ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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1.3.05
MEMÓRIAS DA BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO (Actualizadas)
O livro proibido que estava nos “reservados” e que era mais popular na leitura era a Vida Sexual de Egas Moniz. * Havia dois ou três permanentes na sala da Hemeroteca, no rés-do-chão, que tinham uma pilha de livros e revistas guardada religiosamente na sua mesa. No seu caso, os livros não eram “devolvidos”. Faziam quase parte da mobília e sentavam-se horas a fio a tomar notas em papelinhos, vestindo antes umas mangas-de-alpaca para não sujar o casaco ou a camisa. Um destes permanentes foi o meu professor de filosofia no Liceu Alexandre Herculano, Cruz Malpique. O dr. Malpique fazia livros em série, numa produção gigantesca, escrevendo em papel recuperado de outros usos, cortado à faca ou à tesoura, e junto em macinhos que ele enchia sem hesitações na sua letra perfeita. Entre as folhas que ele recuperava estavam as de antigas provas doutros livros. Escrevia livros sobre livros. * Entre estes permanentes avultavam os autores de monografias locais, normalmente velhos reformados que se percebia não viverem muito bem, dedicados à sua terra e, na verdade, todos um pouco loucos na sua avidez de coleccionadores de efemérides. * * Sem me aperceber, noto agora que várias destas notas retratam um mundo de maior escassez, onde se era naturalmente mais poupado. * Um dia descobri que havia um jornal chamado O Comunista, órgão do PCP, na hemeroteca com grande surpresa minha. Hoje pode parecer normal, tanto mais que se tratava de um jornal publicado nos anos vinte, quando o partido era legal. Mas no mundo rigorosamente vigiado, censurado e policiado do Portugal de Salazar era uma descoberta excepcional e surpreendente. A biblioteca tinha sido sujeita a várias purgas e embora pense que nunca nenhum livro ou jornal fora destruído, a verdade é que não constavam dos catálogos e não podiam ser consultados. Precisava de consultar o jornal várias vezes, o que envolvia perigos para mim e para o jornal. A biblioteca tinha funcionários suspeitos de serem informadores (não sei se era verdade ou mentira, mas a suspeita tinha sentido tendo em conta como eram escolhidos) e o jornal podia ser retirado da leitura. A minha sorte é que o jornal fazia parte de uma “miscelânea”, um grupo de jornais com poucos exemplares que tinham sido encadernados em conjunto. Passei por isso a requisita-lo usando o título de um pacifico jornal regional que também lá estava. Apesar da PIDE se ter mais tarde interessado pelo jornal, quando o citei no meu primeiro livro sobre a greve geral de 1918, apreendido pela polícia e que me motivou um processo, nunca o descobriu na biblioteca e assim chegou ao 25 de Abril. (Continua) (url)
© José Pacheco Pereira
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