ABRUPTO

23.8.08


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
COISAS DA SÁBADO: “COMO DIZIA RAMBEAU...”

Em sequência da série 1, 2 e 3.

A qualidade das traduções nos programas de Tv é tal que me ocorre pensar que ela é confiada a "tradutores" adolescentes e pouco familiarizados com línguas, apesar de, nos créditos, virem muitas vezes referidas marcas de empresas "especializadas".
Ontem, um dos inefáveis exemplos era, na legendagem de um filme da TVCine, "I come out of seven hours of a plane" dava "saio de um plano de sete horas"...
Aproveito para me referir a um comentário do seu leitor Paulo L. que publicou no dia 11 de Agosto. Escreve ele sobre

"(...) uma dinastia imperial da Índia - os Mughals. Durante todo o documentário os locutor referiu-se a eles como "Mongóis", o que em questões de História "é chato". Ainda para mais, parece que de facto os Mughals não são exactamente um "imperiozito" mas os grandes governadores da Índia durante séculos. E pelo que pesquisei não se poderia admitir a hipótese de haver alguma relação com os Mongóis da Mongólia."


Claro que traduzir mughal (ou moghul) por mongol é um erro de palmatória; no entanto, ao contrário do que afirma, há uma relação entre o Império Mughal indiano e os "mongóis da Mongólia": o primeiro mughal a instalar-se na Índia vindo da Pérsia (Samarkanda) é Babur, um muçulmano descendente de Timur (Tamerlão) e Gengis Khan e cuja tribo era originária da Ásia Central.
O Império Mughal, de que Hydebarad foi a mais esplendorosa capital, atingiu um alto grau de sofisticação e cultura; foi, por exemplo, o Imperador mughal ShahJahan quem construiu o Taj Mahal.

(António Dias)

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Numa das visitas que faço com regularidade ao seu blog, constatei que no primeiro dos exemplos de más traduções, publicado no dia 20 às 16h32, surge apontada como “sem sentido nenhum”, a tradução de “by default” por “por defeito”. Sendo um profissional da área das TI, apontada como uma área onde o erro proliferaria, confesso que fiquei surpreendido com a referência. Sempre ouvi a expressão aos meus professores e eu próprio a transmito aos meus alunos, pelo que resolvi consultar o meu dicionário preferido – o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Nesse dicionário lá estava a referência a múltiplos significados da palavra “defeito”, entre os quais se contam:

4. Falta de algo necessário, carência (…). O mesmo dicionário aponta na etimologia da palavra defectus, do latim, para as quais são dados vários significados, entre os quais se encontram falha e falta.

Parece assim que o uso de ‘por defeito’, tal como usado na área das TI, tem todo o sentido, considerando o significado da palavra “defeito”, uma vez que é usada para indicar o que acontece quando não são fornecidos valores explícitos. Podia até dar-se o caso de não ter, mas o uso desta expressão é de tal modo frequente que podia passar a incorporar-se na língua, precisamente por via dos mesmos mecanismos que tantas expressões da área têm sido integradas na utilização mais geral da língua.

Naturalmente, a questão em si não têm uma grande importância, mas isto significa que nem sempre a opinião dos leitores parece assim tão acertada.

(Rui Ribeiro)

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O seu leitor Miguel Moura e Silva observou correctamente que no meio académico há textos traduzidos por pessoas que são, em princípio, peritos do assunto que é lá abordado e que, mesmo assim, contêm erros crassos de tradução. O exemplo mais frequente é, provavelmente, traduzir «to assume» (que significa «supor» ou «admitir») por «assumir». O pior é que me disseram que este uso já se encontra sancionado pelo Dicionário da Academia. Não o tendo à mão não posso confirmar. Em contrapartida, posso, isso sim, confirmar que o Houaiss não faz tal coisa.

(José Carlos Santos)

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Um tradutor amigo uma vez disse-me que a tradução está cheia de "falsos amigos", como estes exemplos todos o demonstram. A revisão, devia ser tão importante como a tradução e quase tão importante como a escrita nos jornais e nos meios de comunicação social, mas parece estar a cair em desgraça. O que parece estar também a fazer muita falta é a cultura geral e como um leitor exemplificou (com o consultor militar), a cultura especializada em muitos casos. Consultar quem sabe, não de tradução, mas do assunto traduzido.

Nunca mais me esqueço de um exemplo que um professor meu uma vez deu (na FEUP) e que também remete tudo isto para o acordo ortográfico e a sua profunda inutilidade: Nas correntes altas existe um aparelhómetro que em inglês é simplesmente "Key". Em português é "Seccionador". Em brasileiro, surpresa, é "Chave". Em Portugal faz-se o seccionamento, no Brasil o chaveamento. Assim não há idioma que resista.

(José Rui Fernandes)

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