ABRUPTO

5.3.05


A CAMINHO

"A boca de um vulcão. Sim, boca; e língua de lava. Um corpo, um monstruoso corpo com vida, macho e fêmea ao mesmo tempo. expele, ejecta. É também um interior, um abismo. Uma coisa viva, que pode morrer. Algo inerte que de vez em quando se agita. Que apenas existe de modo intermitente. Uma ameaça permanente. Ainda que previsível, geralmente imprevista. Caprichosa, insubmissa, malcheirosa. (...).
Claro que o podemos ver como um grande fogo-de-artifício. É tudo uma questão de meios. Vê-lo de bastante longe. Há belezas que são para admirar apenas de longe, diz o dr. Johnson; não há espectáculo mais grandioso qaue o das chamas. A prudente distância, é o espectáculo supremo, tão instrutivo quanto emocionante. Depois de um repasto na villa de Sir***, vamos para o terraço, armados de telescópios, para observar. Um penacho de fumo branco, o ressoar tantas vezes comparado ao rolar distante dos timbales: abertura. E começa então o colossal espectáculo, o penacho inflama-se, intumesce, eleva-se, uma árvore de cinza que sobe cada vez mais alto até se achatar sob o peso da estratosfera (com alguma sorte veremos como que sulcos de esqui laranja e rubros correr pela encosta abaixo) - horas, dias disto. Depois, calando, acalma. Mas de perto, o medo convulsiona as tripas. Este ruído, um ruído abafado, é uma coisa que nunca poderíamos imaginar, impossível de conceber. Um contínuo fluir de um som áspero, de um estrondear titânico que parece estar sempre a aumentar de volume e no entanto é impossível ser mais ruidoso do que já é; um vómito fragoroso e ensurdecedor que enche o espaço, que nos deixa sem pinga de sangue e nos revira a alma. Mesmo os que se consideram apenas espectadores não conseguem furtar-se à investida de aversão e terror, nunca antes experimentado. Numa aldeia no sopé da montanha - poderemos aventurar-nos até lá -, o que de longe parecia um caudal torrencial revela-se a massa rastejante de escórias viscosas pretas e vermelhas, paredes tenteantes que se sustêm ainda um momento para logo cederem trementes aspiradas com um plop pela frente dessa lama palpitante; forçando, aspirando, devorando, deslassando os átomos das casas, dos carros, vagões, árvores, umas a seguir às outras. É então isto o inexorável.
"

Susan Sontag, O Amante do Vulcão, Lisboa, Quetzal Editores, 1998.

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© José Pacheco Pereira
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