ABRUPTO

16.9.05


RESPONSABILIDADE, CREDIBILIDADE E CONFIANÇA



(No Público de ontem.)

Os políticos costumam ser responsabilizados por todas as coisas, muitas vezes injustamente. Há porém uma coisa pela qual são quase que inteiramente responsáveis: a existência de um clima de credibilidade das instituições que gere factores de confiança. É certo que, mesmo quando cumprem plenamente as suas obrigações, têm que defrontar uma permanente cultura de cinismo da comunicação social, o "ninho de víboras" como lhe chamava há anos uma das mais prestigiadas revistas americanas que estuda o jornalismo, e isso cria dificuldades cada vez maiores, às vezes mais aos bons políticos do que aos maus. A comunicação social pode criticá-los e diminui-los todos os dias, mas "gosta" de Ferreira Torres ou Valentim Loureiro, porque eles produzem espectáculo.

A credibilidade das instituições, é também responsabilidade dos grandes corpos do estado, tão politizados como os políticos, cada vez mais produzindo um ruído de descrédito público, que se soma à crise das instituições, como infelizmente acontece com a justiça, com corpos de segurança como os bombeiros, com sectores das forças armadas e do funcionalismo público. Tudo isto conta, mas, mesmo assim, como numa democracia quem legisla para as forças armadas, a justiça, as forças de segurança, são os políticos, é deles a responsabilidade última se esses corpos do estado entram em disfunção.

Agora vamos aos "ora". Ora, não haverá ninguém hoje em Portugal que não refira a crise de credibilidade do sistema político e dos seus agentes, como um elemento fundamental na descrença da sociedade portuguesa no seu futuro, a começar pelo cidadão comum e a acabar nos agentes económicos. Existe hoje um gravíssimo problema de crise de confiança, que, sendo subjectivo, tem poderosos efeitos objectivos. Quando um empresário decide não investir, um jovem cientista ou profissional de mérito percebe que só tem carreira no estrangeiro, um politico capaz manda os partidos e o parlamento ás malvas, porque se sente impotente, ou uma família não poupa porque acha que não vale a pena dado que o dinheiro desaparece de qualquer maneira e mais vale gastá-lo, é de confiança que falamos e dos efeitos devastadores da sua falta.

Ora, desde Março, que temos um novo governo, feito de fresco, dotado de uma maioria absoluta no parlamento, legitimado tanto quanto o pode ser um governo em democracia. Um governo com tudo para ser forte, e no entanto… Ora, este governo durante o seu período crucial do "estado de graça", nos últimos seis meses, deveria gerar uma inversão da curva da desconfiança, deveria, pelo próprio facto de existir e ser, em teoria, um "governo forte", gerar confiança.

Ora, acontece exactamente o contrário, os níveis de confiança baixam para patamares de verdadeira depressão nacional, e, mesmo pequenas flutuações que existam, revelam que, tendo tudo para gerar confiança, este governo minou a confiança. E aqui voltamos aos políticos, à responsabilidade e à credibilidade.

Não se trata de confundir popularidade e confiança. Um governo pode descer nas suas taxas de popularidade e aumentar a confiança, coisa que me parece quase inevitável nos dias de hoje em que governar bem é tomar medidas difíceis. O problema é outro, é que um governo não pode tomar medidas, umas a seguir às outras, que agravam o descrédito da acção política e destroem a já de si escassa confiança existente sem sérias consequências. A arrogância do Primeiro-ministro pode fazer de conta que quer pode e manda, mas, mais cedo do que tarde, pagará o seu custo. Ele e nós.

Na lista das medidas que minam a credibilidade, estão duas á cabeça, a falsa promessa eleitoral sobre os impostos e a demissão do ministro das finanças quando este contestou a compatibilidade do grande programa de obras públicas com a necessidade de contenção financeira do estado. São ambas graves, a dos impostos porque acrescenta mais uma tábua no caixão da credibilidade das promessas eleitorais, e a demissão do ministro, porque ele era tido como um penhor da capacidade do governo em tomar medidas de contenção que todos sabem difíceis. A sua saída significou que o ímpeto inicial não era um verdadeiro ímpeto, mas um surto sem continuidade, que ficaria, desgarrado e inútil, no meio de um progressivo retorno á realidade gastadora. O silêncio sobre o próximo orçamento de estado, seja ele qual for, pode aprofundar esta descrença. Se o orçamento for duro e austero, deveria impedir as mil e uma promessas autárquicas dos candidatos do partido do governo que nunca irão ser cumpridas, se for laxista e inconsequente, confirmará o significado da saída do ministro das finanças. É o que dá este tipo de actuação, perde-se sempre.

Mas o pior é que se continuou depois, dia após dia, a minar a confiança, com os actos absolutamente lamentáveis das nomeações de personalidades do aparelho socialista, sem competência específica, para altos cargos no sistema de empresas públicas. O afastamento da administração da CGD por razões que nada tem a ver com a sua gestão, mas com a confiança política, é um terramoto cujas consequências ainda não acabaram. A principal instituição bancária do estado, passou a ter uma cadeia política de comando, particularmente grave na área do crédito, que "politizado", é um instrumento de manipulação poderoso na área económica. O sinal já foi percebido, e a confiança afunda-se.

A escolha de um deputado do PS, antigo ministro e porta-voz do partido para a área das finanças, para presidir ao Tribunal de Contas mostra como o governo está disposto a tudo e é capaz de tudo, para minimizar o sistema de "checks and balances" fundamentais num estado democrático. Por muito menos, alguém que todos conhecemos, falaria do seu "direito à indignação" pela "ditadura da maioria".

Não está em causa a pessoa, mas a oportunidade e o sinal que se dá. Mais tarde, estará em causa também a pessoa, e não compreendo como é que um homem prudente como o Guilherme Oliveira Martins não o antevê com clareza. Estará a pessoa, porque o estilo amável e protector com que gerirá o Tribunal de Contas, se não põe em causa nem a sua competência, nem a sua honestidade, põe em causa a sua capacidade de usar os instrumentos do controlo das contas do estado e das autarquias com agressividade, hoje mais que nunca necessária. É como com a luta contra a corrupção, a substância é fundamental, mas o estilo conta muito. A independência de um Presidente do Tribunal de Contas também se mede aí, na consciência da urgência de boas práticas para os dinheiros públicos, que, se for exercida, o fará entrar em choque quase imediato com os interesses do governo e do PS nas autarquias. Guilherme de Oliveira Martins é um "homem de diálogo", e o Presidente do Tribunal de Contas, no nosso estado e nos dias de hoje, não pode ser um "homem de diálogo".

Temo que este despudor funcional, em que pouco importa o pôr em causa a independência de corpos fundamentais do estado para proteger o governo, chegue aos serviços de informação e segurança, onde já há bastante partidarização, quer do PS, quer do PSD. Todas estas instituições são cruciais para que haja um mínimo de autoridade do estado, deviam ser mexidas com pinças, e o PS põe-lhe as mãos todas e sem luvas, tanta é a ganância de exercer o poder sem controlo.

*

Para a semana, voltaremos a este assunto, porque esta questão da credibilidade e da confiança, será a mais importante condicionante do processo eleitoral das Presidenciais. Aqui também, o PS e o governo, actuaram de modo a minar a credibilidade e a confiança, escolhendo Mário Soares. Como se vê pela forma como está a decorrer a pré-campanha, tal como é revelada pelo aspecto qualitativo das sondagens, Mário Soares hoje não acrescenta nada á confiança no sistema político, perdendo para Cavaco Silva em todos os elementos qualitativos da credibilidade mo julgamento dos portugueses. Nas sondagens, estes são os únicos resultados que vão para além da primeira volta.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]