percebesse que eu estava a requisitar livros para mim com dois cartões, o meu e o do meu irmão mais velho. Eu só podia levar livros com bolinha verde, ele já podia ler os de bolinha vermelha (ou laranja?), os que eu mais apreciava. Foi aí que assinei o meu primeiro abaixo-assinado, uma petição (inútil) à Gulbenkian para que não acabasse com as bibliotecas itinerantes.
Li todos os livros lá de casa, incluindo o Crime do Padre Amaro que a minha mãe, ao ver como a minha fome progredia, escondeu em cima do guarda-fatos. Foi, claro, o primeiro Eça que li. E diverti-me imenso a comparar as duas edições do D. H. Lawrence, a da minha mãe censurada, a do meu pai integral.
Nas férias, atacava as estantes dos meus tios, que não compreendiam mas aceitavam com um encolher de ombros (muito pouco diáfanos) que eu, por vezes, preferisse ficar a ler num canto em vez de ir brincar ao sol, no tanque, com o resto das crianças da família.
Quanto às outras bibliotecas onde entrei no decurso da vida académica, continuo a frequentá-las porque fiz da vida académica o meu modo de vida. São menos simpáticas que as da infância e adolescência, mais familiares e menos misteriosas e, sobretudo, visitadas mais por dever do que por prazer. Pudesse eu ter todos os livros que me fazem falta em casa! Na minha biblioteca.

(STP)

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Devem ser poucos os que antes, durante e mesmo depois da minha geração, e que residiam ou estudassem nesta cidade de Évora não tenham passado, frequentado, utilizado a biblioteca pública de Évora.
Aqueles que, no meu tempo de estudante e tal como eu, passaram tardes inteiras na companhia daquele espaço, das figuras sempre presente e eternas do Chitas e da Jacinta, sabem que é um espaço maravilhoso.
Entrei nele pela primeira vez deveria ter uns 11 ou 12 anos, fruto de um trabalho do ciclo, daquelas coisas impostas pelos professores e que nos obrigavam a procurar outras fontes de informação.
O peso do espaço oprimia uma criança e, perante aquelas formalidades e a figura daquele homem que, de dedos amarelos, óculos fundo de garrafa na ponta do nariz, entre o corcunda e o encorvado, nos pedia o bilhete de identidade num tom de voz quase que sussurrado, sentiamo-nos ainda mais pequenos, constrangidos a penetrar naquele espaço quase de tons sagrados.
Mas, passado o receio inicial, compelidos pela necessidade, lá subiamos as escadas, curvavamos, cada um por seu lado e, chegados à imponente porta, a empurravamos com um típico guinchar de anos passados. Davamos por nós num imenso salão.
De um lado a figura imponente de frei Manuel do Cenáculo a ocupar toda a parede. Figura que nos vigiava, que vigiava namorados e leituras, textos e ternuras que também se trocavam naquele espaço, a tentar fintar os olhos de quem velava pela integridade do espaço, pelo pesar dos anos passados.
Do outro, o balcão a impor uma barreira de límites que apenas atravessei, já grande, estudante universitário e onde se alojavam aquelas duas figuras que tudo conheciam, que tudo sabiam.
Sempre me impressionaram pelo seu conhecimento, pela simpatia que colocaram na relação com quem, ignorante e pequeno, procurava aquele espaço. Fossem temas de ciências, artes, humanidades, ofícios ou apenas prazeres simples de descoberta eles conheciam um livro, um título adequado, útil às pequenas pretensões de quem descobria a vida nas páginas de um livro, nos textos, nas imagens.
Passados todos estes anos, tenho na Jacinta uma amiga indefectível, companheira de muitas e longas conversas, no Chitas um parceiro de cumplicidades, de troca de ideias e de amostragem de livros. Um companheiro de leituras.
No ano passado, na pausa da Páscoa, fiz uma visita guiada com os meus filhos áquele espaço, ao reencontro dos livros. Com as mesmas pessoas, e outras que entretanto aparecereram, pedimos livros para estarmos ali, apenas a passar os dedos, a folhear pensamentos, entretidos a passar uma manhã. Percorremos as suas diferentes salas, sentimos o peso dos livros, o cheiro dos anos, o respeito dos pensamentos e das ieias que aquelas estantes guardam.
A Biblioteca Pública, como sempre foi e é conhecida, faz 200 anos. Penso que a cidade deveria ser convidada, obrigada a participar nesta festa, que as portas se abrissem, que os livros pudessem, pelo menos uma vez, fugir, escapar-se pelas ruas e percorrer o exterior como sangue que nos enche as veias.

(manuel dinis p. cabeça)

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Desde que me lembro que me sinto fascinado pelos livros. Ainda miúdo, como não tinha dinheiro, ia trocar os meus livros usados por outros ainda mais usados numa livraria da Rua do Bonjardim. Assim, contactei com o Major Alvega, o Mandrake, mas também o Júlio Verne e uma colecção excepcional de cujo nome não me lembro que era composta por biografias de pessoas famosas: Madame Curie, Benjamim Franklin, Edison, e muitos outros.
Agora, já adulto e com 4 filhos (dos 4 aos 13 anos), tenho muitos livros lá em casa. Coloquei uma estante na sala onde os meus livros estão acessíveis para que os meus filhos os possam ver, folhear e habituar-se à sua presença. Dessa forma, vão pegando neles e cheirando-os, coisa que a internet nunca lhes poderá proporcionar.
Por minha vontade estaria mais ligado aos livros, mas infelizmente permiti que a vida tomasse conta de mim. Resta-me a esperança da velhice.

(José Pinho)

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Acreditem. O primeiro livro que li até ao fim (teria eu 8 ou 9 anos) foi um cujo título era (ou é) "Um Passeio à Serra da Estrela". Uma prenda para quem souber o seu autor.

(Fernando Barros)
Não sei se será o mesmo (penso que não) mas há um livro de Emidio Navarro que penso entitular-se "4 dias na Serra da Estrela" e que descreve uma expedição feita no seculo XIX, relatando o que então pouco mais era que "terra incognita". Nunca consegui arranjar um exemplar embora tenha procurado em meia duzia de alfarrabistas.
Ha 4 anos tive oportunidade de fazer a maior parte do trilho T1 desde perto da Guarda até Loriga num total de 70 e tal km e passando pela Torre. Aconselho! Conheci locais quase inacessiveis (de carro) e portanto desconhecidos para 99,9% das pessoas, como o Vale dos Condes ou a descida para Loriga, por exemplo. E ainda bem...
(João Cardoso)

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A mim me coube a indizível felicidade de receber encaixotadas e a monte as bibliotecas pessoais de Leonardo Coimbra e do Professor Braga da Cruz, antigo Reitor da Universidade de Coimbra.

Nenhum prazer mais sublime pode existir do que ter à mão 30 ou 40 mil volumes que ignoramos completamente, embalados ao acaso, sem catálogo nem descrição. Excitados e nervosos, rasgamos a fita cola que fecha um caixote, sem fazermos ideia nenhuma do que nos espera: uma explicação da teoria da relatividade para não cientistas; as obras de Balmes; um relatório e contas da “Sacor”; um tratado de 1937 de um padre José Ferreira, contra a devassidão e a luxúria; um ilegível tratado de Direito Romano do séc. XIX francês; um ainda mais ilegível Römisches Recht do século XX; uma colecção quase completa da “Biblioteca de Autores Cristianos”; o monotóno discurso proferido na sessão solene de abertura oficial do ano lectivo de 1953-54 na Universidade de Coimbra; uma edição crítica do D. Quixote, em papel bíblia; o Guia de Portugal; as páginas amarelas de 1973; o catálogo da exposição comemorativa do Código Civil com um cartão de visita assinado por Oliveira Salazar; o Caminho de Escrivá de Balaguer; os Sonetos de Antero de Quental, edição clássicos Sá da Costa; Angola, terra linda, serás sempre Portugal; o tratado de Direito Civil de Enneccerus – Kipp – Wolff; as comemorações do centenário da publicação de “os Lusíadas”; o Sermão da Sexagésima...

O mundo todo cabe num caixote de livros, quando não se sabe o que está lá dentro.

A verdadeira biblioteca não é a que está muito bem organizadinha, muito bem catalogadinha, muito bem tratadinha. A verdadeira biblioteca é aquela onde se encontra o que não se procura, onde se encontra o que nem sequer se sabe que existe.

(António Cardoso da Conceição)

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Também com os meus 14 anos ,hoje tenho 69,consultei na B.Municipal de Coimbra o livro de E.Moniz.
Mas o que recordo mais intensamente dos meus tempos de leitor daquela casa,principalmente nas férias grandes, foi a possibilidade de ter acesso a conhecimentos que não estavam disponíveis nessa altura e que me tinham despertado a atenção ,sobre os dias da resistência dos cadetes da A.M.de Toledo,durante a G.C.de Espanha,através de uma referência ao papel do R.C.Português,na citada guerra.
Com a ajuda dos competentes e pacientes funcionários,procurei livros que satisfizessem a minha curiosidade;encontrei -os sobre a guerra no mar,de Maurício de Oliveira e pouco mais!
Foi então que entrei pela primeira vez no mundo maravilhoso de uma biblioteca! Possivelmente por sugestão de algum dos referidos funcionários,comecei a ler todos os jornais da época sobre o episódio do Alcáçar de Toledo.Fiquei esclarecido.
Dai a ler tudo sobre a G.C.de Espanha nos jornais de 1936-39, foram momentos irrepetiveis e ainda hoje,que sobre o assunto há razoável bibliografia ,reconheço que aquela Biblioteca prestou um relevante serviço na formação de um jovem de 15 anos.

(A.L.B.Barrinhas)

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A minha primeira biblioteca tinha a dimensão de uma estante com vidros, no canto da sala que me parecia enorme. Nessa enorme biblioteca descobri "O crime do padre Mouret" de Emile Zola. Mais tarde, na Biblioteca Itenerante da Gulbenkian descobri Enid Blyton. Ainda mais tarde, na Biblioteca Municipal descobri "O crime do padre Amaro" de Eça de Queiroz. Um pouco mais tarde, na biblioteca da Fundação Gulbenkian descobri "O Apocalipse do Lorvão" de Anne de Egry. Muito mais tarde, na biblioteca pessoal de um amigo, descobri as "Obras Completas" de S. João da Cruz. Ainda muito mais tarde, na biblioteca da minha mesa de cabeceira, descobri o "Caminho" de Josemaría Escrivá. Socorro!

(Sílvia)

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Certa vez julgando entrar numa, em casa particular, deparei-me com uma adega onde um tio de um amigo chamando-lhe “a minha biblioteca”, tratava os vinhos como livros. Acrescento que “li” naquele sítio alguns e bons “livros”. Nunca me arrependi.

Finais da década de sessenta, aluno no Colégio Moderno à Rua de Malpique em Lisboa, passava diáriamente no passeio em frente à Biblioteca Nacional.

Um dia, após ter assistido a partir do pátio traseiro do colégio às manifestações estudantis na Faculdade de Direito, ali bem ao lado, às consequentes fugas à frente da polícia de choque e até às perseguições pelos baldios movidas por civis armados (mais tarde percebi o que era a PIDE), ao regressar a casa apanhei daquele passeiouns panfletos que guardei entre as folhas de uma sebenta, total e absolutamente inconsciente dos riscos.

Falavam, os panfletos, da luta dos estudantes universitários em particular e de todo um povo em geral contra a repressão policial do regime e contra ele em si mesmo. Desde esse dia o meu pequeno mundo começou a transformar-se…

Mais tarde e fruto da mistura de uma maior consciência e de algum medo, não sei bem em que doses, os panfletos rasgadinhos em pedaços foram queimados num caixote de lixo bem longe da rua onde morava. Ainda hoje me arrependo do medo !

(JCB)

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Nos idos (muitos) anos de sessenta, frequentava eu o então designado Liceu Nacional de Gil Vicente, à Graça, em Lisboa. Para alguns trabalhos da disciplina de Língua e História Pátria, creio que era assim que se designava, havia necessidade de consultar documentação não disponível na pequena biblioteca do liceu. Um dia calhou-me em sorte, um trabalho sobre a 1ª Travessia Aérea do Atlântico, efectuada pela dupla Gago Coutinho/Sacadura Cabral.

Através de mão amiga descobri a biblioteca da veneranda Sociedade de Geografia. Nas suas sumptuosas e pesadas salas da biblioteca, passei a pente fino o diário que Gago Coutinho tinha elaborado sobre a travessia, encolhido na minha cadeira, sentindo ao redor o peso da responsabilidade que muitos senhores, que também liam outras comunicações, transmitiam pela sala. O silêncio era um valor por demais importante e, quando se ouvia um arrastar de cadeira, provocado por um acaso, o responsável por tal acto, quase pedia desculpa por existir.

Eram (e serão, certamente ainda) páginas frementes de vida, de dúvidas e angústias, mas “cozidas” com o fio condutor da esperança e do crer. Manuscritas e preciosas de informação, lá me permitiram, dentro das minhas limitações, produzir um trabalho razoavelmente bom.

Presente ao “se tôr” do Gil, foi, por ele, bem avaliado. Apenas prejudicado na nota, pelo facto do título ser – “ A Primeira Atravessia Aérea do Atlântico”.

Existia rigor na apreciação de como se escrevia a língua portuguesa.

Hoje, quando se recordam bibliotecas, sinto respeito por tal sítio, admiração pelo seu enorme espólio e, esperança de que, quando necessário, qualquer estudioso o possa consultar, sem ter medo de arrastar uma cadeira, quando for preciso.

(Rui Carlos Correia da Silva)

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Sou profissional de informação, trabalho numa biblioteca universitária e tenho a visão de dentro da Biblioteca. Desde os tempos da “cunha” já muito mudou em relação aos funcionários das bibliotecas. Hoje desde cursos profissionais, passando pelas novas licenciaturas, as decadentes pós-graduações, terminando nos mestrados, a formação dos profissionais da informação que trabalham em bibliotecas é cada vez mais especializada.

Desde sempre tive o fascínio da leitura e dos livros, também eu tive a sorte de em casa ter a oportunidade de sempre ter convivido com livros que preenchiam praticamente todos os compartimentos da casa. Não me posso esquecer, no entanto, a sensação de entrar e posteriormente tratar uma “verdadeira” biblioteca privada, daquelas com dois andares, estantes altas em madeira e livros fascinantes que passaram por muitas gerações até repousarem naquele espaço. Desde 1492 até 1920 todos eles passaram pela minha mão, confesso que muitos foram os que li ou passei os olhos. A emoção de ver uma das maiores colecções do livro A Imitação de Cristo, onde constam livros comprados à Biblioteca Victor Emanuel, a Biblioteca Nacional de Italiana. Pensar que toquei, li livros que presenciaram à descoberta do Brasil, às invasões francesas, às revoluções liberais, à queda da monarquia… No meio um conjunto de livros pertencentes a um servidor do Estado, destaco um O Manual do Deputado.

(Nuno Gonçalves de Matos)

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Dos meus oito aos doze anos vivi em Cabo Verde. Não havia televisão, nem consolas, nem cinemas, nem recintos desportivos, nem nada... "Devorei" nesses quatro anos um pouco de tudo o que existia na biblioteca da embaixada de Portugal, a escassos 500 metros de minha casa. Começei pelos Asterix, Luky Luke e algumas prosas adequadas à minha idade, até que por fim voltei-me para literatura técnica sobre física, quimica, matemática, etc...Hoje questiono-me o quanto tudo isso me mudou... até hoje.

(Luis Vaz de Carvalho)

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Princípios de 1950 - Santo André, aldeia perdida na Beira Baixa, teria os meus 8 anos. Na escola havia uma sala pequena e escura, que nunca era aberta. Por razões anormais durante as férias do verão tive acesso a essa sala. Nela havia um armário completamente cheia de livros cobertos de pó e de teias de aranha.
Que gozo! Foi a "Filha do Polaco", todo o Júlio Dinis, o Eça, o Camilo e sei lá mais o quê! A "Ponte sobre o Drina" nunca consegui acabar de ler! Quando me reformar vou tentar de novo... Julgo que foi aqui que ganhei o meu primeiro par de óculos!

(Catarino de Almeida)

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A primeira biblioteca pública a que me lembro de ir não tinha altas estantes, não tinha escadarias, não tinha sala de leitura. Era cinzenta, tinha quatro rodas, três degraus e uma fila ansiosa de pequenas criaturas que queriam ser as primeiras a entrar para ver primeiro os livros novos: era uma Biblioteca Itinerante da Gulbenkian.

(RM)

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No início dos anos oitenta, frequentei a Biblioteca Pública de Braga. O período de férias escolares prolongava-se por três meses e o prazer de ler era a forma de melhor rentabilizar aqueles dias. Era agradável e o ambiente que ali se vivia nunca mais o voltei a encontrar. Logo à entrada, à esquerda, existia uma primeira sala de leitura onde um senhor muito simpático, falava de livros, resolvia dúvidas depois de consultar diversas fichas, dava a conhecer as novidades.

Depois subia-se até ao primeiro andar e entrava-se num mundo completamente diferente ... a sala era imponente e os funcionários habitualmente mal encarados.

Eu gostava de ler jornais antigos, muitas vezes, constatei que acontecimentos de grande importância passavam quase despercebidos como notícia.

Os funcionários consideravam as minhas requisições um pedido sem qualquer sentido, mostravam-se sempre contrariados e diziam "tem a certeza que é este o ano ... vou perder muito tempo ...". Eu pensava, como ainda hoje penso, como era possível encontrar ali pessoas que não incentivavam de maneira nenhuma a leitura.

(Teresa Carrilho)

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O seu blog sobre a biblioteca lembra-me a minha, em circunstâncias idênticas. Posteriormente (julgo eu porque tenho 47 anos) e noutro local: a Biblioteca Municipal de Santarém.

Havia, no entanto, uma diferença significativa. Muito embora eu tivesse, nessa altura, uns 10 anos, o casal que tomava conta dela era afável e muito prestável.

Há uns anos, visitando a pé Santarém, passei pela porta da biblioteca. Ia a sair o casal que naquela altura me atendia. Fiquei chocado. Tinha-me esquecido que os anos foram passando e continuava a recordar-me deles como eram naquela altura. E naquela altura, eram uns 20 anos mais velhos que eu. Raios partam.

(Henrique Martins)

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A OUVIR

Borges lendo Borges na Bomba Inteligente.

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1.3.05


MEMÓRIAS DA BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO (Actualizadas)

O livro proibido que estava nos “reservados” e que era mais popular na leitura era a Vida Sexual de Egas Moniz.

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Havia dois ou três permanentes na sala da Hemeroteca, no rés-do-chão, que tinham uma pilha de livros e revistas guardada religiosamente na sua mesa. No seu caso, os livros não eram “devolvidos”. Faziam quase parte da mobília e sentavam-se horas a fio a tomar notas em papelinhos, vestindo antes umas mangas-de-alpaca para não sujar o casaco ou a camisa. Um destes permanentes foi o meu professor de filosofia no Liceu Alexandre Herculano, Cruz Malpique. O dr. Malpique fazia livros em série, numa produção gigantesca, escrevendo em papel recuperado de outros usos, cortado à faca ou à tesoura, e junto em macinhos que ele enchia sem hesitações na sua letra perfeita. Entre as folhas que ele recuperava estavam as de antigas provas doutros livros. Escrevia livros sobre livros.

*

Entre estes permanentes avultavam os autores de monografias locais, normalmente velhos reformados que se percebia não viverem muito bem, dedicados à sua terra e, na verdade, todos um pouco loucos na sua avidez de coleccionadores de efemérides.

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As requisições da Biblioteca foram as minhas primeiras fichas. Como as fichas verdadeiras eram caras e difíceis de encontrar (lembro-me de atravessar a cidade para ir comprar para a biblioteca do meu pai uns verbetes que só havia na Tipografia Maranus na Praça da República, que era da família de Teixeira de Pascoaes, entretanto desaparecida), eu tirava molhos destas “fichas” para fazer anotações, tendo o cuidado de escondê-las dos funcionários. Ainda hoje tenho centenas que escaparam do assalto da PIDE a minha casa. Nunca as deitei fora, como esta de 23 de Junho, depois reciclada para 24 de Junho de 1965, porque toda a gente era muito poupada e não havia esbanjamentos.

*

Sem me aperceber, noto agora que várias destas notas retratam um mundo de maior escassez, onde se era naturalmente mais poupado.

*

Um dia descobri que havia um jornal chamado O Comunista, órgão do PCP, na hemeroteca com grande surpresa minha. Hoje pode parecer normal, tanto mais que se tratava de um jornal publicado nos anos vinte, quando o partido era legal. Mas no mundo rigorosamente vigiado, censurado e policiado do Portugal de Salazar era uma descoberta excepcional e surpreendente. A biblioteca tinha sido sujeita a várias purgas e embora pense que nunca nenhum livro ou jornal fora destruído, a verdade é que não constavam dos catálogos e não podiam ser consultados.

Precisava de consultar o jornal várias vezes, o que envolvia perigos para mim e para o jornal. A biblioteca tinha funcionários suspeitos de serem informadores (não sei se era verdade ou mentira, mas a suspeita tinha sentido tendo em conta como eram escolhidos) e o jornal podia ser retirado da leitura. A minha sorte é que o jornal fazia parte de uma “miscelânea”, um grupo de jornais com poucos exemplares que tinham sido encadernados em conjunto. Passei por isso a requisita-lo usando o título de um pacifico jornal regional que também lá estava. Apesar da PIDE se ter mais tarde interessado pelo jornal, quando o citei no meu primeiro livro sobre a greve geral de 1918, apreendido pela polícia e que me motivou um processo, nunca o descobriu na biblioteca e assim chegou ao 25 de Abril.

(Continua)

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BIBLIOFILIA: O CAIXEIRO FELIZ

Voltamos ao nosso tema bibliófilo: o tempo encerrado nos livros velhos. O tempo não no conteúdo, mas em tudo, no “ar” do livro. Este é um bom exemplo e custou-me 50 cêntimos num alfarrabista do Porto. Foi escrito por Diogo de Sequeira e Costa e tem dois títulos, um na capa - Um Caixeiro Feliz – Romance Histórico da Vida d’um Rapaz Pobre (Como Thiago Chegou a Ser Rico) – e outro no rosto Como se Chega a Ser Rico – Romance popular, Instrutivo e Recreativo. Fazia parte da Biblioteca Interessante – Números Soltos e foi editado por João dos Santos Ferreira, em 1916. Era dedicado "aos proprietários do comércio e seus empregados em geral” e fazia parte de um literatura produzida e dirigida a uma classe profissional de elite, aqui os empregados do comércio. Há também literatura semelhante oriunda de tipógrafos, ferroviários e barbeiros, grupos profissionais que tinham um número razoável de alfabetizados e com tradição de literatura amadora. Na contracapa, dizia-se que o livro tinha fins beneficentes e ,quem o comprava, ajudava um tipógrafo doente e uma sua filha paralítica. Retratos do mundo antes da segurança social.

A história, passada em Paris, é o menos importante neste “ar” do tempo. É uma típica versão do sempre atractivo tema da ascensão social a partir da pobreza, dos “lances triviais da pobreza e desvalimento”, pelo trabalho e pela “perseverança”. Trazia esperança, sonho e pedagogia moral. Valia os 200 reis que custava.

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O SINO PESADO

(Toca o sino.)

- O sino está pesado.

- O que é que isso quer dizer?

- Vai morrer gente. Não vê como ele toca?

- Vamos ver.

*
Vivo na cidade, mas aldeia e sino são indissociáveis. Eu lembro-me do sino ao fim da tarde (as Ave-marias), em que todos, depois de uma breve oração pensavam em deixar o trabalho da terra e regressar a casa e aos animais de casa. Há muito que deixei do o ouvir. Hoje ouço o “electrónico” a dar as horas e meias horas com alguns acordes de música gravada (o “Ave Maria” de Fátima) ganhando em eficiência e mau gosto e perdendo em poesia e mística. Conheço e ainda ouço os três toques que, ao Domingo, em diferentes momentos avisam os fiéis do começo da Missa. É sempre com prazer que acordo cedo no Domingo de Páscoa com os sinos vibrando excitação, ou não fosse esse um dos dias de mais atarefados da igreja a que pertencem, há tarde, como que num último folgo de quem passou o dia a percorrer caminhos para levar a cruz a beijar a todas as casas, tocam alto as Aleluias. Sei que também toca na Véspera de Natal, a chamar para a Missa do Galo. Também continuo a ouvir, e sei distinguir os toques dos casamentos, dos baptizados e dos funerais, sendo este último o mais belo e mais pungente, ou não fosse ele feito para nos lembrar da precaridade da vida e da nossa mortalidade.
(J.)

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INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CONTA, PESO E MEDIDA.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: DO USO DOS PLEBEÍSMOS



- Toma lá esta fotografia de uma galáxia a dar uma chapadona a outra...

- O quê?

- Uma chapadona.

- Deverias dizer: repara na entrega plena e total dos evanescentes corpos celestes, numa luz alta que corta a pesada escuridão envolvente como uma faca imaterial escorrendo lucidez. Mas não. Optaste por um blade of grass.

(Sobre galaxiomaquia ver aqui.)

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UM OLHAR VINDO DA SALA DE LEITURA DA BILIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO NOS ANOS SESSENTA

Este desenho que encontrei num diário por volta de 1964 ou 1965 foi feito pelo meu amigo P. C. L., de que nada sei desde essa altura. O que ele representa está gravado em mim por manhãs, tardes e, às vezes, noites seguidas na Biblioteca Pública Municipal do Porto. Foi desenhado a partir de uma das mesas de leitores em direcção á porta de entrada e “congela” um olhar que já não se pode reproduzir porque a Biblioteca mudou muito e a sua sala principal de leitura também.

Na época, a sala era o exemplo da ordem perfeita das coisas que a Ordem de cima regulava. Tudo estava no sítio: entrava-se por aquela porta envidraçada e entregavam-se as requisições ao funcionário que estava à direita de quem entra. Havia um outro local simétrico à esquerda mas nunca era utilizado. Ser funcionário da biblioteca era um lugar de “cunha” pelo que o serviço era, regra geral, a não ser para as pessoas "importantes" e os poderosos amigos do director, agressivo e péssimo. Os outros leitores eram vistos como uma perturbação dispensável. Nunca havia a certeza dos livros aparecerem e havia funcionários que se “esqueciam” dos pedidos quando as estantes eram muito longe ou muito altas. Às vezes não estava ninguém ao balcão e era preciso esperar muito tempo.

A sala tinha mesas largas e cadeiras razoavelmente confortáveis, e estendia-se desde a porta encimada pelo retrato do rei, até a uma área reservada separada por um grosso cordão vermelho e que tinha no meio um livro de música antigo, um cantochão, num suporte único. Lá para trás não se podia passar. Era sempre fresca no Verão, com o claustro à direita, onde se ouviam as pombas e água da fonte, e onde ocasionalmente as janelas eram abertas. À esquerda não se podiam abrir as janelas por causa do barulho dos eléctricos que iam e vinham de S. Lázaro. No Inverno, às vezes, fazia frio. As paredes altas e com uma mezanina em cima, estavam todas forradas de livros antigos, parte dos livros que Alexandre Herculano trouxera dos mosteiros em colunas de carros de bois por esse país fora.

Esta foi a minha segunda casa.

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EARLY MORNING BLOGS 441

A blade of grass


You ask for a poem.
I offer you a blade of grass.
You say it is not good enough.
You ask for a poem.

I say this blade of grass will do.
It has dressed itself in frost,
It is more immediate
Than any image of my making.

You say it is not a poem,
It is a blade of grass and grass
Is not quite good enough.
I offer you a blade of grass.

You are indignant.
You say it is too easy to offer grass.
It is absurd.
Anyone can offer a blade of grass.

You ask for a poem.
And so I write you a tragedy about
How a blade of grass
Becomes more and more difficult to offer,

And about how as you grow older
A blade of grass
Becomes more difficult to accept.


(Brian Patten)

*

Bom dia!

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28.2.05


AR PURO


Constable

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A INDÚSTRIA DO COMENTÁRIO

1. Há hoje uma indústria de falar / escrever sob a forma de comentário que faz parte das novas tecnologias e é, meus caros amigos e inimigos, uma “indústria de ponta”. É como essa outra tecnologia dos nossos dias a produção do humor, outra “indústria de ponta”, florescente em tempos deprimidos como os nossos. Como acontece numa sociedade industrial moderna, há fluxos entre os diferentes sectores de produção: da política tradicional para o comentário, da publicidade tradicional para o humor como publicidade, das artes do espectáculo para a política, da televisão para a indústria “cor-de-rosa” (outra indústria “de ponta”), da escrita bloguística para a escrita dos jornais. Em todos estes casos há também um vice-versa.

2. Eu faço parte da indústria de falar. Não só, mas também. Pertenço portanto a uma economia assente num mercado aberto onde os bens são escassos. Logo, na minha indústria, a competitividade é feroz e ainda bem. É o que ainda a faz de “ponta”, com todas as felizes ambiguidades do termo. A indústria agrega académicos, empresários, políticos no activo (os que esperam ir a votos no quadro de legítimas ambições) e interessados pela política, jornalistas, escritores, advogados, professores num estatuto de igualdade. Alguns académicos pensam que quando opinam têm regras diferentes dos empresários, mas enganam-se. Na indústria do comentário tudo se mede pela qualidade da opinião, que é obviamente reforçada pelas competências a montante e a jusante, mas não é por elas legitimada. O mesmo tipo de ilusões existe nos políticos e nos jornalistas, mas opinião mede-se contra opinião.

3. Sendo uma indústria altamente competitiva, ainda tem vindo a tornar-se mais “selva” com o alargamento do espaço público com os blogues, que democratiza o acesso ao mercado e acentua ainda mais a competitividade. No mercado ela assenta na qualidade do falar que se mede por dois parâmetros: a audiência e a influência, que podem não ser coincidentes. Há produtos com audiência que não têm influência e vice-versa. É interessante analisar a mesma divergência na blogosfera, onde ela pode ser comparada pela diferença entre os índices de leitura e as citações.

4. Os ludditas querem manter uma closed shop para o comentário (quotas, “contraditório”, elocução apenas partidária, vozes oficiosas, lógica institucional) e reflectem no fundo a sua perda de mercado de audiência e de influência. Há ludditas no jornalismo, nas universidades, nos partidos políticos, nos empresários. Têm a nostalgia de um mundo ordenado, de que eles são ou os produtores da ordem ou os polícias da desordem. Divulgam a ideia que a indústria do comentário produz perversões, subversões e perturbações, em suma, inutilidades perigosas que nenhuma falta fazem. É falso: a indústria do comentário produz controvérsia, racionalidade, e às vezes, imaginação e um olhar fresco. Não é tudo, nem pretende ser tudo, nem se substitui a outras indústrias e actividades cívicas, mas é uma parte indissociável do espaço público da democracia, que sem “opinião” respiraria com dificuldade.

(Continua)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CONTA, PESO E MEDIDA

Conta, Peso e Medida: a ordem matemática e a descrição física do mundo é uma exposição de obras antigas (dos séculos XV e XVI) sobre temas de ciências físico-matemáticas e disciplinas afins que inaugura a 2 de Dezembro de 2004, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, e estará patente ao público até final de Fevereiro de 2005. Com a realização desta exposição a Biblioteca Nacional associa-se às comemorações de 2005, Ano Internacional da Física. “

Fui ver esta exposição à Biblioteca Nacional. Sábado, fim da manhã. A porta principal da BN está toda fechada com um papel branco a indicar a entrada por uma das portinholas laterais. Decifrada primeira parte do labirinto, entramos. À frente vários obstáculos (mesas, vasos e depois umas barreiras “tipo metropolitano”), ao fundo à esquerda um balcão onde, muito a custo e depois de inúmeras perguntas para percebermos como é que funciona, se é ali, se paga ou não, como é que se entra (todas respondidas com enigmáticos monossílabos), nos é aberta a passagem. Avançamos felizes, chamam-me para me dizerem que tenho que entrar num compartimento ao lado e deixar a minha mala num cacifo onde tenho que introduzir uma moeda de 1 Euro - no fim devolvemos - para fechar o cacifo e guardar a chave.

Concluída a operação, partimos à procura da exposição. Novo chamamento: - Tem que ir pelo elevador que é aqui. O espaço é claustrofóbico e pouco convidativo. As crianças têm que se esticar para ver os livros não conseguem ver e … a livraria, aos Sábados está fechada, por isso não pudemos comprar o catálogo da exposição. Aproveitamos para ver a secção de periódicos mas “os meninos não podem entrar”.
- Nem mesmo se não fizermos barulho e não mexermos em nada? Nope! (A outra sala de periódicos, a de acesso livre… está fechada aos Sábados.)

Dizer mal é fácil, bem sei. E é melhor haver esta exposição do que não haver nenhuma. É melhor haver Biblioteca Nacional do que não haver. E a exposição é obviamente interessante, embora eu não conheça ninguém que lá tenha ido. (Ou, se calhar foram mas ainda andam perdidos pelos corredores vazios e bafientos à procura dela.)

Havia um grupo a visitar a exposição guiado por um responsável, penso que da BN. No fim discutiu-se a nossa falta de interesse pelas “artes” de contar, pesar e medir, pelas ciências em geral. Que exposições como esta, para além do gosto pelos livros, podem ajudar a ultrapassar. Isto depois de ultrapassarmos teimosamente todos os obstáculos que a própria Biblioteca Nacional coloca ao nosso interesse pela exposição. É estranho … tanto trabalho para a organizar e depois parece que não querem que lá vamos.
Como sou teimosa, hoje vou lá comprar o catálogo da exposição. (Ah, e a exposição foi prolongada até 5 de Março.)

(R.M.)


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Congratulando-nos com o relevo dado à exposição Conta Peso e Medida, que tem estado patente na Biblioteca Nacional, e ao respectivo catálogo, permitimo-nos fazer alguns esclarecimentos. Assim:

1 – O guia das várias visitas organizadas que se realizaram foi o Prof. Henrique Leitão, da Faculdade de Ciências de Lisboa, que foi o coordenador científico da exposição e do catálogo.

2 – As crianças não podem entrar na sala de leitura de periódicos, ou em qualquer outra das salas de leitura da Biblioteca, pela simples razão de que tal não é compatível com o interesse dos investigadores que lá se encontram a trabalhar.

3 – O espaço para exposições, não sendo «claustrofóbico», está pensado especificamente para mostras de livros e documentos, muitas vezes raros, o que implica obediência a normas universais em matéria de preservação.

4 – À semelhança do que acontece em bibliotecas congéneres de todo o mundo e em instituições que têm à sua guarda bens patrimoniais, o acesso à Biblioteca Nacional é expressamente condicionado.

5 – A entrada na Biblioteca faz-se por um dos módulos da porta principal, a fim de se resguardar o átrio de entrada, sobretudo durante o Inverno, e não por uma qualquer «portinhola» lateral, que, de resto, não existe, como qualquer visitante poderá confirmar.

Ressalvados estes aspectos, que fazem, afinal, a diferença entre uma biblioteca nacional e uma biblioteca pública ou uma ludoteca, todas as críticas são bem vindas e todos os visitantes, por maioria de razão, bem acolhidos.
(Biblioteca Nacional - Área de Relações Públicas)

*
Embora trabalhe no âmbito dos museus percebo perfeitamente o ponto de vista do senhor R.M. e surpreende-me deveras a resposta da Área de Relações Públicas da Biblioteca Nacional. Seguramente não estão a desempenhar correctamente a Vossa tarefa porque senão:
Teriam a entrada devidamente sinalizada;
Teriam um balcão/bilheteira específico;
Teriam uma sala de exposições temporárias junto à entrada permitindo que o público da exposição não necessitasse de subir os vários pisos da biblioteca (ou circular por outras áreas dela) para chegar à exposição (julgo que a sala da Área de Relações Públicas poderia ser uma excelente escolha, não teve já essa fungão?);
Teriam um local de venda de catálogos integrado na zona da exposição.
Como nada disso existe, fica a sensação de que a Biblioteca Nacional andou a gastar dinheiro dos contribuintes para organizar uma exposição que só serve para distrair os investigadores residentes, nos períodos em que esperam pelos livros mas, nesse caso, não seria mais simples prescindirem de publicitar a iniciativa? De qualquer modo, por favor, não tratem de forma sobranceira quem ainda não tinha tido oportunidade de ir à Vossa instituição, afinal não é ela de nós todos?
(P.B.)

*
Neste Sábado 26/Fev. à tarde, ao sair da exposição referida considerei enviar-lhe umas notas sobre a experiência. A motivação para a escrita seria unicamente o conteúdo em si da exposição e não as contingências do acesso a ela. O impulso para a nota a enviar provinha nessa tarde da emoção vivida na exposição, sobre a qual, com pena, não tinha visto qualquer referência até essa data. Vi que a exposição foi referida, embora o foco de atenção se tenha desviado para um aspecto, importante, mas que no meu caso foi suplantado pelo prazer da visita.

Para quem cresceu a ler divulgação científica (obrigado a Guilherme Valente da Gradiva), a exposição emociona. Mas não só. Ela lança-nos mais informações pela simples observação dos livros. A informação surge nas formas; nas datas de edição; nos detalhes e no esforço das ilustrações técnicas; nas línguas das escritas (Grego, Latim, Castelhano, Italiano - antes de Sábado julgava, erradamente, que Galileu teria sido muito revolucionário na escolha da língua; vi que uns 50 anos antes do "Saggiatore" e dos "Diálogos" já vários faziam a divulgação científica na língua das massas), nas formas das edições (impressionaram-me os pequenos volumes para estudantes universitários quinhentistas). Em suma, a beleza e a utilidade unidas, geradas pelo interesse de alguns e pela necessidade prática de muitos (destaca a construção civil, militar, e a navegação).

O próprio destaque dado na organização do espaço faz crer que o mais apelativo sejam os vários exemplares com as primeiras edições dos livros (leia-se capítulos, hoje) do "Elementos" de Euclides (abertos em figuras do teorema de Pitágoras, nessa altura já a caminho dos 2 milénios) ou o "Almagesto" de Ptolomeu, ou, uma 2ª edição do "De Revolutionibus" de Copérnico, aberto na figura heliocêntrica. Porém, para mim, o que mais funciona é o conjunto e as surpresas. Quando me dirigi para lá pensava que a exposição abarcaria o séc. XVII, ou seja esperava ver alguns "Galileus" ou um "Principia". A exposição foca contudo o séc. XV e, majoritária e necessariamente, os quinhentistas. O que para mim ficou foi a sensação de como os autores dos livros sentiam a necessidade pulsão de os fazer publicar. Na medida da época é certo, mas sente-se a urgência e o desejo da divulgação, na sucessão de datas de publicação, como se a rajada estivesse contida há muito. Havia quase tudo por fazer. Como sempre. Foi bom ver as primeiras edições impressas dum funesto Boécio (muito lembrado por si), de Arquimedes (também assassinado, mas com morte menos brutal - apenas uma espada romana) mas também de Vitelio ou Tartaglia, nomes menos famosos que têm o seu lugar na memória de quem gosta da chamada cultura científica.

O que a leitora relatou é poder-se-ia imaginar fácil de ocorrer, bastando para tal que o segurança do momento fosse do tal tipo monossilábico, uma vez que não vi nada escrito. Tem de se perguntar tudo. Na entrada fica a sensação de se estar a tentar fazer "algo de esquisito". Também eu fui nesse Sábado, mas de tarde. Fui na última hora da exposição, antes de encerrar. Também eu me atrapalhei na porta principal de vidro e no percurso que ela impõe. Logo após a porta de vidro, o que surpreendeu foi a falta de indicações. "Seria aqui mesmo?", dúvida instantânea. Tinha pouco tempo para a hora de fecho, sabia, portanto indiquei sem delongas a um senhor solitário duma empresa de segurança se ainda poderia visitar a tal exposição. Foi simpático, indicando o pouco tempo que faltava. Vi uma série de controlos de acesso do tipo de entrada de supermercados (a imagem de metropolitano também serve, embora não do de Lisboa) mas afinal seria mais simples: o senhor carregou num botão e um acesso lateral abriu-se. "-Entre nesse elevador e prima o 2.", ainda ouvi. Rapidamente estava na exposição. O estranho era o vazio de pessoas. Uma exposição sem ninguém. A 20 minutos do suposto fim, mais duas pessoas surgiram. Vi a exposição até lá surgir em cima o mesmo segurança, novamente simpático, indicando-me que tinha de fechar, já eram 17h. Mas deu-me a boa novidade: "-Olhe que a Direcção decidiu prolongar mais uma semana a exposição". Retirei a última brochura da exposição, folheei o livro de comentários de outros visitantes (li quem notasse o mesmo vazio de gente noutros dias) e desci, agora pelas escadas, tendo desta vez uma menina da segurança a carregar no botão que abriu a portinhola de alumínio. "Perdi-me" novamente na porta-labirinto da saída. Fiz muito bem em ter ido e no fim precisava de mais tempo para ver tudo melhor. Fiquei feliz com o prolongamento da exposição e irei lá voltar durante esta semana. Espero poder comprar um catálogo.

Muito obrigado à organização por terem elaborado esta exposição, mas as notas do leitor P.B. têm sentido. O acesso é invulgar para uma exposição aberta a todo o público. Soube da exposição numa notícia de jornal fui ver mais no site na página da BN. Não esperava ter me sentir um pouco à entrada como um estranho que quer entrar em casa alheia. O que os visitantes sentem não é o excesso de vigilância (eu achei que ela é de menos). É certo que em tanto lado da Europa e EUA até pelo detector de metais passamos, contentes. Mas há gente, rebuliço, setas, sorrisos.
Tal como a leitora R.M., também eu não conheço mais ninguém que lá tenha ido. Como é que a Gradiva subsiste por cá, é que algo que desde criança me pergunto.
(Francisco Monteiro)

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Não pude nem poderei ver a exposição, mas o que me chamou a atenção no post de RM e na resposta da Bilblioteca Nacional foi a extraordinária presença e força do Abrupto. Presumo, pela maneira como estão redigidos, que os comentários de RM apenas tenham sido enviados para o Abrupto, e não, por exemplo, como um mail para a BN, com cópia para o Abruto. Acho fantástico que quase imediatamente surja uma resposta - boa ou má, neste caso é irrelevante - das Relações Públicas da BN. Isto confirma, se confirmações fossem precisas, que o Abrupto tem realmente uma presença enorme na comunicação. Essa presença implica, por um lado, que os comentários chegam aos "destinatários" e, por outro, que os "destinatários" se vêm obrigados a reagir. Claro que a função do Abrupto não é ser o "muro das lamentações" da sociedade portuguesa, mas tenho razões para desconfiar que se RM se tivesse limitado a enviar um mail ou uma carta à BN com as críticas que suscitou no Abrupto, ficaria talvez sem resposta. Na Suécia esta função é preenchida pelos jornais diários "sérios" têm uma a duas páginas de correio de leitores, onde se publicam cartas, ou excertos, sobre os mais variados assuntos. Umas vezes geram-se debates sobre determinadas questões, outras vezes apresentam-se críticas e, mais raramente, louvores. O certo é que quando se criticam empresas, instituições, serviços públicos, por exemplo, os visados são praticamente "obrigados" a reagir, e muitas vezes a alterar o seu comportamento. É uma arma fabulosa!
(Madalena Ferreira Åhman)

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Em 12-01-2005 fui á Torre do Tombo ver a Bíblia dos Jerónimos e depois descai e fui ver as exposições que estavam presentes na B.N. Não senti as dificuldades que referiu e fico surpreendido como encarou as medidas de segurança,imperiosas num tipo de instituição que alberga um património valioso e insubstituível,que é de todos nós,e que são assumidas em todas as congéneres,espalhadas pelo Mundo. O único pequeno senão foi os 30 m.que tive de esperar para ver a ex. sobre Portugal e o Oriente,por na altura o Prof.H.J.Saraiva estar a gravar o programa,que dias depois passou na "2". Efectivamente,ás vezes dizer mal é fácil!

PS. Durante os 90 m.de presença na B.N.,fui o único visitante das exposições,mas já estou habituado,pois há quatro ou cinco anos,quando visitei o Museu da Electricidade,percorri-o absolutamente sozinho,ao longo de 3h.

(A.L.B.Barrinhas)

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A LER

Tarde e Mal de Fátima Bonifácio no Público, para quem ainda anda em jogos de desculpabilização e não quer admitir, perceber, compreender, aquilo que de uma vez por todas, de forma claríssima, os portugueses "disseram" numas das eleições mais transparentes na sua interpretação desde o 25 de Abril.

"Chickening Out- Fear and loathing in the academy: Ward Churchill faces the dilemma of the holy whore" por Curtis White no Village Voice.

"Ce mot de "Shoah", par Claude Lanzmann" no Le Monde.

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EARLY MORNING BLOGS 440

Señales del fin del mundo - Primera señal: pierde el gusto.


En cuanto manjares de grande sabor
se mantiene el mundo de necesidad;
el uno es justicia, el otro verdad,
el otro es la fe, el otro el temor.

Y pues perdió el gusto de este su dulzor,
y a tales manjares cobró tal fastío,
ya os juro, señores, neste hábito mío,
que nunca jamás sane su dolor.

¡Oh mundo, señal es de tu perdimiento
perdieres el gusto de tantas dulzuras!
¡Oh evangelios, santas scrituras,
cómo os hacen molinos de viento!

Acudí al mundo, que está en pasamiento,
no puede vivir, ya no gusta nada.

(Gil Vicente)

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Bom dia!

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BIBLIOFILIA: URBS TEMPLUM

Os livros escolares antigos podem ser enganadores porque estão muitas vezes associados a realidades pedagógicas que eles ocultam mais do que revelam. Têm também uma carga de nostalgia identicamente enganadora: os tempos antigos nunca podem ter sido melhores do que os de hoje. Em geral, em regra.

Mas depois suscitam um mal-estar evidente. Os estudantes aprendiam mesmo aquilo? Ou parte daquilo? Ou dez por cento daquilo? Porque se aprendiam sabiam infinitamente mais do que sabem hoje. (Exagero? Talvez não. O problema existe mesmo). Veja-se esta Res Romanae, o livro de latim “para a terceira classe” do antigo “secundário”, datado de 1923. Livro único, “oficialmente aprovado” e escrito por Xavier Rodrigues, professor do Pedro Nunes. Não é apenas um livro de latim, contendo uma gramática, exercícios e textos, mas um “livro-método”, com um longo prefácio metodológico. No seu conjunto, é de facto uma introdução à “res romanae”, à história, religião, organização social, instituições, cultura e literatura dos romanos. Muito para além do que hoje aprendemos sobre Portugal, quanto mais sobre a Roma antiga.

(No livro um desenho do Senado, com a frase: "Urbs templum, inquit Cineas, Senatus concilium regum mihi esse videbatur")

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: WAKING LIFE

Devido aos tempos que correm aconselho vivamente a visualização do filme "Waking Life" de Richard Linklater, do qual apresento um dos diálogos (ou monólogos) do filme:

(Main character walking down the street with a man who is holding a can of gasoline).

Self-destructive man feels completely alienated, utterly alone. He's an outsider to the human community. He thinks to himself, "I must be insane." What he fails to realize is that society has, just as he does, a vested interest in considerable losses, in catastrophes. These wars, famines, floods and quakes meet well defined needs. Man wants chaos. In fact, he's got to have it. Depressions, strife, riots, murder, all this dread. We're irresistibly drawn to that almost orgiastic state created out of death and destruction. It's in all of us. We revel in it. Sure, the media tries to put a sad face on these things, painting them up as great human tragedies, but we all know the function of the media has never been to eliminate the evils of the world. No! Their job is to persuade us to accept those evils and get used to living with them. The powers that be want us to be passive observers. You got a match? And they haven't given us any other options outside the occasional purely symbolic participatory act of voting. You want the puppet on the right or the puppet on the left? I feel the time has come to project my own inadequacies and dissatisfactions into the socio-political and scientific schemes. Let my own lack of a voice be heard.

(He pours gasoline all over himself and lights himself on fire.)


("WAKING LIFE," Written and Directed by Richard Linklater)

(Paulo Raimundo)

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MAIS A APRENDER DO QUE A ENSINAR

A noticia de que António Guterres vai a Bagdad dar uma aula de democracia trás à memória a sua frase vácua de que "é preciso dar uma oportunidade à paz". Por essa altura o seu contributo na guerra contra o terrorismo (um contributo apoiado na descrença quanto a uma democratização do médio oriente). Por sua vez, a esta altura, os Iraquianos já aprenderam que antes de mais nada a democracia se constroi com coragem e persistência. Bem vistas as coisas Guterres tem mais a aprender do que a ensinar.

(João Santos Lima)

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27.2.05


AR PURO


Constable

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© José Pacheco Pereira
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