ABRUPTO

30.9.05


A CAMINHO DAS TERRAS FRIAS

para ver o anel que a Lua vai enfiar no Sol. De vez em quando, os pequenos parecem iguais aos grandes, mas é só uma ilusão.

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COISAS DA SÁBADO:
UMA COMUNIDADE DESAPARECIDA E ESQUECIDA

Este livro, a publicação da correspondência entre um físico austríaco judeu, assistente de Heisenberg, e que, na diáspora da fuga à perseguição nazi, esteve em Portugal durante a guerra e os seus colegas nacionais, passou desapercebido injustamente. O livro coordenado por Augusto Fitas e António Videira, Cartas Entre Guido Beck e Cientistas Portugueses, editado em 2004 pelo Instituto Piaget, dá-nos um retrato de uma geração de físicos e matemáticos que se esforçavam por modernizar a comunidade cientifica portuguesa, ligá-la às investigações que corriam pelo mundo fora, num momento crucial da revolução da física pós-einsteiniana.

Esses homens tinham um enorme óbice, eram todos da oposição e quase todos comunistas. Caraça, membro do PCP desde o início da década de trinta, Valadares, representante do PCP junto do PCF, Ruy Luís Gomes, companheiro de estrada do PCP, candidato presidencial contra Craveiro Lopes, Aniceto Monteiro, os matemáticos que fundaram o “movimento matemático” entre 1937 e 1947, data da expulsão das universidades da maioria, foram mais uma das gerações que Portugal maltratou e perdeu. Este livro mostra-a em acto, a tentar, a conseguir alguma coisa e a falhar, em esforços baldados que acabaram, como muitas vezes acontece, na emigração para o estrangeiro, EUA, França, Brasil, da maioria dos seus melhores cientistas.

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COISAS DA SÁBADO:
ESTÁ NA ALTURA DE DIZER QUE NÃO



O Presidente da República não tem tido um final do mandato fácil, mas é da natureza da função a responsabilidade de ter que tomar decisões difíceis. Mas há duas ainda em que muito da sua autoridade tem que ser exercida sob o fio da navalha: uma, diz respeito ao referendo do aborto; outra, à nomeação do novo Presidente do Tribunal de Contas. A segunda é muito mais importante do que a primeira, logo mais difícil. Eu não sou da escola de andar a dar recados públicos ao Presidente, mas, neste caso, a qualidade da nossa democracia está em causa. E é que está mesmo.

A questão é muito simples: num cargo com a delicadeza do Tribunal de Contas, em que toda a oposição se manifestou contra, a nomeação de um deputado do PS (mesmo quando todos lhe reconhecem mérito e até por isso) para uma função que exige não só ser, mas também parecer, a mais absoluta independência, a decisão do governo é errada e perigosa. O mais chão bom senso político, e o mais elevado espírito de estado, convergem para a contestar, e o Presidente tem que dizer que não ao governo.

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OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: OS PLANETAS D' "OS TRABALHOS E OS DIAS"



Epimeteu e a ponta de um anel; Hyperion

Os amadores de ficção científica já viram os mundos todos: esponjas, bolas de ténis, esferas de gelo, sopas de metano, calhaus rolantes, pedrinhas, tocadores de flauta de Hamelin levando atrás de si milhões de poeiras, gelos diversos, gases, forças terríveis.

Conheciam-nos dos livros, agora sabem onde estão. Cada volta da trabalhadora Cassini, lá vem mais um mundo novo. Mais um nome de gigante, de titã, de atlante, filhos de Cronos, coágulos do sangue criador da Grande Castração mítica no início dos tempos, tudo honra o seu cronista antigo, Hesíodo, o primeiro a falar destes trabalhos e destes dias.

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COISAS COMPLICADAS


John Pilson, Misty Harbor (II)

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EARLY MORNING BLOGS 614

Aubade


Jane, Jane,
Tall as a crane,
The morning light creaks down again;
Comb your cockscomb-ragged hair,
Jane, Jane, come down the stair.
Each dull blunt wooden stalactite
Of rain creaks, hardened by the light,
Sounding like an overtone
From some lonely world unknown.
But the creaking empty light
Will never harden into sight,
Will never penetrate your brain
With overtones like the blunt rain.
The light would show (if it could harden)
Eternities of kitchen garden,
Cockscomb flowers that none will pluck,
And wooden flowers that ‘gin to cluck.
In the kitchen you must light
Flames as staring, red and white,
As carrots or as turnips shining
Where the cold dawn light lies whining.
Cockscomb hair on the cold wind
Hangs limp, turns the milk’s weak mind…
Jane, Jane,
Tall as a crane,
The morning light creaks down again!


(Edith Sitwell)

*

Bom dia!

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POUCO EM COMUM ENTRE 2005 E 1985


É vulgar ver na comunicação social comparações entre a próxima campanha presidencial com a primeira volta da campanha de 1985. Nada de mais superficial e enganador. Quase nada há em comum entre ambas as campanhas, se excluirmos Mário Soares, o que não é pouco. Em 1985, havia um duro confronto entre projectos políticos contraditórios, hoje há apenas um confronto de personalidades, forte entre Alegre e Soares, débil nas candidaturas presenciais como as de Louçã e Jerónimo.

Participei activamente na campanha de 1985, desde quando Soares tinha 8 por cento nas sondagens e tudo parecia perdido. Comecemos exactamente por aí: as más sondagens, que alguns pretendem comparar, entre os 8 por cento de 1985 e os pouco mais de 20 por cento, às vezes menos, de hoje. De novo, repito: incomparável. Em 1985, Soares vinha de uma experiência governamental difícil e controversa, o "bloco central", e fora apanhado por uma volta inesperada da história nas suas aspirações presidenciais.

Tinha contra ele uma governação de austeridade, a que se somou uma crise política no parceiro da coligação, o PSD, com que Soares contava para a maioria presidencial. Soares esperava que a maioria do "bloco central", que governava em parceria com Rui Machete, o pudesse apoiar, tanto mais que o PS não parecia firme no seu apoio. Soares tivera sempre dificuldades com a "esquerdização" do PS, com muita gente a querer ajustar contas pela governação, que acusavam de se ter afastado das "conquistas de Abril". Ao mesmo tempo era pressionado por uma ala esquerda que se revia em Zenha e que não perdoara o distanciamento que Soares tivera do apoio do partido a Eanes nas eleições anteriores. Eanes, o "eanismo" e o PRD eram uma perturbação nova no sistema político, a única que verdadeiramente colocou em causa a hegemonia alternativa do PS e do PSD, e o "eanismo" era veementemente anti-soarista e vice-versa.

Soares percebeu que não ia ter o apoio do PSD, onde a novel estrela em ascensão, Cavaco, tinha ganho força ao pôr em causa o "bloco central" em matéria presidencial, apoiando Freitas do Amaral. Soares, para travar o desgaste, bloqueou então todas as reformas do Governo, como a sempre adiada legislação sobre o arrendamento, que ainda irritariam mais o PS, mas não conseguiu estancar o confronto com os vários "socialismos" órfãos do PREC. Rejeitado por Cavaco, virou-se para defrontar todos os candidatos nas "primárias da esquerda", ou seja, Zenha e Pintasilgo. Ao defrontá-los, defrontava também uma parte importante do PS.

Neste confronto, que alguns pensam semelhante ao actual, nada é comparável. Em 1985, afrontavam-se projectos políticos antagónicos, ferozmente competitivos, mais do que personalidades. Hoje o embate é mais entre personalidades, e menos entre projectos, porque Soares, Alegre, Louçã e Jerónimo não têm muitas diferenças na visão do mundo. Em 1985, ainda a campanha era feita essencialmente fora da televisão (que favorece o "protagonismo") e o 25 de Abril e o PREC estavam muito vivos na memória, rasgando o tecido político. Hoje é o contrário.

Em 1985, os dois candidatos Zenha e Pintasilgo eram os últimos representantes de projectos políticos vindos directamente do PREC, e Soares, da resistência ao PREC. Dez anos depois de 1975, era uma fase da vida política portuguesa que estava a terminar numa espécie de "luta final". Pintasilgo representava o basismo, que agregara as sobrevivências do MES e muitos outros nostálgicos do "poder popular", e uma esquerda radical independente que tinha então um papel muito importante na comunicação social, à volta do semanário O Jornal, e que partilhava influências com o PRD. Zenha era um candidato ainda mais complicado, recebendo o apoio simultâneo do PRD e do PCP, misturando a resistência de um certo "socialismo militar", justicialista e moralista, à normalização democrática, com uma estratégia comunista de usar o PRD para enfraquecer o PS. O PCP desejava que o PRD igualizasse os partidos num grupo de cinco, favorecendo a fragmentação do poder, quebrando o PS. Soares era para todos o adversário a abater, que representava a "social-democratização", que tirara da gaveta para lá pôr o socialismo.

Desde o 25 de Novembro até finais de 1985, todos os grandes impasses de um estado feito pelas "conquistas da revolução", construído institucionalmente por uma Constituição equívoca e ambígua, foram o pano de fundo do combate entre os que defendiam a "ruptura" (como Sá Carneiro) e as mil e uma variantes de "socialismo" ainda muito vivas e pujantes. Convém lembrar que a Constituição ainda tinha fortes resquícios do poder militar, que a parte económica da Constituição consagrava as nacionalizações, a reforma agrária e o controlo operário, e a Europa ainda não trouxera fundos e soberania partilhada. Tudo isto estava por resolver após o fracasso de duas experiências governativas "centrais", a da AD e a do "bloco central".
Por isso, a primeira volta de 1985 foi bem mais importante do que a segunda volta de 1986, em que muitos equívocos do passado voltaram de novo, com Soares a ir buscar o "antifascismo" para derrotar Freitas. E esses equívocos só não bloquearam outra vez o fim das "conquistas da revolução" porque apareceu Cavaco, o segundo acto da primeira volta das presidenciais. Soares, fresco no seu antieanismo, fez uma primeira presidência, marcada pela recusa do Governo PS-PRD que lhe queriam impor, depois da moção de censura que tinha derrubado o governo minoritário (28 por cento teve o PSD nas urnas e ganhou, sinal da fragmentação eleitoral do sistema partidário). Cavaco, obtendo a maioria absoluta, ajudou Soares a fazer uma "magistratura de influência" no primeiro mandato, que ele iria abandonar a favor do "direito à indignação" no segundo, tornando o intervencionismo do general Eanes uma brincadeira, comparado com o dele próprio.

Hoje, nada que tenha a ver com estes confrontos existe entre as candidaturas de Soares, Alegre, Louçã e Jerónimo. Estes dois últimos têm candidaturas puramente tribunícias, destinadas a garantir voz aos seus partidos, mas bastante indiferentes aos resultados finais. Ninguém teme qualquer cataclismo pela vitória de Cavaco, ou pela derrota de Soares. No PCP, há mesmo uma velha animosidade contra Soares (que não existe no BE), com raízes não só políticas como sociais, pelo que muita gente ficará "vingada" se Soares perder. Nenhum movimento genuíno existe para concentrar os votos numa segunda volta em Mário Soares, embora a facilidade de dramatização do dualismo político o possa favorecer.

Mas que têm os concorrentes de Soares a criticar-lhe, ou vice-versa? Em todas as questões de fundo, em matéria de política externa (Iraque, antiamericanismo, antiglobalização, antiblairismo, política face ao terrorismo, etc.), Soares ultrapassa em radicalismo mesmo o BE e, em política interna, Soares de há muito propugna por versões simplistas do cânone antiglobalizador de Porto Alegre, irrealistas até ao limite. Dir-me-ão que isso não é importante porque o Presidente não governa. Verdade, mas o que ele pensa da governação é o pano de fundo da sua função presidencial e convém não apostar que um utopista radical possa avalizar uma política que acha "neoliberal", ou seja, demoníaca.

O caso de Alegre também pouco tem a ver com ideias e programas, como se verá na campanha. Se João Soares não fosse candidato na disputa interna do PS, Mário Soares estaria com Alegre, que nunca atacou nesses dias, embora tenha atacado Sócrates. Retórica por retórica, ambos são bons, Soares tem mais experiência e intuição política, Alegre mais "honestidade", "princípios" e "ética republicana". Mas o confronto entre ambos só na aparência é semelhante ao de Zenha com Soares, porque falta a Alegre qualquer projecto consistente que seja antagónico com o de Soares. Diferem de clientelas no PS? Não chega. Na prática, ambos pairam um pouco por cima da realidade do próprio PS, onde o "socratismo" é uma coisa muito diferente. Sócrates está a fazer um rejuvenescimento da rede de interesses dentro do PS e, desse ponto de vista, o grupo à volta de Soares está a perder peso e influência, o que foi aliás uma das motivações de Soares para concorrer.

Talvez por isso, um confronto Soares-Sócrates tivesse muito mais sentido do que Soares-Alegre. Na verdade, ele existe e está lá disfarçado. O PS que está no poder não está representado nesta campanha presidencial, que, logicamente, Sócrates desvaloriza. Não surpreende que seja assim, porque foi exactamente por essa desvalorização que Soares o criticou.

Em 1985, nas "primárias", havia espadas pelo ar, desembainhadas, na rua, fora do palco, na praça principal, com fúria e vigor; em 2005, é teatro de câmara, veneziano, interior, envenenado, um jogo com muitas sombras, de egos cansados e pouco subtis. Em 2005, havia outras "primárias" possíveis, essas sim mais parecidas com as de 1985, mas seriam do outro lado do espelho. Seriam as que oporiam o projecto de Cavaco Silva com o de Portas e Lopes, como em 1985, "primárias" opondo projectos de conteúdo distinto, representando espaços políticos e interesses sociais distintos, que resolveriam alguns mal-entendidos sociais e políticos que ficaram em suspensão desde a fundação do Independente até ao consulado de Santana Lopes-Portas. Mas duvido que tal se verifique, dado que os eleitores este ano já começaram a colocar as coisas em ordem, provocando a falta de comparência dos que diziam "nunca desistir".

(No Público.)

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29.9.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 7

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INTENDÊNCIA

Em actualização os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

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PRISIONEIRO

Pega-se no livro, um entre muitos, bem sei do Conrad, vale sempre a pena (porquê a pena?). Vale. Já sei que vale. Mas será este que agora vou ler? Está ali outro, e um ensaio, e aquele título que chama por mim. Folheio, na límpida paginação dos Oxford World's Classics, na primeira página, na primeira linha, no primeiro parágrafo, depois no segundo, depois no terceiro, isto:


THE SHADOW LINE

D'autre fois, calme plat, grand miroir De mon desespoir.

BAUDELAIRE

ONLY the young have such moments. I don't mean the very young. No. The very young have, properly speaking, no moments. It is the privilege of early youth to live in advance of its days in all the beautiful continuity of hope which knows no pauses and no introspection.

One closes behind one the little gate of mere boyishness -- and enters an enchanted garden. Its very shades glow with promise. Every turn of the path has its seduction. And it isn't because it is an undiscovered country. One knows well enough that all mankind had streamed that way. It is the charm of universal experience from which one expects an uncommon or personal sensation -- a bit of one's own.

One goes on recognizing the landmarks of the predecessors, excited, amused, taking the hard luck and the good luck together -- the kicks and the halfpence, as the saying is -- the picturesque common lot that holds so many possibilities for the deserving or perhaps for the lucky. Yes. One goes on. And the time, too, goes on -- till one perceives ahead a shadow-line warning one that the region of early youth, too, must be left behind.

This is the period of life in which such moments of which I have spoken are likely to come. What moments? Why, the moments of boredom, of weariness, of dissatisfaction. Rash moments. I mean moments when the still young are inclined to commit rash actions, such as getting married suddenly or else throwing up a job for no reason.

....

Agora já não há remédio. Mais preso do que o prisioneiro do Juan del Encina lá abaixo.

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UMA FORMA NOVA DE ASSALTO AO BOM SENSO



Com sondagens lidas como se fossem argumentos políticos e opiniões de especialistas que saltam do terreno seguro que conhecem para a opinião livre, tão “impressionista” como qualquer outra, mesmo que informada (e muita opinião “impressionista” é também informada), está a dar-se um novo assalto ao bom senso. Na minha escola de pensamento, o bom senso, assente na experiência, é sempre um terreno seguro para pensar, mesmo contra-intuitivamente, ou seja de forma criadora.

Muita gente embarca alegremente, até porque é uma moda como qualquer outra. Uma das coisas espantosas que circula (e que Alegre transformou em argumento político) é que a existência de várias candidaturas competitivas na “esquerda” é vantajosa porque vai buscar todos os votos possíveis, pela pluralidade de opções. Talvez seja, talvez numericamente assim seja, mas politicamente é um absurdo imaginar um voto gelado, racional, descontar o papel das fricções inevitáveis, da usura da área (de toda a “esquerda”), da desmobilização pela garantia da derrota antecipada, pelo menos na primeira volta, pelo desgosto pela divisão, pela acrimónia inevitável e o desgaste nos candidatos. Pelo menos entre Alegre e Soares, o bom senso diz que será assim, mau para ambos, mas posso enganar-me. Será verificável em Janeiro.

Como também não acredito, - insisto, não acredito -, pode ser fé minha, mas parece-me boa fé, que Alegre no mundo real possa ser melhor do que Soares na segunda volta. Pura e simplesmente parece-me … absurdo. E pode ser que, neste caso, não se seja verificável em Janeiro.

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COISAS SIMPLES


Andrew Wyeth, Cape Forchu Light

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EARLY MORNING BLOGS 613

No te tardes


¡No te tardes que me muero
carcelero,
no te tardes que me muero!

Apresura tu venida
porque no pierda la vida
que la fe no está perdida:
carcelero,
¡no te tardes que me muero!

Sácame de esta cadena,
que recibo muy gran pena
pues tu tardar me condena,
carcelero,
¡no te tardes que me muero!

La primera vez que me viste,
sin lo sentir me venciste;
suéltame pues me prendiste,
carcelero,
¡no te tardes que me muero!

La llave para soltarme
he de ser galardonarme,
prometiendo no olvidarme,
carcelero,
¡no te tardes que me muero!

(Juan del Encina)

*

Bom dia!

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28.9.05


AR PURO


Frederick H. Clark, Vineyard Haven

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EARLY MORNING BLOGS 612

Acquainted With The Night

I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain—and back in rain.
I have outwalked the furthest city light.

I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.

I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,

But not to call me back or say good-by;
And further still at an unearthly height
One luminary clock against the sky

Proclaimed the time was neither wrong nor right.
I have been one acquainted with the night.


(Robert Frost)

*

Bom dia!

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27.9.05


COISAS SIMPLES


Rembrandt

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EARLY MORNING BLOGS 611

There Was A Young Lady Of Portugal

There was a Young Lady of Portugal,
Whose ideas were excessively nautical:
She climbed up a tree,
To examine the sea,
But declared she would never leave Portugal.

(Edward Lear)

*

Bom dia!

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26.9.05


BIBLIOFILIA:
DAS PARÓQUIAS AO CHEFE, A ORDEM NATURAL DAS COISAS



Este catálogo do pavilhão português da Exposição Internacional de Paris de 1937, é um verdadeiro retrato da propaganda do salazarismo visto por Antonio Ferro. É um muito interessante mostruário da publicidade dos anos trinta, com o melhor e o pior, e toda um colecção de simbologia política do regime nos seus momentos de maior proximidade com o fascismo italiano, como se vê por este relevo escultórico da hierarquia "orgânica" da Nação.

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À PROCURA DA PALAVRA 2

Muito obrigado aos excelentes leitores do Abrupto (Tiago Loureiro, Pedro Domingos, João Paulo Barros, Alberto Mendes, José Viana Gomes, Leonel Morgado, etc.) que me enviaram indicações sobre os problemas com o MSWord. Entre essas indicações incluem-se endereços de páginas sobre a formatação do texto, livros e sugestões para a utilização dos programas Endnote e LaTeX (que o Word teima em escrever LÁTEX). Estou agora a estudar as informações que recebi.

Entretanto formatei todo o texto e notas já existentes de um projecto de dicionário - enciclopédia numa tabela do Word, usando a primeira coluna para fazer os títulos das entradas, e as outras colunas com texto em bruto e a bibliografia. Resolve-me para já o problema de organizar o texto e poder juntar fragmentos que são fáceis de anexar ao texto principal através da ordem alfabética. Tenho assim cerca de 590 páginas na horizontal, para maximizar as colunas da tabela, e os problemas dos textos longos começam a aparecer e só se irão agravar, porque calculo que as páginas vão triplicar ou quadruplicar. A correlação “marcador” – “hiperligação” também funciona mal, para as referências cruzadas. Nada que não fosse previsível quer por asneira minha, quer pelas dificuldades de um texto complexo. Vou ver se estudo mais em detalhe as possíveis variantes. Obrigado.

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O MUNDO ESTÁ PERIGOSO:
AQUILES DE MADREPÉROLA

Já agora que estamos na indústria dos perigos do mundo, parece que a madrepérola, o delicado nácar, é um excelente material para blindagem, e outros bélicos artefactos. O que diria Homero destes guerreiros “vestidos” de madrepérola? Estão a ver Patroclo, Aquiles, Heitor, Ulisses, brilhantes nas suas armaduras, que festival de vaidades! Suspeito que Homero devia gostar, homens pintados, bravado, gritos de guerra, sangue e estilhaços de conchas ao sol de Tróia...

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O MUNDO ESTÁ PERIGOSO:
TZETZES VENDENDO PHARRUMACY, PHRRMARCY E OUTRAS RECEITAS


O spam é um bom exemplo de imaginação utilizada para nos dar cabo da vida, mas também não é nada de novo quanto ao uso da imaginação com tais propósitos. Não sei porque curiosidade mórbida demorei mais que um segundo a apagar uma enésima propaganda da felicidade química, quando vejo de vislumbre o nome inesquecível de Tzetzes a seguir aos habituais Cia lis, Via gra, Xan ax, Pro pecia, Am bien, Cel ebrex, partidos em duas colunas para não serem reconhecidos pelos filtros de spam. Tzetzes, o que eu conhecia, o das Exegesis in Homeri Iliadem, dos Prolegomena de comoedia Aristophanis, o das célebres Chiliades? O bizantino, o gramático furioso, o precursor do name dropping? Esse mesmo, vendendo Xa nax.

No fundo da lista dos químicos estava a um textozinho destinado a enganar os filtros, talvez tirado por uma dessas máquinas que também “lê” blogues para lhes aumentar as audiências:

Lion. Tzetzes, a grammarian and poet of Constantinople, who lived A HUNTER, not very bold, was searching for the tracks of a Lion. greeted them with this salutation: What sort of a king do I seem wretched creature that I am! to take such precaution against the A FOWLER, taking his bird-lime and his twigs, went out to catch

O mundo está perigoso, mas não está perdido. Tzetzes está vivo, as máquinas lembram-se dele.

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AR PURO


LeRoy Grannis, Big Storm Surf at Ehukai Beach (near Pipeline)

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EARLY MORNING BLOGS 610

The Woman Who Collects Noah’s Arks


Has them in every room of her house,
wall hangings, statues, paintings, quilts and blankets,
ark lampshades, mobiles, Christmas tree ornaments,
t-shirts, sweaters, necklaces, books,
comics, a creamer, a sugar bowl, candles, napkins,
tea-towels and tea-tray, nightgown, pillow, lamp.
Animals two-by-two in plaster, wood,
fabric, oil paint, copper, glass, plastic, paper,
tinfoil, leather, mother-of-pearl, styrofoam,
clay, steel, rubber, wax, soap.
Why I cannot ask, though I would like
to know, the answer has to be simply
because. Because at night when she lies
with her husband in bed, the house rocks out
into the bay, the one that cuts in here to the flatlands
at the center of Texas. Because the whole wood structure
drifts off, out under the stars, beyond the last
lights, the two of them pitching and rolling
as it all heads seaward. Because they hear
trumpets and bellows from the farther rooms.
Because the sky blackens, but morning finds them always
safe on the raindrenched land,
bird on the windowsill.


(Janet McCann)

*

Bom dia!

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25.9.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 6

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EARLY MORNING BLOGS 609

Of Some Renown


For some time now, I have
lived anonymously. No one
appears to think it odd.
They think the old are,
well, what they seem. Yet
see that great egret

at the marsh’s edge, solitary,
still? Mere pretense
that stillness. His silence is
a lie. In his own pond he is
of some renown, a stalker,
a catcher of fish. Watch him.


(Jean L. Connor)

*

Bom dia!

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24.9.05


FONTES DE ONDE VEM O MAL QUE TODOS VEMOS À FRENTE



Há muitas, o atraso, a pobreza a ignorância, a arrogância presumida, a hipocrisia, os péssimos costumes da classe média (nome que nós damos à pequena burguesia), a corrupção, os “políticos”, a Lux, a Caras, o Herman, o “conde”, a TVI, o jornalismo de quinta, o provincianismo, os reality shows, etc, etc, etc, You name it.

Mas há mais uma fonte: o cinismo dos intelectuais. O cinismo dos intelectuais que se comportam como nefelibatas e que se “espantam” porque as pessoas se indignam com o “caso” de Fátima Felgueiras. O mais espantoso é ver este cinismo coexistir com a crítica ao relativismo, mostrando como não bastam algumas leituras da moda, onde falta vida. Seja por puro formalismo jurídico, seja por não se gostar de misturar as suas opiniões com as do vulgo, seja pela irritante mania da superioridade, seja por pedantismo.

Alguns portugueses indignam-se com a saga da fugitiva libertada. É só hipocrisia, dizem os cínicos do intelecto, porque para eles o sinónimo de indignação é a hipocrisia. É, pode ser tudo isso, pode ser uma indignação bacteriologicamente impura, mas é também incómodo, mal-estar, mal connosco próprios, com o país, como o “nosso Portugal”, uma das últimas sobrevivências de um sistema de valores quase de rastos, colocado de rastos também pelos cínicos, um dos últimos restos de alguma coisa a que chamávamos patriotismo. Vão viver para Felgueiras e atrevam-se a criticar a “Fatinha” em público, e não me venham com a Madeira por razões de equidistância, porque isso também mostra que não sabem nada do que estão a falar.

Há alturas de facto em que os intelectuais não prestam mesmo. Há alturas em que os intelectuais não percebem nada. Bem vistas as coisas, é quase sempre assim.

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COISAS COMPLICADAS


William Hogarth. An Election Entertainment

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EARLY MORNING BLOGS 608

Dizia uma vez Aquilino...


Dizia uma vez Aquilino que em Portugal
os filósofos se exilavam ainda em seu país
(v.g. Spinoza). O curioso porém
é que também ninguém foi santo lá:
os nascidos em Portugal foram todos sê-lo noutra parte
(St. António, S. João de Deus, etc.)
e outros santos portugueses, se o foram,
terá sido, porque, estrangeiros que eram e em Portugal
vivendo, não tiveram outro remédio
(v.g. Rainha Santa) senão ser santos,
à falta de melhor. Oh país danado.
Porque os heróis também nunca tiveram melhor sorte
(Albuquerque e outros que o digam) a menos que
tivessem participado de revoluções feitas
"em vez de" (v.g. o Condestável que fez
fortuna e a casa de Bragança e acabou só Santo quase).


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!

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23.9.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
PROPAGANDA POLÍTICA E OS POSTES DA EDP




Sou um cidadão residente em S.Bernardo - Aveiro e sou Electricista de profissão.Serve esta descrição para alertar para uma situação que está a acontecer na minha freguesia e não só, e passo a explicar.

Como cidadão tenho que lamentar que se coloquem placards de campanha política fixos aos postes da EDP e na época de Natal não se possa fixar iluminação decorativa de Natal aos mesmos.Como Electricista também é de lamentar que quando solicitamos uma ligação para execução de obras não nos seja permitido fixar a baixada aos mesmos postes e para campanha politica já é autorizado.

Posso ainda informar que actualmente os postes são pagos pelos cidadãos que requisitam a baixada que por sua vez são obrigados a cede-los a titulo definitivo à EDP para que a EDP por sua vez os ceda para campanha politica, o que é de lamentar. Todos os placards que vi estão associados a um único partido político o que torna a situação ainda mais grave.

Será que a EDP está ao serviço dos cidadãos ou ao serviço da politica?

(Júlio Gonçalves)

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INTENDÊNCIA

Em actualização os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
UMA COLIGAÇÃO NEGATIVA QUE PODE SER POSITIVA NUMA EMERGÊNCIA

OU PARA GRANDES MALES GRANDES REMÉDIOS




É penoso, confrangedor mesmo, observar os candidatos do PSD e PS a relativizarem a política, não chamando "a senhora pelo seu verdadeiro nome" (fugitiva), relegando para a justiça (manipulada por quem?!) desenvolver os passos, ditos, "normais". Bem sei que em Democracia, todos são presumíveis inocentes até trânsito em julgado - mas mesmo aqueles que fogem na bagageira de um carro, para um país onde sabem, à partida, que não poderão ser extraditados, onde fazem plásticas, alterando o visual e que chegam, até esta quase república das bananas, como triunfadores, mais jovens, de cara lavada!?!?

Não sei se concorda comigo, por ventura não; mas mesmo assim deixo-lhe um
repto: e se o PS e PSD de Felgueiras comunicassem ao País que se iriam coligar, após as eleições, para travar o ímpeto devorador dos que apenas conhecem as leis das favelas?!

Utópico?! Talvez, mas seria um sinal de que os políticos, nas questões essenciais de cidadania, onde estão em causa valores mais elevados do que a conquista do poder, dariam um sinal de que, afinal, fazer política, ainda é uma actividade nobre.

(Daniel Ferreira Gaspar)

*

Ver também a actualização de VAMOS ESCOLHER O “FIXE” OU O “CONFIÁVEL”?

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BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 5

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À PROCURA DA PALAVRA



O Plano Tecnológico visto de baixo, da comezinha realidade vai ter muito quer andar. Sucede que preciso de escrever um texto com formatação complicada, entre o dicionário e a enciclopédia, um texto grande, cheio de referências cruzadas no seu interior, a meio caminho entre o processamento e a base de dados simples, que possa permitir ordenar entradas e, ao mesmo tempo, usar todos os instrumentos de formatação de um processador de texto - enfim, complicado. Resolvi procurar um manual actualizado do MSWord, para ver se, entre as mil e uma funções que o programa tem, podia encontra resposta ao problema.

Pois sim. Mais “pois não” do que “pois sim”. Acreditam que nas duas FNAC, na livraria do Corte Inglês, nos livros de informática da Vobis, nas Bertrand várias, nas Boulhosa várias, na Barata, e em mais três ou quatro livrarias não há um único manual decente à venda, que não seja umas traduções de uns livros para principiantes do género “Word for dummies”, e mesmo assim só numa ou duas. Eu pensava que o MSWord era o mais popular processador de texto, e pensava que alguém, algures, não se bastaria com o “help”, ou com o que encontra em linha. Numa capital da Europa. Pois sim.

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VAMOS ESCOLHER O “FIXE” OU O “CONFIÁVEL”?



Parece que os portugueses preferem ter como “chefe no trabalho” Mário Soares e como “professor do filho” Cavaco Silva, preferem ter “como companhia ao jantar” Mário Soares e “emprestar o carro” a Cavaco Silva. Se eu quisesse ser mau para Soares diria que nestes inquéritos ele aparece com um perfil muito próximo de um outro presidente que não estima por aí além, George W. Bush. A maioria dos portugueses gostaria de jantar com Soares, como a maioria dos americanos de ir a um barbecue com Bush, voltando as costas a um pesadelo que seria ter de aturar Al Gore. E eu aqui, percebo muito bem os portugueses.

Mas ainda os percebo melhor quando, - registem a letras de fogo - , desejam Mário Soares como “chefe no trabalho”, todo um programa. Sabem exactamente o que isso significa? Sabem, sabem, todos sabem, é por isso que respondem assim. Pena é que apenas uma pequeníssima minoria de portugueses tenha visto a série da BBC The Office, uma das que devia fazer parte (com o Sim Senhor Ministro) de um currículo moderno de educação cívica e política do secundário.

Mas há mais. No mesmo inquérito (do Expresso) é feita uma pergunta séria e responsável, principalmente nos conturbados dias de hoje: “a quem entregava a organização das suas contas pessoais?” A Cavaco claro. Aqui não é apenas Cavaco que vence, há um esmagador desequilíbrio, o maior de todos, entre 22% a favor de Soares e 69% a favor de Cavaco. Mesmo que a Presidência não seja para gerir o nosso dinheiro, já que Jesus Cristo nada sabia de finanças, dá que pensar.

Claro que nem tudo nesta sondagem favorece Cavaco. Os portugueses reconhecem que Soares fez mais pelo país do que Cavaco, e eu, assim perguntado, responderia da mesma maneira lembrando-me de 1975. Num momento conturbado e perigoso, num momento revolucionário, Mário Soares fez muito por Portugal, e sem o que ele fez, o que Cavaco fez de bom (nem o que de mal fez Soares) não seria possível. É uma questão fundacional, e será por essa que Soares ficará na história. Os portugueses são sábios, mas duvido que seja razão bastante para lhe entregarem pela terceira vez a Presidência.

Também não pediriam a Cavaco um conselho para um livro, só 35% o fariam, contra 60% a Soares, a maior diferença a favor de Soares. Muito bem, também aqui são os portugueses sábios, porque, como revela a antologia dos “poemas da minha vida”, distribuída pelo Público, Soares tem poemas da sua vida, coisa que alguns dos outros autores não têm de todo. A antologia de Soares revela a sua vivacidade, gosto, e leituras e é das melhores, da série.

Foi por isso que Soares proclamou a sua vantagem sobre Cavaco em matéria de “cultura humanística”, cuja ausência tornava Cavaco um candidato não aceitável para Presidente. É verdade que a cultura das elites portuguesas formadas nos anos quarenta, na tradição liberal e republicana, inclui uma dose sólida da literatura do século XIX e XX, com ênfase na geração dos Vencidos da Vida, a que depois se acrescentam os autores que um homem “letrado” conhecia, quase sempre seus contemporâneos.

Mas essa cultura tem sérias limitações para nela se fundar uma superioridade “humanística”, a não ser numa visão republicana, jacobina, maçónica. É por exemplo omissa de qualquer dimensão científica séria (as pessoas continuam a achar que cultura é saber o número de cantos dos Lusíadas mesmo que não se saiba o principio de Arquimedes, ou o que é a inércia), pouco tem de filosofia, teoria política (que nos anos da ditadura ficava para os “fascistas” que liam Maquiavel, Hobbes, Schmidt), e nada de economia, mesmo na forma filosófica clássica da “economia política”. Era dominada pela retórica, mesmo quando esta servia boas causas como a democracia.

Havia excepções, como há sempre, mas esta era a regra para a geração de Soares, de que o nosso antigo Presidente é um bom exemplo, a que acrescem os seus dotes de escrita e de conversador, uma arte em extinção que cultiva como ninguém. (Faço aqui uma nota de passagem, nos meus trabalhos sobre a oposição ao salazarismo, onde havia muitos escritores, entre as pessoas que melhor escreviam contam-se Cunhal Leal e Mário Soares. Descrição de um evento feita por Soares é sempre vivíssima, mostrando uma percepção e observação fina, quase sem paralelo.)

Mas atenção, há aqui uma outra questão oculta, que se a esquerda fosse o que diz ser, devia soar todas as trombetas bíblicas, há aqui uma clara divisão social, uma diferença de classe, de meios, de vida, e também de tempo, de idade. Cavaco nasceu em Boliqueime entre o pobre e o remediado e Soares em Lisboa e nasceu rico. E nasceram em tempos diferentes de ser jovem e de ser adulto, em diferentes gerações. É por isso que é preciso muita prudência para se usar a “cultura humanística” como arma de arremesso, porque acaba por ser mais uma afirmação de superioridade da condição social, do que uma crítica política.

Sintetizando e concluindo, o Expresso titulava “Soares é fixe, Cavaco é de confiança”. Duma vez por todas, o Expresso acerta num título. Os portugueses gostam de Soares (já gostaram menos, já gostaram mais, já gostam menos outra vez), mas confiam em Cavaco. Resta agora saber que escolha farão. A única coisa que sei é que essa escolha vai depender do grau de racionalidade da campanha, numa vida política em que ela não abunda. Se Cavaco acentuar a racionalidade da sua campanha, ganha contra um Soares que tenderá a impregna-la de afectividade, de irritações, ao mesmo tempo de drama e de boa disposição. É contraditório? É, mas a personagem é assim, virtudes e qualidades coladas como grude, “fixe” na aparência, e com os seus, e autoritário e duro com os que estão fora da família e que ousam defronta-lo.

Como farão os portugueses? Há muita coisa a favor de Soares, porque a atitude de adiar tudo, de nonchalance face ao futuro, de despreocupação, muito facilmente irritada com quem lhe lembre responsabilidades (veja-se a velha história do Carnaval), cala muito fundo na anomia em que vivemos. Podem continuar a não querer mudar nada, e não se aborrecerem por nada, enquanto puderem viver remediadamente, como faz uma parte importante da burguesia urbana, entre o Algarve, e Varadero, sem cuidar que os seus filhos vão viver pior, e, se tudo continuar como está, os seus netos vão viver mediocremente. Em Soares têm o candidato ideal.

Por outro lado, Cavaco traz um bem precioso, o que menos abunda na nossa vida política, credibilidade e “confiança”. É aqui que remeto para o meu artigo anterior, infelizmente ainda mais confirmado pelos números entretanto divulgados sobre a crise de confiança entre os investidores. Cavaco acrescenta ao sistema político, Soares diminui, ou, na melhor das hipóteses, não muda nada. Há muitas outras razões para se escolher um ou outro, mas esta é talvez aquela em que a diferença é mais nítida, a escolha é mais escolha. Ou o “fixe” ou o “confiável”.

(Do Público de ontem.)

*
(...) que interessam as escolhas no nosso país? A Isaltino Morais, com um caso de contas suspeitas na Suiça, as sondagens dão-lhe quase maioria absoluta, Fátima Felgueiras, depois de fugir à justiça volta a candidatar-se e ainda tem direito a tempo de antena num canal de televisão, Avelino Torres oferece subornos para votarem nele. Por isso pergunto, que interessam as escolhas no nosso país?

Há uns dias contaram-me esta história: em conversa de amigos, na universidade, um jovem com aspirações políticas virou-se para outro e fez-lhe esta pergunta: "Ouve lá, se eu um dia chegar a me candidatar a um cargo importante como Primeiro Ministro ou Presidente da República, votarias em mim?", ao que o outro respondeu com um sorriso, "Bom, isso iria depender... de qual seria a minha fatia do bolo". Face à resposta, o jovem político rapidamente respondeu "Oh pá, é claro, é claro que arranjava qq coisa". Desta vez o amigo questionado tomou um ar sério e disse "Bom, meu amigo, então nesse caso não votaria em ti de certeza". E o jovem com aspirações políticas ficou mudo e nunca mais questionou aquele seu amigo sobre eleições ou tendências de voto.

A história é real e foi-me contada por um jovem de 21 anos, o amigo questionado. E apesar do orgulho e da surpresa que senti, pois tratava-se do meu irmão mais novo, sei que a resposta utópica que ele deu ao amigo conduz a um beco sem saída. Pelo menos no nosso país. No país em que indícios de corrupção dão maiorias absolutas, no país em que foragidos à justiça aparecem na televisão como se nada tivesse acontecido, no país em que os interesse partidários alimentam os interesses pessoais numa sucessão de favores e contra-favores que agravam e afundam cada vez mais a nossa economia, a nossa educação, a herança que iremos passar às próximas gerações.

Por isso, volto a perguntar, que interessam as escolhas no nosso país?

(Paulo)

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COISAS SIMPLES


John Pilson, St Denis (Painting and Lamp)

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EARLY MORNING BLOGS 608

Não toques nos objectos imediatos


Não toques nos objectos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chavená,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.


(Herberto Helder)

*

Bom dia!

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21.9.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 4

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EARLY MORNING BLOGS 607

Laranja, peso, potência


Laranja, peso, potência.
Que se finca, se apoia, delicadeza, fria abundância.
A matéria pensa. As madeiras
incham, dão luz. Apuram tão leve açúcar,
tal golpe na língua. Espaço lunado onde a laranja
recebe soberania.
E por anéis de carne artesiana o ouro sobe à cabeça.
A ferida que a gente é: de mundo
e invenção. Laranja
assombrosamente. Doce demência, arrancada à monstruosa
inocência da terra.

(Herberto Helder)

*

Bom dia!

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20.9.05


INTENDÊNCIA

Em actualização, mais que necessária, os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

Coloquei aí um índice final dos capítulos do III volume da biografia de Álvaro Cunhal.

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VIAGENS NO TEMPO



Uma das descobertas do Estado Novo foram as viagens no tempo. Este exemplo inédito de 1935 revela como é possível escrever uma "notícia" antes dela ter acontecido, prática muito comum nos dias de hoje em que se "antecipa" o que vai acontecer, anter de ter acontecido. Pelos vistos, já havia mestres no tempo do dr. Salazar desta actividade típica do jornalismo imaginativo: Carmona eleito com "colossal" votação, antes da votação. Sempre a aprender com o passado.

(Agradeço a M.L.E. a oferta deste e doutros papéis.)

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AR PURO


Cifford Ross, Hurricane XXV

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EARLY MORNING BLOGS 606

estação


Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça


(Mário Cesariny)

*

Bom dia!

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19.9.05


NUNC EST BIBENDUM NUNC PEDE LIBERO PULSANDA TELLUS


Às quinze horas e trinta e seis minutos, coloquei o último ponto final a seguir à palavra “hoje”. Quatro anos depois, seiscentas e cinquenta e uma páginas depois, mil setecentas e cinquenta notas de rodapé depois, encerrei o terceiro volume da biografia de Álvaro Cunhal para os anos da prisão (1949 a 1960). Sairá em Novembro na Temas e Debates e em Janeiro no Círculo de Leitores. A nossa língua é pobre em onomatopeias para o que se passou às quinze horas, trinta e seis minutos e um segundo depois.

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BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 3

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EARLY MORNING BLOGS 605

Autumn Movement


I cried over beautiful things knowing no beautiful thing lasts.

The field of cornflower yellow is a scarf at the neck of the copper
sunburned woman, the mother of the year, the taker of seeds.

The northwest wind comes and the yellow is torn full of holes,
new beautiful things come in the first spit of snow on the northwest wind,
and the old things go, not one lasts.

(Carl Sandburg)

*

Bom dia!

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18.9.05


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 2

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EARLY MORNING BLOGS 604

VIDA


Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!

Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.

Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.

Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...


(Camilo Pessanha)

*

Bom dia!

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BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 1

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17.9.05


SEGUREM-ME SFF 2

Muitos leitores acertam no Rubirosa, (que não está esquecido e de quem acabou de sair uma biografia de Shawn Levy, The Last Playboy: The High Life of Porfirio Rubirosa), nenhum até agora no Huey P. Long. E no entanto, são tão parecidos, são tão iguais. Mas, seguro eu estou na minha rocha.

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O QUE SE APRENDE LENDO OS JORNAIS



Muita defesa do indefensável Carrilho se lê nos jornais! Como, se ele é atacado? Simples: há uma linha clássica de defesa quando se comete uma asneira grossa e tão evidente que não vale a pena escondê-la, que é meter tudo no mesmo saco e dizer que todos cometeram asneiras. É educativo ver o tratamento editorial do debate tumultuoso entre Carrilho e Carmona, que qualquer observador na Terra ou em Sírius, percebe que foi muito mais um resultado do "estilo" Carrilho do que de Carmona, culminando em dois gestos antagónicos (cumprimentar /recusar o cumprimento) que revelam a abissal diferença, para ver que as asneiras de Carmona, que também as houve, não podem ser reduzidas a um injusto e igualizador “insultos de parte a parte”, ou outras variantes. Exemplos para não se dizer que não os dou: aqui, , aqui (João Pedro Henriques, Frente-a-frente resumido a um aperto de mão e a uma casa de banho, sem ligação) aqui (Fernando Madrinha, Bem podem prometer a lua..., sem ligação) e em muitos outros sítios. (Já agora não é segredo para ninguém que apoio Carmona, mas, se pensam que é por isso que escrevo o que escrevo, não vale a pena perderem tempo a ler o Abrupto.)

No fundo, não é novidade: quando Mário Soares se candidatou, subitamente os aspectos negativos incontroversos que foram apontados como óbices à candidatura de Soares, e que só ele suscitara, a idade, a falta de novidade, o "mais do mesmo", o bloqueio à renovação, etc., passaram a ser defeitos dos dois candidatos, Cavaco e Soares. Meter tudo no mesmo saco. Para se comparar veja-se como o elevado debate dos "sifôes", na Assembleia da Madeira, ficou a penalizar só um lado, Jardim, o "Jaiminho", o jumento, etc., poupando o PS/Madeira e não houve aí equidistância para se meterem os dois no mesmo saco.

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COISAS COMPLICADAS:
L'EN-DEHORS



Théophile Steinlen

"Celui que rien n'enrôle et qu'une impulsive nature guide seule, ce hors la loi, ce hors d'école, cet isolé chercheur d'au-delà ne se dessine-t-il pas dans ce mot : L'EN-DEHORS ? "
Zo d'Axa (Anarchiste n° 8 à 11, Julho a Outubro 1930).

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EARLY MORNING BLOGS 603

Meu corpo, que mais receias?


-Meu corpo, que mais receias?
-Receio quem não escolhi.

-Na treva que as mãos repelem
os corpos crescem trementes.
Ao toque leve e ligeiro
O corpo torna-se inteiro,
Todos os outros ausentes.

Os olhos no vago
Das luzes brandas e alheias;
Joelhos, dentes e dedos
Se cravam por sobre os medos...
Meu corpo, que mais receias?

-Receio quem não escolhi,
quem pela escolha afastei.
De longe, os corpos que vi
Me lembram quantos perdi
Por este outro que terei.


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!

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16.9.05


RESPONSABILIDADE, CREDIBILIDADE E CONFIANÇA



(No Público de ontem.)

Os políticos costumam ser responsabilizados por todas as coisas, muitas vezes injustamente. Há porém uma coisa pela qual são quase que inteiramente responsáveis: a existência de um clima de credibilidade das instituições que gere factores de confiança. É certo que, mesmo quando cumprem plenamente as suas obrigações, têm que defrontar uma permanente cultura de cinismo da comunicação social, o "ninho de víboras" como lhe chamava há anos uma das mais prestigiadas revistas americanas que estuda o jornalismo, e isso cria dificuldades cada vez maiores, às vezes mais aos bons políticos do que aos maus. A comunicação social pode criticá-los e diminui-los todos os dias, mas "gosta" de Ferreira Torres ou Valentim Loureiro, porque eles produzem espectáculo.

A credibilidade das instituições, é também responsabilidade dos grandes corpos do estado, tão politizados como os políticos, cada vez mais produzindo um ruído de descrédito público, que se soma à crise das instituições, como infelizmente acontece com a justiça, com corpos de segurança como os bombeiros, com sectores das forças armadas e do funcionalismo público. Tudo isto conta, mas, mesmo assim, como numa democracia quem legisla para as forças armadas, a justiça, as forças de segurança, são os políticos, é deles a responsabilidade última se esses corpos do estado entram em disfunção.

Agora vamos aos "ora". Ora, não haverá ninguém hoje em Portugal que não refira a crise de credibilidade do sistema político e dos seus agentes, como um elemento fundamental na descrença da sociedade portuguesa no seu futuro, a começar pelo cidadão comum e a acabar nos agentes económicos. Existe hoje um gravíssimo problema de crise de confiança, que, sendo subjectivo, tem poderosos efeitos objectivos. Quando um empresário decide não investir, um jovem cientista ou profissional de mérito percebe que só tem carreira no estrangeiro, um politico capaz manda os partidos e o parlamento ás malvas, porque se sente impotente, ou uma família não poupa porque acha que não vale a pena dado que o dinheiro desaparece de qualquer maneira e mais vale gastá-lo, é de confiança que falamos e dos efeitos devastadores da sua falta.

Ora, desde Março, que temos um novo governo, feito de fresco, dotado de uma maioria absoluta no parlamento, legitimado tanto quanto o pode ser um governo em democracia. Um governo com tudo para ser forte, e no entanto… Ora, este governo durante o seu período crucial do "estado de graça", nos últimos seis meses, deveria gerar uma inversão da curva da desconfiança, deveria, pelo próprio facto de existir e ser, em teoria, um "governo forte", gerar confiança.

Ora, acontece exactamente o contrário, os níveis de confiança baixam para patamares de verdadeira depressão nacional, e, mesmo pequenas flutuações que existam, revelam que, tendo tudo para gerar confiança, este governo minou a confiança. E aqui voltamos aos políticos, à responsabilidade e à credibilidade.

Não se trata de confundir popularidade e confiança. Um governo pode descer nas suas taxas de popularidade e aumentar a confiança, coisa que me parece quase inevitável nos dias de hoje em que governar bem é tomar medidas difíceis. O problema é outro, é que um governo não pode tomar medidas, umas a seguir às outras, que agravam o descrédito da acção política e destroem a já de si escassa confiança existente sem sérias consequências. A arrogância do Primeiro-ministro pode fazer de conta que quer pode e manda, mas, mais cedo do que tarde, pagará o seu custo. Ele e nós.

Na lista das medidas que minam a credibilidade, estão duas á cabeça, a falsa promessa eleitoral sobre os impostos e a demissão do ministro das finanças quando este contestou a compatibilidade do grande programa de obras públicas com a necessidade de contenção financeira do estado. São ambas graves, a dos impostos porque acrescenta mais uma tábua no caixão da credibilidade das promessas eleitorais, e a demissão do ministro, porque ele era tido como um penhor da capacidade do governo em tomar medidas de contenção que todos sabem difíceis. A sua saída significou que o ímpeto inicial não era um verdadeiro ímpeto, mas um surto sem continuidade, que ficaria, desgarrado e inútil, no meio de um progressivo retorno á realidade gastadora. O silêncio sobre o próximo orçamento de estado, seja ele qual for, pode aprofundar esta descrença. Se o orçamento for duro e austero, deveria impedir as mil e uma promessas autárquicas dos candidatos do partido do governo que nunca irão ser cumpridas, se for laxista e inconsequente, confirmará o significado da saída do ministro das finanças. É o que dá este tipo de actuação, perde-se sempre.

Mas o pior é que se continuou depois, dia após dia, a minar a confiança, com os actos absolutamente lamentáveis das nomeações de personalidades do aparelho socialista, sem competência específica, para altos cargos no sistema de empresas públicas. O afastamento da administração da CGD por razões que nada tem a ver com a sua gestão, mas com a confiança política, é um terramoto cujas consequências ainda não acabaram. A principal instituição bancária do estado, passou a ter uma cadeia política de comando, particularmente grave na área do crédito, que "politizado", é um instrumento de manipulação poderoso na área económica. O sinal já foi percebido, e a confiança afunda-se.

A escolha de um deputado do PS, antigo ministro e porta-voz do partido para a área das finanças, para presidir ao Tribunal de Contas mostra como o governo está disposto a tudo e é capaz de tudo, para minimizar o sistema de "checks and balances" fundamentais num estado democrático. Por muito menos, alguém que todos conhecemos, falaria do seu "direito à indignação" pela "ditadura da maioria".

Não está em causa a pessoa, mas a oportunidade e o sinal que se dá. Mais tarde, estará em causa também a pessoa, e não compreendo como é que um homem prudente como o Guilherme Oliveira Martins não o antevê com clareza. Estará a pessoa, porque o estilo amável e protector com que gerirá o Tribunal de Contas, se não põe em causa nem a sua competência, nem a sua honestidade, põe em causa a sua capacidade de usar os instrumentos do controlo das contas do estado e das autarquias com agressividade, hoje mais que nunca necessária. É como com a luta contra a corrupção, a substância é fundamental, mas o estilo conta muito. A independência de um Presidente do Tribunal de Contas também se mede aí, na consciência da urgência de boas práticas para os dinheiros públicos, que, se for exercida, o fará entrar em choque quase imediato com os interesses do governo e do PS nas autarquias. Guilherme de Oliveira Martins é um "homem de diálogo", e o Presidente do Tribunal de Contas, no nosso estado e nos dias de hoje, não pode ser um "homem de diálogo".

Temo que este despudor funcional, em que pouco importa o pôr em causa a independência de corpos fundamentais do estado para proteger o governo, chegue aos serviços de informação e segurança, onde já há bastante partidarização, quer do PS, quer do PSD. Todas estas instituições são cruciais para que haja um mínimo de autoridade do estado, deviam ser mexidas com pinças, e o PS põe-lhe as mãos todas e sem luvas, tanta é a ganância de exercer o poder sem controlo.

*

Para a semana, voltaremos a este assunto, porque esta questão da credibilidade e da confiança, será a mais importante condicionante do processo eleitoral das Presidenciais. Aqui também, o PS e o governo, actuaram de modo a minar a credibilidade e a confiança, escolhendo Mário Soares. Como se vê pela forma como está a decorrer a pré-campanha, tal como é revelada pelo aspecto qualitativo das sondagens, Mário Soares hoje não acrescenta nada á confiança no sistema político, perdendo para Cavaco Silva em todos os elementos qualitativos da credibilidade mo julgamento dos portugueses. Nas sondagens, estes são os únicos resultados que vão para além da primeira volta.

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SEGUREM-ME SFF

De há muito tempo que tento evitar fazer duas magníficas e certeiras comparações entre políticos portugueses e duas personagens “larger than life”, com que eles se parecem em quase tudo. Quase tudo. Miméticos até ao limite do espelho. Depois faço censura. Seguro-me, digo aos outros para me segurarem. Não, não escrevas esse artigo sobre Porfírio Rubirosa e a sua cópia nacional. Já ninguém sabe quem ele é, deixa o homem sossegado. Mas é exactamente igual, vê aquela história das dragas com a Flor de Oro Trujillo … Seguro-me, seguram-me.

E o outro? O outro é Huey P. Long, o governador da Louisiana, que muitos americanos (principalmente fora da Louisiana) consideram que foi o melhor candidato a “ditador” que a América jamais teve, lembrado ainda hoje com saudade nos bayou. “Se não o tivessem morto, chegava a Presidente”. Também cá temos o nosso, falando alto e grosso, tão, tão, tão parecido nos discursos, no justicialismo, na “obra feita”. Deixa lá isso, ninguém sabe quem foi esse Long, só te metes em sarilhos, depois ele insulta-te, não vale a pena… Seguro-me, seguram-me.

Pois é, mas o Rubirosa e o Long são tão parecidos com as nossas versões, ao menos podia fazer uma coisa neutra, distante, biográfica, americana, dominicana, seja lá o que for…

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AR PURO / COISAS SIMPLES


Clifford Ross, Hurricane III

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EARLY MORNING BLOGS 602:
"SEI MUITO BEM QUE SOUBE SEMPRE UMAS COISAS"

voz numa pedra


Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se
não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal


(Mário Cesariny)

*

Bom dia!

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15.9.05


OUVINDO "MALINCOLIA, NINFA GENTILE"
(VINCENZO BELLINI)



Malinconia, Ninfa gentile,
la vita mia consacro a te;
i tuoi piaceri chi tiene a vile,
ai piacer veri nato non è.

Fonti e colline chiesi agli Dei;
m'udiro alfine, pago io vivrò,
né mai quel fonte co' desir miei,
né mai quel monte trapasserò.


(Ippolito Pindemonte)

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INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas COISAS DA SÁBADO: A “INFOROPINIÃO”, A INFORMAÇÃO A QUE TEMOS DIREITO (1) e (2).

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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
KATRINA, AMERICA, FOGOS, IMAGENS, PALAVRAS



A propósito dos seus textos e de outros colunistas sobre o tratamento dado pelos "media" portugueses, deixe-me desabafar um pouco. Eu também acho que existe uma antiamericanismo hipócrita em cronicas que apareceram por aí, mas o que agora se pretende é passar para o outro lado, ou seja, para o tempo em que atacar-se o partido comunismo era fazer o jogo da reacção.

Comparar os fogos com o Katrina só tem um ponto em comum: são catástrofes da natureza, mesmo se no caso dos fogos existam fogos postos. Tudo o resto passa por muita demagogia. Se num caso não se deve cair no caminho esquerdista de ver só agora a pobreza nos EUA ou a desigualdade entre brancos e outras etnias, também não se deve insinuar que no caso português os fogos atacaram só os mais desfavorecidos. Não é verdade e também não é verdade qe os pós catástrofes sejam identicas nos dois casos. Contrariamente ao que também diz muita imprensa, em particular na TV as pessoas não ficaram, genaricamente,na miséria após os fogos. Sustentar isto é não perceber nada do que se passa no interior ruram de Portugal em termos de economia das pessoas.
Disto isto e sem ilusões é ou não verdade que foi substimado o tornado? Que falhou a evacuação? Se acontecesse cá o JPP não estaria na primeira linha da denúncia da situação? Penso que sim.

No caso português fala-se muito de combate e prevenção aos fogos,mas sinceramente ninguém fala a sério ou percebe muito do assunto, pelos menos os que leio e vejo na TV. Os governos, todos têm demonstrado pouco perceber do assunto e por isso vemos as figuras tristes que fazem quando falam (ex: António Costa) falando e nada dizendo. Fogem então para a frente e prometem mundos e fundos, gastando dinheiro que não vai resolver nada.

Para além dos combates ideológigos que se travam entre os pró e contra qualquer coisa existem pessoas. Problemas humanos. É sobre esses que gosto de falar e ouvir falar. Tentar perceber. E isso não é fácil neste tempo sem muitas ideias e demasiadas acusações.

(João Leitão)

*

(...) Gostaria de lembrar que o próprio Bush alimenta estas interpretações pseudo-teológico-escatológicas (ou seja lá o que lhe quiserem chamar).
Existe um artigo muito interessante sobre isso aqui

(Cláudia Silva)

*

Há (...) uma matéria onde nunca consegui ver nos seus argumentos suporte bastante para as conclusões que tira: trata-se do que designa por antiamericanismo ou, na versão mais emotiva, antiamericanismo primário.
Permita-me, a este propósito, um comentário ao seu artigo "Sodoma e Gomarra".

Espanto-me com a sua sanha no ataque a quem pensa, e o expressa, p.e., que os EUA fazem tábua rasa do direito internacional quando os seus interesses estão em jogo (caso do Iraque, entre muitos conhecidos), ou que os EUA têm debilidades estruturais gritantes (caso Katrina, que expôs algumas das muitas que muitos desconheciam).
Espanto-me, sobretudo, quando esse mesmo ataque começa por constatar os factos, e assim reconhecer pertinentes as razões que levam à formação da opinião (que designa de antiamericana) que tão ásperamente contesta.

No artigo referido começa por dar como incontestável, p.e., que "alguma [...] coisa correu muito mal nos primeiros dias no apoio às vítimas do furacão Katrina" e que "parte [...] do que correu mal se deve à administração federal do Presidente Bush", para, sem mais, manifestar a sua indignação com o que considera ser a "histeria anti-Bush, e antiamericana que varreu a comunicação social" aproveitando os ventos do Katrina.

Indignação esta ampliada pelo facto de não ser "apenas a guerra do Iraque, embora esta seja um irritante [para quem ?] muito especial, são muito mais coisas, é a "superpotência", é o sistema económico, é o "imperialismo" cultural de Hollywood, é a globalização, são os McDonalds, são os alimentos geneticamente modificados, é o Deus das notas do dólar". Estes polémicos temas apenas são elencados, parecendo, contudo, que a mera abordagem dos mesmos é para si, no mínimo irritante e, quase certamente, sinal de antiamericanismo primário. Como se estas fossem questões menores ou definitivamente (bem) resolvidas e não fossem, entre outras, o âmago da "discussão" - a manter, como, apesar de tudo, espero nos deixem.

Reconhecendo, mais abaixo, que "A pobreza esteve lá sempre, nuns sítios mais, noutros menos. A desigualdade social também", continua a indignar-se com o que considera ser a transformação das vítimas do furacão em "bandeira para mostrar que o sistema é mau e o Presidente péssimo".
Termina em grande, pondo no mesmo pé "os fundamentalistas da Al-Qaeda", os "do Bible belt" e quem diga mal dos males da América- já que todos considerarão a desgraça do Katrina um castigo de Deus, ao estilo de Sodoma e Gomarra.

Espanto-me, pois, com o que parece ser uma posição de defesa a qualquer custo dos EUA, independentemente das razões que assistam a quem critica as suas (muitas) opções reconhecidamente erradas ou as suas (muitas) omissões escandalosas ou as suas (muitas) actuações ao arrepio do direito internacional, ou ainda as suas (muitas) debilidades políticas e sociais.
Espanto-me tanto mais quanto os EUA não precisam de quem os defenda, tal o número coisas boas que deram ao mundo e tal o seu poderio, nomeadamente em termos de influência da opinião pública mundial, em geral, e do mundo ocidental, em particular.

Não deixa de ser curioso verificar que inicia o seu artigo fazendo um reconhecimento das razões que aos designados antiamericanos assitem, antes de passar a zurzir nas opiniões que nelas se suportam. Como se fizesse uma concessão ao adversário, mas ganhando balanço para o arremesso.

Posição idêntica, aliás, à de quem se sente na obrigação de afirmar a sua simpatia pelos EUA antes de criticar qualquer das suas facetas. Tal como as crónicas de contestação à invassão do Iraque, as quais, para serem "credíveis", têm de começar por afirmar o óbvio: a condenação do terrorismo, a indignação pelas vitimas inocentes, etc.

Uns e outros necessitam de demonstrar, à partida, a sua seriedade. Ou desculparem-se (má consciência?) de ter aquela opinião..
Não poucos, todavia, defendem-se apenas do estigma de antiamericanismo primário, chavão nada inocente utilizado até à exaustão por uma cultura maniqueista cegamente (?) pro-americana. Tão maniqueista e cega como a dos tempos em que os estalinistas se idignavam e irritavam com qualquer crítica à ex-URSS, designando-a de imediato como anti-comunismo primário.

Permita-me que lhe lembre que tudo tem a ver com tudo. Se alguns comentadores se suportam no Katrina e nas suas consequências para reflectir sobre a realidade dos EUA e do mundo, não deve tal ser visto conspiração anti qualquer coisa ou mera indigência mental, mas antes como o direito de expressão de quem pensa diferente e tem a coragem de o expressar, como, aliás, o senhor faz.

Não pode, nem deve, um comentador intelectualmente honesto constatar que os diques rebentaram e omitir que tal ocorreu porque não houve investimento público para a sua que consolidação. Tal como não pode, nem deve, constatar que a quase totalidade das vítimas são negras e pobres e omitir as razões, sociais e políticas, do facto. Da mesma forma, não pode, nem deve, deixar de realçar que, nos EUA - onde nos ensinaram a esperar a melhor organização e eficácia -, um imenso leito de cheia tenha sido ocupada por aglomerados habitacionais, em convivência com indústrias e equipamentos estruturantes, para além de poluentes,sem que fossem garantidas, como se demonstrou, as condições mínimas de segurança. Destes e doutros factos, porque actuais, porque relevantes e porque significativos, não podemos exigir aos comentadores que soneguem as causas, não associem outros, ou não extrapolem consequências.
Por outro lado, será de ter em conta que o algo de menos agradável que agora venha a ser dito está largamente contrabalançado com o imenso caudal de informação positiva sobre os EUA que ao longo dos anos desaguou e vai continuar a desaguar sobre as cabeças pensantes e não pensantes dos cidadãos deste mundo. Condutores deste caudal não faltam.

Por último, um comentário à invocação do exemplo bíblico do castigo de Deus.
Para além de algo despropositado, parece-me claramente infeliz: é que, do que conhecemos, o que alguma vez mais se aproximou do que terá acontecido em Sodoma e Gomarra, foi Hiroshima e Nagasaki. Obra dos humanos que sabemos e sem, quero acreditar, o assentimento de Deus. Obra que nos envergonha a todos. Não podemos dizer o mesmo do Katrina, que apenas envergonhará alguns.

(M.J.Correia)

*

Li o seu texto do "Público" reproduzido no seu "blog" com o qual concordo parcialmente ( não tenho a opinião de que toda a imprensa europeia imputou a Bush e à sua política a causa da "não ajuda atempada" ou a da "pobreza" nos Estados Unidos ).

No entanto fiquei admirado por não ouvir referência entre o contraste da onda de solidariedade europeia ( e em particular a portuguesa ) que ocorreu quando do tsunami - a maior de que me recordo - e a de agora, que practicamente não existiu.

Apenas porque uns eram muito pobres ( os asiáticos ) e os outros apenas pobres ( os americanos ) ? Porque no tsunami morreram alguns milhares de europeus e agora não ?

Não sei as respostas, mas parece-me que estamos um pouco ( muito ) indiferentes ao que se passa nos EUA. E a culpa não é só dos orgãos de comunicação europeus, mas nuito também da política do "MacDonalds" a que ouvi chamar há muitos anos na Alemanha como "a Embaixada dos EUA" .

(Feliciano Antunes)

*

Tenho lido em alguns blogues da nossa praça uma teoria que defende que nas anteriores catástrofes naturais ocorridas nos EUA a resposta por parte das entidades públicas foi muito mais eficaz do que a que ocorreu agora em New Orleans. Uma das catástrofes citadas é o terramoto de 1906 em San Francisco.

Não me parece que quem defende esta teoria particular esteja historicamente correcto. Deixo aqui notas do testemunho de Jack London, o famoso escritor americano, que se encontrava na altura por aquelas paragens:

- "Not in history has a modern imperial city been so completely destroyed.
San Francisco is gone. Nothing remains of it but memories and a fringe of dwelling-houses on its outskirts. Its industrial section is wiped out. Its business section is wiped out. It social and residential section is wiped out. The factories and warehouses, the great stores and newspaper buildings, the hotels and palaces of the nabobs, are all gone.

Within an hour after the earthquake shock the smoke of San Francisco's burning was a lurid tower visible a hundred miles away. And for three days and nights this lurid tower swayed in the sky, reddening the sun, darkening the day, and filling the land with smoke.

There was no opposing the flames. There was no organization, no communication. All the cunning adjustements of a twentieth century city had been smashed by the earthquake. The streets were humped into ridges and depressions, and piled with the debris of fallen walls.

Dynamite was lavishly used, and many of San Francisco's proudest structures were crumbled by man himself into ruins, but there was no withstanding the onrush o' the flames. Time and again successful stands were made by the firefighters, and every time the flames flanked around on either side, or came up from the rear, and turned to defeat the hard-won victory.

On Thursday morning, at a quarter past five, just twenty-four hours after the earthquake, I sat on the steps of a small residence on Nob Hill. I went inside with the owner of the house on the steps of which I sat. He was cool and cheerful and hospitable. "Yesterday morning," he said, "I was worth six hundred thousand dollars. This morning this house is all I have left. It will go in fifteen minutes."

He pointed to a large cabinet. "That is my wife's collection of china. This rug upon which we stand is a present. It cost fifteen thousand dollars. Try that piano. Listen to its tone. There are few like it. There are no horses.
The flames will be here in fifteen minutes."

Outside, the old Mark Hopkins residence, a palace, was just catching fire.
The troops were falling back and driving the refugees with them. From every side came the roaring of flames, the rashing of walls, and the detonations of dynamite
".

(Carlos Costa)

*

(...) Tendo isto em consideração, em primeiro lugar, parece-me que a surpresa hipócrita que diz existir nos media (nalguns casos será mesmo assim, não duvido) por fingir a descoberta da pobreza (que antes estaria escondida) nos EUA, poderá estar a ser mal interpretada.

Por mim falo quando me confesso surpreso, e consternado, não porque os pobres existem ali, não porque são na sua vasta maioria pretos, mas sim porque foram inequivocamente discriminados e negligenciados em favor de outros grupos sociais. Se se tratou de racismo puro e duro, pela cor da pele, ou racismo social, não sei. Qual deles será pior?

Mesmo que, até poderei conceder isto no limite, não tenha havido discriminação alguma e simplesmente quem tinha posses e meios pôde fugir e quem não tinha não pôde, a surpresa prende-se com a não protecção e ajuda aos que mais precisaram.

Talvez existam mais pessoas que se reconheçam nesta surpresa do que no espanto pela descoberta de pobres, e pretos, nos EUA, em particular no Sul. E talvez seja isso que leve os media a procurar as razões da inacção e da impreparação das autoridades.

Em segundo lugar, será legítimo comparar esta situação com a do Tsunami? O Katrina quando chegou a NO era já um furacão de grau 4 e os maiores estragos e vítimas não foram causadas directamente por ele mas sim pelas inundações que ocorreram após o rebentamento dos diques. E são estas inundações as responsáveis pelos dramas de isolamento e salvamento que têm deliciado os noticiários.

Então, por um lado, (ao que parece) não existem grandes imagens do furacão e, por outro, mesmo que existam, estas não colhem tanta audiência como os dramas humanos que por ali subsistem mesmo a pedir uma câmara de televisão.

Esta é uma situação bem distinta da do Tsunami. Isto pode ser tudo muito criticável, e é-o de certeza, mas não em sede de anti-americanismo, neste caso.

(Pedro Filipe da Silva Gaspar)

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AR PURO


Albert Bierstadt, Evening Glow, Lake Louise

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EARLY MORNING BLOGS 601:
"COMO PASSAREI SEM PONTE?"


Pastoral

Mote

Vai o rio de monte a monte,
Como passarei sem ponte?

Voltas

É o vau mui arriscado,
Só nele é certo o perigo;
O tempo como inimigo
Tem-me o caminho tomado.
Num monte está meu cuidado,
E eu, posto aqui noutro monte,
Como passarei sem ponte?

Tudo quanto a vista alcança
Coberto de males vejo:
D'aquém fica meu desejo
E d'além minha esperança.
Esta, contínua, me cansa
Porque está sempre defronte:
Como passarei sem ponte?

(Francisco Rodrigues Lobo)

*

Bom dia!

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14.9.05


COISAS DA SÁBADO:
A “INFOROPINIÃO”, A INFORMAÇÃO A QUE TEMOS DIREITO (2)



O PODER DE CLASSIFICAR

Uma das características da “inforopinião” está em reclamar unilateralmente o poder de nomear, mesmo á revelia dos nomeados. No que diz respeito às classificações políticas esse poder de nomear, de chamar um nome, de impor uma classificação a alguém, é ele próprio impregnado de política. É política, não é jornalismo, porque essas classificações não são neutras, nem meramente descritivas. Não é preciso ir mais longe do que a história do “PPD-PSD”, ou a flutuação entre CDS e PP, que traduz muito da história recente do CDS-PP.

Pois bem, em que manual de estilo, código deontológico, ou outro código de normas se baseiam os jornalistas para usarem indiscriminadamente como agora usam a classificação de esquerda / direita? Em nenhum, apenas numa generalização de uma classificação que tinha entrado em desuso no sistema político português até que foi retomada pelo PP de Portas e pelo BE como instrumento identitário. Hoje, a classificação esquerda / direita é redutora e serve principalmente o discurso da esquerda, e depois da direita mais radical.

Os jornalistas que não chamam, por norma, ao BE um partido de extrema-esquerda, nem ao PP [de Portas] , de extrema-direita, o que podiam fazer em bom rigor, por que razão chamam ao PSD um partido de direita e não de centro, o que também se poderia justificar quando se usa estas classificações? Se fossemos por aqui ver-se-ia bem como o poder de nomear tem claros efeitos na luta política. Sendo assim, que direito tem um jornalista numa notícia de distribuir classificações de direita e de esquerda para grupos políticos que nelas não se reconhecem? Nenhum.

*

Li atenta e repetidamente o seu "post" a propósito do "Poder de Classificar" e questiono-me se o terei percebido de uma forma demasiado simplificada.

Está-se à procura de jornalistas objectivos, que sejam imunes à utilização da terminologia comum, cinjindo-se às designações oficiais? Não sou jornalista, também não tenho particular estima pela classe, mas penso que a sua censura aponta para algo de demasiado utópico.

Talvez alguns façam as classificações que descreve motivados por razões de caracter estritamente político, só que possivelmente a maioria dos jornalistas fa-lo-á por um prosaico arrastamento que se estenderá depois aos leitores.

É prosaico, tem muito de moda, é pouco aprofundado, mas é que o fez vender o "Equador" e o livro do José Gil, ainda faz vender "Expressos" e torna interessantes as piadas a propósito das intervenções televisivas de António Vitorino e de Jorge Coelho.

No caso concreto que aponta, o Sr., que até goza, como comentador e colaborador, de uma posição ímpar em vários órgãos de comunicação social, pode tentar neutralizar a classificação do PSD como partido de direita. Até pode ser que não consiga. Porque a localização faça algum sentido.

É que suponho que também o PC gostaria que muitas das suas actividades fossem noticiadas como as da grande "coligação unitária" de que faz parte... Mas confesso-lhe que o mito da FEPU, da APU, da CDU (está quase a celebrar os 30 anos...) já está bastante gasto. E não posso censurar nenhum jornalista por não lhe prestar atenção nenhuma.

(A.Teixeira)

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COISAS DA SÁBADO:
A “INFOROPINIÃO”, A INFORMAÇÃO A QUE TEMOS DIREITO (1)



Se em Portugal para cobrir os incêndios se usasse a mesma linguagem que se usou para falar dos EUA e de Bush, tinha caído o Carmo e a Trindade, mais várias igrejas de Lisboa. E bem, porque informação é informação e opinião é opinião. Nós cá temos “inforopinião”, nem uma coisa nem outra, ou pior, opinião disfarçada de informação. A “inforopinião” é um dos ramos do “politiquês”, muito praticado pelos jornalistas. Os jornais, com o estilo das notícias assinadas que misturam factos com julgamentos de valor, as televisões com os pivots dos telejornais fazendo comentários e “bocas” pessoais, resultam numa poluição do espaço público, com efectivos resultados no incremento da desinformação.

Quando se diz isto, em particular nos momentos quentes, quando produzir “inforopinião” vai de vento em popa, quando se está a ganhar a batalha da política produzindo “inforopinião” e garantindo a pressão desta nova forma de pensamento único, denuncia-lo leva também à queda do Carmo e da Trindade e várias igrejas de Lisboa. Que se quer matar o mensageiro, que se é mais papista do que o Papa, que todos dizem o mesmo, até gente que está do “outro lado”, que vultos importantes e sábios e respeitados não duvidam que é assim. Ninguém se interroga porque razão, no mundo dividido dos dias de hoje, há tanta unanimidade.

Voltemos ao tratamento dos incêndios em contraste com o do Katrina. Nos incêndios portugueses se se seguissem as mesmas normas discursivas, Portugal não seria referido pelo nome, mas como “um dos países mais pobre da Europa” (um equivalente à “superpotência”, nome que os EUA passaram a ter) e Sócrates como o “veraneante do Quénia”, quando desaparecido, e, quando aparecido, como querendo remediar a sua imagem procurando uma “photo-opportunity”. Teria à sua frente um tribunal de responsabilidade imediata, em contraste com uma comunicação que tendeu a isentar Sócrates de qualquer responsabilidade. Bush balbuciaria sobre outras causas naturais e artificiais, como Sócrates fez de modo mais arrogante, mas ninguém permitiria que tudo deixasse de ser da sua única e exclusiva responsabilidade.

Se estes exageros são inadmissíveis por cá, porque é que são legítimos lá?

UMA FUNÇÃO QUE FALTA POR CÁ E QUE ABUNDA POR LÁ

Para dirimir este tipo de conflitos interpretativos, e saber quem tem razão, existem meios, estudos, análises. Esta é uma função que falta por cá, e, por acaso, abunda por lá, na “superpotência” - a análises a tempo relativamente curto, do bias comunicacional, do mau jornalismo, do “jornalismo de causas”, uma contradição entre os termos. Uso a palavra inglesa bias porque não há nenhuma em português que forneça o mesmo conceito (*): não é só a manipulação, ou o carácter tendencioso, é mais do que isso, é a análise do conjunto de preconceitos, posições apriorísticas, que condicionam voluntária e involuntariamente a informação, a que se soma como é evidente o trabalho de má qualidade. Não me refiro ao comentário, nem aos editoriais, onde o único problema que existe é o do saber se há pluralismo ou não. Refiro-me às notícias, a parte nobre do jornalismo, a que justifica o jornalismo – contar-nos o que se passa, para nós tirarmos as nossas conclusões, o contrário da “inforopinião”.

É verdade que é terreno muito minado, por grupos de pressão políticos e de interesse, mas há também muita universidade nesta área em que professores e alunos poderiam fornecer estudos a tempo de servirem para alguma coisa, nem que seja para que uma sempre pequeníssima parte da opinião pública possa julgar sobre o produto que lhe está a ser dado. Analisamos os iogurtes com critérios de qualidade alimentar, não analisamos jornais e televisões com critérios de qualidade intelectual, justiça, apego à verdade. Palavras, dizem alguns cínicos. Pois é, são palavras, mas quando faltam os comportamentos a que elas correspondem, sofremos ainda mais do que com um iogurte estragado.

Digo isto por interesse próprio, porque sou um crítico do jornalismo que se faz em Portugal, com as habituais excepções, e já estou um pouco farto de ver os estudos a posteriori mostrar aquilo que era mais do que evidente na altura, mas, quando se dizia, fazia a classe subir pelas paredes das palavras acima. Por exemplo, que Mário Soares gozava ( e goza) de um tratamento privilegiado na comunicação social portuguesa e que manipulou os jornalistas quando da sua Presidência. Por exemplo, que o tratamento comunicacional da questão de Timor pouco teve a ver com jornalismo nos momentos críticos do referendo. Por exemplo, que o conflito israelo-palestiniano é sistematicamente representado a favor dos palestinianos. Há muitos etc.

Nestas alturas críticas, em que o seu próprio poder é posto em causa, muitos maus jornalistas, com receio que a gente os perceba, reagem com extrema veemência, defendendo o seu direito de manipular, em nome da sua superioridade moral de isentos profissionais. Orwell chamava a isto “doubletalk”. Tenho pena, tenho muita pena, que só muito depois dos factos consumados, os estudos apareçam mostrando aquilo que de imediato alguns, muito poucos, porque a pressão dos media é um poder de facto, puderam ver. Bias.

(*)
O bias? Mas por que não o viés? Aliás, quer a palavra inglesa quer a portuguesa vêm do francês (ou do provençal) biais. Ou por que não o enviesamento? Ou mesmo o desvio?

(AC)

Eu uso a palavra viés; enviesada é muita opinião e informação que se nem dá conta de tal.

(H. Carmona da Mota)


(...) na sua coluna na revista Sábado desta semana, diz não haver tradução, em português, da palavra inglesa “Bias”. Como psicólogo e neto de uma costureira, venho propor-lhe a palavra “enviezamento”, utilizada em ambas as profissões e que responde aos significados que procurava transmitir com a sua coluna. Aliás, embora traduza “Bias” por tendência, o dicionário Webster traduz enviezamento por “bias”. De qualquer forma, fala de uma perspectiva enviezada da realidade, em que os jornalistas não seguem a realidade como se lhes apresenta, mas através de um conjunto de pré-conceitos que perturba todo o processo de informação.

(Miguel Augusto Santos)

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