ABRUPTO

1.3.05


UM OLHAR VINDO DA SALA DE LEITURA DA BILIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO NOS ANOS SESSENTA

Este desenho que encontrei num diário por volta de 1964 ou 1965 foi feito pelo meu amigo P. C. L., de que nada sei desde essa altura. O que ele representa está gravado em mim por manhãs, tardes e, às vezes, noites seguidas na Biblioteca Pública Municipal do Porto. Foi desenhado a partir de uma das mesas de leitores em direcção á porta de entrada e “congela” um olhar que já não se pode reproduzir porque a Biblioteca mudou muito e a sua sala principal de leitura também.

Na época, a sala era o exemplo da ordem perfeita das coisas que a Ordem de cima regulava. Tudo estava no sítio: entrava-se por aquela porta envidraçada e entregavam-se as requisições ao funcionário que estava à direita de quem entra. Havia um outro local simétrico à esquerda mas nunca era utilizado. Ser funcionário da biblioteca era um lugar de “cunha” pelo que o serviço era, regra geral, a não ser para as pessoas "importantes" e os poderosos amigos do director, agressivo e péssimo. Os outros leitores eram vistos como uma perturbação dispensável. Nunca havia a certeza dos livros aparecerem e havia funcionários que se “esqueciam” dos pedidos quando as estantes eram muito longe ou muito altas. Às vezes não estava ninguém ao balcão e era preciso esperar muito tempo.

A sala tinha mesas largas e cadeiras razoavelmente confortáveis, e estendia-se desde a porta encimada pelo retrato do rei, até a uma área reservada separada por um grosso cordão vermelho e que tinha no meio um livro de música antigo, um cantochão, num suporte único. Lá para trás não se podia passar. Era sempre fresca no Verão, com o claustro à direita, onde se ouviam as pombas e água da fonte, e onde ocasionalmente as janelas eram abertas. À esquerda não se podiam abrir as janelas por causa do barulho dos eléctricos que iam e vinham de S. Lázaro. No Inverno, às vezes, fazia frio. As paredes altas e com uma mezanina em cima, estavam todas forradas de livros antigos, parte dos livros que Alexandre Herculano trouxera dos mosteiros em colunas de carros de bois por esse país fora.

Esta foi a minha segunda casa.

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© José Pacheco Pereira
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