ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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14.9.05
COISAS DA SÁBADO: A “INFOROPINIÃO”, A INFORMAÇÃO A QUE TEMOS DIREITO (1) Se em Portugal para cobrir os incêndios se usasse a mesma linguagem que se usou para falar dos EUA e de Bush, tinha caído o Carmo e a Trindade, mais várias igrejas de Lisboa. E bem, porque informação é informação e opinião é opinião. Nós cá temos “inforopinião”, nem uma coisa nem outra, ou pior, opinião disfarçada de informação. A “inforopinião” é um dos ramos do “politiquês”, muito praticado pelos jornalistas. Os jornais, com o estilo das notícias assinadas que misturam factos com julgamentos de valor, as televisões com os pivots dos telejornais fazendo comentários e “bocas” pessoais, resultam numa poluição do espaço público, com efectivos resultados no incremento da desinformação. Quando se diz isto, em particular nos momentos quentes, quando produzir “inforopinião” vai de vento em popa, quando se está a ganhar a batalha da política produzindo “inforopinião” e garantindo a pressão desta nova forma de pensamento único, denuncia-lo leva também à queda do Carmo e da Trindade e várias igrejas de Lisboa. Que se quer matar o mensageiro, que se é mais papista do que o Papa, que todos dizem o mesmo, até gente que está do “outro lado”, que vultos importantes e sábios e respeitados não duvidam que é assim. Ninguém se interroga porque razão, no mundo dividido dos dias de hoje, há tanta unanimidade. Voltemos ao tratamento dos incêndios em contraste com o do Katrina. Nos incêndios portugueses se se seguissem as mesmas normas discursivas, Portugal não seria referido pelo nome, mas como “um dos países mais pobre da Europa” (um equivalente à “superpotência”, nome que os EUA passaram a ter) e Sócrates como o “veraneante do Quénia”, quando desaparecido, e, quando aparecido, como querendo remediar a sua imagem procurando uma “photo-opportunity”. Teria à sua frente um tribunal de responsabilidade imediata, em contraste com uma comunicação que tendeu a isentar Sócrates de qualquer responsabilidade. Bush balbuciaria sobre outras causas naturais e artificiais, como Sócrates fez de modo mais arrogante, mas ninguém permitiria que tudo deixasse de ser da sua única e exclusiva responsabilidade. Se estes exageros são inadmissíveis por cá, porque é que são legítimos lá? UMA FUNÇÃO QUE FALTA POR CÁ E QUE ABUNDA POR LÁ Para dirimir este tipo de conflitos interpretativos, e saber quem tem razão, existem meios, estudos, análises. Esta é uma função que falta por cá, e, por acaso, abunda por lá, na “superpotência” - a análises a tempo relativamente curto, do bias comunicacional, do mau jornalismo, do “jornalismo de causas”, uma contradição entre os termos. Uso a palavra inglesa bias porque não há nenhuma em português que forneça o mesmo conceito (*): não é só a manipulação, ou o carácter tendencioso, é mais do que isso, é a análise do conjunto de preconceitos, posições apriorísticas, que condicionam voluntária e involuntariamente a informação, a que se soma como é evidente o trabalho de má qualidade. Não me refiro ao comentário, nem aos editoriais, onde o único problema que existe é o do saber se há pluralismo ou não. Refiro-me às notícias, a parte nobre do jornalismo, a que justifica o jornalismo – contar-nos o que se passa, para nós tirarmos as nossas conclusões, o contrário da “inforopinião”. É verdade que é terreno muito minado, por grupos de pressão políticos e de interesse, mas há também muita universidade nesta área em que professores e alunos poderiam fornecer estudos a tempo de servirem para alguma coisa, nem que seja para que uma sempre pequeníssima parte da opinião pública possa julgar sobre o produto que lhe está a ser dado. Analisamos os iogurtes com critérios de qualidade alimentar, não analisamos jornais e televisões com critérios de qualidade intelectual, justiça, apego à verdade. Palavras, dizem alguns cínicos. Pois é, são palavras, mas quando faltam os comportamentos a que elas correspondem, sofremos ainda mais do que com um iogurte estragado. Digo isto por interesse próprio, porque sou um crítico do jornalismo que se faz em Portugal, com as habituais excepções, e já estou um pouco farto de ver os estudos a posteriori mostrar aquilo que era mais do que evidente na altura, mas, quando se dizia, fazia a classe subir pelas paredes das palavras acima. Por exemplo, que Mário Soares gozava ( e goza) de um tratamento privilegiado na comunicação social portuguesa e que manipulou os jornalistas quando da sua Presidência. Por exemplo, que o tratamento comunicacional da questão de Timor pouco teve a ver com jornalismo nos momentos críticos do referendo. Por exemplo, que o conflito israelo-palestiniano é sistematicamente representado a favor dos palestinianos. Há muitos etc. Nestas alturas críticas, em que o seu próprio poder é posto em causa, muitos maus jornalistas, com receio que a gente os perceba, reagem com extrema veemência, defendendo o seu direito de manipular, em nome da sua superioridade moral de isentos profissionais. Orwell chamava a isto “doubletalk”. Tenho pena, tenho muita pena, que só muito depois dos factos consumados, os estudos apareçam mostrando aquilo que de imediato alguns, muito poucos, porque a pressão dos media é um poder de facto, puderam ver. Bias. (*) O bias? Mas por que não o viés? Aliás, quer a palavra inglesa quer a portuguesa vêm do francês (ou do provençal) biais. Ou por que não o enviesamento? Ou mesmo o desvio? (AC) Eu uso a palavra viés; enviesada é muita opinião e informação que se nem dá conta de tal. (H. Carmona da Mota) (...) na sua coluna na revista Sábado desta semana, diz não haver tradução, em português, da palavra inglesa “Bias”. Como psicólogo e neto de uma costureira, venho propor-lhe a palavra “enviezamento”, utilizada em ambas as profissões e que responde aos significados que procurava transmitir com a sua coluna. Aliás, embora traduza “Bias” por tendência, o dicionário Webster traduz enviezamento por “bias”. De qualquer forma, fala de uma perspectiva enviezada da realidade, em que os jornalistas não seguem a realidade como se lhes apresenta, mas através de um conjunto de pré-conceitos que perturba todo o processo de informação. (Miguel Augusto Santos) (url)
© José Pacheco Pereira
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