ABRUPTO

3.3.05


MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS

Em Odemira, no ínicio dos anos 80, a biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian era visita diária para mim e para mais alguns miúdos que não tinham muito mais onde ocupar o tempo que sobrava da escola. O ínicio da adolescência pedia a leitura de aventuras fantásticas, de bandas desenhadas que não da Disney, de autores e mundos ainda não visitados. O Sr. Gilberto era o guardião de duas pequenas salas com estantes a toda a volta, do chão ao tecto, repletas de livros devidamente identificados com tiras de côr diferentes. No seu interior um cartão listava os leitores e as datas de em que tinham sido entregues ao seu cuidado. O velho Sr.Gilberto tinha sempre uma inesperada rispidez para os jovens frequentadores das duas salas e era imperdoável com os retardatários nas devoluções. Ao mesmo tempo, quando chegava nova remessa de livros era com um ar de quem oferecia um doce às escondidas, que nos indicava a sala do fundo. "Chegou uma nova remessa. Vai lá ver se encontras alguma coisa". Encontrei como encontrava sempre. Encontrei o Sandokan do Salgari, encontrei a BD do Alix, do Blake & Mortimer... Encontrei a Agatha Christie e Conan Doyle. Encontrei muitos que agora não lembro. Mais tarde encontrei um outro livro. Tinha doze ou treze anos, quando decidi levar para casa um livro de que tinha ouvido falar na televisão. O "1984" é coisa para marcar um adolescente.
Nunca agradeci à Gulbenkian e ao Sr. Gilberto o ter viajado e aprendido tanto.

(Luís Silva)

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Por razões de vida raramente tive acesso a bibliotecas publicas até ao fim da adolescência. Contudo, o meu pai, fez uma excelente biblioteca ao longo da vida, e de tudo e todos, portugueses, brasileiros, ingleses, americanos, russos,etc.,romances, biografias, poesia, teatro, aos franceses é que numca se chegou por aí além. Como na minha infãncia viviamos numa pequena ilha do Indico que fez o meu pai quando ainda tinha 3/4 anos. No meu quarto, na "sala de estar", tinha sempre á mão de semear, estava cercado de livros, revistas, jornais, volumes de inciclopédias e quadradinhos. E de aí veio meu prazer pela leitura e pelos livros, a capa, o papel, a letra.Li a biografia de Talleyrand aí com 12 anos, quase nada percebi. Estou agora a reler porque os tempos aconselham. Mas é porque na adolescência o tive na mão !
A paixão do meu pai pela literatura vei de que em criança, de pais humildes, que trabalhavam na terra, teve a oportunidade de em criança passar dias na biblioteca particular de Homem Cristo(Pai), que me disse ter sido de ctegoria excepcional para o país e para a época.
É nessa idade que se tem desenvolver a curiosidade pelo pensamento dos outros e saber da existência das coisas.

(C. Indico)

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O fascínio pelos livros nasceu na consulta de bilbliotecas familiares. A edição completa do Arquivo dos Açores, editada por Ernesto do Canto, exerceu sobre mim um enorme fascínio. Recordo-me de, enquanto a minha prima tocava piano, eu, então com 14 anos, consultava, deliciado, aquele magnifíco amontoado de documentos sobre a História dos Açores.
O passo seguinte foi a então Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Ponta Delgada, onde, nas férias, devorava livros de História e Literatura. Aos 15 anos, ganhei a reputação de leitor assíduo, onde com Hugo Moreira, um cinquentão investigador da História Açoriana, ocupávamos diariamente os nossos lugares cativados pelo uso. Ganhei direito a que o Sr. Silvestre, um bibliotecário profundamente conhecedor do espólio micaelense, me conduzisse numa visita guiada às preciosidades bibliográficas do Largo da Graça, onde, no antigo Convento dos Gracianos, se encontrava alojada a instituição. Tive o privilégio de percorrer demoradamente as estantes onde se encontravam conservadas as bibliotecas particulares de Antero de Quental, de Teófilo Braga, dos irmãos Ernesto [a preciosa AÇORIANA] e José do Canto [A PRECIOSA CAMONIANA], do marquês de Jácome Correia, de José Bensaúde, de Bruno Tavares Carreiro [A PRECIOSA ANTERIANA] e de aluns outros mecenas.
Jamais esquecerei o amor e o carinho que os probos funcionários daquela casa dedicavam às preciosidades a seu cargo, mas, também, a atenção que prestavam a todos os jovens que então frequentavam a biblioteca, entre os quais me incluí.
Mesmo nas férias de Verão, podíamos frequentar a sala de leitura até às 22H00. Só depois íamos passear para a Avenida Marginal, um dos diverimentos favoritos dos pontadelgadenses nos meses de Estio.

(Jorge Couto)

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A minha primeira memória de leitura é da minha mãe a ler a Branca de Neve, à noite, no quarto que eu partihava com os meus três irmãos, e da sua exclamação involuntária (”Que disparate!”) ao ler que a princesa tinha “ombros diáfanos”. A minha mãe, cientista, gostava de rigor e exactidão em tudo. Mais tarde, começaram as disputas sobre quem seria o primeiro a ler o Tintin, que às vezes acabavam com a revista rasgada em dois.
Quando tinha 10 anos, a professora de um dos meus irmãos mais novos emprestou-me o Diário de Anne Frank. Foi a primeira vez que um adulto me emprestou um livro. Nunca mais me esqueci dela, do gesto e do livro, e da imensa tristeza pela sorte daquela menina que gostava de ler e de escrever e que não pôde crescer. Foi também o primeiro livro que li que não acabava bem.
Depois, a espera pela próxima visita da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian, e o receio de que o senhor percebesse que eu estava a requisitar livros para mim com dois cartões, o meu e o do meu irmão mais velho. Eu só podia levar livros com bolinha verde, ele já podia ler os de bolinha vermelha (ou laranja?), os que eu mais apreciava. Foi aí que assinei o meu primeiro abaixo-assinado, uma petição (inútil) à Gulbenkian para que não acabasse com as bibliotecas itinerantes.
Li todos os livros lá de casa, incluindo o Crime do Padre Amaro que a minha mãe, ao ver como a minha fome progredia, escondeu em cima do guarda-fatos. Foi, claro, o primeiro Eça que li. E diverti-me imenso a comparar as duas edições do D. H. Lawrence, a da minha mãe censurada, a do meu pai integral.
Nas férias, atacava as estantes dos meus tios, que não compreendiam mas aceitavam com um encolher de ombros (muito pouco diáfanos) que eu, por vezes, preferisse ficar a ler num canto em vez de ir brincar ao sol, no tanque, com o resto das crianças da família.
Quanto às outras bibliotecas onde entrei no decurso da vida académica, continuo a frequentá-las porque fiz da vida académica o meu modo de vida. São menos simpáticas que as da infância e adolescência, mais familiares e menos misteriosas e, sobretudo, visitadas mais por dever do que por prazer. Pudesse eu ter todos os livros que me fazem falta em casa! Na minha biblioteca.

(STP)

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Devem ser poucos os que antes, durante e mesmo depois da minha geração, e que residiam ou estudassem nesta cidade de Évora não tenham passado, frequentado, utilizado a biblioteca pública de Évora.
Aqueles que, no meu tempo de estudante e tal como eu, passaram tardes inteiras na companhia daquele espaço, das figuras sempre presente e eternas do Chitas e da Jacinta, sabem que é um espaço maravilhoso.
Entrei nele pela primeira vez deveria ter uns 11 ou 12 anos, fruto de um trabalho do ciclo, daquelas coisas impostas pelos professores e que nos obrigavam a procurar outras fontes de informação.
O peso do espaço oprimia uma criança e, perante aquelas formalidades e a figura daquele homem que, de dedos amarelos, óculos fundo de garrafa na ponta do nariz, entre o corcunda e o encorvado, nos pedia o bilhete de identidade num tom de voz quase que sussurrado, sentiamo-nos ainda mais pequenos, constrangidos a penetrar naquele espaço quase de tons sagrados.
Mas, passado o receio inicial, compelidos pela necessidade, lá subiamos as escadas, curvavamos, cada um por seu lado e, chegados à imponente porta, a empurravamos com um típico guinchar de anos passados. Davamos por nós num imenso salão.
De um lado a figura imponente de frei Manuel do Cenáculo a ocupar toda a parede. Figura que nos vigiava, que vigiava namorados e leituras, textos e ternuras que também se trocavam naquele espaço, a tentar fintar os olhos de quem velava pela integridade do espaço, pelo pesar dos anos passados.
Do outro, o balcão a impor uma barreira de límites que apenas atravessei, já grande, estudante universitário e onde se alojavam aquelas duas figuras que tudo conheciam, que tudo sabiam.
Sempre me impressionaram pelo seu conhecimento, pela simpatia que colocaram na relação com quem, ignorante e pequeno, procurava aquele espaço. Fossem temas de ciências, artes, humanidades, ofícios ou apenas prazeres simples de descoberta eles conheciam um livro, um título adequado, útil às pequenas pretensões de quem descobria a vida nas páginas de um livro, nos textos, nas imagens.
Passados todos estes anos, tenho na Jacinta uma amiga indefectível, companheira de muitas e longas conversas, no Chitas um parceiro de cumplicidades, de troca de ideias e de amostragem de livros. Um companheiro de leituras.
No ano passado, na pausa da Páscoa, fiz uma visita guiada com os meus filhos áquele espaço, ao reencontro dos livros. Com as mesmas pessoas, e outras que entretanto aparecereram, pedimos livros para estarmos ali, apenas a passar os dedos, a folhear pensamentos, entretidos a passar uma manhã. Percorremos as suas diferentes salas, sentimos o peso dos livros, o cheiro dos anos, o respeito dos pensamentos e das ieias que aquelas estantes guardam.
A Biblioteca Pública, como sempre foi e é conhecida, faz 200 anos. Penso que a cidade deveria ser convidada, obrigada a participar nesta festa, que as portas se abrissem, que os livros pudessem, pelo menos uma vez, fugir, escapar-se pelas ruas e percorrer o exterior como sangue que nos enche as veias.

(manuel dinis p. cabeça)

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Desde que me lembro que me sinto fascinado pelos livros. Ainda miúdo, como não tinha dinheiro, ia trocar os meus livros usados por outros ainda mais usados numa livraria da Rua do Bonjardim. Assim, contactei com o Major Alvega, o Mandrake, mas também o Júlio Verne e uma colecção excepcional de cujo nome não me lembro que era composta por biografias de pessoas famosas: Madame Curie, Benjamim Franklin, Edison, e muitos outros.
Agora, já adulto e com 4 filhos (dos 4 aos 13 anos), tenho muitos livros lá em casa. Coloquei uma estante na sala onde os meus livros estão acessíveis para que os meus filhos os possam ver, folhear e habituar-se à sua presença. Dessa forma, vão pegando neles e cheirando-os, coisa que a internet nunca lhes poderá proporcionar.
Por minha vontade estaria mais ligado aos livros, mas infelizmente permiti que a vida tomasse conta de mim. Resta-me a esperança da velhice.

(José Pinho)

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Acreditem. O primeiro livro que li até ao fim (teria eu 8 ou 9 anos) foi um cujo título era (ou é) "Um Passeio à Serra da Estrela". Uma prenda para quem souber o seu autor.

(Fernando Barros)
Não sei se será o mesmo (penso que não) mas há um livro de Emidio Navarro que penso entitular-se "4 dias na Serra da Estrela" e que descreve uma expedição feita no seculo XIX, relatando o que então pouco mais era que "terra incognita". Nunca consegui arranjar um exemplar embora tenha procurado em meia duzia de alfarrabistas.
Ha 4 anos tive oportunidade de fazer a maior parte do trilho T1 desde perto da Guarda até Loriga num total de 70 e tal km e passando pela Torre. Aconselho! Conheci locais quase inacessiveis (de carro) e portanto desconhecidos para 99,9% das pessoas, como o Vale dos Condes ou a descida para Loriga, por exemplo. E ainda bem...
(João Cardoso)

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A mim me coube a indizível felicidade de receber encaixotadas e a monte as bibliotecas pessoais de Leonardo Coimbra e do Professor Braga da Cruz, antigo Reitor da Universidade de Coimbra.

Nenhum prazer mais sublime pode existir do que ter à mão 30 ou 40 mil volumes que ignoramos completamente, embalados ao acaso, sem catálogo nem descrição. Excitados e nervosos, rasgamos a fita cola que fecha um caixote, sem fazermos ideia nenhuma do que nos espera: uma explicação da teoria da relatividade para não cientistas; as obras de Balmes; um relatório e contas da “Sacor”; um tratado de 1937 de um padre José Ferreira, contra a devassidão e a luxúria; um ilegível tratado de Direito Romano do séc. XIX francês; um ainda mais ilegível Römisches Recht do século XX; uma colecção quase completa da “Biblioteca de Autores Cristianos”; o monotóno discurso proferido na sessão solene de abertura oficial do ano lectivo de 1953-54 na Universidade de Coimbra; uma edição crítica do D. Quixote, em papel bíblia; o Guia de Portugal; as páginas amarelas de 1973; o catálogo da exposição comemorativa do Código Civil com um cartão de visita assinado por Oliveira Salazar; o Caminho de Escrivá de Balaguer; os Sonetos de Antero de Quental, edição clássicos Sá da Costa; Angola, terra linda, serás sempre Portugal; o tratado de Direito Civil de Enneccerus – Kipp – Wolff; as comemorações do centenário da publicação de “os Lusíadas”; o Sermão da Sexagésima...

O mundo todo cabe num caixote de livros, quando não se sabe o que está lá dentro.

A verdadeira biblioteca não é a que está muito bem organizadinha, muito bem catalogadinha, muito bem tratadinha. A verdadeira biblioteca é aquela onde se encontra o que não se procura, onde se encontra o que nem sequer se sabe que existe.

(António Cardoso da Conceição)

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Também com os meus 14 anos ,hoje tenho 69,consultei na B.Municipal de Coimbra o livro de E.Moniz.
Mas o que recordo mais intensamente dos meus tempos de leitor daquela casa,principalmente nas férias grandes, foi a possibilidade de ter acesso a conhecimentos que não estavam disponíveis nessa altura e que me tinham despertado a atenção ,sobre os dias da resistência dos cadetes da A.M.de Toledo,durante a G.C.de Espanha,através de uma referência ao papel do R.C.Português,na citada guerra.
Com a ajuda dos competentes e pacientes funcionários,procurei livros que satisfizessem a minha curiosidade;encontrei -os sobre a guerra no mar,de Maurício de Oliveira e pouco mais!
Foi então que entrei pela primeira vez no mundo maravilhoso de uma biblioteca! Possivelmente por sugestão de algum dos referidos funcionários,comecei a ler todos os jornais da época sobre o episódio do Alcáçar de Toledo.Fiquei esclarecido.
Dai a ler tudo sobre a G.C.de Espanha nos jornais de 1936-39, foram momentos irrepetiveis e ainda hoje,que sobre o assunto há razoável bibliografia ,reconheço que aquela Biblioteca prestou um relevante serviço na formação de um jovem de 15 anos.

(A.L.B.Barrinhas)

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A minha primeira biblioteca tinha a dimensão de uma estante com vidros, no canto da sala que me parecia enorme. Nessa enorme biblioteca descobri "O crime do padre Mouret" de Emile Zola. Mais tarde, na Biblioteca Itenerante da Gulbenkian descobri Enid Blyton. Ainda mais tarde, na Biblioteca Municipal descobri "O crime do padre Amaro" de Eça de Queiroz. Um pouco mais tarde, na biblioteca da Fundação Gulbenkian descobri "O Apocalipse do Lorvão" de Anne de Egry. Muito mais tarde, na biblioteca pessoal de um amigo, descobri as "Obras Completas" de S. João da Cruz. Ainda muito mais tarde, na biblioteca da minha mesa de cabeceira, descobri o "Caminho" de Josemaría Escrivá. Socorro!

(Sílvia)

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Certa vez julgando entrar numa, em casa particular, deparei-me com uma adega onde um tio de um amigo chamando-lhe “a minha biblioteca”, tratava os vinhos como livros. Acrescento que “li” naquele sítio alguns e bons “livros”. Nunca me arrependi.

Finais da década de sessenta, aluno no Colégio Moderno à Rua de Malpique em Lisboa, passava diáriamente no passeio em frente à Biblioteca Nacional.

Um dia, após ter assistido a partir do pátio traseiro do colégio às manifestações estudantis na Faculdade de Direito, ali bem ao lado, às consequentes fugas à frente da polícia de choque e até às perseguições pelos baldios movidas por civis armados (mais tarde percebi o que era a PIDE), ao regressar a casa apanhei daquele passeiouns panfletos que guardei entre as folhas de uma sebenta, total e absolutamente inconsciente dos riscos.

Falavam, os panfletos, da luta dos estudantes universitários em particular e de todo um povo em geral contra a repressão policial do regime e contra ele em si mesmo. Desde esse dia o meu pequeno mundo começou a transformar-se…

Mais tarde e fruto da mistura de uma maior consciência e de algum medo, não sei bem em que doses, os panfletos rasgadinhos em pedaços foram queimados num caixote de lixo bem longe da rua onde morava. Ainda hoje me arrependo do medo !

(JCB)

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Nos idos (muitos) anos de sessenta, frequentava eu o então designado Liceu Nacional de Gil Vicente, à Graça, em Lisboa. Para alguns trabalhos da disciplina de Língua e História Pátria, creio que era assim que se designava, havia necessidade de consultar documentação não disponível na pequena biblioteca do liceu. Um dia calhou-me em sorte, um trabalho sobre a 1ª Travessia Aérea do Atlântico, efectuada pela dupla Gago Coutinho/Sacadura Cabral.

Através de mão amiga descobri a biblioteca da veneranda Sociedade de Geografia. Nas suas sumptuosas e pesadas salas da biblioteca, passei a pente fino o diário que Gago Coutinho tinha elaborado sobre a travessia, encolhido na minha cadeira, sentindo ao redor o peso da responsabilidade que muitos senhores, que também liam outras comunicações, transmitiam pela sala. O silêncio era um valor por demais importante e, quando se ouvia um arrastar de cadeira, provocado por um acaso, o responsável por tal acto, quase pedia desculpa por existir.

Eram (e serão, certamente ainda) páginas frementes de vida, de dúvidas e angústias, mas “cozidas” com o fio condutor da esperança e do crer. Manuscritas e preciosas de informação, lá me permitiram, dentro das minhas limitações, produzir um trabalho razoavelmente bom.

Presente ao “se tôr” do Gil, foi, por ele, bem avaliado. Apenas prejudicado na nota, pelo facto do título ser – “ A Primeira Atravessia Aérea do Atlântico”.

Existia rigor na apreciação de como se escrevia a língua portuguesa.

Hoje, quando se recordam bibliotecas, sinto respeito por tal sítio, admiração pelo seu enorme espólio e, esperança de que, quando necessário, qualquer estudioso o possa consultar, sem ter medo de arrastar uma cadeira, quando for preciso.

(Rui Carlos Correia da Silva)

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Sou profissional de informação, trabalho numa biblioteca universitária e tenho a visão de dentro da Biblioteca. Desde os tempos da “cunha” já muito mudou em relação aos funcionários das bibliotecas. Hoje desde cursos profissionais, passando pelas novas licenciaturas, as decadentes pós-graduações, terminando nos mestrados, a formação dos profissionais da informação que trabalham em bibliotecas é cada vez mais especializada.

Desde sempre tive o fascínio da leitura e dos livros, também eu tive a sorte de em casa ter a oportunidade de sempre ter convivido com livros que preenchiam praticamente todos os compartimentos da casa. Não me posso esquecer, no entanto, a sensação de entrar e posteriormente tratar uma “verdadeira” biblioteca privada, daquelas com dois andares, estantes altas em madeira e livros fascinantes que passaram por muitas gerações até repousarem naquele espaço. Desde 1492 até 1920 todos eles passaram pela minha mão, confesso que muitos foram os que li ou passei os olhos. A emoção de ver uma das maiores colecções do livro A Imitação de Cristo, onde constam livros comprados à Biblioteca Victor Emanuel, a Biblioteca Nacional de Italiana. Pensar que toquei, li livros que presenciaram à descoberta do Brasil, às invasões francesas, às revoluções liberais, à queda da monarquia… No meio um conjunto de livros pertencentes a um servidor do Estado, destaco um O Manual do Deputado.

(Nuno Gonçalves de Matos)

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Dos meus oito aos doze anos vivi em Cabo Verde. Não havia televisão, nem consolas, nem cinemas, nem recintos desportivos, nem nada... "Devorei" nesses quatro anos um pouco de tudo o que existia na biblioteca da embaixada de Portugal, a escassos 500 metros de minha casa. Começei pelos Asterix, Luky Luke e algumas prosas adequadas à minha idade, até que por fim voltei-me para literatura técnica sobre física, quimica, matemática, etc...Hoje questiono-me o quanto tudo isso me mudou... até hoje.

(Luis Vaz de Carvalho)

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Princípios de 1950 - Santo André, aldeia perdida na Beira Baixa, teria os meus 8 anos. Na escola havia uma sala pequena e escura, que nunca era aberta. Por razões anormais durante as férias do verão tive acesso a essa sala. Nela havia um armário completamente cheia de livros cobertos de pó e de teias de aranha.
Que gozo! Foi a "Filha do Polaco", todo o Júlio Dinis, o Eça, o Camilo e sei lá mais o quê! A "Ponte sobre o Drina" nunca consegui acabar de ler! Quando me reformar vou tentar de novo... Julgo que foi aqui que ganhei o meu primeiro par de óculos!

(Catarino de Almeida)

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A primeira biblioteca pública a que me lembro de ir não tinha altas estantes, não tinha escadarias, não tinha sala de leitura. Era cinzenta, tinha quatro rodas, três degraus e uma fila ansiosa de pequenas criaturas que queriam ser as primeiras a entrar para ver primeiro os livros novos: era uma Biblioteca Itinerante da Gulbenkian.

(RM)

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No início dos anos oitenta, frequentei a Biblioteca Pública de Braga. O período de férias escolares prolongava-se por três meses e o prazer de ler era a forma de melhor rentabilizar aqueles dias. Era agradável e o ambiente que ali se vivia nunca mais o voltei a encontrar. Logo à entrada, à esquerda, existia uma primeira sala de leitura onde um senhor muito simpático, falava de livros, resolvia dúvidas depois de consultar diversas fichas, dava a conhecer as novidades.

Depois subia-se até ao primeiro andar e entrava-se num mundo completamente diferente ... a sala era imponente e os funcionários habitualmente mal encarados.

Eu gostava de ler jornais antigos, muitas vezes, constatei que acontecimentos de grande importância passavam quase despercebidos como notícia.

Os funcionários consideravam as minhas requisições um pedido sem qualquer sentido, mostravam-se sempre contrariados e diziam "tem a certeza que é este o ano ... vou perder muito tempo ...". Eu pensava, como ainda hoje penso, como era possível encontrar ali pessoas que não incentivavam de maneira nenhuma a leitura.

(Teresa Carrilho)

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O seu blog sobre a biblioteca lembra-me a minha, em circunstâncias idênticas. Posteriormente (julgo eu porque tenho 47 anos) e noutro local: a Biblioteca Municipal de Santarém.

Havia, no entanto, uma diferença significativa. Muito embora eu tivesse, nessa altura, uns 10 anos, o casal que tomava conta dela era afável e muito prestável.

Há uns anos, visitando a pé Santarém, passei pela porta da biblioteca. Ia a sair o casal que naquela altura me atendia. Fiquei chocado. Tinha-me esquecido que os anos foram passando e continuava a recordar-me deles como eram naquela altura. E naquela altura, eram uns 20 anos mais velhos que eu. Raios partam.

(Henrique Martins)

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