Tenho gravado na memória o registo de um ambiente muito português, mas pouco conhecido pelos que nasceram em Portugal. Trata-se do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro . Lembro de ter passado muitas manhãs neste ambiente fantástico, feito exclusivamente para privilegiar a leitura, pensado ao pormenor para oferecer conforto aos leitores. Principalmente quanto a utilidade e beleza impar de seu imenso tecto de vidro, que confere ao ambiente uma luminosidade indescritível nos ensolarados dias tropicais do RJ.
O acervo, segundo anunciam, é o maior de autores portugueses fora de Portugal. Foi ali que conheci Eça de Queirós, Gil Vicente, Jaime Cortesão, António Sérgio, Damião Peres e, até mesmo, Vitorino Magalhães Godinho.
Eu fazia, à noite, o curso de História na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e durante os meus dias, me dedicava à leitura. Quase sempre na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, mas muitas vezes no adorável Real Gabinete Português de Leitura.
(Edgard Costa)
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Fico impressionada com a quantidade de pessoas que lhe escrevem a contar as suas histórias e a relação estreita que tem com os livros. Surge muitas vezes referência às bibliotecas itenerantes da Gulbenkian. Havia uma em Mogadouro que a minha mãe frequentava e que eu ainda cheguei a ver. Quando era criança passava às vezes por uma outra, já residente e também da Gulbenkian, onde o meu tio J. ainda é bibliotecário. Foi lá que descobri os livros do elefante Babar. Mais tarde, numa biblioteca onde haveria de descobrir outros mundos, a do Instituto Britânico no Porto, devorei revistas de cinema e enciclopédias de arte. Encontrei lá Kazuo Ishiguro e William Golding.
Devo em grande parte à minha mãe esse prazer da leitura que trago hoje comigo e que espero passar adiante. Devo-o também a alguns amigos. Mais que da leitura, o prazer dos livros. Um dos presentes que mais gozo me deu receber foi a biblioteca que herdei do meu tio D. Modesta, acompanhou-o numa vida celibatária passada entre uma África imensa e uma Trás-os-Montes fechada. Descobri lá Salgari e a Agatha Christie. A leitura de tantos livros policiais na adolescência devo-lha a ele. Ficou-me talvez o fascínio pelo chá desses ambientes interiores do countryside inglês. E também das estórias dos colégios ingleses da Enid Blyton, onde os pic nics a meio da noite e as escapadelas à disciplina austera eram frequentes. A relação mais afectuosa com os livros da infância e da adolescência.
(PPM)
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Sinto um misto de saudade e carinho muito especiais, sempre que passo em frente ao edifício da Câmara de Leiria – belo exemplar da vasta obra do ilustre Arq. "naturalizado” Leiriense Ernesto Korrodi - e recordo aquela sala do 1º andar que albergava no início dos anos setenta a velha biblioteca Afonso Lopes Vieira. Era pequena e escura, com estantes em madeira de mogno atafulhadas de livros, revistas, enciclopédias e manuscritos. Havia ainda alguns bancos também em madeira, 3 ou 4 secretárias para estudo individual e um candeeiro de luz amarela que, naquelas noites invernosas ou tardes de canícula , me proporcionavam um conforto acolhedor e um ambiente de grande recolhimento, propício ao estudo e reflexão.
Mas o que retenho ainda mais agudamente na memória é a figura da funcionária da biblioteca, uma senhora à beira da reforma que nunca mais vi nem nome não recordo, sempre solícita, de bom trato e que me ajudou também na gramática e nas traduções do Alemão. A Senhora tinha na sua juventude aprendido a língua teutónica e ficava entusiasmada sempre que lhe falava em alemão ou lhe solicitava ajuda! Reconheci depois que algum desse entusiasmo me foi transmitido e incentivou as minhas leituras. Até hoje!
(Manuel Oliveira)
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Na inauguração da nova Biblioteca Municipal de Odemira (baptizada de "José Saramago"...), disse o vereador da cultura: "Todo este espaço sucede na sua função cultural, à velha mas tão querida Biblioteca da Gulbenkian, a quem, nunca será demais agradecer o trabalho desenvolvido tantos e tantos anos no país e também em Odemira, bem como a doação total do acervo com cerca de sete mil exemplares à Biblioteca Municipal."
No site da Câmara Municipal de Odemira, faz-se a apresentação da Biblioteca Municipal e da importância da Fundação Gulbenkian. Curiosamente, também o presidente da CMO, autor do texto, cita logo à cabeça, o Emílio Salgari: "Eram as carrinhas-biblioteca da Gulbenkian que à sexta à tarde chegavam, enquanto a malta de olhos esbugalhados e não sem alguns empurrões à mistura para assegurar um melhor lugar, ficava na bicha. À espera…Eram os Cinco, as aventuras de Emílio Salgari, de Júlio Verne, eram Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis…Poucos e sempre os mesmos, os livros eram disputados ao palmo. A sua "raridade" levava a que frequentemente houvesse lugar a segunda ou terceira leitura. Inacreditavelmente havia sempre algo de novo…Depois foi a biblioteca fixa em Odemira. Pequenina, escura e desconfortável, mas extraordinariamente rica de conteúdo, de cumplicidades, de amizades e de sonhos. Depois, um pouco a nossa utopia. " A nova Biblioteca mantém um serviço de "Bibliomóvel ", um veículo que transporta uma biblioteca pelas freguesias do interior do maior concelho do país.
(Luis Silva)
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Na nossa família, as bibliotecas vão passando de pais para filhos… Mas com o incurtar das casas, as coisas vão-se tornando difíceis. Lembro-me de casa dos meus avós onde havia armários repletos de livros: os de exposição na sala, eram os permitidos por quem mandava nessas coisas (havia mesmo o Índex, onde estava determinados os autores que podiam ou não ser lidos): livros para toda a família, adolescentes, senhoras. Por exemplo, livros de autores franceses, alguns até galardoados mas com prémios talvez um pouco duvidosos, pois os conteúdos… E nas salas menos expostas estavam os livros mais “intelectuais” onde era preciso pedir licença para serem lidos – principalmente sendo eu uma miúda, pois nem tudo era lisível.
A minha mãe, senhora considerada intelectual para a altura pois até tinha um curso superior, era uma amante de livros e toda a vida gastou, desde que começou a ganhar dinheiro, o que podia em livros. Havia primeiras edições de Vergílio Ferreira, Mário Dionísio, Vitorino Nemésio, e livros proscritos como os de Eça, Zola, André Malraux, Mário de Sá Carneiro, etc. A cultura era mais franco-portuguesa, era houvessem livros de escritores ingleses, Hemingway, Huxley, Maugham, Shaw.
Do meu pai herdei o gosto pelos livros de aventuras: Dumas, Verne, quilos de livros de aventuras de cowboys, a colecção dos livros de Simões Muller sobre as biografias de pessoas célebres como Florence Nitthingale, Camões, os Pony Express, etc. e, é claro, a banda desenhada: o Mundo de Aventuras, mais tarde o Tintin e ainda o jornal da Mocidade Portuguesa para meninas: A Fagulha.
E ainda, graças à falta de televisão, comecei a ler tudo o mais que apanhava. Trocavam-se livros com toda a gente: entre primos, amigos.
Lembro-me uma vez de uma tia ter ganho um prémio de um concurso do Diário Popular cujo prémio era 20 contos em livros (uma fortuna!) em diversas editoras. E como não era muito dada a essas coisas, convidou-me para partilhar com ela o prémio: fomos à Sá da Costa, à Bertrand e outras editoras de que não me lembro o nome, mas que me deram bons livros. Foi um regalo.
Agora na minha casa, tenho beneficiado das heranças: o espólio da minha mãe foi dividido entre os irmãos mais “intelectuais” e reconheço ter-me aproveitar do desconhecimento de alguns para ficar com uma biblioteca razoável. E as tias velhinhas a morrer têm-me permitido alargar o leque de livros, com os livros de Poche, embora a falta de espaço seja aterradora. Tenho alguns milhares, uns que li, outros que não e alguns que gostaria de reler. Estou à espera da reforma, cada vez mais longe, para passar 10 anos seguidos sem sair do sofá. Nos intervalos vou lendo como posso. Todos os dias um pouco.
Gostaria que os meus filhos também lessem: mas fazem-no pouco, muito pouco. Hoje lêem-se outras coisas. Tenho uma neta a quem vou passando os Condessa de Ségur que li quando tinha a sua idade. Poderá ser a minha esperança.