ABRUPTO

7.9.08


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)


Em sequência da série 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. e 10.

No que diz respeito a traduções, tivemos esta semana uma impagável peça na TV (não fixei o canal) em que, falando do Google Chrome, o jornalista que fazia a locução transformou, sistematicamente, "browser" em "motor de busca"!

(José Campos)

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Muitos dos comentários dos seus fiéis leitores sobre erros grosseiros de tradução têm-se centrado em filmes e documentários. Bem mais grave são os erros na literatura oficial.
Como V/ bem sabe, atualmente uma parte importante da nova legislação tem origem na UE, seja através das diretivas a transpor internamente, seja através de regulamentos que nem sequer carecem de transposição. Toda essa massa legislativa é redigida em inglês antes de ser traduzida. Erros nessas traduções passam a ser lei e as aberrações são frequentes. E há imensos disparates que são depois virtualmente impossíveis de corrigir.

Muitos exemplos bem elucidativos podem encontrar-se nas normas internacionais de contabilidade que estão agora a tornar-se obrigatórias para quase todas as empresas. Todos os contabilistas sabiam o que eram as existências. Agora, as ditas existências passam a chamar-se inventários. Porque em inglês, se escreve "inventory" e foi fácil de traduzir "inventory" como inventário, sem haver a preocupação de notar que, tecnicamente, o inventário não é o conjunto das mercadorias (ou seja das existências), mas o ato de contar essas mesmas mercadorias, ou a listagem dessas mercadorias. Os empréstimos de cobrança duvidosa passam a empréstimos com imparidade. Porque em inglês se trata de "impaired loans". E não houve a preocupação de saber que imparidade nos bons dicionários de português tem um sentido bem diferente. Os ativos incorpóreos passaram a ativos intangíveis. Até nem está mal, mas havia mesmo a necessidade de substituir incorpóreo por intangível só porque em inglês é "intangible"? Valorização passou a mensuração. Também não está mal, mas era necessário mudar estes termos que muito de nós na vida da empresas utilizávamos.

E muito outros casos haveria a assinalar desde que a entrada na CEE, e a legislação sobre o IVA, nos trouxe esse lindo adjetivo que é o forfetário.

Também se podia contar a vez em que um relatório oficial especificava que o défice público deveria ser calculado de acordo com as regras da "AEE". E só depois de verificar o original se pôde concluir que em inglês se tratava das regras "ESA" (European System of Accounts), em português SEC (Sistema Europeu de Contas), e que o tradutor traduziu o acrónimo ESA como AEE porque pensou tratar-se da European Space Agence (ESA), em português Agência Espacial Europeia (AEE). ...

Cumprimentos (em breve diremos 'resguardos', etimilogia: "regards")

(Pedro K(C) Ferreira)

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Nos DVD's da série "Rome", ficamos a saber que "a irmandade de Miller" (dos moleiros) fez muito pão aquando da partida de César para a Grécia em perseguição a Pompeu; que o falo de Vulcão ("Vulcan's dick", ou a picha de Vulcano porque os legionários não teriam todos sido grandes eruditos no que ao uso do vernáculo concerne) era quente; ainda que havia conhecimento da Tabela Periódica de Mendeleev, já que o plutónio ("Plutonic Ether") fazia inchar cadáveres no mar, e em pleno Egipto, rodeados de esfinges e camelos, dois romanos comentavam haver ali muitos ciganos ("gippos", bom exemplo de extrapolação do calão da época para o idioma da produção, e que para o tradutor não pode significar egípcios...) e ainda outro Miller, decerto primo dos primeiros.

(Fernando Melro dos Santos)

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Um dos erros recorrentes na tradução, e que ainda há dias vi num dos canais do cabo, tem sido o de falar em "igrejas romanas" do séc. XI ou XII, numa confusão permanente com o termo "romanic", em inglês, e que se refere obviamente ao estilo românico, escola de arquitectura iniciada em França no séc. X.


(Fernando Correia de Oliveira)

VARIA

1.
A propósito do discurso de Manuela Ferreira Leite, a RTP-N exibiu uma peça "informativa" que me pareceu pouco séria. Primeiro foram mostradas imagens da intervenção policial no assalto ao BES (em que foi abatido um dos sequestradores). Passou-se em seguida às declarações de Manuela Ferreira Leite, criticando as recentes mega-operações policiais para televisão ver. Conclui a repórter que Manuela Ferreira Leite criticou a forma como a polícia agiu no caso do assalto ao BES. Má-fé, concluo eu.

2.
No "Expresso da Meia Noite", na SIC Notícias, debateram-se as eleições em Angola. Um dos convidados foi Luís Paixão Martins, consultor de comunicação do governo Angolano. Outro foi a jornalista Cândida Pinto, impedida pelo governo angolano de cobrir as ditas eleições. A determinada altura, o primeiro dirige-se à segunda com a seguinte frase: "como a SIC não esteve lá, posso acrescentar alguma informação de base directa".

À excepção de alguns sorrisos, esta frase ficou sem reparo. Infelizmente, digo eu. Não só por causa do seu profundo cinismo (porventura involuntário), mas pelo à-vontade com que foi dita.

Quantas mais vezes não terá Luís Paixão Martins já dito a jornalistas: "como você não esteve lá, posso acrescentar alguma informação de base directa"?

(Carlos Carvalho)

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Gostava apenas de assinalar as palavras do Ministro dos Assuntos Parlamentares Augusto Santos Silva em resposta a Manuela Ferreira Leite, em que mais uma vez e com palavras bonitas os disse o que realmente se passa em matéria de segurança, em que a ilusão vale mais que tudo!

Mais ou menos isto: "A Dra. Ferreira Leite criticou operações de transmissão de sentimento de segurança à população". Mesmo que não estejamos seguros, desde que pensemos que o estamos, está tudo bem!

(Ricardo Salgado )
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Ouvido hoje no telejornal das 20:00 da RTP1: as quase 9000 armas novas distribuídas às forças de segurança vão estar «de mira apontada à criminalidade violenta». Foi, como pode ver, um comentário factual, objectivo e desapaixonado ao evento em questão.

(José Carlos Santos)

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Começo por o citar:

“(…) não suportamos que nos digam sempre as mesmas coisas mesmo que sejam as fundamentais, não suportamos que não haja “novidade”, efémera e ficcional seja. (…)”

Depois,… já reparou como no linguarejar moderno a palavra “diferente” adquiriu um significado muito próximo de “bom”? Ouço frequentemente pessoas, quando querem referir algo como sendo bom, interessante, atractivo, dizerem simplesmente que é diferente, como se o facto de ser diferente fosse, só por si, uma condição de superioridade.

(José Farinha)

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