ABRUPTO

15.9.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
KATRINA, AMERICA, FOGOS, IMAGENS, PALAVRAS



A propósito dos seus textos e de outros colunistas sobre o tratamento dado pelos "media" portugueses, deixe-me desabafar um pouco. Eu também acho que existe uma antiamericanismo hipócrita em cronicas que apareceram por aí, mas o que agora se pretende é passar para o outro lado, ou seja, para o tempo em que atacar-se o partido comunismo era fazer o jogo da reacção.

Comparar os fogos com o Katrina só tem um ponto em comum: são catástrofes da natureza, mesmo se no caso dos fogos existam fogos postos. Tudo o resto passa por muita demagogia. Se num caso não se deve cair no caminho esquerdista de ver só agora a pobreza nos EUA ou a desigualdade entre brancos e outras etnias, também não se deve insinuar que no caso português os fogos atacaram só os mais desfavorecidos. Não é verdade e também não é verdade qe os pós catástrofes sejam identicas nos dois casos. Contrariamente ao que também diz muita imprensa, em particular na TV as pessoas não ficaram, genaricamente,na miséria após os fogos. Sustentar isto é não perceber nada do que se passa no interior ruram de Portugal em termos de economia das pessoas.
Disto isto e sem ilusões é ou não verdade que foi substimado o tornado? Que falhou a evacuação? Se acontecesse cá o JPP não estaria na primeira linha da denúncia da situação? Penso que sim.

No caso português fala-se muito de combate e prevenção aos fogos,mas sinceramente ninguém fala a sério ou percebe muito do assunto, pelos menos os que leio e vejo na TV. Os governos, todos têm demonstrado pouco perceber do assunto e por isso vemos as figuras tristes que fazem quando falam (ex: António Costa) falando e nada dizendo. Fogem então para a frente e prometem mundos e fundos, gastando dinheiro que não vai resolver nada.

Para além dos combates ideológigos que se travam entre os pró e contra qualquer coisa existem pessoas. Problemas humanos. É sobre esses que gosto de falar e ouvir falar. Tentar perceber. E isso não é fácil neste tempo sem muitas ideias e demasiadas acusações.

(João Leitão)

*

(...) Gostaria de lembrar que o próprio Bush alimenta estas interpretações pseudo-teológico-escatológicas (ou seja lá o que lhe quiserem chamar).
Existe um artigo muito interessante sobre isso aqui

(Cláudia Silva)

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Há (...) uma matéria onde nunca consegui ver nos seus argumentos suporte bastante para as conclusões que tira: trata-se do que designa por antiamericanismo ou, na versão mais emotiva, antiamericanismo primário.
Permita-me, a este propósito, um comentário ao seu artigo "Sodoma e Gomarra".

Espanto-me com a sua sanha no ataque a quem pensa, e o expressa, p.e., que os EUA fazem tábua rasa do direito internacional quando os seus interesses estão em jogo (caso do Iraque, entre muitos conhecidos), ou que os EUA têm debilidades estruturais gritantes (caso Katrina, que expôs algumas das muitas que muitos desconheciam).
Espanto-me, sobretudo, quando esse mesmo ataque começa por constatar os factos, e assim reconhecer pertinentes as razões que levam à formação da opinião (que designa de antiamericana) que tão ásperamente contesta.

No artigo referido começa por dar como incontestável, p.e., que "alguma [...] coisa correu muito mal nos primeiros dias no apoio às vítimas do furacão Katrina" e que "parte [...] do que correu mal se deve à administração federal do Presidente Bush", para, sem mais, manifestar a sua indignação com o que considera ser a "histeria anti-Bush, e antiamericana que varreu a comunicação social" aproveitando os ventos do Katrina.

Indignação esta ampliada pelo facto de não ser "apenas a guerra do Iraque, embora esta seja um irritante [para quem ?] muito especial, são muito mais coisas, é a "superpotência", é o sistema económico, é o "imperialismo" cultural de Hollywood, é a globalização, são os McDonalds, são os alimentos geneticamente modificados, é o Deus das notas do dólar". Estes polémicos temas apenas são elencados, parecendo, contudo, que a mera abordagem dos mesmos é para si, no mínimo irritante e, quase certamente, sinal de antiamericanismo primário. Como se estas fossem questões menores ou definitivamente (bem) resolvidas e não fossem, entre outras, o âmago da "discussão" - a manter, como, apesar de tudo, espero nos deixem.

Reconhecendo, mais abaixo, que "A pobreza esteve lá sempre, nuns sítios mais, noutros menos. A desigualdade social também", continua a indignar-se com o que considera ser a transformação das vítimas do furacão em "bandeira para mostrar que o sistema é mau e o Presidente péssimo".
Termina em grande, pondo no mesmo pé "os fundamentalistas da Al-Qaeda", os "do Bible belt" e quem diga mal dos males da América- já que todos considerarão a desgraça do Katrina um castigo de Deus, ao estilo de Sodoma e Gomarra.

Espanto-me, pois, com o que parece ser uma posição de defesa a qualquer custo dos EUA, independentemente das razões que assistam a quem critica as suas (muitas) opções reconhecidamente erradas ou as suas (muitas) omissões escandalosas ou as suas (muitas) actuações ao arrepio do direito internacional, ou ainda as suas (muitas) debilidades políticas e sociais.
Espanto-me tanto mais quanto os EUA não precisam de quem os defenda, tal o número coisas boas que deram ao mundo e tal o seu poderio, nomeadamente em termos de influência da opinião pública mundial, em geral, e do mundo ocidental, em particular.

Não deixa de ser curioso verificar que inicia o seu artigo fazendo um reconhecimento das razões que aos designados antiamericanos assitem, antes de passar a zurzir nas opiniões que nelas se suportam. Como se fizesse uma concessão ao adversário, mas ganhando balanço para o arremesso.

Posição idêntica, aliás, à de quem se sente na obrigação de afirmar a sua simpatia pelos EUA antes de criticar qualquer das suas facetas. Tal como as crónicas de contestação à invassão do Iraque, as quais, para serem "credíveis", têm de começar por afirmar o óbvio: a condenação do terrorismo, a indignação pelas vitimas inocentes, etc.

Uns e outros necessitam de demonstrar, à partida, a sua seriedade. Ou desculparem-se (má consciência?) de ter aquela opinião..
Não poucos, todavia, defendem-se apenas do estigma de antiamericanismo primário, chavão nada inocente utilizado até à exaustão por uma cultura maniqueista cegamente (?) pro-americana. Tão maniqueista e cega como a dos tempos em que os estalinistas se idignavam e irritavam com qualquer crítica à ex-URSS, designando-a de imediato como anti-comunismo primário.

Permita-me que lhe lembre que tudo tem a ver com tudo. Se alguns comentadores se suportam no Katrina e nas suas consequências para reflectir sobre a realidade dos EUA e do mundo, não deve tal ser visto conspiração anti qualquer coisa ou mera indigência mental, mas antes como o direito de expressão de quem pensa diferente e tem a coragem de o expressar, como, aliás, o senhor faz.

Não pode, nem deve, um comentador intelectualmente honesto constatar que os diques rebentaram e omitir que tal ocorreu porque não houve investimento público para a sua que consolidação. Tal como não pode, nem deve, constatar que a quase totalidade das vítimas são negras e pobres e omitir as razões, sociais e políticas, do facto. Da mesma forma, não pode, nem deve, deixar de realçar que, nos EUA - onde nos ensinaram a esperar a melhor organização e eficácia -, um imenso leito de cheia tenha sido ocupada por aglomerados habitacionais, em convivência com indústrias e equipamentos estruturantes, para além de poluentes,sem que fossem garantidas, como se demonstrou, as condições mínimas de segurança. Destes e doutros factos, porque actuais, porque relevantes e porque significativos, não podemos exigir aos comentadores que soneguem as causas, não associem outros, ou não extrapolem consequências.
Por outro lado, será de ter em conta que o algo de menos agradável que agora venha a ser dito está largamente contrabalançado com o imenso caudal de informação positiva sobre os EUA que ao longo dos anos desaguou e vai continuar a desaguar sobre as cabeças pensantes e não pensantes dos cidadãos deste mundo. Condutores deste caudal não faltam.

Por último, um comentário à invocação do exemplo bíblico do castigo de Deus.
Para além de algo despropositado, parece-me claramente infeliz: é que, do que conhecemos, o que alguma vez mais se aproximou do que terá acontecido em Sodoma e Gomarra, foi Hiroshima e Nagasaki. Obra dos humanos que sabemos e sem, quero acreditar, o assentimento de Deus. Obra que nos envergonha a todos. Não podemos dizer o mesmo do Katrina, que apenas envergonhará alguns.

(M.J.Correia)

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Li o seu texto do "Público" reproduzido no seu "blog" com o qual concordo parcialmente ( não tenho a opinião de que toda a imprensa europeia imputou a Bush e à sua política a causa da "não ajuda atempada" ou a da "pobreza" nos Estados Unidos ).

No entanto fiquei admirado por não ouvir referência entre o contraste da onda de solidariedade europeia ( e em particular a portuguesa ) que ocorreu quando do tsunami - a maior de que me recordo - e a de agora, que practicamente não existiu.

Apenas porque uns eram muito pobres ( os asiáticos ) e os outros apenas pobres ( os americanos ) ? Porque no tsunami morreram alguns milhares de europeus e agora não ?

Não sei as respostas, mas parece-me que estamos um pouco ( muito ) indiferentes ao que se passa nos EUA. E a culpa não é só dos orgãos de comunicação europeus, mas nuito também da política do "MacDonalds" a que ouvi chamar há muitos anos na Alemanha como "a Embaixada dos EUA" .

(Feliciano Antunes)

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Tenho lido em alguns blogues da nossa praça uma teoria que defende que nas anteriores catástrofes naturais ocorridas nos EUA a resposta por parte das entidades públicas foi muito mais eficaz do que a que ocorreu agora em New Orleans. Uma das catástrofes citadas é o terramoto de 1906 em San Francisco.

Não me parece que quem defende esta teoria particular esteja historicamente correcto. Deixo aqui notas do testemunho de Jack London, o famoso escritor americano, que se encontrava na altura por aquelas paragens:

- "Not in history has a modern imperial city been so completely destroyed.
San Francisco is gone. Nothing remains of it but memories and a fringe of dwelling-houses on its outskirts. Its industrial section is wiped out. Its business section is wiped out. It social and residential section is wiped out. The factories and warehouses, the great stores and newspaper buildings, the hotels and palaces of the nabobs, are all gone.

Within an hour after the earthquake shock the smoke of San Francisco's burning was a lurid tower visible a hundred miles away. And for three days and nights this lurid tower swayed in the sky, reddening the sun, darkening the day, and filling the land with smoke.

There was no opposing the flames. There was no organization, no communication. All the cunning adjustements of a twentieth century city had been smashed by the earthquake. The streets were humped into ridges and depressions, and piled with the debris of fallen walls.

Dynamite was lavishly used, and many of San Francisco's proudest structures were crumbled by man himself into ruins, but there was no withstanding the onrush o' the flames. Time and again successful stands were made by the firefighters, and every time the flames flanked around on either side, or came up from the rear, and turned to defeat the hard-won victory.

On Thursday morning, at a quarter past five, just twenty-four hours after the earthquake, I sat on the steps of a small residence on Nob Hill. I went inside with the owner of the house on the steps of which I sat. He was cool and cheerful and hospitable. "Yesterday morning," he said, "I was worth six hundred thousand dollars. This morning this house is all I have left. It will go in fifteen minutes."

He pointed to a large cabinet. "That is my wife's collection of china. This rug upon which we stand is a present. It cost fifteen thousand dollars. Try that piano. Listen to its tone. There are few like it. There are no horses.
The flames will be here in fifteen minutes."

Outside, the old Mark Hopkins residence, a palace, was just catching fire.
The troops were falling back and driving the refugees with them. From every side came the roaring of flames, the rashing of walls, and the detonations of dynamite
".

(Carlos Costa)

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(...) Tendo isto em consideração, em primeiro lugar, parece-me que a surpresa hipócrita que diz existir nos media (nalguns casos será mesmo assim, não duvido) por fingir a descoberta da pobreza (que antes estaria escondida) nos EUA, poderá estar a ser mal interpretada.

Por mim falo quando me confesso surpreso, e consternado, não porque os pobres existem ali, não porque são na sua vasta maioria pretos, mas sim porque foram inequivocamente discriminados e negligenciados em favor de outros grupos sociais. Se se tratou de racismo puro e duro, pela cor da pele, ou racismo social, não sei. Qual deles será pior?

Mesmo que, até poderei conceder isto no limite, não tenha havido discriminação alguma e simplesmente quem tinha posses e meios pôde fugir e quem não tinha não pôde, a surpresa prende-se com a não protecção e ajuda aos que mais precisaram.

Talvez existam mais pessoas que se reconheçam nesta surpresa do que no espanto pela descoberta de pobres, e pretos, nos EUA, em particular no Sul. E talvez seja isso que leve os media a procurar as razões da inacção e da impreparação das autoridades.

Em segundo lugar, será legítimo comparar esta situação com a do Tsunami? O Katrina quando chegou a NO era já um furacão de grau 4 e os maiores estragos e vítimas não foram causadas directamente por ele mas sim pelas inundações que ocorreram após o rebentamento dos diques. E são estas inundações as responsáveis pelos dramas de isolamento e salvamento que têm deliciado os noticiários.

Então, por um lado, (ao que parece) não existem grandes imagens do furacão e, por outro, mesmo que existam, estas não colhem tanta audiência como os dramas humanos que por ali subsistem mesmo a pedir uma câmara de televisão.

Esta é uma situação bem distinta da do Tsunami. Isto pode ser tudo muito criticável, e é-o de certeza, mas não em sede de anti-americanismo, neste caso.

(Pedro Filipe da Silva Gaspar)

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